Direito Agrário

Contratos agrários: valor do preço pago pelo arrendamento rural cai em quase todo o Brasil

Direito Agrário

 “O valor de arrendamento está mais baixo em quase todo o país nesta temporada, aponta estudo da consultoria Informa Economics IEG/FNP. A perspectiva de uma margem de lucro apertada na safra 2016/2017, devido aos altos custos de produção e a previsão de preços baixos da oleaginosa, fez com que muito produtores repensassem a estratégia, diminuindo a demanda por este tipo de negócio. Com isso, no país, espera-se uma queda média de 1 a 2 sacas de soja de 60 quilos por hectare.

Os sojicultores brasileiros já sabem que terão margens mais apertadas nesta safra e fazer loucuras para produzir não está nos planos de nenhum deles. Para os donos da propriedade rural, a prioridade é aumentar a rentabilidade, para isso alguns travam preços desde já, outros fazem parcerias com a indústria de insumos e por aí vai. Já os arrendatários, além de fazer as contas acima, ainda precisam encontrar uma folga nos valores pagos para produzir na terra, caso contrário o prejuízo é certo. ‘Ao que parece o mercado está respondendo a esses problemas no campo. O preço do arrendamento caiu um pouco, tanto nos valores muito altos, quanto nas áreas mais problemáticas’, afirma Márcio Perin, analista de mercado da Informa.

A região Centro-Oeste registrou uma leve queda nos preços médios de 1 saca por hectare. Em Mato Grosso, principal estado produtor de soja, a queda foi de 1 a 2 sacas por hectare, ou seja, os valores para arrendar um hectare vão de 6 sacas de soja, nas áreas de risco, distantes dos polos exportadores, com infraestrutura ruim, estradas sem asfalto, solo pobre, ou áreas em desenvolvimento, para 14 sacas por hectare em áreas mais nobres e produtivas. ‘No ano passado, os valores chegavam a 16 sacas por hectare, coisa rara hoje em dia’, garante Perin.

Em Goiás, a perspectiva é a mesma que no estado vizinho, com queda de 1 a 2 sacas por hectare. Entretanto, o arrendamento é mais comum em áreas consolidadas, que no ano passado chegaram a 18 sacas por hectare e esse ano não devem passar de 16 sacas. Em áreas de expansão e menos produtivas o valor não se alterou e ficou na casa das 8 sacas por hectare.

Fechando a lista de estados do Centro-Oeste está Mato Grosso do Sul, que chega a registrar queda de 2 sacas por hectare. Nesta localidade, os valores médios inferiores e superiores têm uma diferença bastante grande de 7 a 17 sacas, devido a diversidade de áreas. ‘Nesse estado encontramos de tudo, desde áreas muito ruins, sem infraestrutura e logística ineficiente, até lavouras extremamente produtivas. Por isso essa diferença nos valores’, conta o executivo.

Em contrapartida a queda de preços do Centro-Oeste, está a região Sul, com demanda crescente por terras e produtividades de encher os olhos de qualquer um. Por lá, os valores estão de 1 a 2 sacas mais caros. No Rio Grande do Sul, os preços chegam a estar 1 saca mais alto, que no ano passado, variando entre 8 e 22 sacas por hectare. ‘Assim como em Mato Grosso do Sul os valores inferiores e superiores apresentam uma grande diferença devido as variações de terrenos, que é grande’, explica Perin.

O Paraná é o destaque, já que os valores superiores chegam a 24 sacas por hectare, em média, e os inferiores a 12 sacas. ‘Esse é um estado com produtividades excepcionais, por isso os valores são tão altos. Tem produtor que chega a pagar 30 sacas por lá, mas isso é loucura’, garante o analista da Informa. ‘O valor mais baixo é igual ou superior aos registrados no Maranhão e na Bahia, por exemplo’, reitera Perin ao comentar que na Bahia, os preços ficaram estáveis, de 8 a 12 sacas de soja por hectare e no Maranhão, os valores saíram de 7 a 10 sacas no ano passado, para 6 a 11 sacas neste ano”.

Fonte: Projeto Soja Brasil, 08/08/2016 (texto de Daniel Popov).

*Foto destacada gentilmente enviada por Caroline Mattioni.

Comentário de DireitoAgrário.com:

A fixação do preço do arrendamento

por Albenir Querubini.

Professor de Direito Agrário, Mestre em Direito pela UFRGS, Vice-Presidente da União Brasileira dos Agraristas Universitários-UBAU.

A questão do preço e do pagamento do contrato de arrendamento rural é tema de recorrente controvérsia jurídica, especialmente pela divergência existente entre o entendimento adotado pelos Tribunais de Justiça dos Estados em relação ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Isso ocorre porque, conforme demonstra a notícia acima publicada, na prática os produtores costumam fixar o valor do preço em produtos, enquanto que a legislação prevê que a fixação do preço deve se dar em dinheiro, podendo o pagamento se dar em dinheiro ou no seu equivalente em produtos.

Tecnicamente a inobservância da fixação do preço em dinheiro traz como principal problema a impossibilidade de o arrendador (em regra o proprietário da terra) manejar a ação de despejo contra o arrendatário inadimplente, uma vez que a legislação dos contratos agrários não estabelece critérios para a liquidação do preço fixado em produtos, a exemplo do que ocorre com a Cédula de Produto Rural financeira (CPRf).

Para demonstrar, colaciono a ementa de recentes julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no sentido de reconhecer como válida a fixação do preço do arrendamento em produto, inclusive para fins de ajuizamento de ação de despejo pelo inadimplemento:

 

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. ARRENDAMENTO RURAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO E DESPEJO. ARRENDAMENTO RURAL. DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. PROVA DO PAGAMENTO. Na ação que visa à rescisão de contrato de arrendamento rural, por ausência de pagamento dos aluguéis, uma vez demonstrado o fato constitutivo do direito do autor, ao réu incumbe fazer prova da quitação por aplicação da regra contida no inc. II do art. 333 do CPC. Ausente comprovação do pagamento impunha-se a rescisão do contrato e o conseqüente despejo. – Circunstância dos autos em que se impõe manter a sentença recorrida. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70068714161, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 16/06/2016)[1]

CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE CONHECIMENTO CONDENATÓRIA. ARRENDAMENTO RURAL. PAGAMENTO DO PREÇO. Não há razões para modificar a sentença, mormente levando em consideração que os costumes da região onde a sentença foi prolatada é de que o pagamento, em contratos dessa natureza, seja feito em sacas de soja. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70068294172, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado em 16/06/2016)

 Por outro lado, em comentário feito em publicação do Portal DireitoAgrário.com de 18/03/2016, destacamos a reafirmação da jurisprudência da pela 3ª Turma do STJ acerca do polêmico tema da validade da cláusula do contrato de arrendamento fixada em produtos no julgamento do Resp nº 1.266.975/MG. No caso, a 3ª Turma destacou que ‘é nula cláusula contratual que fixa o preço do arrendamento rural em frutos ou produtos ou seu equivalente em dinheiro, nos termos do art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 54.566/1966’.

A fim de evitar repetição, eis a íntegra do respectivo comentário:

 “O ponto mais importante do julgamento do Resp nº 1.266.975/MG diz respeito à reafirmação da jurisprudência da pela 3ª Turma do STJ acerca do polêmico tema da validade da cláusula do contrato de arrendamento fixada em produtos. No caso, a 3ª Turma destacou que ‘é nula cláusula contratual que fixa o preço do arrendamento rural em frutos ou produtos ou seu equivalente em dinheiro, nos termos do art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 54.566/1966’.

Vale lembrar que, recentemente, a 3ª Turma do STJ, ao apreciar o Agravo Regimental no REsp nº 1.062.314/RS, havia mantido decisão do TJRS que entendeu pela possibilidade da fixação do preço do arrendamento rural em produtos (no caso, foi fixado em “quilos de vaca viva”), com base em princípios e nos usos e costumes da Região[2].

O preço no arrendamento rural consiste na quantia atribuída pelos contratantes a ser paga pelo arrendatário ao arrendador, em decorrência da vantagem obtida com a exploração da terra, também denominado aluguel. Não deve ser confundido com o pagamento, que é forma de extinção das obrigações, correspondendo ao cumprimento da obrigação avençada no contrato. Nesse caso, o pagamento corresponderá ao cumprimento da obrigação caracterizada pela entrega do valor do aluguel na quantia, na forma e no prazo ajustados no contrato de arrendamento rural.

A norma agrária define que o preço do arrendamento deve ser fixado em quantia fixa em dinheiro, sendo possível que o pagamento se dê em produtos. Nesse sentido, ressalta-se que a opção do pagamento do preço no arrendamento é obrigação facultativa ao arrendatário, sendo que, uma vez convencionada, não pode o arrendador se opor ao recebimento na forma de pagamento escolhida pelo arrendatário, ou mesmo exigir uma forma ou outra.

Além disso, cumpre destacar que até o momento o STJ ainda não apreciou a questão desde o enfoque da Lei nº 11.443/2007, especificamente pela nova redação conferida ao art. 95, inc. XI, “a”, do Estatuto da Terra, eis que inovou ao falar em “limites da remuneração e formas de pagamento em dinheiro ou no seu equivalente em produtos”. Note-se que se o legislador teve a intenção de flexibilizar a legislação agrária para permitir a fixação dos contratos de arrendamento rural em produtos, de forma contrária ao disposto no art. 18 do Decreto nº 59.566/1966, em nenhum momento o fez de forma explicita, pecando pela falta de clareza na atual redação do Estatuto da Terra.

Por conta disso, o comando contido no art. 95, inc. XI, “a”, do Estatuto da Terra vem sendo objeto de interpretação, tanto na doutrina quanto na jurisprudência (a exemplo de julgados do TJRS), no sentido de que o art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566/1966 encontra-se superado/revogado pela Lei nº 11.443/2007, para fins de possibilitar a aceitação de contratos de arrendamento fixados em produtos como válidos.

É importante mencionar que a razão da opção do legislador agrário, desde a elaboração do Estatuto da Terra e da legislação agrária complementar aplicável aos contratos agrários (Lei nº 4.749/1966 e Decreto nº 59.566/1966), sempre teve como base proteger o arrendatário (considerado como hipossuficiente na relação contratual agrária) de prejuízos decorrentes da falta de certeza do preço a ser pago pelo uso da terra, mormente pela grande variação do preço dos produtos agrícolas. Com isso, a fixação do preço do arrendamento em quantia fixa em dinheiro resguardaria a certeza do valor a ser pago ao arrendador, evitando que o arrendatário fosse obrigado a entregar quantias maiores de produtos se a cotação do período fosse baixa.

Salienta-se que tal problema ainda será objeto de muitas demandas judiciais, pois muitos produtores ainda ignoram o texto legal e seguem o costume de realizar a fixação dos arrendamentos rurais em produtos (ex.: sacas de soja por hectare, quilos de boi, etc), sendo que em determinado momento o STJ deverá se pronunciar também com relação ás alterações trazidas pela Lei nº 11.443/2007, pondo fim à insegurança jurídica.

Por fim, para evitar problemas aos contratantes, recomenda-se que os contratantes sigam observando a regra de fixar o preço do arrendamento em quantia fixa em dinheiro, com a possibilidade do pagamento se dar em produtos (se for o caso). Com isso, os produtores rurais evitam futuros gastos de tempo e dinheiro com demandas judiciais que possam trazer prejuízos ainda maiores do que o inadimplemento do arrendatário ou, até mesmo, inviabilizar o exercício do direito de retomada do imóvel agrário cedido em arrendamento”.

Conforme saliento em minhas aulas, a solução para o problema passa por uma necessária modificação legislativa. Nesse sentido, como sugestão de lege ferenda e conforme referido anteriormente, o legislador poderia adotar critério de liquidação tal qual previsto hoje para a Cédula de Produto Rural financeira, prevista no art. 4ª- A da Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994, o qual foi incluído pela Lei nº 10.200, de 14 de fevereiro de 2001[3]. Desta forma, possibilitar-se-ia que os contratantes possam fixar o preço do arrendamento rural em produtos quando constar cláusula de liquidação financeira mediante fórmula de apuração do preço em dinheiro.

 

——


Notas:

[1] No respectivo caso, conforme consta no relatório: “Aduziu o autor ter celebrado com todos os réus um contrato de arrendamento rural de 400Ha, e com o primeiro réu, outro contrato de arrendamento de uma área de 300Ha. Referidos contratos iniciaram em 2002, e foram renovados por mais cinco anos em 30/04/2007 (até 30/04/2012. Ficou fixado como pagamento nos contratos 7,14 sacas de soja por hectare plantado, totalizando 2856 sacas por ano; ou 6 sacas de soja, nos anos em que decretado estado de calamidade no município.  Referiram que os pagamentos sempre ocorreram de forma fracionada, sendo que atualmente, os réus estão inadimplentes em 6.635,60 sacas de soja, e se negam, mesmo notificados, a desocupar as áreas”.

[2] Acerca da questão, destacamos o excelente estudo de Alexandre Jaenisch Martini  “Contrato de arrendamento: o preço em produto sob um novo paradigma interpretativo”, monografia apresentada em 2015 como trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Especialização em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio do Instituto Universal de Marketing em Agribusiness- I-UMA, da qual tivemos a honra de orientar.

[3] Assim consta previsto para a CPRf:

Art. 4o-A.  Fica permitida a liquidação financeira da CPR de que trata esta Lei, desde que observadas as seguintes condições: 

I – que seja explicitado, em seu corpo, os referenciais necessários à clara identificação do preço ou do índice de preços a ser utilizado no resgate do título, a instituição responsável por sua apuração ou divulgação, a praça ou o mercado de formação do preço e o nome do índice; 

II – que os indicadores de preço de que trata o inciso anterior sejam apurados por instituições idôneas e de credibilidade junto às partes contratantes, tenham divulgação periódica, preferencialmente diária, e ampla divulgação ou facilidade de acesso, de forma a estarem facilmente disponíveis para as partes contratantes; 

(…)

§ 1oA CPR com liquidação financeira é um título líquido e certo, exigível, na data de seu vencimento, pelo resultado da multiplicação do preço, apurado segundo os critérios previstos neste artigo, pela quantidade do produto especificado“.

Veja também:

– Contrato de arrendamento rural que estabelece pagamento em quantidade de produtos pode ser usado como prova escrita para ajuizamento de ação monitória (Portal DireitoAgrário.com, 18/03/2016)

– Agropecuarista deverá devolver vantagens obtidas com arrendamento rural ilegal em terras indígenas (Portal DireitoAgrário.com, 15/03/2016)

– Contratos agrários: STJ define que gado bovino caracteriza pecuária de grande porte para fins contratuais (Portal DireitoAgrário.com, 08/06/2016)

– Plantação de lavoura de cana-de-açúcar não configura benfeitoria para fins de direito de retenção em contrato de parceria agrícola (Portal DireitoAgrário.com, 22/01/2016)

– Contratos Agrários: Controvérsias sobre preço e pagamento no Brasil (Portal DireitoAgrário.com, 19/01/2016)

– Contratos agrários: É válida notificação extrajudicial no interesse de retomada de imóvel em parceria agrícola (Portal DireitoAgrário.com, 05/11/2015).

– ZIBETTI, Darcy Walmor; QUERUBINI, Albenir. O Direito Agrário brasileiro e sua relação com o agronegócio. In: Direito e Democracia – Revista de Divulgação Científica e Cultural do Isulpar. Vol. 1 – n. 1, jun./2016, disponível em: <http://www.isulpar.edu.br/revista/file/130-o-direito-agrario-brasileiro-e-a-sua-relacao-com-o-agronegocio.html>.

– Valtencir Kubaszwski Gama. Artigo: A Desatualização do Estatuto da Terra quanto a Fixação do Preço e Forma de Pagamento nos Contratos de Arrendamento Rural para Exploração de Atividade Agrícola. Site da UBAU, 20/10/2015.

–  Evandro Raul dos SantosTexto: A CRIAÇÃO DO DIREITO AGRÁRIO e o ESTATUTO DA TERRA NO ANO DE SEU CINQUENTENÁRIO. Site da UBAU, 28/11/2014.