por Pedro Puttini Mendes.
Em meio à crise política e às vésperas de votação do impeachment acompanhar diariamente o Diário Oficial da União é uma grande expectativa por surpresas, tal como temos visto uma acelerada demarcação de terras, alterações nas políticas públicas, cargos, funções e agora na reforma agrária e seu processo de distribuição de terras.
Faz-se desta maneira uma gestão de políticas públicas emergenciais e não amadurecidas, formando de decretos federais, medidas provisórias e demais resoluções. Na edição do diário oficial da união desta quarta-feira (04/05/2016), dois Decretos Federais chamam atenção, são eles: Decreto nº 8.738, de 03/05/2016, para dispor sobre o processo de seleção das famílias beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária; e oDecreto nº 8.736, de 03/05/2016 – Institui o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural.
O primeiro deles, o Decreto Federal 8738/2016 necessita revisão de alguns de seus dispositivos e da própria essência do instituto da reforma agrária, pois esta normativa regulamentou um processo de reforma agrária que começa a criar paradoxos e se distanciar da essência desta política pública, qual seja a redistribuição de terras improdutivas, permitindo distribuição de terras para pessoas sem qualquer aptidão agrícola, aposentados que comprovem renda e outros dispositivos trazidos pelo novo decreto que acabam com a competitividade das terras que podem ser altamente produtivas se forem tecnificadas, um atentado contra a economia e a função social da propriedade.
O referido decreto traz em seu longo texto quem são os interlocutores e beneficiários da reforma agrária, entretanto, permanece muito vago, quem de fato deveria utilizar-se produtivamente da terra, na qualidade de trabalhador rural devidamente tipificado e àqueles meramente oportunistas, eventualmente oriundos do êxodo urbano, haja vista que, do artigo 6º de tal decreto, diz apenas que “Para se candidatar a uma parcela da reforma agrária, o interessado deverá estar inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais – CadÚnico do Governo federal, na forma do Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007.”
O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, por sua vez previsto no Decreto Federal 6.135/2007 não se presta a definir o trabalhador rural apto a receber um quinhão de terra e cumprir estritamente a essência desta política pública chamada reforma agrária.
O segundo novo decreto, por sua vez, institui o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, com o objetivo de integrar e articular políticas, programas e ações para a promoção da sucessão rural e a garantia dos direitos da juventude do campo (art. 1º), tendo em seus anexos a garantia de que busca destinar 30% dos lotes da reforma agrária para a juventude rural, garantida a paridade de gênero. Jovens precisam de melhores políticas públicas educacionais e profissionais, não somente um pedaço de terra.
Segundo a Lei Federal nº 8629/1993 que regulamenta a reforma agrária, em seu art. 2º, tal política pública se presta para desapropriar aquela propriedade rural que não cumprir a função social respeitados os dispositivos constitucionais e demais critérios de avaliação, competindo à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social. Nesta dinâmica, a distribuição dos imóveis é feita por meio de títulos de domínio, concessão de uso ou concessão de direito real de uso – CDRU, isentos de impostos federais, estaduais e municipais (art. 26).
Diante desta explicação jurídica, temos um grande paradoxo moderno de uma política pública que tenta uma modernização ideológica que não acompanha sua própria legislação, pois fazer reforma agrária pela via democrática no mundo globalizado e tecnologicamente avançado significa falta de competitividade para o mercado interno e externo, já que a grande maioria de assentamentos sem condições de desenvolvimento, trazem uma produção precária que mal consegue sustentar o próprio assentamento, criando favelas rurais, descumprindo a própria função social da propriedade onde a falta de políticas públicas decentes para tecnificar os assentamentos rebaixa o grau de utilização e o grau de eficiência da área assentada.
Há grande risco de regressão não só do potencial produtivo daquela propriedade, como também a própria condição econômica do felizardo contemplado com seu quinhão de terra, ressaltando que, nem sempre se trata de pessoa com aptidão agrícola para manter adequadamente o que propõe esta política distributiva que têm recebido uma diversidade de pessoas, os quais buscam por muitas vezes a fuga do desemprego urbano por uma oportunidade no campo, um ideal perseguido por muitas pessoas que almejam a felicidade em um pedaço de terra, de forma que este pedaço de terra não é um passaporte para a cidadania, melhores condições de trabalho, educação, habitação ou alimentação, falsa ilusão, desilusões urbanas não se resolvem com reforma agrária.
Segundo pesquisas e livros, apontam que o movimento social de pessoas sem-terra no campo, teve início no despejo de milhares de famílias gaúchas despejadas da Fazenda Anoni, acampados por falta de oportunidades na única atividade em que desempenharam por toda a vida, esta é a real natureza da reforma agrária, desapropriar terra improdutivas para entrega-las a pessoas excluídas do campo e não àqueles cidadãos trazidos das periferias urbanas, os quais não contribuirão para o sucesso dos assentamentos, muito menos aqueles que vivem na cidade, mantendo barracos nas beiras de rodovias para compor número de manifestantes em datas estratégicas.
A infinita horda de pessoas que agora vive esta política pública sem monitoramento agora possui ideologias distorcidas sem muitas vezes compreender o propósito da reforma agrária, não há como suprir a constante demanda de novas pessoas pleiteando terras para o trabalho, por tantos quantos foram os governos que somaram esforços para assentar todos os solicitantes.
O problema desta política pública chamada reforma agrária não são essencialmente as pessoas, mas garantir a estes uma capacidade de produção, emprego e renda, evitando que fujam do desemprego urbano para tornarem-se hipossuficientes rurais. Não é correto estimular a pobreza rural desqualificada. Latifúndios realmente devem ser combatidos por todas as ideologias e políticas públicas; capitalismo e modernização de certa forma, realmente podem criar exclusões sociais; entretanto, acredito fortemente que o nível educacional precisa ser amplamente fortalecido para conseguir atingir os reais objetivos de pequenos produtores a tornarem-se agricultores empreendedores com sucesso, as propriedades rurais são sim, empresas.
por PEDRO PUTTINI MENDES, Advogado do Agronegócio, Sócio-Diretor da PM&A Advogados Associados SS, Palestrante e Professor de Direito Agrário e Políticas Públicas no Agronegócio, Facilitador do “Pro-Fissa – Ecola de Produtividade e Geração de Valor”, Ex-Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS. Email: [email protected]
(artigo originalmente publicado em Rural Centro, 05/05/2016)
Sobre os Decretos:
– Decreto institui o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural