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Direito Agrário

INCRA é responsável por verbas trabalhistas de empregado de fazenda desapropriada para fins de reforma agrária

“A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou agravo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contra decisão que o condenou a pagar aviso-prévio indenizado e multa de 40% do FGTS a um empregado de uma fazenda desapropriada no Município de Goianá (MG) para fins de reforma agrária. A autarquia alegava que a desapropriação do terreno se deu por interesse social, mas não conseguiu demonstrar divergências na interpretação da CLT que permitissem o exame do recurso de revista pelo TST.

O trabalhador rural foi demitido em 2013, após 36 anos de serviços prestados na Fazenda da Fortaleza de Sant’Ana, que o dispensaram com a justificativa do encerramento das atividades em decorrência da desapropriação. Como a fazenda faz parte do espólio do antigo proprietário, ele acionou os herdeiros e também o Incra para receber as verbas rescisórias.

Para o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), ficou caracterizado o chamado factum principis, ou “fato do príncipe”, definido no artigo 486 da CLT como a paralisação temporária ou definitiva da prestação de serviços, em decorrência de ato praticado por autoridade pública federal, estadual ou municipal. Com esse entendimento, condenou o Incra ao pagamento apenas do aviso-prévio e da multa do FGTS, considerando que as demais verbas rescisórias (férias, 13º salário, etc.) seriam devidas pelos empregadores na vigência do vínculo de emprego.

No agravo pelo qual buscou trazer a discussão ao TST, a autarquia federal alegou que a desapropriação decorreu do reconhecimento de que o imóvel era improdutivo e não cumpria sua função social, nos termos do artigo 186 da Constituição da República. De acordo com o Incra, ao descumprir a função social da propriedade, os proprietários assumiram os riscos, descaracterizando o “fato do príncipe”.

Contudo, a relatora do agravo, ministra Maria de Assis Calsing, ressaltou que a discussão não dizia respeito à regularidade do procedimento adotado, mas apenas ao enquadramento da situação jurídica no disposto no artigo 486 da CLT. ‘A questão se limita à constatação de que, no caso dos autos, ficou configurado o chamado ‘fato do príncipe’, para fins de responsabilização da autoridade pública‘, afirmou.

A ministra explicou que a discussão sobre o não cumprimento da função social do imóvel e a responsabilidade do empregador é ‘fruto de construção jurisprudencial e interpretação do artigo 486 da CLT‘. Trata-se, portanto, de matéria de caráter interpretativo – tanto é que a Turma regional divergiu quanto ao alcance da norma, e a decisão foi por maioria. ‘Se uma norma pode ser diversamente interpretada, não se pode afirmar que a adoção de interpretação diversa daquela defendida pela parte justifica violação literal dessa regra, pois essa somente se configura quando se ordena expressamente o contrário do que o dispositivo estatui‘, assinalou.

Na avaliação de Calsing, competia ao Incra demonstrar interpretação diversa do dispositivo em questão entre TRTs ou a Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST, o que não foi feito. A relatora concluiu que não foi demonstrada nenhuma violação legal e/ou constitucional ou divergência jurisprudencial, como exige o artigo 896 da CLT para o exame do recurso.

A decisão foi unânime”.

Fonte: Notícias TST (Lourdes Tavares/CF), 05/01/2016.


Leia a íntegra da decisão:

PROCESSO Nº TST-AIRR-1770-57.2013.5.03.0036

A C Ó R D Ã O (4.ª Turma)

GMMAC/r5/csl/rsr/ac

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. CONFIGURAÇÃO DO FACTUM PRINCIPIS. DESAPROPRIAÇÃO DE TERRENO RURAL. FIM SOCIAL DA PROPRIEDADE. RESPONSABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 486 DA CLT. Verificado que o posicionamento adotado no acórdão regional baseou-se na interpretação do artigo 486 da CLT, e que a interpretação conferida não atenta contra a literalidade da mencionada norma, não há de se falar em modificação do julgado. Sendo indiscutível a natureza interpretativa da matéria combatida, certo é que, se uma norma pode ser diversamente interpretada, não se pode afirmar que a adoção de exegese diversa daquela defendida pela parte enseja violação literal dessa regra, pois essa somente se configura quando se ordena expressamente o contrário do que o dispositivo estatui. Nesta senda, competia ao Recorrente demonstrar a interpretação diversa dos dispositivos em questão entre Tribunais Regionais do Trabalho ou a SBDI-1 desta Corte, nos termos do artigo 896, “a”, da CLT, ônus do qual não se desincumbiu. Agravo de Instrumento conhecido e não provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n.º TST-AIRR-1770-57.2013.5.03.0036, em que é Agravante INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA e são Agravados ESPÓLIO DE LAHYR PALETTA DE REZENDE TOSTES E OUTROS e DIRCEU LAGE DA SILVA.

R E L A T Ó R I O

Contra o despacho a fls. 366/367, o qual denegou seguimento ao seu Recurso de Revista, interpõe o segundo Reclamado o Agravo de Instrumento a fls. 371/384, visando à reforma do julgado.

Contraminuta ao Agravo de Instrumento a fls. 388/389 e contrarrazões ao Recurso de Revista a fls. 400/406.

Parecer do Ministério Público do Trabalho, manifestando-se pelo não provimento do Apelo, em face do óbice da Súmula n.º 126 do TST.

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE

Satisfeitos os requisitos extrínsecos, conheço do Agravo de Instrumento.

MÉRITO

CONFIGURAÇÃO DO FACTUM PRINCIPIS – DESAPROPRIAÇÃO DE TERRENO RURAL – FIM SOCIAL DA PROPRIEDADE – RESPONSABILIDADE – INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 486 DA CLT

O Regional, por maioria, deu parcial provimento ao Recurso Ordinário do primeiro Reclamado “Espólio de Lahyr Paletta de Rezende Tostes e Outros” para “determinar a responsabilidade da autarquia federal pelo aviso prévio indenizado e pela multa de 40% sobre o FGTS”, sob os seguintes fundamentos:

“O ‘factum príncipis’, ou fato do príncipe, previsto pelo artigo 486 da CLT, pode ser conceituado como a paralisação temporária ou definitiva da prestação de serviços, em decorrência de ato praticado por autoridade pública federal, estadual ou municipal. Demais, cuida-se de uma espécie do gênero força maior, sendo necessário que os requisitos desta se evidenciem, a fim de propiciar a transferência da obrigação de indenizar para o Estado. Assim, sua caracterização depende da presença dos seguintes requisitos: 1) ato administrativo inevitável praticado por autoridade competente; 2) interrupção temporária ou definitiva da prestação dos serviços e 3) não concorrência, direta ou indireta, do empregador para a prática do ato.

No caso em exame, os elementos de prova carreados aos autos evidenciaram que os recorrentes concorreram, com sua omissão, para a desapropriação do imóvel rural de sua propriedade. Acerca dessa questão, a análise percuciente da prova, constante da sentença, destacou que a ‘documentação trazida aos autos a fls. 76 comprova que a fazenda Fortaleza Sant’Ana, pertencente aos reclamados, foi declarada como imóvel rural de interesse social para fins de reforma agrária por Decreto da Casa Civil datado de 23.12.2011’ (f. 127). Além disso, ‘à fls. 108, manifestação técnica do próprio INCRA de que a propriedade é classificada como grande propriedade improdutiva por não atingir índices de rendimentos fixados por lei, bem como grau de utilização da terra e eficiência na exploração.’ (f. 127).

Resta inequívoco, portanto, que os recorrentes concorreram para que houvesse a desapropriação do seu imóvel rural, em razão da improdutividade da fazenda, que descaracterizou a função social da propriedade, princípio constitucional que condiciona o livre exercício do direito de propriedade. Por esse motivo, a paralisação de suas atividades não decorreu de típico factum principis, tampouco de força maior, conforme o artigo 501, caput e §1.º, da CLT.

Examinando hipóteses semelhantes, o C. TST afastou a caracterização do factum príncipis, como se observa pelos precedentes transcritos a seguir: (…).

Sendo assim, os reclamados são responsáveis pelo pagamento das verbas rescisórias devidas ao autor.

Quanto à data da dispensa, mais uma vez agiu acertadamente o Juízo de primeira instância, ao fixá-la de acordo com o documento de f. 20, assinado pelo inventariante do espólio (primeiro réu), pois este comprova que o fim das atividades econômicas ocorreu no dia 01.10.2013.

Não convencem as alegações de que o término dessas atividades teria ocorrido no dia 16.08.2013, data da imissão na posse pelo INCRA, pois os próprios recorrentes admitem ‘que mesmo ultimamente, após os desideratos decorrentes dos atos desapropriatórios e ilegais invasões consequentes da inércia do Poder Público, mesmo assim, nos seus quadros funcionais ainda encontravam-se laborando 22 empregados, evidentemente, fora os empregos indiretos decorrentes da atividade rural’ (f. 137). Óbvio, portanto, que algumas atividades foram mantidas mesmo após os atos de imissão na posse, sendo razoável supor que o Reclamante tenha sido mantido em atividade até o comunicado a que se refere o documento de f. 20.

Em razão do exposto, negaria provimento ao recurso, mantendo integralmente a decisão proferida em primeira instância.

Entretanto, esta e. Turma Recursal, por sua d. maioria, em sua composição atual, entendeu estar caracterizado o factum príncipis, pois a paralisação da prestação de serviços decorreu de ato praticado por autoridade pública para o qual o empregador não concorreu.

Apesar disso, prevaleceu o entendimento segundo o qual a responsabilidade da Autarquia Federal limita-se às verbas devidas a título de aviso prévio indenizado e multa de 40% sobre o FGTS, considerando que férias, 13.º salário e quaisquer outras verbas trabalhistas seriam devidas mesmo pelos empregadores na permanência do vínculo de emprego. De tal modo, vencido, dou provimento parcial ao recurso, nos termos acima.”

Inconformado, o INCRA sustenta a ausência de responsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas – aviso-prévio indenizado e multa de 40% do FGTS -, visto que a desapropriação do terreno se deu por interesse social, para fins de reforma agrária, diante do reconhecimento de que o imóvel era improdutivo e não cumpria a função social, nos termos em que determina o artigo 186 da CF/88. Entende, ademais, que, ao descumprir a função social da propriedade, o primeiro Reclamado assumiu os riscos, nos termos do artigo 2.º, caput, da CLT, não havendo de se falar em incidência do instituto “fato do príncipe”. Colaciona arestos.

Afirma, ademais, ser da Justiça Federal a competência para analisar a legalidade do ato expropriatório, nos termos do artigo 109, I, da CF/88, razão pela qual não há de se discutir a existência ou não de interesse social na desapropriação.

Sem razão, no entanto.

Conforme se observa do teor do acórdão acima transcrito, o Regional, por maioria, imputou ao INCRA a responsabilidade pelo pagamento do aviso-prévio indenizado e da multa de 40% do FGTS, sob o fundamento de que, como a paralisação dos serviços decorreu de ato praticado por autoridade pública, ficou configurado o factum principis.

Em nenhum momento se discutiu a regularidade do procedimento adotado, mas, tão somente, o enquadramento da situação jurídica no disposto no artigo 486 da CLT. Assim, não há de se falar em usurpação de competência e, por conseguinte, em afronta ao teor do artigo 109, I, da CF/88. Também descabe se falar em violação do artigo 186 da CF/88, na medida em que não há nos autos o exame do cumprimento da função social pelo primeiro Reclamado.

A questão, repise-se, se limita à constatação de que, no caso dos autos, ficou configurado o chamado “fato do príncipe”, para fins de responsabilização da autoridade pública.

Nos termos do artigo 486 da CLT:

“Art. 486. No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

§ 1.º Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dia, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria.

(…).”

O dispositivo em exame dispõe in litteris os seguintes requisitos para a responsabilização do ente público: a) paralisação temporária ou definitiva do trabalho; b) motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade. Como se vê, não há de forma expressa a previsão de exceção para a responsabilidade da autoridade pública, sendo a discussão em liça – desapropriação por não cumprimento da função social do imóvel e responsabilidade do empregador – fruto de construção jurisprudencial e interpretação do artigo 486 da CLT.

Tal fato pode ser claramente evidenciado – caráter interpretativo da decisão – quando se verifica que, com base nos mesmos fatos e na aplicação do artigo 486 da CLT, a Turma Regional divergiu quanto ao alcance da norma.

Sendo indiscutível a natureza interpretativa da matéria combatida, certo é que, se uma norma pode ser diversamente interpretada, não se pode afirmar que a adoção de exegese diversa daquela defendida pela parte enseja violação literal dessa regra, pois essa somente se configura quando se ordena expressamente o contrário do que o dispositivo estatui.

Assim, competia ao Recorrente demonstrar interpretação diversa do dispositivo em questão entre Tribunais Regionais do Trabalho ou a SBDI-1 desta Corte, nos termos do artigo 896, “a”, da CLT, ônus do qual não se desincumbiu.

Isso porque, reitere-se, o posicionamento adotado no acórdão regional baseou-se na interpretação da norma que rege a controvérsia – artigo 486 da CLT -, interpretação esta que não atenta contra a literalidade da própria norma em questão.

In casu, analisando os arestos colacionados pelo Recorrente, o que se observa é que nenhuma das divergências é apta ao conhecimento do Apelo. Com efeito, os arestos a fls. 359/360 e 361 são oriundos de Turmas do TST; o segundo aresto a fls. 361, apesar de oriundo de outro TRT, não abarca a discussão específica dos autos, visto que apenas analisa os requisitos para que a parte componha o polo passivo da ação e a configuração da sucessão trabalhista – óbice da Súmula n.º 296 do TST; e o último aresto, a fls. 363/364, oriundo do TRT da 18.ª Região, não veio seguido da indicação da fonte oficial ou do repositório autorizado de onde foi extraído, conforme determina a Súmula n.º 337 do TST.

Ante o exposto, uma vez não demonstrada nenhuma violação legal e/ou constitucional ou divergência jurisprudencial, nos termos do artigo 896 da CLT, nego provimento ao Apelo.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Agravo de Instrumento e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 16 de Dezembro de 2015.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

MARIA DE ASSIS CALSING

Ministra Relatora

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