Produtor rural é condenado por criar javaporcos sem autorização ambiental
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“Um agricultor de Matelândia (PR) multado pelo Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por criar javalis irregularmente conseguiu converter a penalidade pecuniária em prestação de serviço ambientais. Na última terça-feira (24/2), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve sentença que entendeu ter havido exagero por parte do órgão, uma vez que o homem não tem antecedentes, é de baixa renda e cuidava bem dos animais.
O criador foi autuado em 2002 e recorreu administrativamente alegando que seriam porcos e não javalis. Durante a tramitação do processo no Ibama, ele pôde ficar com a guarda dos animais. A Procuradoria do órgão chegou a recomendar a redução do valor da multa e posterior conversão em prestação de serviços ambientais, possibilidade prevista na legislação. Entretanto, o Ibama manteve a penalidade inicial, concluindo o processo administrativo em 2009.
Como o réu não pagou o débito, o órgão incluiu seu nome em um cadastro de dívida ativa e ingressou com uma execução fiscal na 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu (PR), pedindo a penhora da propriedade do agricultor. Ele, então, moveu embargos à execução, exigindo o reconhecimento de impenhorabilidade do imóvel e de desproporcionalidade do valor da multa, sob o argumento de que a estipulação do valor não foi explicada pelo órgão.
Em primeira instância, a Justiça atendeu aos pedidos. O valor da penalidade foi reduzido para o mínimo legal – que é de R$ 5 mil -, e esta convertida para a prestação de serviços ambientais a ser determinados pelo próprio Ibama. O órgão recorreu ao tribunal.
O relator do processo na 3ª Turma, desembargador federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, confirmou a sentença. Segundo o magistrado, a impenhorabilidade da pequena propriedade rural é assegurada pela Constituição. Em relação ao valor da sanção, Pereira disse que ‘o arbitramento do valor da sanção pecuniária deve ser devidamente fundamentado pela autoridade administrativa, notadamente, quando estabelecido acima do mínimo legal’. ‘Na falta dessa necessária fundamentação, a redução do valor da multa para o mínimo legal é medida que se impõe’, acrescentou”.
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
APELADO
:
ANTONIO VINCENZI
ADVOGADO
:
nilton luís marchi
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos opostos por ANTONIO VINCENZI à execução que lhe é movida pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA.
O dispositivo da sentença tem o seguinte teor:
Posto isso, extingo o feito, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para o fim de:
a) julgar improcedente o pedido de inépcia da inicial do executivo fiscal e de declaração de nulidade do título executivo;
b) julgar procedente o pedido de declaração de impenhorabilidade do imóvel matriculado sob o nº 8.383 no Cartório de Registro de Imóveis de Matelândia/PR; e
c) julgar procedente o pedido de reconhecimento de excesso de execução, com redução do valor da multa vinculada ao Auto de Infração nº 307351, Série D, para o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), bem como para autorizar a conversão da referida multa em serviços de preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente, a serem fixados pelo IBAMA, com comprovação nestes autos, e exigidos após notificação pessoal do autuado.
Sem custas (art. 7º da Lei 9.289/96).
Condeno o IBAMA ao pagamento da verba honorária em favor do embargante, que fixo em 10% do valor da atualizado da causa, desde o ajuizamento dos embargos, conforme artigo 85, §§ 2º e 3º, I, do novo Código de Processo Civil.
Os honorários deverão ser corrigidos, nos termos do Manual de Cálculo da Justiça Federal, tendo como indexador o IPCA-E.
Havendo interposição tempestiva de recurso de apelação, recebo-o, desde já, no efeito devolutivo (art.1.012, §1º, III, CPC). Após, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo legal. Em seguida, remeta-se o feito ao eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Transitada em julgado, certifique-se nos autos principais o resultado destes embargos.
Oportunamente, arquive-se, com as baixas necessárias.
Sentença assinada, publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Em suas razões, o IBAMA alega que a redução da multa e substituição por prestação de serviços -, são matérias de competência exclusiva da autoridade administrativa, salvo ilegalidades, não constatadas neste feito. Requer que seja reformada a sentença de primeiro grau para julgar improcedentes os Embargos opostos.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Ao sentenciar, o magistrado a quo dirimiu a controvérsia contida nos autos, nos seguintes termos:
‘(…)
2.3. Mérito
No caso, o embargante se insurge em relação ao crédito não-tributário (multa) inscrito na Certidão de Dívida Ativa n.1742009 (Processo Administrativo n. 0217.002659/2002-17).
Da análise do processo administrativo anexado à execução fiscal (e.21), verifica-se que o embargante foi autuado, em 02/07/2002, por manter espécie sus scrofa – 13 javalis híbridos (javaporco) – em cativeiro no Sítio São Roque, sem autorização do IBAMA, com potencial de dano à flora, fauna e ecossistemas. Os animais foram apreendidos (e.21, PROCADM2, p.02-03).
Os javalis e seus híbridos (javaporco) são considerados ‘fauna exótica e invasora’ e em vida livre estão sujeitos ao abate para controle populacional (Disponível em: . Acesso em: 06 out.16).
Para melhor compreensão do caso em análise, transcrevo trecho das ‘Normas e medidas de controle do javali’, extraídas do site do IBAMA, que bem esclarecem os motivos pelos quais os javalis são considerados uma ameaça à flora e fauna:
‘O javali é um porco selvagem, originário da Europa, Ásia e norte da África. Foi introduzido em diversas regiões do mundo como animal de criação para consumo.
(…) A presença de grupos de javalis asselvajados registrada nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Acre e Rondônia, além do grande número de criadouros clandestinos em praticamente todos os estados brasileiros, levou o Ibama a instituir novas medidas de manejo para controle e conhecimento da ecologia da espécie em território nacional.
A agressividade, a facilidade de adaptação e a ausência de predadores na cadeia natural levam o javali a figurar na lista das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo. Ele é considerado uma praga que tem provocado graves problemas ambientais, sociais e econômicos, onde quer que tenha sido introduzido (…).
O escape de animais para ambientes naturais provoca impactos ambientais, como a diminuição e morte de diversas espécies nativas da flora e risco à fauna, pois o javali é predador de ovos e filhotes de outras espécies; e, ainda, a transmissão de doenças para os animais nativos, a aceleração do processo de erosão e o aumento do assoreamento dos rios.
(…)
O javali também pode causar impactos sociais e econômicos, por meio do ataque a seres humanos e a animais domésticos, dos cruzamentos indevidos com porcos e da destruição de plantações em áreas agrícolas, além da transmissão de doenças para pessoas e para animais de criação.
As medidas de controle
(…)
No Brasil, a Portaria Ibama nº 7, de 26 de janeiro de 1995, autorizou em caráter experimental a caça amadorista do javali no estado do Rio Grande do Sul por um período de três meses e meio, sendo a norma reeditada nos anos seguintes, até que novos estudos fossem realizados.
Em 1998, em consequência da falta de uma regulamentação adequada para a criação em cativeiro e do aumento na ocorrência de fugas ou solturas, foi publicada a Portaria nº 102, de 15 de julho de 1998, que proibiu a abertura de novos criadouros de javalis no país, estabelecendo um prazo de 180 dias para a regularização dos já existentes. No mesmo ano, também foi proibida a importação de javalis, por meio da Portaria nº 93, de 7 de julho de 1998.
Em 2010, ao observar a presença de javalis asselvajados em vários estados, foi suspensa a norma, a qual se restringia ao estado do Rio Grande do Sul, para que se estudasse uma regulamentação federal.
A nova Instrução Normativa, autorizando o abate do javali para manejo controlado em todo o país, foi elaborada pelo Ibama em consulta ampliada a diversas instituições governamentais e de pesquisa, como Embrapa, Exército Brasileiro e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Quem poderá abater os javalis?
Os interessados em apoiar a medida devem acessar o site do Ibama e inscrever-se previamente no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e/ou Utilizadoras dos Recursos Ambientais, na categoria ‘Uso de Recursos Naturais’, descrição ‘Manejo de fauna exótica invasora’, código 20-28. Todos os inscritos deverão encaminhar relatório semestral de suas atividades de controle de javali para a unidade do Ibama do estado onde ocorre o controle. O modelo de relatório está disponibilizado no sítio http://www.ibama.gov.br, bem como outras informações detalhadas na seção de ‘Fauna silvestre’.
(…)
O transporte de javalis capturados vivos não é permitido. A comercialização ou a doação desses produtos é proibida pela legislação sanitária e ambiental brasileira.
(…)
Diferença entre o javali e o porco
O javali e o porco são da mesma espécie, a Sus scrofa. Essa espécie assume diferentes formas: nativa, doméstica, asselvajada e miscigenada. Popularmente, a forma doméstica da espécie é denominada de porco e a forma selvagem, de javali. A Instrução Normativa do Ibama considerou, para a finalidade de controle como javali, a espécie exótica invasora javali-europeu, de nome científico Sus scrofa, em todas as suas formas, linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento com o porco doméstico.
(…)
O javali é suscetível a diversas doenças que acometem outras espécies, tais como bovinos, ovinos, equinos e os próprios suínos. A condição sanitária dessa população ainda é desconhecida, razão que justifica a pesquisa nessa área com vistas à proteção da saúde humana e dos rebanhos domésticos. Considerando o crescimento e difusão das populações de javalis em vida livre, tornando-se cada vez mais próximos dos rebanhos domésticos e do homem, poderá haver risco, dependendo das condições de saúde dessas populações e da possibilidade de contato entre populações domésticas e selvagens. Por esta razão, em regiões em que se tem registro da presença de javalis, recomenda-se reforços na biossegurança das instalações de criação para evitar o contato entre as populações domésticas e selvagens.
(…)
(Fonte: BRASIL. IBAMA. Normas e medidas de controle do javali. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/phocadownload/fauna_silvestre_2/javali_asselvajado.pdf>.
A Instrução Normativa do IBAMA nº 3, de 31/01/2013 declarou, no artigo 1º, a nocividade da espécie exótica invasora javali-europeu, em todas as suas formas, incluindos os diferentes graus de cruzamento com o porco doméstico.
Art. 1º. Declarar a nocividade da espécie exótica invasora javali-europeu, de nome científico Sus scrofa, em todas as suas formas, linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento com o porco doméstico, doravante denominados ‘javalis’.
Parágrafo único. Esta Instrução Normativa não se aplica à população de porcos ferais do Pantanal (Sus scrofa) conhecidos como porco-monteiro ou porco-do-pantanal.
A questão é tão preocupante que a Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Floresta (DBFlo) do Ibama está realizando um consulta pública, entre os dias 07 a 21 de outubro de 2016, com o objetivo de receber contribuições da sociedade civil para a elaboração do Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali (Sus scrofa) em estado asselvajado, que será desenvolvido pelo Ibama em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Importante, ainda, mencionar que a caça esportiva não é regulamentada no Brasil e a caça profissional de espécime da fauna silvestre, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou desacordo com a obtida, é proibida, nos termos do artigo 29 da Lei 9.605/98. No caso dos javalis, o manejo da espécie é permitido pelo IBAMA com o objetivo de controle populacional para evitar impactos ambientais:
De acordo com o Ibama, a presença desordenada de porcos pode ocasionar a diminuição de espécies vegetais nativas, acarretando prejuízos às formações vegetais, a aceleração do processo de erosão e o aumento do assoreamento dos rios. Quando em contato com espécies nativas os javalis podem transmitir doenças, provocar a diminuição das populações silvestres ou a morte de espécies da fauna nativa.
Porcos selvagens são capazes de transmitir a brucelose, leptospirose, febre aftosa, tuberculose, parvovirose suína e encefalite japonesa. Além disso, também são conhecidos por espalhar a doença vesicular do suínos, febre, a doença de Aujeszky e também peste suína ou cólera do porco.. Acesso em: 11 out.16.’>3
Portanto, o javali (nome científico Sus scrofa), em todas as suas formas, são considerados animais nocivos e pertencentes à fauna exótica invasora, pois não pertencente à fauna brasileira.
O Anexo I da Portaria IBAMA nº 93/98 estabelece as espécies da fauna consideradas domésticas para fins de operacionalização do IBAMA e exclui expressamente o javali no campo ‘observação’ do nome comum ‘porco’ (BRASIL. IBAMA. Disponível em:
. Acesso em: 13 out.16).
Nos termos da Portaria IBAMA nº 102/98, de 15 de julho de 1998, que normatiza os criadores comerciais de fauna silvestre exótica, considera-se fauna silvestre exótica (art.3º):
(…) aqueles animais pertencentes às espécies ou subespécies cuja distribuição geográfica não inclui o Território Brasileiro e suas águas jurisdicionais e as espécies ou subespécies introduzidas pelo homem, inclusive domésticas, em estado asselvajado ou alçado.
Parágrafo Único – São também consideradas exóticas, as espécies ou subespécies que tenham sido introduzidas fora das fronteiras brasileiras e suas águas jurisdicionais e que tenham entrado em Território Brasileiro.
Referida portaria estabelece, ainda, no artigo 5º, que o interessado em implantar criadouro de espécimes da fauna silvestre exótica deve solicitar autorização junto ao IBAMA.
No artigo 20, consta que os proprietários de criadouros de javali e seus híbridos já existentes deveriam no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da publicação da portaria, dar conhecimento ao IBAMA da sua existência, ficando proibida a implantação de criadouros comerciais de javalis em todo o território brasileiro em desacordo com o referido artigo.
Como se vê, o manejo de javali, em todas as suas formas, é realizado em condições especiais e controlado pelo IBAMA.
Atualmente, com a IN IBAMA nº 3, de 31/01/2013, as pessoas interessadas em criar essa espécie devem se inscrever no Cadastro Técnico Federal (CTF) de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais (categoria código 20-28) para obtenção de autorização pela IBAMA (Disponível em: . Acesso em: 07 out.16).
Com base nessas informações, passo à análise do auto de infração nº 307351, Série D.
No caso em tela, conforme já mencionado, o embargante foi autuado, em 02/07/2002, por manter espécie sus scrofa – 13 javalis híbridos – em cativeiro no Sítio São Roque, sem autorização do IBAMA, com potencial de dano à flora, fauna e ecossistemas (e.01, CDA21; EF – e.21, PROCADM2, p.02-03; e.21, PROCADM3, p.12; 21, PROCADM4, p.01).
O diagnóstico da espécie (Javalis Híbridos, cruza com porco doméstico) foi feito por João Antônio Fraida Nunes, proprietário de um criatório de javali-europeu em Santa Terezinha de Itaipu, que acompanhou o agente autuante e.21, PROCADM2, p.02-03; e.21, PROCADM3, p.12; 21, PROCADM4, p.01 e 03).
Não ficou comprovado nos autos que, à época da fiscalização, o embargante possuía autorização do IBAMA para promover o manejo de javali e seus híbridos (javaporco).
Administrativamente, foi reconhecida a prática pelo embargante da conduta tipificada no artigo 61 da Lei nº 9.605/98 c/c artigo 20, §§1º e 2º, Portaria IBAMA nº 102/98, que culminou com a aplicação de sanção administrativa (imposição de multa) com base no poder de polícia ambiental, conforme disposto no artigo 70 da referida lei:
Art. 61. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Como fundamento para aplicação da penalidade, também, foi adotado o artigo 45 do Decreto nº 3.179/99, que estabelecia especificações das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, nos termos seguintes:
Art. 45. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).
Referido decreto foi revogado em sua integralidade pelo Decreto nº 6.514/2008, que tratou do referido tema no artigo 67:
Art. 67. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à fauna, à flora ou aos ecossistemas:(Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
Nesse ponto, é oportuno mencionar que a infração de ‘dissemir espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas’ é um crime de perigo abstrato (não exige a comprovação do risco ao bem protegido). Portanto, a conduta deve apresentar potencialidade lesiva, não sendo necessária a efetiva ocorrência/comprovação do dano ambiental, que é presumido.
Ainda, segundo Frederico Amado (Direito ambiental esquematizado. São Paulo: Método, 2013.p.653):
É imprescíndível que a disseminação possa afetar a agricultura (arte de cultivar nos campos), a pearia (criação de gado), a fauna (animais de uma determinada região), a flora (vegetação de uma região) ou os ecossistemas (é um sistema aberto, um elemento normativo do tipo, que compreende todos os elementos bióticos e abióticos de um setor ambiental).
No caso, a nocividade do javali, em todas as suas formas (linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento com o porco doméstico), já é reconhecida no Brasil desde 1995 (Portaria Ibama nº 7, de 26 de janeiro de 1995), quando foi adotada a primeira medida para controle populacional do animal. Atualmente, está sendo elaborado o ‘Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali’, visando, principalmente, a redução da população e, por consequência, dos impactos ambientais ocasionados por essa espécie.
Logo, não resta dúvida de que a disseminação dessa espécie afeta a fauna, flora e ecossistemas e que o manejo dessa espécie, sem controle e autorização do IBAMA, aumenta o risco de tal prática ser lesiva ao meio ambiente (flora, fauna e ecossistemas).
O demandante juntou lauto técnico de médico veterinário, realizado em 18/07/2002, informando que os animais são da espécie suína, raça mestiça, e que, da forma como estavam sendo manejados e alimentados, não apresentavam riscos (e.01, LAUDO18).
Entendo, contudo, que o referido laudo não foi conclusivo, uma vez que não apresentou maiores informações a respeito do cruzamento que gerou a espécie apreendida. Vale repisar que o javali e o porco são da mesma espécie, a Sus scrofa, sendo aquele a subespécie selvagem e este, a doméstica.
Dessa maneira, correto o enquadramento legal aplicado, pois demonstrado que o manejo estava sendo realizado em desacordo com o art.20, caput e §1º, da Portaria IBAMA nº 102/98, de 15 de julho de 1998, o que ensejou a aplicação de penalidade de multa prevista no artigo 61 da Lei nº 9.605/98 e art.45 do Decreto 3.179/99 – vigente à época da lavratura do auto -.
Assim, como não foi descaracterizada a autoria e materialidade da infração, não resta outra alternativa a não ser a manutenção do auto de infração.
Cabe, ainda, analisar a multa aplicada.
Trata-se de multa simples fixada no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), conforme CDA51 anexada no evento 1, fundamentada nos termos do artigo 45 do Decreto nº 3.179/99 (revogado pelo Decreto n. 6.514/2008), vigente à época da fiscalização, que previa sanção mínima no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e máxima no valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), e apreensão dos animais (Termo de Apreensão nº 172837-C).
O embargante questiona o fato de não ter sido advertido antes da aplicação da multa e de não ter sido admitida a conversão da multa em outras medidas. Também sustenta a desproporcionalidade/desarrazoabilidade do valor da multa.
Nos termos do §2º do artigo 72 da Lei nº 9.605/98:
Art. 72 (…)
(…)
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
Como visto, a advertência não é penalidade exclusiva, podendo ser aplicada juntamente com as demais sanções previstas na Lei em questão.
Já a aplicação da multa simples pressupõe a negligência ou dolo, nos termos do §3º do artigo 72 da Lei 9.605/98, quando o infrator já foi advertido e deixou de sanar as irregularidades, bem como quando opuser embaraço à fiscalização.
No caso, o embargante foi notificado para comparecer ao IBAMA para prestar esclarecimentos acerca dos animais que possuía em sua propriedade e, após inspeção, foi autuado pelo IBAMA com aplicação da referida multa no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Apresentou defesa na via administrativa solicitando autorização para manejo ou abate dos animais apreendidos, reparação de qualquer dano possível ou prática de serviços a favor do meio ambiente, colaboração com os agentes encarregados da vigilância e controle ambiental. Requereu, ainda, o cancelamento do auto de infração ou conversão da multa em advertência, com aplicação de medidas compensatórias para preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente (e.21, PROCADM2, p.04-13).
Em parecer (18/02/2003), a Procuradoria do IBAMA manifestou-se pela conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, nos termos do art.2º, §4º, do Decreto 3.179/99, considerando a situação econômica do autuado e os bons antecedentes (e.21, PROCADM4, P.04, EF). Foi sugerido, ainda, que animais fossem entregues a criadouros de javalis registrados pelo IBAMA, pois não poderiam ser liberados no habitat natural para evitar danos.
Na decisão administrativa, proferida em 19/02/2003, constou a seguinte redação (e.21, PROCADM4, p.05):
Mantenho o Auto de Infração e as penalidades administrativas impostas ao infrator, de acordo com o parecer jurídico constante dos autos que serve como fundamento da presente decisão.
Fixo o valor da multa imposta em R$- 15.000,00, considerando ainda a gravidade da infração, os antecedentes do infrator e sua condição econômica.
Nota-se que a decisão administrativa foi contraditória, pois manteve o auto de infração com base no parecer jurídico da Procuradoria do IBAMA, desconsiderando a conclusão final pela conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, em virtude da condição econômica do autuado e de seus bons antecedentes.
Em sede de recurso administrativo, foi emitido parecer pela referida Procuradoria (Parecer PROGE/COEPA nº 0302/2004), nos termos seguintes (e.21, PROCADM5, p.11-12):
(…)
Quanto a multa foi esta devidamente arbitrada estando dentro dos parâmetros legais, observado a possibilidade da ocorrência de dano ambiental decorrente da criação de animais do recorrente.
Registre-se que ao autuado lhe é dado o direito de parcelamento do débito, bastando requerê-lo.
Por outro lado, apesar de não caber nesta fase processual concessão de conversão da multa em prestação de serviço, entendo ser procedente o benefício em prol do recorrente como derradeira concessão administrativa, conforme IN n° 10 art. 2o inciso III e seguintes.
(…)
Ex positis, OPINO PELA MANUTENÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO DANDO PROVIMENTO PARCIAL ao recurso, para converter a multa em prestação de serviço, ou parcelamento, estando presentes os requisitos indispensáveis para concessão. Cumprida a obrigação arquive-se. Não aceita a conversão mantenha-se a multa aplicada.
A decisão recursal foi proferida nos termos seguintes (e.21, PROCADM5, p.15):
Louvado no PARECER N° 302/2004 – PROGE/COEPA, de fls. 61/64, acatado pelo DESPACHO N° 634/2004 – PROGE/COEPA, de fls. 65, acolhido no DESPACHO N° 1212/2004 – PROGE/GABIN, fls. 66, nego provimento ao recurso administrativo hierárquico interposto, e, no mérito, decido pela manutenção do auto de infração n° 307351/D.
Acompanho o entendimento prolatado no PARECER n.° 302/2004 – PROGE/COEPA, da Senhora Procuradora Federal Fernanda Fernandez Castelo Branco, por seus fundamentos jurídicos, sugerindo o provimento parcial do recurso e a conseqüente manutenção do Auto de Infração n° 307351-D, lavrado em desfavor de Antônio Vicenzi por manter espécimes de javali híbridos em cativeiro sem autorização do órgão Ambiental competente, cuja multa atribuída perfaz o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Sugiro que, após decisão do Sr. Presidente, os autos retornem à GEREX/PR, para que o requerente seja notificado da decisão, ao mesmo tempo em que deva ser informado sobre as três possibilidades de suspensão da exigibilidade da multa, reduzindo-a em até 90%, mediante a assinatura de Termo de Compromisso: recuperação da área degradada; indenização do dano ambiental em local diverso da infração; ou conversão da multa administrativa em prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente. Tudo isso, em observância aos termos do art. 60, do Decreto n.° 3.179/99 e das Instruções Normativas IBAMA de n.° 08/03 e 10/03. (grifei)
No mesmo sentido, foi o Despacho nº 1212/2004 – PROGE/GABIN que concordou com o Parecer nº 302/2004 – PROGE/COEPA, acatado pelo Despacho nº 634/2004 (e.21, PROCADM5, p.14, EF).
Em que pese as referidas decisões, o embargante foi notificado do indeferimento do recurso, bem como a promover o pagamento da multa no valor originário (R$ 15.000,00), com redução de 30% (e.21, PROCADM6, p.02, EF).
Novamente, o autor requereu o benefício do art.60 do Decreto nº 3.179/99. Solicitou a celebração de Termo de Compromisso para ‘fazer cessar ou corrigir a degradação ambiental’, mas foi indeferido pela ‘constatação da inexistência de efetivo dano ambiental que ensejasse a cessação ou correção’. No entanto, foi deferida a conversão da multa em prestação de serviços, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, nos termos do art.2º, §4º, do Decreto 3.179/99, e determinada a destinação correta dos animais apreendidos. Não foi aceita a sugestão do autuado de abate dos animais para consumo próprio (e.21, PROCADM7, p.03-04, EF).
Intimado, o embargante comunicou mudança de endereço para Feliz Natal/MT, para trabalhar em propriedade agrícola de terceiros, e requereu, para fins de cumprimento da penalidade, comunicação à Unidade Administrativa do IBAMA de SINOP/MT (e.21, PROCADM7, p.06). Contudo, em virtude da informação de mudança de endereço, foi reconhecido pela autoridade administrativa o desinteresse do autuado pela conversão da multa e determinada a cobrança desta (e.21, PROCADM7, p.07).
Em 29/06/2004, foi sugerido pelo Núcleo de Fauna e Recursos Pesqueiros – DITEC-IBAMA-PR, o abatimento dos animais (e.21, PROCADM7, p.13), que foi acolhido pela Procuradoria (e.21, PROCADM8, p.12) e realizado no dia 14/01/2005, com doação da carne para entidades assistenciais (e.21, PROCADM9, p.06-07, 12-14).
Posteriormente, ainda no âmbito administrativo, o autuado requereu reconsideração da decisão que determinou a cobrança da multa, tendo em vista que voltou a residir no Estado do Paraná, mas o requerimento foi indeferido (e.21, PROCADM10, p.01 e 05-07).
Com base nos referidos documentos oriundos do processo administrativo, que se encontra anexado no evento 21 da execução, observa-se que o demandante não foi advertido administrativamente antes da aplicação da multa simples.
De qualquer modo, isso não impede a aplicação de outras sanções, de acordo com o §2º do art. 72 da Lei 9.605/98. Além do mais, é cabível a conversão da multa em advertência apenas para as infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente, nos termos do seguinte precedente:
ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. IBAMA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. LAUDO TÉCNICO. PROVAS. MULTA. CONFISCO. CONVERSÃO DA MULTA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ATO DISCRICIONÁRIO. É possível a aplicação da multa ambiental sem a prévia realização de laudo técnico quando existem outros elementos no processo administrativo que conduzem a certeza da existência de infração ao meio ambiente, como é o caso dos autos. A conversão da multa em atividades de recuperação da qualidade do meio ambiente constitui ato discricionário do órgão ambiental, que analisa a hipótese apresentada a fim de verificar a efetiva adequação da penalidade à infração, não cabendo ao judiciário o estabelecimento do valor a ser pago ou a modificação da sanção. (TRF4, APELREEX 5002562-66.2011.404.7014, QUARTA TURMA, Relator CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 29/05/2015).
PROCESSUAL CIVIL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MULTA. IBAMA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. PENALIDADES ADEQUADAS.- (…) A aplicação da pena de multa simples na seara administrativa não tem como requisito a cominação prévia de advertência ao autuado.- (…) (TRF4, AC 5066053-41.2015.404.7100, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 29/09/2016)
Quanto ao valor da multa aplicada, é certo que o critério adotado pelo IBAMA tem previsão normativa e o agente de fiscalização não tem liberdade para reduzir a multa ou fixá-la segundo sua vontade particular.
Assim, não sendo o valor da multa fixado no mínimo, entendo que a autoridade administrativa deve apresentar os critérios adotados para majoração da penalidade.
A dosimetria das sanções administrativas ambientais são norteadas pelos critérios dos artigos 6º e 14 da Lei 9.605/98:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Art. 14. São circunstâncias que atenuam a pena:
I – baixo grau de instrução ou escolaridade do agente;
II – arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação significativa da degradação ambiental causada;
III – comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental;
IV – colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental.
O único momento em que houve justificativa para a majoração, em relação ao mínimo, foi na decisão administrativa proferida pela Gerência Executiva do IBAMA/PR no dia 19/02/2003 (e.21, PROCADM4, p.05), onde constou:
Fixo o valor da multa imposta em R$- 15.000,00, considerando ainda a gravidade da infração, os antecedentes do infrator e sua condição econômica.
Assim, diante do que preconizam os arts.6º e 14, ambos da Lei nº 9.605/98, e o primado da dignidade da pessoa humana, considerando o perfil sócio-econômico (pessoa de poucos recursos, pois enquadrado como segurado especial perante o INSS e proprietário apenas de uma pequena propriedade rural) e a conduta do embargante, que não criou embaraço à fiscalização e demonstrou não infligir maus-tratos aos animais apreendidos, criados em ambiente doméstico, sem comprovação de dano ao meio ambiente, tanto que os animais permaneceram em seu poder, na condição de depositário, mesmo após a atuação, bem como os bons antecedentes e a disposição para colaboração com os agentes, entendo que a multa aplicada foi excessiva e, portanto, deproporcional e desarrazoada.
A multa (valor R$ 28.600,50, atualizado até 29/06/2009) no patamar fixado pode, inclusive, afetar sobremaneira o sustento do autuado e de sua família.
Desse modo, como não ficou comprovado qualquer dano ao meio ambiente e houve destinação correta dos animais (abate), bem como ficou demonstrado que o embargante tem bons antecedentes e trata-se de pessoa com pouco recurso financeiro, fixo a multa no seu valor mínimo (R$ 5.000,00), nos termos do artigo 45 do Decreto nº 3.179/99 (art.67 do Decreto nº 6.514/2008) c/c arts.6º e 14, II e IV, ambos da Lei nº 9.605/98 e do princípio da dignidade da pessoa humana.
Em face das peculiaridades do caso, entendo apropriada a aplicação do §4º do art.72 da Lei nº 9.605/98 c/c §4º do art.2º do Decreto 3.179/99, segundo o qual a multa simples pode ser convertida em serviços de preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente.
Destaco, nesse ponto, que, em nenhum momento, o embargante demonstrou desinteresse pela conversão da multa; o que houve foi uma certa desídia por parte das autoridades administrativas que proferiram as decisões de cobrança da multa e indeferimento do pedido de reconsideração do autuado (e.21, PROCADM7, p.07; PROCADM10, p.01 e 05-07), pois, como não ficou comprovado dano, não havia o que ser reparado na propriedade do demandante e região, o que permitiria o cumprimento da prestação alternativa em qualquer cidade, inclusive Sinop/MT ou Feliz Natal/MT.
Diante de todo o exposto, deve ser mantido o auto de infração nº 307351, Série D, com redução do valor da multa para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), permitindo-se a conversão da multa em serviços de preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente, a serem fixados pelo IBAMA e exigidos após notificação pessoal do autuado.
Nesse sentido, merece parcial procedência os pedidos formulados pelo autor.
A sentença merece manutenção.
Quanto à motivação da decisão administrativa, em especial no que toca à definição do valor da multa aplicada, não houve a vinculação de quaisquer daqueles elementos à quantidade de multa fixada, ou seja, não houve explicação lógica e seguindo os critérios legais para se saber como se chegou aos R$ 15.000,00 (quinze mil reais), conforme CDA51 anexada no evento 1, salvo o entendimento pessoal do julgador, não exposto do decisum, pois, como referido com propriedade na sentença, nada acrescentou no que se refere à forma de cálculo da pena aplicada, não incluiu qualquer tipo de justificação ou análise dos critérios do artigo 6º do Decreto nº 3.179/99, como determinado no artigo 7º daquele Decreto (dispositivo acima citado).
A motivação é essencial à prática do ato administrativo punitivo, como se depreende do disposto no artigo 50 da Lei nº 9.784/99, verbis:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.
Nos termos do art. 9º da Lei nº 9.933/99, a imposição da multa deve obedecer aos seguintes parâmetros:
Art. 9o A pena de multa, imposta mediante procedimento administrativo, poderá variar de R$ 100,00 (cem reais) até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).
§ 1o Para a gradação da pena, a autoridade competente deverá considerar os seguintes fatores:
I – a gravidade da infração;
II – a vantagem auferida pelo infrator;
III – a condição econômica do infrator e seus antecedentes;
IV – o prejuízo causado ao consumidor; e
V – a repercussão social da infração.
§ 2o São circunstâncias que agravam a infração:
I – a reincidência do infrator;
II – a constatação de fraude; e
III – o fornecimento de informações inverídicas ou enganosas.
§ 3o São circunstâncias que atenuam a infração:
I – a primariedade do infrator; e
II – a adoção de medidas pelo infrator para minorar os efeitos do ilícito ou para repará-lo.
Consoante entendimento firmado nesta Corte, para que a pena ultrapasse o patamar mínimo deve haver fundamentação da autoridade nos autos do processo administrativo, baseada na gravidade do fato e nos demais requisitos estabelecidos na legislação de regência.
Na aplicação da pena de multa a escolha e a dosagem da penalidade aplicável constitui administrativa, enquadrada no âmbito do poder discricionário da autoridade fiscalizadora. O Judiciário controla apenas eventuais desvios.
A ausência de motivação, contudo, infirma o ato administrativo.
Não obstante, sendo certo que a multa é cabível, a solução mais adequada, ausente motivação, é a redução do montante ao mínimo legal.
Por oportuno, acerca da matéria, transcrevo precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal:
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MULTA. INMETRO. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO QUE FIXOU O VALOR DA MULTA. QUESTÃO DE DIREITO E NÃO DE FATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 9o.., § 1o. DA LEI 9.933/99. INDISPENSABILIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO QUE FIXA SANÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU, QUE, RECONHECENDO A AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO, REDUZIU O VALOR DA MULTA PARA O MÍNIMO LEGAL.
1. A controvérsia posta nos autos é diversa daquela discutida no recurso representativo de controvérsia REsp. 1.102.578/MG, da relatoria da eminente Ministra ELIANA CALMON, uma vez que não se discute, sequer implicitamente, a legalidade das normas expedidas pelo CONMETRO e INMETRO.
2. A tese sustentada no Recurso Especial diz respeito à necessidade de motivação do ato que impõe sanção administrativa; não se discute o poder da Administração de aplicar sanções, a legalidade das normas expedidas pelo órgão fiscalizador, ou, simplesmente, a razoabilidade e proporcionalidade do valor arbitrado, mas a necessidade de o órgão administrativo, ao impor a penalidade que entende devida, motivar adequadamente seu ato, com a explicitação dos fatores considerados para a gradação da pena, tal como determinado pelo art. 9o., § 1o. da Lei 9.933/99, questão de direito e não de fato.
3. Tenho defendido com rigor a necessidade e mesmo a imperatividade de motivação adequada de qualquer ato administrativo e principalmente do ato sancionador. É, sem dúvida, postulado que advém de uma interpretação ampla do texto Constitucional, como desdobramento do princípio do contraditório, porquanto a discricionariedade do Administrador encontra limite no devido processo legal, estando previsto, ainda, na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo.
4. O Tribunal a quo entendeu que a menção ao motivo pelo qual o recorrente estava sendo apenado – ausência de selo de identificação em 12 reatores eletrônicos – era suficiente para a escolha aleatória do valor da multa, dentro dos valores possíveis (à época entre R$ 100,00 e R$ 50.000,00), confundindo motivo (infringência da norma) com motivação (apresentação dos fundamentos jurídicos que justificam a escolha da reprimenda imposta), olvidando-se, ainda, de que a própria Lei 9.933/99 informa os critérios a serem utilizados para a gradação da pena (art. 9o., § 1o. e incisos), quais sejam: (a) gravidade da infração, (b) vantagem auferida pelo infrator, (c) a condição econômica do infrator e seus antecedentes, (d) prejuízo causado ao consumidor; e (e) repercussão social da infração.
5. É dever do órgão fiscalizador/sancionador indicar claramente quais os parâmetros utilizados para o arbitramento da multa, sob pena de cercear o direito do administrado ao recurso cabível, bem como o controle judicial da legalidade da sanção imposta; com efeito, sem a necessária individualização das circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis à empresa em razão da infração cometida, não há como perceber se o valor da multa é ou não proporcional; veja-se que, no caso, concreto, a multa foi arbitrada em valor próximo do máximo admitido pela norma legal.
6. Tal circunstância não passou despercebida pelo Julgador singular, que anotou, com propriedade, a falta de motivação do ato administrativo de fixação da pena de multa, reduzindo-a ao mínimo legal.
7. Recurso Especial conhecido e provido para restabelecer a sentença. (REsp 1457255/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 20/08/2014).
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. SANÇÃO PECUNIÁRIA. VALOR DA MULTA. REDUÇÃO. MOTIVAÇÃO. NECESSIDADE.
O arbitramento do valor da sanção pecuniária, além de observar seus limites máximo e mínimo, deve ser devidamente fundamentado pela autoridade administrativa (art. 5º, LIV, da CF), notadamente quando estabelecido acima do mínimo legal.
À míngua da necessária fundamentação, a redução do valor da multa para o mínimo legal é medida que se impõe.
(TRF4, AC 5000119-23.2012.4.04.7204/SC, Quarta Turma, Relator Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 24/07/2015)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. MULTA ADMINISTRATIVA. VALOR FIXADO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REDUÇÃO.
1. O art. 50, II, da Lei nº 9.784/99, estabelece que os atos administrativos que ‘imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções’ deverão ser motivados.
2. Nesse sentido, o entendimento desta Corte entende é de que a fixação do valor da multa acima do mínimo legal deve estar acompanhada de fundamentação da autoridade nos autos do processo administrativo, baseada na gravidade do fato em si e nas condições pessoais do infrator.
3. Considerando, na hipótese, a ausência de motivação, necessária a redução do montante executado, nos termos definidos na sentença. (TRF4, AC 5000776-16.2013.4.04.7208/SC, Quarta Turma, Relator Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, D.E. 24/07/2015)
Quanto à conversão da pena de multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação, ainda que a decisão sobre o pedido de conversão da pena seja discricionária, podendo a autoridade administrativa, em decisão motivada, deferir ou não o pedido formulado, no caso em análise, como bem salientado na sentença, a decisão administrativa foi contraditória, pois manteve o auto de infração com base no parecer jurídico da Procuradoria do IBAMA, desconsiderando a conclusão final pela conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, em virtude da condição econômica do autuado e de seus bons antecedentes.
Assim, considerando as peculiaridades do caso (o perfil sócio-econômico e a conduta do embargante, os bons antecedentes e a disposição para colaboração com os agentes), não merece qualquer reforma a sentença que reduziu o valor da multa para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), permitindo a conversão da multa em serviços de preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente, a serem fixados pelo IBAMA e exigidos após notificação pessoal do autuado.
Por conseguinte, nego provimento ao apelo do IBAMA.
Dispositivo
Diante do exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
EMENTA
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IBAMA. MULTA. PENALIDADE APLICADA. LEGALIDADE. VALOR DA MULTA. MOTIVAÇÃO. NECESSIDADE. CONVERSÃO EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PRESERVAÇÃO. POSSIBILIDADE.
– O ato administrativo exige motivação e, seja qual for o motivo a ele conferido, sua validade fica a ele vinculada.
– A escolha da penalidade aplicável é atividade administrativa enquadrada no âmbito do poder discricionário da autoridade fiscalizadora.
– O arbitramento do valor da sanção pecuniária, além de observar seus limites máximo e mínimo, deve ser devidamente fundamentado pela autoridade administrativa (art. 5º, LIV, da CF), notadamente quando estabelecido acima do mínimo legal.
– À míngua da necessária fundamentação, a redução do valor da multa para o mínimo legal é medida que se impõe.
– Nos termos do art. 145, § 1º, do Decreto 6.514/08, a decisão sobre o pedido de conversão é discricionária, podendo a autoridade administrativa, em decisão motivada, deferir ou não o pedido formulado.
– Tendo em vista que os elementos de prova existentes nos autos demonstram que a decisão administrativa foi contraditória, pois manteve o auto de infração com base no parecer jurídico da Procuradoria do IBAMA, desconsiderando a conclusão final pela conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, em virtude da condição econômica do autuado e de seus bons antecedentes, correta a decisão de primeiro grau que a reformou.
– Hipótese em que é devida a conversão da multa em serviços de preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente, a serem fixados pelo IBAMA e exigidos após notificação pessoal do autuado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2017.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
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