sexta-feira , 19 abril 2024
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Foto do Professor Armando Câmara

O Direito Agrário e a definição de Justiça do Professor Armando Câmara

por Darcy Walmor Zibetti.

 

“Honeste vivere; alterum non laedere; suum cuique tribuere”.

Este artigo foi provocado, ao fato de minha entrevista prestada à Coimissão Nacional das Mulheres Agraristas da UBAU (CNMAU), onde foi feita a referência ao Professor Armando Câmara, sobre a definição de Justiça, quando aluno quintanista da Faculdade de Direito da UFRGS, em 1965 (veja aqui a live).

 Sabemos que o Estatuto da Terra, foi aprovado pelo Congresso Nacional, vinte dias, após ter sido aprovada a Emenda Constitucional nº 10, de 9/11/1964 ( DOU, de 10/11/1964 ) que criou o Direito Agrário Brasileiro.

Estava prestes a desistir do Curso de Direito, porquanto, o Direito Penal/Processo Penal e outros ramos desestimulavam-me a ter interesse no estudo do Direito.

Tendo consultado um psicólogo, orientou-me dizendo que “a profissão é a pessoa que faz”. Eis que, no final do quarto ano do curso, o primeiro na UFRGS, é criado o Direito Agrário e é editado o Estatuto da Terra. Com essa notícia, reativou-se meu ânimo a completar o curso de Direito e comecei a ler o Estatuto da Terra. A minha surpresa: na leitura do Estatuto da Terra, constatei que o parágrafo primeiro do artigo 2º previra a regulamentação do princípio da função social da propriedade agrária, princípio esse previsto, pela vez primeira no artigo 147 da Constituição Federal de 1946.

Nas aulas de Filosofia do Direito, ministradas, magistralmente, pelo Catedrático Armando Câmara, que, discorria sobre as teorias que defendia como “Teoria da Justiça” e “Teoria do Valor”, causando surpresas a todos os alunos, porquanto, o grande mestre criticava com veemência o conceito romano de Justiça, representado no “Suum Cuique e Tribuere”, ou seja, dar a cada um o que é seu.

Ponderava, metafisicamente, que esse conceito romano de Justiça estava incompleto. Baseado em suas elucubrações filosófico-metafísicas, lembrando Platão- Cidadão do Mundo, verberava que a definição romana de Justiça, deveria ser completada introduzindo “valor jurídico”, tendo em vista o bem comum, assim, a definição de Justiça juridicamente correta seria: “Dar a cada um o que é seu, sim, mas tendo em vista o bem comum”.

Repito: Dar a cada um o que é seu, tendo em vista o bem comum.

Durante uma aula do Professor Câmara, numa oportunidade que surgiu, corajosamente, animei-me a interrompê-lo, formulando uma pergunta: Professor Armando Câmara, a função social da propriedade agrária tem algo a ver com sua definição de Justiça?

De pronto, respondeu-me: “– O princípio da função social da propriedade agrária enquadra-se, sim, no complemento romano de Justiça, tendo em vista o bem comum”. A função social da propriedade agrária informou-me, é um exemplo do modo de implementar o “bem comum”. Com a resposta do Professor Armando Câmara, fiquei, não só feliz e tranquilo, mas também entusiasmado a me dedicar ao estudo do Direito Agrário e buscar uma oportunidade para aplicá-lo, depois de diplomado.

Foi o que começou a ocorrer a partir de minha participação no I Curso de Direito Agrário realizado no Brasil, no período de abril-maio do ano de 1966, na PUC do Rio de Janeiro, sendo promovido pelo IBRA (hoje, INCRA ), Órgão recém criado pelo Estatuto da Terra. Cabe ressaltar que o diploma deste curso serviu de meu passaporte para ser Procurador do IBRA (depois, INCRA ), no Rio Grande do Sul, na sua Coordenadoria Regional, criada durante a minha estadia no Rio de Janeiro participando do curso agrarista.

Importa fazer referência à definição de Justiça do Professor Armando Câmara com a função social da propriedade agrária constante na Constituição Cidadã de 1988. Vale lembrar, o artigo 185 da Constituição Federal de 1988 que criou uma inovação jurídica, ou seja, da “propriedade produtiva”, tornando-se, em consequência, inexpropriável, porquanto, está cumprindo o princípio da função social da propriedade e enquadrando-se no conceito lapidar de justiça de que estamos tratando.

Todavia, o artigo 186 da Constituição Federal de 1988 contém emprestado o disposto no parágrafo primeiro do artigo 2º do Estatuto da Terra, estabelecendo, expressamente, os requisitos que, simultaneamente devem ser cumpridos, atendendo ao aspecto econômico, ao aspecto da conservação dos recursos naturais (solo, água, ar, flora e fauna) e, ao aspecto de atendimento social da legislação trabalhista e dos contratos agrários nos termos do Estatuto da Terra e seu Regulamento.

Cabe lembra, também, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 243, prevê a proibição da exploração de plantas psicotrópicas, sob pena da desapropriação sem indenização. Vem à memória, também, a primeira desapropriação fundada no Estatuto da Terra ocorrida no Rio Grande do Sul, que foi a Fazenda Sarandi, eis que, possuía mais de uma dezena de arrendatários que pagavam preços escorchantes, sempre condenados, inclusive, pelo político Fernando Ferrari e, não adequados sob os ditames do Estatuto da Terra e do seu Regulamento, porquanto, fundavam-se no Código Civil de 1916, o qual contemplava a plena e absoluta autonomia da vontade das partes. Faz-me lembrar, também, que a Petição Inicial da Ação Desapropriatória da Fazenda Sarandi/RS foi elaborada pelo Procurador Geral do Órgão IBRA/INCRA, Dr. Pedro Carlos Machado Peixoto, o qual me havia conhecido durante o Curso de Direito Agrário no Rio de Janeiro, no qual fora palestrante, conferiu-me a honrosa missão de assinar a Petição Inicial por ele elaborada e viajar a Sarandi para abrir processo judicial no Fórum local.

Foto do Professor Armando Câmara

O Professor Armando Câmara não escreveu nenhum livro. O que existe de escrito são discursos que ele pronunciava, inclusive, um, Saudando a PUC/RS pela conquista da emérita honraria de Pontifícia, Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Cabe ressaltar que o Professor Armando Câmara acumulou a função de Professor e de Reitor da PUC/RS, tendo sido, também, Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Como o Professor Armando Câmara não deixou nada escrito, a não ser os seus discursos, é, todavia, vivenciado pelos seus alunos como ocorre nesta oportunidade por mim.

No entanto, cabe lembrar que o atual Deputado Federal, Alceu Moreira (Osório/RS), Presidente da Frente Parlamentar da Agricultura da Câmara Federal, quando em 2008 assumira a Presidência do Parlamento Gaúcho, como Deputado Estadual, promoveu uma grande homenagem ao Professor Armando Câmara. Nesta homenagem houve discursos de expoentes da política rio-grandense, inclusive, do ex-Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Prof. Dr. José Sperb Sanseverino, que, quando fora Professor da Faculdade de Direito da URFGS, foi indicado pelo então Diretor Professor Ruy Cirne Lima, para assumir a Cátedra de Filosofia do Direito, tendo em vista a aposentadoria compulsória do Professor Armando Câmara. Houve, também, discursos de Deputados Estaduais, os quais foram alunos do homenageado, ressaltando o seus ensinamentos doutrinários, filosófico-jurídicos e políticos. Outros convidados admiradores também prestaram suas homenagens e saudações e um dos oradores em meio ao seu discurso fez referência ao poema da águia do poeta pensador Píndaro, considerando a altivez, a honradez, o brio e a coragem de dizer a verdade, enfrentando as tempestades. Comparou o Professor Câmara a uma águia da cultura filosófica, jurídica e política de respeito internacional. Na ocasião, todos os discursos e pronunciamentos e depoimentos prestados nesta homenagem, aos 110 anos de nascimento do Professor Armando Câmara, 1898-2008. Todo esse material consta na Biblioteca da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, melhor dito, no Solar dos Câmara, onde nascera, criara-se e residia Armando Câmara; Solar esse adquirido pelo Poder Público Estadual.

Cabe ressaltar, finalmente, que o Professor Armando Câmara vivenciou sua vida inteira como se fosse Irmão Marista celibatário. Armando Pereira Correia da Câmara, nasceu em uma família da nobreza brasileira, filho do General Alfredo Pinheiro Correia da Câmara e de sua esposa, Dona Zeferina Barreto Pereira Pinto, neto de José Antônio Correia da Câmara, o segundo Visconde de Pelotas e bisneto de José Feliciano Fernandes Pinheiro, o Visconde de São Leopoldo.

Encerrando, cabe dize, que, o Professor Armando Câmara como Filósofo Cristão, defendia o Capitalismo Cristão, verberando contra o então comunismo soviético, materialista e ateu (eis que, retira a liberdade das pessoas), além do mais, fundou e presidiu a Associação dos Professores Católicos, e fundou o Jornal o Dia, de linha cristã que perdurou por 20 anos, donde se conclui que o Professor Câmara “contemplava o pensamento e o conhecimento para ser levado à prática”.

Eleito Senador (1955/1956), renunciou a seu mandato. Este assunto, porém, possibilita um outro artigo  sobre a enriquecedora biografia do Catedrático Armando Câmara.

Darcy Walmor Zibetti. Doutor em Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino – UMSA. Procurador Federal inativo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Membro da União Mundial dos Agraristas Universitários – UMAU. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias – ABLA. Presidente da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU (www.ubau.org.br).

Direito Agrário

Veja também:

Armando Câmara 1898-2008 – Edição Comemorativa aos 110 anos do nascimento

Armando Pereira da Câmara, o professor 

 

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