por Renato Buranello e Marcelo Winter.
Até os anos de 1970, o crescimento agrícola era baseado na expansão de áreas no convívio com baixos índices de produtividade. Investimentos em ciência e tecnologia, a presença de agricultores dinâmicos e ambiente competitivo mudaram essa realidade. O país é, hoje, um dos maiores produtores mundiais de alimentos, fibras e energias renováveis, mas há uma necessária remodelação das formas de financiamento das cadeias agroindustriais. Isso porque a capacidade de expandir o montante com depósito à vista e poupança rural acabou. Também o BNDES terá sua estratégia revisitada, pois apresenta programas defasados e de complexa operacionalidade. Em geral, as fontes de financiamento público não acompanham o ritmo de crescimento e expansão do setor e está constantemente sujeito às decisões da administração pública.
O Projeto de Lei de Conversão n. 30, de 2019 (“PLC”), proveniente da Medida Provisória n. 897, de 01 de outubro de 2019, mais conhecida como MP do Agro (“MP do Agro”), aprovado pelo Congresso Nacional, trouxe importantes avanços para o agronegócio, sendo que grande parte destas novidades surgiram de um amplo debate mantido no setor, em um contexto de maior participação do crédito privado ao setor.
Além do Fundo Garantidor Solidário (“FGS”), anteriormente denominado Fundo de Aval Fraterno, que deixou de ser uma garantia subsidiária, uma das grandes inovações da MP do Agro, o Patrimônio de Rural em Afetação, também sofreu algumas mudanças relevantes. Pelo referido instituto o proprietário de imóvel rural submete seu imóvel rural ou uma fração dele ao regime de afetação, sendo que este imóvel ou fração dele não poderá ser acessado por credores diversos salvo em caso de dívidas trabalhistas, fiscais e previdenciárias. Ainda, nos novos termos, passa a recair tão somente sobre o terreno, as acessões e as benfeitorias nele fixadas, excetuando as lavouras, bens móveis e semoventes. Esta exceção permite que o proprietário rural constitua, simultaneamente, tal obrigação de garantia sobre a terra nua e penhor agrícola sobre a lavoura existente na área, viabilizando suas atividades rotineiras.
Outra alteração muito requisitada pelo mercado, foi a possibilidade de constituição de Patrimônio Rural em Afetação por meio da emissão de Cédula de Produto Rural (“CPR”), ampliando sua aplicabilidade. Anteriormente, no texto original da MP do Agro, a afetação do imóvel rural somente poderia ocorrer através da Cédula Imobiliária Rural (“CIR”). A propósito, na nova versão do diploma legal, a CIR deixa de contar obrigatoriamente com uma Instituição Financeira como credora, podendo ser contratada com um fundo de investimentos, por exemplo. Além disso, a CIR passa a poder ser emitida de forma escritural.
Uma das mudanças mais festejadas pelo setor foi a ampliação do rol de legitimados para emitir a Cédula de Produto Rural (“CPR”), título de crédito representativo da promessa de entrega de produtos rurais ou pagamento em dinheiro no futuro, com ou sem garantias cedularmente constituída. Pela nova redação do art. 2° da Lei n. 8.929, de 22 de agosto de 1994 (“Lei 8.929/94”), a CPR passa a poder ser emitida por pessoas naturais ou jurídicas que beneficiam ou promovem a primeira industrialização de produtores rurais, de acordo com a definição apresentada no art. 1° da Lei n. 8.929/94.
Para os efeitos desta Lei, produtos rurais serão aqueles obtidos na atividade agrícola e pecuária, de floresta plantada e de pesca e aquicultura, em seus subprodutos e resíduos de valor econômico, inclusive quando submetidos a beneficiamento ou a primeira industrialização. Assim, também são objeto do título aqueles relacionados à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis.
Outra mudança relevante foi a inclusão expressa de emissão de CPR, na modalidade financeira, com (i) fluxo de pagamento; (ii) taxa de juros, fixa ou flutuante; (iii) cláusula de correção pela variação cambial, sendo o credor investidor local ou investidor não residente; e (iv) garantia de alienação fiduciária sobre bens móveis fungíveis e infungíveis, consumíveis ou não, presentes ou futuros (estoques de commodities agrícolas e lavouras). Adicionalmente, foi prorrogado, de 1° de julho de 2020 para 1° de janeiro de 2021, o prazo para se tornar obrigatório o registro ou depósito da CPR e de seus aditamentos em entidade autorizada a funcionar pelo Banco Central.
Por fim, mas não menos importante, foi contemplado nas disposições finais do PLC uma alteração extremamente relevante e importante para o agronegócio, que foi permitir a constituição de garantias reais em favor de empresas estrangeiras ou empresas nacionais controladas por estrangeiros, incluindo a possibilidade de consolidação definida da propriedade do imóvel rural em caso de insucesso nos procedimentos de excussão extrajudiciais. Desta forma, as empresas estrangerias ou controladas por estrangeiros poderão ser beneficiárias de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis.
Maior participação do sistema financeiro privado no fomento à produção com o PLC está plantada em bases que permitam o desenvolvimento pelo Mercado de Capitais. Há uma importante orientação em preparar o Sistema Financeiro para um futuro tecnológico e inclusivo, em novas plataformas de negociação, transparência e segurança do crédito. Também deverá ser ampliado o papel das Fintechs, em um ambiente mais competitivo e de redesenho estratégico das Instituições Financeiras.
Veja também:
– Análise crítica da MP do Agro
– MP do Agro e o recado do Congresso
– MP do Agro e o recado do Congresso
– Entrevista Prof. Albenir Querubini sobre a MP do Agro e as alterações na CPR