Direito Agrário

O falecimento do parceiro-outorgante não extingue o contrato de parceria rural

Direito Agrário - Foto: Maurício Gewehr

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial nº 1.459.668/MG, publicado no DJe de 18/12/2017, reafirmou o entendimento de que a morte do parceiro-outorgante (proprietário do imóvel agrário) não acarreta a extinção automática do contrato de parceria rural, nos termos que prevê o art. 23 do Decreto nº 59.566/1966.

Nesse caso, conforme explica o Professor Albenir Querubini, Vice-Presidente da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU, por consequência do principio da “saisine”, os herdeiros do parceiro-outorgado se sub-rogam nos direitos e deveres do falecido relativos à relação contratual agrária, sendo que para exercerem a retomada do imóvel agrário devem observar as disposições da lei agrária, tais como o respeito aos prazos mínimos legais (quando não estipulado prazo maior no contrato), prazo e forma legal estabelecida para a notificação premonitória válida, sob pena de ocorrer a renovação automática do contrato pelas mesmas disposições.

Leia a íntegra do julgado:

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.459.668 – MG (2014/0139242-3)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por MATHIAS VILELA JÚNIOR, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, impugnando acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado:

“AÇÃO DE RETOMADA DE BEM IMÓVEL RURAL. CONTRATO DE PARCERIA AGRÍCOLA. SUCESSÃO CAUSA MORTIS. HERDEIROS. DESINTERESSE NA MANUTENÇÃO DO CONTRATO. INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS. 1. Os sucessores causa mortis do proprietário rural podem exercer o direito de retomada do imóvel pendente de contrato de parceria agrícola, caso não tenham o interesse de manterem-se vinculados ao contrato. Inteligência do art. 23 do Decreto nº 59.666/66. 2. As benfeitorias necessárias e úteis serão objeto de indenização independentemente de autorização. As voluptuárias, por sua vez, dependem de autorização expressa do proprietário rural. Art. 24 do Decreto nº 59.666/66. 3. Comprovadas as benfeitorias, a respectiva autoria e a expressa autorização, cabe aos autores, a respectiva indenização ao réus, pelo valor apurado na perícia. vv. EMENTA: COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS – IMPOSSIBILIDADE – VERBA DO ADVOGADO E NÃO DA PARTE. Os honorários sucumbenciais pertencem ao advogado e não a parte, não podendo haver sua compensação” (fl. 1.014, e-STJ).

Os embargos de declaração opostos por Ana Maria Corrêa Leite Vilela e outros foram rejeitados com aplicação de multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa (fls. 1.093/1.094, e-STJ). Os embargos de declaração opostos por Mathias Vilela Júnior e outra foram parcialmente acolhidos para reconhecer “o direito dos embargantes em ver apurado, em liquidação de sentença por arbitramento, indenização remanescente pelas benfeitorias realizadas após a elaboração do laudo pericial” (fl. 1.095, e-STJ).

Aponta o recorrente, em suas razões, violação dos artigos 20, §§ 3º e 4º, e 535 do Código de Processo Civil de 1973 e 23 do Decreto nº 59.566/1966. S

ustenta que o acórdão recorrido é omisso quanto à alegação de que o artigo 23 do Decreto nº 59.566/66 somente atribui aos sucessores do falecido a faculdade de exercer a retomado do imóvel nas hipóteses previstas no artigo 22, § 2º, do referido diploma legal.

Afirma que a Corte local também teria deixado de se manifestar acerca da fixação dos honorários advocatícios. Assevera que ocorrida a condenação, os honorários deveriam ter sido fixados com base no art. 20, § 3º, e não no art. 20, § 4º, do CPC/1973. Além disso, ainda que se admitisse a fixação por equidade, o valor se mostra desproporcional ao proveito econômico auferido pela parte, pois equivalente apenas a 0,85% do valor histórico da condenação.

Alega que o falecimento do proprietário rural não garante aos sucessores o direito absoluto de retomar o imóvel. Na verdade, é indispensável que esteja presente, concomitantemente, uma das hipóteses legais previstas no art. 22, § 2º, do Decreto nº 59.566/1966.

Informa que o contrato foi firmado em 8.2.2007, com o prazo de vigência de 16 (dezesseis) anos. Assim, os recorridos somente poderiam retomar o imóvel no final da vigência do contrato, com a respectiva notificação dos arrendatários, comprovando uma das situações elencadas no referido artigo 22, § 2º, do Decreto nº 59.566/1966.

Assevera não poder prevalecer o entendimento de que a avença não seria oponível aos herdeiros porque eles não assinaram o contrato. Ressalta que, com a morte, os direitos e obrigações do falecido são transmitidos a seus herdeiros. Além disso, não se trata de direito personalíssimo, sendo característica do direito brasileiro a impessoalidade.

Argumenta que tendo os recorridos sido condenados ao pagamento de R$ 466.466,20 (quatrocentos e sessenta e seis mil quatrocentos e sessenta e seis reais e vinte centavos), os honorários advocatícios deveriam ser arbitrados com base no artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973.

De toda forma, ainda que se admitisse a fixação dos honorários por equidade, o valor arbitrado deve ser majorado, visto que corresponde a apenas 0,85% do valor histórico da condenação.

Requer que seja provido o recurso especial para anular o acórdão dos embargos declaratórios, sanando-se os vícios apontados, ou para julgar improcedente a ação, haja vista não terem os recorridos o direito de retomada do imóvel rural antes do final do prazo contratual, fixando-se os honorários com base no art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973.

Ana Maria Correia Leite Vilela e outros apresentaram contrarrazões (fls. 1.144/1.152, e-STJ).

Há também agravo em recurso especial interposto por ANA MARIA CORREA LEITE VILELA e outros contra decisão que inadmitiu seu recurso especial por ser intempestivo, ressaltando ser vedado o protocolo postal.

Afirmam os agravantes que a decisão atacada deixou de considerar o disposto no artigo 191 do Código de Processo Civil de 1973. Ressaltam que existem litisconsortes com diferentes procuradores, motivo pelo qual o prazo para interposição do recurso especial deveria ser contado em dobro.

Assim, como a publicação do acórdão se deu em 14.11.2013, o recurso especial interposto em 3.12.2013 é tempestivo.

No recurso especial, os recorrentes alegam, além de dissídio jurisprudencial, violação dos seguintes dispositivos, com as respectivas teses:

(i) artigos 301, III e X, 535 e 538 do Código de Processo Civil de 1973 e artigo 93, IX, da Constituição Federal – o Tribunal local deixou de se manifestar a respeito dos dispositivos legais invocados no recurso especial como violados, carecendo o acórdão de fundamentação. Afirma não ser cabível a multa do artigo 538 do CPC/1973, pois os embargos não tiveram caráter protelatório, e

(ii) artigos 1.219 e 1.220 do Código Civil e 332 do CPC/1973 – afirmam que a posse dos recorridos é precária, razão pela qual não é possível o exercício do direito de retenção. Ressaltam que mesmo notificados para desocupação, os recorridos se mantiveram na posse do imóvel. Acrescentam que a propriedade é centenária, sendo incabível a indenização de todas as benfeitorias já realizadas. Argumentam que o valor de mercado do imóvel é de aproximadamente R$ 1.509.928,70 (um milhão quinhentos e nove mil novecentos e vinte e oito reais e setenta centavos) e o valor a ser ressarcido alcança o montante de R$ 466.466,20 (quatrocentos e sessenta e seis mil quatrocentos e sessenta e seis reais e vinte centavos), o que denota a incoerência do valor a que chegou a Corte de origem. Ademais, não foi sequer comprovada a realização de benfeitorais necessárias.

Requerem que seja provido o recurso especial para anular o acórdão dos embargos de declaração, com o consequente afastamento da multa, ou para que seja reformado o acórdão, com a manutenção dos termos da sentença.

Contraminuta às fls. 1.174/1.176 (e-STJ).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):

O acórdão impugnado pelo presente recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

A controvérsia gira em torno de definir se a morte do parceiro outorgante acarreta a extinção do contrato de parceria agrícola e, caso encerrado o ajuste, se é o caso do pagamento de benfeitorias e do exercício do direito de retenção.

Breve Histórico

Trata-se, na origem, de ação de retomada de imóvel rural cumulada com pedido de despejo ajuizada por Ana Maria Corrêa Leite Vilela e outros contra Mathias Vilela Júnior e outra.

Afirmam os autores que com o falecimento de Isabel Chaves de Corrêa Leite, em 20.4.2007, passaram a ser proprietários, em condomínio, do imóvel denominado Fazenda Campo Redondo, na comarca de Três Pontas, no Estado de Minas Gerais.

Relatam que a falecida havia firmado, em 8.2.2007, contrato de parceria agrícola com os réus, o primeiro deles seu neto, pelo prazo de 16 (dezesseis) anos. Como não tinham interesse na manutenção do contrato, os autores notificaram extrajudicialmente os réus para que desocupassem o imóvel até o dia 30.9.2007, momento em que as colheitas já teriam sido encerradas.

No entanto, os réus quedaram-se inertes, o que ensejou o ajuizamento da presente ação objetivando o reconhecimento da extinção do contrato de parceria agrícola pelo exercício do direito de retomada.

Os réus ofereceram reconvenção, afirmando inexistir o direito de retomada do imóvel e requerendo o cumprimento do contrato em todos os seus termos. Alegaram, ademais, possuírem direito de retenção por benfeitorias.

A sentença reconheceu a carência de ação no tocante à reconvenção e julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, declarando extinto o contrato de parceria agrícola, fixando o prazo de 60 (sessenta) dias para que os réus desocupassem o imóvel.

A apelação dos réus foi parcialmente provida para conhecer da reconvenção e julgar procedente o pedido de indenização pelas benfeitorias, fixado no valor de R$ 466.466,20 (quatrocentos e sessenta e seis mil quatrocentos e sessenta e seis reais e vinte centavos), reconhecendo, ainda, o direito de retenção.

Sobrevieram, então, recursos especiais de ambas as partes.

Passa-se ao julgamento do recurso especial de Mathias Vilela Júnior.

1. Da violação do artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973 – omissões

Afirma o recorrente que o Tribunal de origem deixou de se manifestar acerca da alegação de que o artigo 23 do Decreto 59.566/66 somente atribui aos sucessores do falecido a faculdade de exercer a retomada do imóvel nas hipóteses previstas no artigo 22, § 2º, do mesmo diploma legal.

Além disso, teria havido omissão no que concerne ao cálculo dos honorários advocatícios, que deveriam seguir o disposto no art. 20, § 3º, do CPC/1973 e, também, quanto à irrisoriedade do montante fixado.

A Corte de origem enfrentou fundamentadamente as questões postas. Entendeu que o contrato de parceria agrícola não pode vincular os herdeiros do parceiro proprietário, que não participaram da avença, razão pela qual eles podem, desde logo, exercitar o direito de retomada, sem qualquer condição:

“(…)

Os ‘herdeiros e/ou sucessores’ não manifestaram sua vontade em relação às condições contratuais firmadas pela sua genitora e pelos réus e não podem se ver obrigados a cumprir aquele acordo. O contrato tem força de lei entre as partes, e não em relação a terceiros.

No caso dos autos, aplica-se, portanto, disposição normativa que prevê a possibilidade dos herdeiros exercerem o direito de retomada do bem, conforme o disposto no art. 23 do Decreto n. 59.666/1966, assim disposto:

Art. 23. Se por sucessão causa mortis o imóvel rural for partilhado entre vários herdeiros, qualquer deles poderá exercer o direito de retomada, de sua parte, com obediência aos preceitos deste Decreto; todavia é assegurado ao arrendatário o direito à renovação do contrato, quanto às partes dos herdeiros não interessados na retomada.

Considerando que nenhum dos herdeiros (autores/apelados) pretende a manutenção da avença, resta aplicável a norma supra citada” (fl. 1.019, e-STJ).

No que respeita aos honorários advocatícios, a Corte de origem, considerando a procedência dos pedidos iniciais e reconvencionais, arbitrou os honorários advocatícios em valor fixo e permitiu a compensação:

“(…)

Em razão da procedência de pedidos iniciais e reconvencionais, condeno as partes reciprocamente, ao pagamento das custas processuais, computando-se aqui também os honorários periciais, na proporção de 50% para cada e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais) permitida a compensação” (fl. 1.025, e-STJ).

Assim, houve pronunciamento acerca do tema, ainda que não na forma pretendida pelo recorrente.

Registre-se, por oportuno, que a escolha de uma tese refuta, ainda que implicitamente, outras que com ela sejam incompatíveis.

Nesse contexto, não se constata a presença de omissão no aresto recorrido, afastando-se a alegada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973.

2. Da violação do artigo 23 do Decreto nº 59.566/1966 – o falecimento do parceiro outorgante não implica a extinção do contrato de parceria agrícola

O recorrente afirma que o falecimento do parceiro outorgante não extingue o contrato de parceria, ressaltando que o direito de retomada do imóvel pelos sucessores não é absoluto, devendo obedecer a uma das hipóteses previstas no art. 22, § 2º, do Decreto nº 59.566/66.

A Corte local entendeu que o contrato firmado pela proprietária falecida não obriga seus herdeiros e sucessores, terceiros em relação ao acordo, reconhecendo o direito de retomada do imóvel com fundamento no artigo 23 do Decreto nº 59.566/1966, que tem a seguinte redação:

“Art 23. Se por sucessão causa mortis o imóvel rural fôr partilhado entre vários herdeiros, qualquer deles poderá exercer o direito de retomada, de sua parte, com obediência aos preceitos deste Decreto ; todavia é assegurado ao arrendatário o direito à renovação do contrato, quanto às partes dos herdeiros não interessados na retomada”.

Essa conclusão, porém, não é a que melhor se coaduna com a interpretação da legislação que regulamenta os contratos rurais.

Com efeito, conforme se verifica da redação do dispositivo legal em apreço, o direito de retomada dos sucessores deve obedecer os preceitos do Decreto nº 59.566/1966, que disciplina as hipóteses de retomada em seu artigo 22, § 2º:

Art 22. Em igualdade de condições com terceiros, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o arrendador até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, notificá-lo das propostas recebidas, instruindo a respectiva notificação com cópia autêntica das mesmas (art. 95, IV do Estatuto da Terra).

§ 1º Na ausência de notificação, o contrato considera-se automàticamente renovado, salvo se o arrendatário, nos 30 (trinta) dias seguintes ao do término do prazo para a notificação manifestar sua desistência ou formular nova proposta (art. 95, IV, do Estatuto da Terra).

§ 2º Os direitos assegurados neste artigo, não prevalecerão se, até o prazo 6 (seis meses antes do vencimento do contrato, o arrendador por via de notificação, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente, ou para cultivo direto e pessoal, na forma dos artigos 7º e 8º deste Regulamento, ou através de descendente seu (art. 95, V, do Estatuto da Terra).

§ 3º As notificações, desistência ou proposta, deverão ser feitas por carta através do Cartório de Registro de Títulos e documentos da comarca da situação do imóvel, ou por requerimento judicial.

§ 4º A insinceridade do arrendador eu poderá ser provada por qualquer meio em direito permitido, importará na obrigação de responder pelas perdas e danos causados ao arrendatário.

Nesse contexto, o pedido de retomada deve ser manifestado até o prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato. Na data do vencimento, caso requerida a retomada com fundamento em uma das hipóteses legais, o contrato será extinto, não tendo o arrendatário, direito à renovação.

Esse prazo deve ser observado também pelos sucessores, já que o artigo 23 fala em “obediência aos preceitos deste Decreto” . Assim, o direito de retomada somente poderá ser exercido no final do prazo contratual e não no momento da sucessão, ou quando encerrada a partilha.

A propósito, a lição de José Fernando Lutz Coelho:

“(…)

Deve ser observado que a morte do arrendador não é causa de extinção do contrato, apenas conferido o direito de retomada nas hipóteses legais cabíveis, pois se sub-roga nos direitos e deveres contratuais, é o que resulta da interpretação do art. 23 do Regulamento”. (José Fernando Lutz Coelho. Contratos Agrários. Uma Visão Neo-Agrarista. Curitiba: Juruá, 2006, pág. 135)

Também vale mencionar a doutrina de Wellington Pacheco Barros:

“(…)

Se houve mudança na titularidade do parceiro-outorgante por causa mortis, e o imóvel rural for partilhado entre vários herdeiros, surge para cada um deles o direito autônomo de retomar seu quinhão no mesmo prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do prazo do contrato determinado ou de ultimação da colheita, nos de prazo indeterminado, operando-se ainda a renovação no seu silêncio”. (Contrato de Parceria Rural. Doutrina, Jurisprudência e Prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, pág. 92) 

Além disso, no caso de alienação do imóvel rural, o Estatuto da Terra em seu artigo 92, § 5º, e o Decreto nº 59.566/1966, no artigo 15, estabelecem que não há interrupção do contrato de parceria agrícola, ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante.

Essa orientação também se aplica à hipótese de transmissão do imóvel em virtude do falecimento do outorgante.

Quanto ao tema, a lição de João Sidnei Duarte Machado:

“(…)

Não se dará a rescisão, entretanto, em face da morte do outorgante, pois seus herdeiros se sub-rogam nos direitos e obrigações contratuais, por força dos artigos 92, § 5º, do ET, e 15 do Decreto n. 59.566/1966, que se referem ao gênero alienação, no qual se insere, evidentemente, a transmissão causa mortis”. (A Parceria Agrícola no Direito Brasileiro. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2004, págs. 468 e 469)

Vale destacar, no ponto, que a proteção ao trabalhador rural é o vetor interpretativo do Estatuto da Terra.

Nessa linha:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PREFERÊNCIA. ARRENDAMENTO RURAL. ALIENAÇÃO JUDICIAL DO IMÓVEL. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 92, §§ 3º E 4º, DO ESTATUTO DA TERRA EM CONSONÂNCIA COM OS SEUS PRINCÍPIOS. SOBRELEVO DO CARÁTER SOCIAL DA RELAÇÃO PROPRIETÁRIO-TERRA-TRABALHADOR. PROTEÇÃO DO ARRENDATÁRIO RURAL. POSSIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA INCLUSIVE QUANDO A ALIENAÇÃO É JUDICIAL. DESNECESSIDADE DO REGISTRO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO.

1. Consoante o pacificado entendimento desta Corte, não se faz necessário o registro do contrato de arrendamento na matrícula do imóvel arrendado para o exercício do direito de preferência. Precedentes.

2. As normas trazidas à interpretação, buscando a preservação da situação do trabalhador do campo por intermédio do direito de preferência, estão insertas em estatuto de remarcada densidade social, superior, inclusive, àquele próprio da lei de locações de imóveis urbanos (Lei nº 8245/91).

3. Interpretação de seus enunciados normativos, seja gramatical, seja sistemático-teleológica, direcionada à máxima proteção e preservação do trabalhador do campo, não se podendo, por uma interpretação extensiva, restringir a eficácia do direito de preferência do arrendatário rural.

4. Sem ter o legislador restringido as formas de alienação das quais exsurgiria o direito de preferência, inviável excluir do seu alcance a alienação coativa ou judicial.

5. Reconhecimento da incidência da regra do art. 92 da Lei 4.505/64 a qualquer das espécies de alienação, desde que onerosa, tendo em vista inserir-se, dentre os seus requisitos, o adimplemento do preço pago pelos terceiros.

6. Razoabilidade da interpretação alcançada pelo acórdão recorrido.

7. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”

(REsp 1.148.153/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/3/2012, DJe 12/04/2012 – grifou-se)

“RECURSO ESPECIAL. CONTRATO AGRÁRIO. ARRENDAMENTO RURAL. PECUÁRIA DE GRANDE PORTE. PRAZO MÍNIMO DE VIGÊNCIA. CINCO ANOS. AFASTAMENTO. CONVENÇÃO DAS PARTES. NÃO CABIMENTO.

1. Trata-se de recurso especial interposto em autos de ação de despejo cumulada com perdas e danos na qual se discute a possibilidade de as partes firmarem contrato de arrendamento rural com observância de prazo inferior ao mínimo legal.

2. Os elementos de instabilidade no campo, caracterizados principalmente pela concentração da propriedade rural e pela desigualdade econômica e social em relação aos pequenos produtores, demandaram produção legislativa destinada a mitigar esses entraves e a estimular a utilização produtiva da terra, de forma justa para as partes envolvidas.

3. Em se tratando de contrato agrário, o imperativo de ordem pública determina sua interpretação de acordo com o regramento específico, visando obter uma tutela jurisdicional que se mostre adequada à função social da propriedade. As normas de regência do tema disciplinam interesse de ordem pública, consubstanciado na proteção, em especial, do arrendatário rural, o qual, pelo desenvolvimento do seu trabalho, exerce a relevante função de fornecer alimentos à população.

4. Os prazos mínimos de vigência para os contratos agrários constituem norma cogente e de observância obrigatória, não podendo ser derrogado por convenção das partes contratantes.

5. O contrato de arrendamento rural destinado à pecuária de grande porte deve ter duração mínima de 5 (cinco) anos. Inteligência dos arts. 95, inciso XI, alínea ‘b’, da Lei nº 4.504/1964; 13, incisos II e V, da Lei nº 4.947/1966 e 13, inciso II, alínea ‘a’,do Decreto nº 59.566/1966. 6. Recurso especial provido.” (REsp 1.455.709/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/5/2016, DJe 13/05/2016 – grifou-se)

Diante disso, o contrato permanece vigente até o final do prazo estipulado, podendo os herdeiros exercerem o direito de retomada com a realização de notificação extrajudicial até 6 (seis) meses antes do término do ajuste, indicando uma das hipóteses legais para o o seu exercício.

Desse modo, os pedidos iniciais devem ser julgados improcedentes.

Do agravo em recurso especial de Ana Maria Leite Vilela e outros

O recurso especial de Ana Maria Correa Leite Vilela e outros está prejudicado na parte em que discute o direito de retenção por benfeitorias dos parceiros outorgados. Porém, subsiste interesse dos recorrentes no julgamento da questão da multa do artigo 538 do CPC/1973.

O Tribunal de origem entendeu que o recurso especial é intempestivo, ressaltando não ser possível a utilização de protocolo postal, citando a Súmula nº 216/STJ (fls. 1.157/1.158, e-STJ).

Os agravantes afirmam que o recurso especial é tempestivo pois deixou de ser observado o disposto no artigo 191 do Código de Processo Civil de 1973, ressaltando que existem litisconsortes com diferentes procuradores, o que determina que os prazos sejam contados em dobro.

Conforme se verifica do instrumento de procuração juntado às fls. 16/17 (e-STJ) e do substabelecimento de fl. 18 (e-STJ), os agravantes são representados por advogados comuns, o que afasta a aplicação do prazo em dobro na hipótese.

A propósito:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO. 10 (DEZ) DIAS. INCIDÊNCIA DO ART. 544 DO CPC. INTEMPESTIVIDADE. 2. LITISCONSORTES COM REPRESENTAÇÃO PLURAL. UM DOS CAUSÍDICOS EM COMUM. APLICAÇÃO DO ART. 191 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. 3. AGRAVO IMPROVIDO.

1. É intempestivo o agravo em recurso especial interposto fora do prazo de 10 (dez) dias previsto no art. 544 do CPC.

2. Sendo as partes ‘representadas (…) pelo mesmo advogado, inviável a aplicação do prazo previsto no art. 191 do Código de Processo Civil’ (AgRg no AREsp n. 479.282/SP, Rel. o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 21/10/2014).

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 566.397/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/11/2014, DJe 12/11/2014)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL, INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/73, PERANTE O TRIBUNAL DE ORIGEM. ADVOGADOS DISTINTOS DO MESMO ESCRITÓRIO. PRAZO EM DOBRO. INEXISTÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STJ, À LUZ DO CPC/73. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I. Trata-se de Agravo interno, interposto em 21/03/2016, contra decisão monocrática publicada em 15/03/2016, na vigência do CPC/73.

II. O acórdão, objeto do Recurso Especial, foi publicado em 30/07/2014, quarta-feira. O Recurso Especial, no entanto, somente foi interposto em 29/08/2014, quando já escoado o prazo legal, em 14/08/2014.

III. Não há falar em prazo em dobro, na presente hipótese, pois, segundo a jurisprudência desta Corte – firmada à luz do CPC/73 -, ‘a regra contida no art. 191 do CPC tem razão de ser na dificuldade maior que os procuradores dos litisconsortes encontram em cumprir os prazos processuais e, principalmente, em consultar os autos do processo’ (STJ, AgRg no AREsp 221.032/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 11/04/2014). Logo, quando o preceito legal estabelece a figura dos ‘diferentes procuradores’, refere-se às hipóteses em que os litisconsortes são patrocinados por advogados distintos e sem vinculação entre si, o que não ocorre no caso concreto, no qual todos os litisconsortes outorgaram procuração ao mesmo grupo de procuradores integrantes de mesmo escritório profissional” (STJ, AgRg no AREsp 359.034/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/09/2014). No mesmo sentido: STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 690.857/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe de 04/03/2016; AgRg no AREsp 499.408/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 13/03/2015.

IV. Acolhendo tal entendimento, o CPC/2015 restringe a concessão do benefício a litisconsortes cujos advogados, necessariamente, façam parte de escritórios distintos.

V. Agravo interno improvido.” (AgInt no AREsp 751.490/MS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/6/2016, DJe 24/06/2016)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL INTEMPESTIVO. PROTOCOLO INTEGRADO. SÚMULA 256/STJ. LITISCONSORTES. ADVOGADO COMUM. PRAZO EM DOBRO. INAPLICABILIDADE.

1. O prazo de interposição do recurso especial é de quinze dias a contar da data de publicação do acórdão recorrido (art. 508 do CPC).

2. ‘O sistema de ‘protocolo integrado’ não se aplica aos recursos dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça’ (Súmula 256/STJ).

3. Não se aplica o benefício previsto no art. 191 do CPC na hipótese em que os litisconsortes possuam um advogado que é comum a todos. Precedentes.

4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 830.913/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2007, DJ 23/03/2007) Nesse contexto, não há como afastar o decreto de intempestividade do recurso especial.

Do dispositivo

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial de Mathias Vilela Júnior para julgar improcedentes os pedidos iniciais e nego provimento ao agravo em recurso especial de Ana Maria Correa Leite Vilela e outros.

Julgo prejudicada a petição de fls. 1.191/1.192 (e-STJ), na qual Mathias Vilela Júnior requeria cautelarmente o bloqueio da matrícula do imóvel rural.

Custas processuais e honorários advocatícios pelos autores, esses últimos fixados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

É o voto

EMENTA

RECURSO ESPECIAL E AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. PARCERIA AGRÍCOLA. FALECIMENTO. PARCEIRO OUTORGANTE. EXTINÇÃO. CONTRATO. NÃO OCORRÊNCIA. SUCESSORES. SUB-ROGAÇÃO. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO OUTORGANTE. RETOMADA. EXERCÍCIO. HIPÓTESES LEGAIS. PRAZO EM DOBRO. NÃO APLICAÇÃO.

1. O falecimento do parceiro outorgante não extingue o contrato de parceria rural.

2. Os herdeiros poderão exercer o direito de retomada ao término do contrato, obedecendo o regramento legal quanto ao prazo para notificação e às causas para retomada.

3. Não se aplica o benefício do artigo 191 do Código de Processo Civil de 1973 quando os litisconsortes possuem advogados comuns a todos. Precedentes.

4. Recurso especial provido e agravo em recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial e negar provimento ao agravo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 05 de dezembro de 2017(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

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