Direito Agrário

Produtor rural deve ser indenizado por sementes que não atenderam à promessa de maior produtividade por hectare

Conheça a recente decisão da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconheceu a responsabilidade civil de empresa de sementes a ressarcir os prejuízos comprovados por agricultor que adquiriu sementes que arroz, em razão da baixa qualidade e quantidade da lavoura em relação daquilo que era esperado do produto adquirido, uma vez que houve promessa de maior qualidade e produtividade feitas pela empresa vendedora do insumo.

Leia a íntegra da decisão:

 

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 70066572371 (Nº CNJ: 0342615-97.2015.8.21.7000)

2015/Cível

responsabilidade civil. produtor rural. lavoura de arroz. semente. defeito. dano material e moral.

Não é aplicável o CDC quando o produtor rural não se mostra hipossuficiente e/ou vulnerável em relação à vendedora de insumos.

A baixa qualidade e reduzida quantidade em confronto com o que era esperado das sementes de arroz vendidas ao autor fazem surgir a obrigação de indenizar o prejuízo sofrido.

Os danos materiais são reconhecidos, na medida em que o conjunto probatório demonstra a sua ocorrência e extensão.

A atividade de produtor rural exige profissionalismo e está sujeita a inúmeros riscos.

O dano moral deve ser reconhecido se houve violação de direito da personalidade ou da dignidade da pessoa.

O sofrimento imposto à vítima deve possuir certa magnitude ou dimensão. Do contrário, constitui mero aborrecimento da vida diária, que não é apto a gerar obrigação de indenizar.

No caso, a perda de parte da lavoura não deve ser considerada como violação de direito da personalidade.

Sucumbência redistribuída.

Apelação parcialmente provida.

Apelação Cível Décima Câmara Cível
Nº 70066572371 (Nº CNJ: 0342615-97.2015.8.21.7000) Comarca de Taquari
RICETEC SEMENTES LTDA APELANTE
MARCELO VIEIRA ROCHA APELADO

 

ACÓRDÃO

 

           Vistos, relatados e discutidos os autos.

           Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

           Custas na forma da lei.

           Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (Presidente e Revisor) e Des. Miguel Ângelo da Silva.

           Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2016.

DES. MARCELO CEZAR MÜLLER,

Relator.

 

RELATÓRIO

Des. Marcelo Cezar Müller (RELATOR)

           RICETEC SEMENTES LTDA. interpôs recurso de apelação contra a sentença, na qual foi disposto:

    Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por MARCELO VIEIRA ROCHA, qualificado na inicial, em face de RICETEC SEMENTES LTDA, também identificado, para o fim de CONDENAR a Demandada na Reparação dos Danos, na quantia de R$ 155.671,85, a ser corrigido monetariamente, pelo IGP-M, desde a data do prejuízo (14/03/2010) e com juros de mora à razão de 1% ao mês, a contar da citação, bem como em Danos Morais em R$ 39.400,00 (Trinta e nove mil e quatrocentos reais), a ser atualizado em 1% valor ao mês desde a data da sentença até efetivo pagamento, nos termos da fundamentação.

    Outrossim, CONDENO o demandado ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao patrono da parte autora, que fixo em 20% sobre o valor da condenação, levando em consideração a natureza da causa e o trabalho desenvolvido pelo profissional. Em relação ao autor, diante do decaimento mínimo do pedido, afasto a condenação em custas e honorários.

           Constou no relatório:

    MARCELO VIEIRA ROCHA, qualificado na inicial, ajuizou AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS, MORAIS E LUCROS CESSANTES em face de RICETEC SEMENTES LTDA, igualmente identificado, narrando que adquiriu sementes de arroz híbrido Avaxi CL com a promessa de maior produtividade por hectare, mas que em razão da falta de adaptação da semente híbrida para o local onde restou plantada, não teve o resultado e rendimento esperado, diante de súbito acamamento da colheita. Alegou prejuízos de produtividade na quantia de R$ 131.450,00 e de qualidade a quantia de R$ 24.221,85, além dos custos elevados com a colheita diante do acamamento e 21 dias de trabalho; Pediu reparação por lucros cessantes se não adimplido o financiamento junto ao Banco Sicredi e caso não consiga plantar na safra futura por falta de crédito; Pede Indenização por Danos Morais. Postulou, ainda, o benefício da assistência judiciária gratuita. Juntou documentos (fls. 21/93).

    Concedida a assistência judiciária gratuita, foi citado o requerido, o qual alegou, na contestação, que o plantio não teve o resultado esperado pelo Autor diante de fatores climáticos, o que teria ocorrido com inúmeros agricultores do Estado; Alegou que a semente adquirida era 100% e que os Certificados emitidos pelos órgãos oficiais demonstram que os índices de germinação são acima dos padrões exigidos; que os prejuízos não se deveu a má germinação das sementes e sim por fatores climáticos e devido a falta de colheita da lavoura no momento correto; Discorreu acerca da ausência dos requisitos da responsabilidade civil, de Dano Material e Moral Indenizável. Postulou a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 114/124).

    Em réplica, o autor reportou-se aos argumentos e pedidos expostos na inicial, salientando que a responsabilidade do Demandado é evidenciado e que não sofreu com o fenômeno climático. Juntou documentos (fls. 133/135, 142/179 e 151/155).

    Intimadas as partes para produção de demais provas, passaram a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes (fls. 175/178).

           Em suas razões, defende o não acolhimento dos pedidos. Esclareceu que a semente de arroz vendida ao produtor rural é certificada e que os problemas decorreram do clima. Alegou, ainda, que a colheita não foi realizada no momento correto. Solicitou a reversão da sentença, mencionando não ser a hipótese de dano moral, sendo muito elevada a condenação. Ainda, impugnou o valor indicado pelo autor a título de prejuízo, o qual não retrata uma realidade. Pediu a reforma da sentença.

           A resposta foi apresentada.

           Registra-se que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, em face da adoção do sistema informatizado.

           É o relatório.

VOTOS

Des. Marcelo Cezar Müller (RELATOR)

           De início, merece ser reproduzida a sentença proferida pela Dra. Andréa Caselgrandi Silla, Juíza de Direito:

    O feito está devidamente instruído, comportando julgamento.

    Na espécie, entendo aplicável o CDC, pois o autor adquiriu da ré sementes para cultivo de safra de arroz, atividade de onde retira o sustento próprio e da família. Nesta condição, tenho que o demandante apresenta-se como destinatário final do referido produto, stricto sensu, caracterizando-se flagrante desequilíbrio existente entre o Autor (produtor rural) e a empresa demandada para a defesa dos seus direitos subjetivos.

    Em que pese os argumentos do Demandado em negar a má qualidade da semente, justificando inaptidão para o solo onde foi semeada e que na safra 2009/2010 ocorreu perdas em virtudes de enxurradas e queda de granizo entendo que, no caso em tela, os pedidos merecem procedência.

    Da análise da prova documental e testemunhal produzida, conclui-se que foi adquirido pelo autor um produto por valor acima do preço de mercado, isso justificado pela promessa de receber assistência técnica e acompanhamento da lavoura pelos técnicos da empresa Demandada, sob promessas de melhor qualidade e produtividade. A garantia dada pela empresa para venda de dita semente híbrida era nesse sentido.

    O produto adquirido pelo autor, ou seja, a semente híbrida, deveria ter qualidade acima dos padrões exigidos, conforme Certificação (fls. 123), relatos de testemunhas no site da empresa, propagandas e em matérias jornalísticas, conforme anexados nos autos. Nada justifica, portanto, o acamamento da safra e perda de qualidade, razão pela qual as alegações da empresa demandada, sem apresentação de prova robusta, deverão ser desconsideradas.

    Ainda, não há nenhuma prova de que a ré tenha fornecido ao autor parecer prévio quanto a impedimento do plantio da semente para a área pretendida. Apenas como matéria de defesa veio alegar tal fato. Certamente, não foi essa a causa da frustração do plantio.

    A prova produzida nos autos não agasalha a versão da empresa Demandada. As testemunhas ouvidas foram uníssonas quanto as assertivas do autor, no sentido de que a semente efetivamente apresentou o vício que acarretou no acamamento da safra e má qualidade do produto colhido, não obstante a observância das regras técnicas de plantio e cultivo.

    Acrescente-se, ainda, que todas as testemunhas arroladas pelo autor são agricultores ou do ramo e que, embora não possam declarar-se técnicos, são pessoas com experiência nesta atividade, familiarizadas com arte do plantio. Logo, sua percepção acerca do ocorrido é relevante, especialmente quando uníssona.

    As conclusões do laudo pericial acostado (fls. 33/34) ao feito são corroboradas pelo depoimento das testemunhas ouvidas em juízo, que confirmam que o autor adotou todas as precauções necessárias para uma colheita regular. Registre-se que nas propriedades vizinhas do autor, foram plantadas sementes de outro fornecedor, os quais renderam uma colheita satisfatória.

    Logo, evidenciado que o autor sofreu danos com diminuição da qualidade e quantidade esperada, uma vez que foi comprovado o acamamento de sua lavoura de arroz, diante da falha no produto, especialmente a venda de sementes de baixa qualidade, resta caracterizado o dever de indenizar de acordo com os prejuízos sofridos.

    O dano material foi devidamente comprovado, devido a má qualidade da lavoura com o plantio das referidas sementes, tendo em vista a má qualidade e baixa quantidade da colheita, prejuízo ocasionado à parte autora que merece a reparação pleiteada, pois fruto de conduta ilícita, consubstanciada no agir negligente e imperito no controle de qualidade do produto entregue pela demandada.

    Destarte, oportuno destacar que o pleito de dano material formulado na inicial veio corroborado pelo devido suporte probatório, consoante a prova oral colhida durante a instrução do feito, de sorte que deve ser reparado, consoante estabelece o art. 186 do Código Civil.

    No que diz respeito ao montante do prejuízo, deve corresponder ao valor de venda da quantidade de cultura de arroz que o autor deixou de colher e de vender por melhor preço, em virtude dos defeitos das sementes, o qual foi corretamente calculado na inicial (fl. 18, R$ 155.671,85), a partir da avaliação da cotação do valor do produto na região, de acordo com a promessa de qualidade da Demandada, conforme justificado e comprovados documentalmente nos autos.

    A impugnação da requerida quanto ao montante do prejuízo é meramente genérica, não tendo ela logrado evidenciar que a expectativa de colheita fosse de quantidade inferior à pleiteada pelo autor.

    Assim, deve ser acolhido o valor postulado na inicial (R$ 155.671,85), sendo o prejuízo em relação a quantidade, rentabilidade e baixa qualidade. O valor da condenação deve ser corrigido monetariamente, pelo IGP-M, desde a data do prejuízo, qual seja, aquela em que deveriam colher a cultura e realizar a venda (14/03/2010). No que diz respeito aos juros de mora, tratando-se de responsabilidade civil contratual, devem incidir, à razão de 1% ao mês, a contar da citação, ex vi do art. 405 do CC.

    Deixo de condenar a Demandada quanto a Lucros Cessantes, considerando a inexistência de provas de que o Autor tenha restado sem trabalhar, em razão do insucesso no negócio objeto da presente ação.

    Quanto a Indenização por Danos Morais entendo cabíveis, diante da evidente frustração e sofrimento do Autor em ver sua lavoura ‘acamando’, com dificuldade de colheita e não conseguir a quantidade e qualidade almejada, conforme garantia na ocasião da aquisição das sementes.

    Diante disso, arbitro os Danos Morais em R$ 39.400,00 (Trinta e nove mil e quatrocentos reais), valor este equivalente a cinquenta salários mínimos. Efetivamente, tal valor mostra-se irrisório em face do porte e da capacidade econômica do demandado, mas também pondera-se que a indenização não pode significar o enriquecimento sem causa por parte do autor. O valor deverá ser atualizado em 1% valor ao mês desde a data da sentença até efetivo pagamento.

           Relativamente à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em apreço, tenho que efetivamente não se aplica referida legislação. Isso porque o autor não pode ser enquadrado como consumidor, tendo em vista que não é pequeno produtor (planta em área de 45 hectares), tampouco pode ser considerado vulnerável em relação à demandada, haja vista ter vasta experiência no plantio de arroz, ainda que não especificamente com a semente adquirida.

           Outro não é o entendimento reiterado desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMERCIALIZAÇÃO DE SEMENTE IMPRÓPRIAS AO CULTIVO. MILHO. NÃO GERMINAÇÃO. DANOS COMPROVADOS. INAPLICABILIDADE DO CDC. Da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor 1. As  regras do Código de Defesa do Consumidor são inaplicáveis ao caso em exame, porquanto a parte autora adquiriu a mercadoria no intuito de revender. 2. Destaque-se que o artigo 2º do CDC não faz qualquer distinção à pessoa física ou jurídica, bastando, para o enquadramento como consumidor, que os bens sejam adquiridos de um fornecedor e quem os adquiriu seja considerado “destinatário final”. 3. A apelante não é destinatária final das sementes adquiridas junta à ré, utilizando-as para a consecução da finalidade da empresa, no caso, comercialização de produtos agrícolas. 4. Portanto, descabe a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento. (…) (Apelação Cível Nº 70031113038, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 29/07/2015).

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS EMERGENTES, LUCROS CESSANTES E DANOS MORAIS. COMPRA E VENDA DE SEMENTES DE SOJA TRANSGÊNICA. APELAÇÃO DA RÉ. DESERÇÃO. Verificado nos autos que a parte apelante não litiga ao abrigo da  Assistência Judiciária Gratuita, tampouco requereu o deferimento deste benefício nas razões recursais, resta caracterizada a deserção do apelo, por ausente o preparo. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. Não figurando o autor como destinatário final, utilizando as sementes adquiridas pela ré como insumos para o desenvolvimento de atividade lucrativa, não se subsume no conceito de consumidor, o que afasta a aplicação do CDC. Lições doutrinárias e precedentes jurisprudenciais. (…). (Apelação Cível Nº 70063585079, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 26/03/2015).

DIREITO CIVIL – PRODUTOR RURAL DE GRANDE PORTE – COMPRA E VENDA DE INSUMOS AGRÍCOLAS – REVISÃO DE CONTRATO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – NÃO APLICAÇÃO – DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. I – Tratando-se de grande produtor rural e o contrato referindo-se, na sua origem, à compra de insumos agrícolas, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, pois não se trata de destinatário final, conforme bem estabelece o art. 2º do CDC, in verbis: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. II – Não havendo relação de consumo, torna-se inaplicável a inversão do ônus da prova prevista no inciso VIII  do art. 6º, do CDC, a qual, mesmo nas relações de consumo, não é automática ou compulsória, pois depende de criteriosa análise do julgador a fim de preservar o contraditório e oferecer à parte contrária oportunidade de provar fatos que afastem o alegado contra si. III – O grande produtor rural é um empresário rural e, quando adquire sementes, insumos ou defensivos agrícolas para o implemento de sua atividade produtiva, não o faz como destinatário final, como acontece nos casos da agricultura de subsistência, em que a relação de consumo e a hipossuficiência ficam bem delineadas. IV – De qualquer forma, embora não seja aplicável o CDC no caso dos autos, nada impede o prosseguimento da ação com vista a se verificar a existência de eventual violação legal, contratual ou injustiça a ser reparada, agora com base na legislação comum. V – Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 914.384/MT, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 01/10/2010)

           Dano material

           O dano material deve estar demonstrado nos autos. Não basta a alegação de que tenha ocorrido. Após o exame da prova, o dano deve restar certo e atual.

           A regra do art. 403 do CC exige a demonstração do dano direto e imediato.

           Sobre a indenização por dano material, esta Corte tem afirmado reiteradamente:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGRAVO RETIDO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. PEDIDO GENÉRICO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. … DANO MATERIAL. O dano material deve ser cabalmente comprovado, sendo possível postergar para liquidação apenas o quantum indenizatório, e não assim o reconhecimento da ocorrência do próprio prejuízo. A ausência efetiva de prova dos alegados prejuízos induz a negativa ao pedido de ressarcimento. Deve a parte autora ser ressarcida somente daqueles valores cabalmente demonstrados a título de dano emergente. Obrigação da demandada em adimplir as multas de trânsito cobradas em nome do consumidor. LUCROS CESSANTES. Os lucros cessantes devem ser robustamente comprovados nos autos. Ausente prova de que o autor tenha deixado de auferir ganhos quando de sua ausência do trabalho. … Agravo retido desprovido. Preliminar afastada. Provida em parte a apelação. Unânime. (Apelação Cível Nº 70033664079, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 25/11/2010).

RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO EM ESTACIONAMENTO. DEFEITO NO SERVIÇO. DEVER DE INDENIZAR.  …O dano material não se presume.  … APELAÇÕES DESPROVIDAS. (Apelação Cível Nº 70050447382, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 25/10/2012).

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE VEÍCULO EM ÁREA CONTÍGUA A HOSPITAL PRIVADO. DEVER DE GUARDA DO FORNECEDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA. … LUCROS CESSANTES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. A reparação por lucros cessantes exige a comprovação do efetivo prejuízo experimentado, por se tratar de verba indenizatória de cunho material. Caso em que a parte autora não trouxe aos autos prova capaz de evidenciar que tenha deixado de lucrar em virtude da falha na prestação dos serviços da ré, ônus que lhe competia, nos termos do art. 333, I do CPC, impondo-se o julgamento de improcedência do pleito. … APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70052031838, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 29/11/2012).

           O Código Civil veda a reparação de danos hipotéticos ou eventuais (Flávio Tartuce, Direito Civil, volume 2, 7ª edição, Editora Método, p. 373). Somente o dano direto e imediato deve ser fundamento da indenização.

           A comprovação conduz ao acolhimento deste pedido (reparação do dano material).

           No caso em exame, as razões expostas na sentença não merecem reforma, devendo ser mantidas por seus próprios fundamentos.

           Em acréscimo, anoto ser incontroverso que a demandada acompanhou todo o processo, desde o seu começo até a colheita, tendo sido inclusive afirmado pelo funcionário da ré, Sr. Lauro Weber, que o atendimento ao autor pelo colega Pedro (também funcionário da requerida) era até mais frequente do que aquele usualmente prestado aos demais produtores.

           O mesmo informante (Lauro Weber) confirmou, em audiência, a má-qualidade do arroz colhido pelo autor (fl. 31). Igualmente, mencionou que a média de produção na área do autor, com semente não híbrida, deveria ficar entre 7 a 8 mil quilos por hectare e a híbrida, na propriedade do autor, deveria ter dado entre 10, 11 ou até 12 mil quilos por hectare, o que significaria no mínimo 50% a mais de produção.

           A informação trazida pelo empregado da ré, com formação e pós-graduação como engenheiro agrônomo é pertinente com as alegações contidas na peça portal, notadamente aquelas mencionadas ao longo da fl. 17.

           Além disso, as demais testemunhas ouvidas, mormente os Srs. Antônio Carlos da Silva Tedesco (Supervisor administrativo da CERTAJO) e Antônio Carlos Silva Porn (agricultor com lavoura nas imediações do autor), atestaram que não houve qualquer evento climático na região que justificasse o acamamento da lavoura de arroz do demandante. Pelo contrário, atestaram que a produção dos lindeiros e demais produtores daquela área não tiveram qualquer problema naquela safra. Fica afastada, portanto, eventual possibilidade de excludente de nexo de causalidade por forças da natureza.

           A parte requerida não demonstrou a existência de qualquer excludente do nexo de responsabilidade, ônus que lhe incumbia, na forma do art. 333, II, do CPC.

           Nem mesmo a afirmação de que tenha havido culpa exclusiva da vítima ficou demonstrada nos autos, pois da prova oral realizada e documentos acostados, tudo indica que a colheita se deu no momento correto e até mesmo dentro do prazo sugerido pelo engenheiro agrônomo funcionário da demandada, Sr. Lauro Weber.

           Logo, o acamamento da lavoura do autor, resta claro, decorreu diretamente, como constou do laudo trazido às fls. 33-34, da “falta de adaptação do híbrido utilizado ao sistema de plantio com sementes pré-germinadas em áreas sistematizadas e de alta fertilidade natural”.

           Finalmente, o valor pretendido e fixado em sentença está adequado ao caso concreto, porquanto demonstrado nos autos a baixa qualidade e quantidade de arroz colhido pelo requerente, bem como os prejuízos materiais ocasionados quando em comparação com a colheita esperada e aquela efetivamente realizada.

           Dano moral

           A atividade agrícola traz consigo inúmeros riscos, isso porque sofre influência direta do clima. É um ofício que depende ainda do preço do produto no instante da colheita, tendo interferência da economia e do mercado internacional de alimentos.

           É um ofício de empresário, envolvendo procedimentos complexos, como a preparação do plantio, cuidados, colheita, armazenagem e venda do produto. Vários segmentos estão relacionados, como o financiamento dos insumos, aquisição de bens e serviços no comércio, pagamento do serviço de pessoas, enfim, o produtor deve cumprir muitas tarefas, a fim de exercer sua profissão.

           Logo, esse afazer exige persistência e adequação aos seus inúmeros perigos, ameaças e exigências.

           Essas razões afastam a alegação de dano moral. O profissionalismo do produtor e os riscos inerentes de sua atividade não permitem que o fato narrado na petição inicial seja suficiente para violar direito da personalidade.

           No caso, a perda de parte da lavoura não deve ser considerada como violação de direito da personalidade. Certamente, no curso do afazer de produtor houve frustação, ao menos parcial, de safra. Como referido acima, esta ameaça é intrínseca nessa atividade.

           A vida em sociedade apresenta inúmeras situações desagradáveis e aborrecimentos, que decorrem da complexidade das relações e da natureza humana. Merece ser lembrado que falhas ocorrem de modo inexorável, com origem em equipamentos mecânicos ou em condutas humanas. É inevitável no atual estágio da vida no planeta que ocorram discordâncias, transtornos, decepções, mágoas e sentimentos negativos.

           Como se tem afirmado, não é qualquer aborrecimento que possui gravidade suficiente para fundamentar a imposição de responsabilidade civil e obrigação de indenizar o dano moral. O fato deve ter seriedade, com alguma gravidade.

           Sobre o tema, leciona Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 5ª edição, 2ª tiragem, p. 98:

“… só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo ..”.

           Este julgado bem ilustra a situação:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA. Segundo a doutrina, não será toda e qualquer situação de sofrimento, tristeza, transtorno ou aborrecimento que ensejará a reparação, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a dignidade humana em seus diversos substratos materiais, já identificados, quais sejam, a igualdade, a integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou social, no plano extrapatrimonial em sentido estrito. Caso em …

Sentença de improcedência confirmada. Recurso improvido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70023543697, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 23/04/2009)

           É oportuno rememorar as razões expostas pelo Desembargador PAULO ANTÔNIO KRETZMANN no voto proferido na apelação cível nº 70001385384:

    As relações humanas, de atos de comércio ou não, de simples convivência, ou mesmo as sentimentais, geram constantemente efeitos no ser que delas participa, tanto de cunho positivo como de cunho negativo. Somente os extremamente sensíveis, que fogem ao que se tem por homo medius, são melindrados, sentem-se agredidos ou ofendidos.

    Ensina Wilson Melo da Silva, em “ O Dano Moral e sua Reparação” (n.º 231, pág. 513, 2ª edição), que: ”Para a fixação, em dinheiro, do quantum da indenização, o julgador haveria de atentar para o tipo médio do homem sensível da classe.”

    Segue conceituando: “…seria aquele cidadão ideal que tivesse a igual distância do estóico ou do homem de coração seco de que fala Ripert, e do homem de sensibilidade extremada e doentia.”

    Ora, não é todo ato que tem o poder de gerar o dano moral.

    A vida em sociedade gera continuamente pequenas perdas que devem ser absorvidas pela pessoa humana; ao contrário chegaríamos à total impossibilidade de convivência social. Pequenos aborrecimentos, transtornos e dissabores fazem parte do quotidiano, são parte da própria vida, devendo ser absorvidos normalmente.

           Os referidos fatos não alcançam magnitude suficiente a ponto de atingir a personalidade da parte.

           A situação em que a parte autora foi exposta, não é capaz de atingir com seriedade o direito da personalidade. Não está presente magnitude suficiente a caracterizar o dano moral.

           Sendo assim, o pedido de indenização por dano moral não deve ser acolhido.

           Diante do resultado do recurso, necessária a redistribuição da sucumbência. As custas correspondentes à efetiva condenação devem ser de responsabilidade da demandada e o restante pelo autor. Os honorários advocatícios em favor do procurador do autor são mantidos na percentagem de 20 % sobre a condenação, com fundamento no art. 20, § 3º, do CPC. Os honorários em favor do procurador da ré são estabelecidos em doze mil reais, corrigidos desta data, a teor do art. 20, § 4º, do CPC. E observada a lei 1.060/50.

           Permitida a compensação dos honorários, na forma da súmula 306 do STJ, cujo benefício da AJG isso não impede.

           Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da parte requerida.

Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Miguel Ângelo da Silva – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA – Presidente – Apelação Cível nº 70066572371, Comarca de Taquari: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: ANDREA CASELGRANDI SILLA


 

Nota de DireitoAgrário.com:

“No meio rural, é corriqueiro observar algumas situações em que os insumos não alcançam a qualidade ou a eficiência prometida pelos fornecedores, trazendo prejuízos aos produtores. Por isso, os produtores rurais devem ficar atentos para evitar que venham a ser lesados por produtos defeituosos ou até mesmo para buscar indenização pelos prejuízos sofridos ou lucro que deixou de ter se o produto cumprisse com a promessa feita pelo fornecedor lembrando sempre que em tais situações é difícil provar o defeito no insumo. Isso porque a atividade agrária é sujeita a diversos riscos inerentes a sua exploração, tal como aconteceu no caso em questão.

Por isso, é importante que o produtor rural sempre mantenha devidamente organizado os documentos referentes aos produtos adquiridos, bem como sempre contar com acompanhamento de profissionais da área rural (a exemplo de agrônomo) que possam fornecer laudos técnicos que poderão servir como meio de prova para eventual litígio.

Ao realizar qualquer negócio jurídico, como o exemplo de compra de insumos, procure guardar os recibos, as notas fiscais, os papéis de como o produto lhe foi apresentado, com os resultados esperados, como também documentos antigos, por exemplo, o de negociações de suas vendas anteriores, servindo para comparar a diferença entre as safras. Tudo isto será vital, caso ocorra problemas que afetem a produção por defeito do produto”.

Por Wiliam Mecca Martinelli, Advogado especialista em Direito Agrário e Ambiental pelo I-UMA/UNIP.

 

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