por Darcy Walmor Zibetti.
No Brasil, para amar o Direito Agrário, é preciso estudar e conhecer a formação histórica da propriedade agrária.
Historicamente, a grande propriedade agrária[1] originou-se durante o Brasil Colonial, através do sistema de Cartas de Sesmaria (o qual vigorou até julho de 1822)[2], adotado como instrumento de ocupação territorial pela Coroa Portuguesa. O donatário ou concessionário de Carta de Sesmaria tinha três compromissos: medir e demarcar a área; explorar o imóvel e pagar um dízimo para a Ordem de Cristo[3].
As dimensões das áreas dos sesmeiros, variavam nas distintas regiões do Brasil, por ano e “para quem eram concedidas”, segundo o Prof. Agrarista Albenir Querubini, autor da obra “O Regramento Jurídico das Sesmarias”[4]. O sistema usado era o sistema métrico de léguas de comprimento e léguas de largura. Há informações que teria havido expedição de Carta de Sesmaria com a dimensão 13.010 há. A literatura informa que no Estado de Minas Gerais (Terra de Tiradentes), foram fornecidas mais de 500 Cartas de Sesmaria, no período de 1720 a 1822.
No Brasil-Colônia estas áreas foram exploradas, basicamente, com produtos da monocultura do café e da cana de açúcar, hoje, são chamadas commodities. Eram culturas do sistema plantation adotado pela colonização européia na América no período de expansão do capitalismo mercantilista. E, foi explorada, também, a árvore chamada de pau-brasil[5] que originou o nome da Nação brasileira.
Posteriormente, logo, no início da implantação das diretrizes do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) sobre reforma agrária e política agrícola ou de desenvolvimento rural, foram criadas empresas privadas credenciadas pelo INCRA para promover projetos aprovados de colonização com áreas superiores ao Módulo Rural. Temos exemplos de implantação desses projetos, especialmente, através da SINOP – Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná, a qual implantou projetos no Paraná e no Brasil Central, especialmente, em Mato Grosso, donde se originaram diversos Municípios, entre os quais, Vera, Santa Carmen, Cláudia e SINOP que adotou a sigla da empresa colonizadora.
O INCRA, ao discriminar terras devolutas (públicas) , arrecadou grandes áreas da União que foram objeto de projetos de colonização de áreas com dimensão de até três mil ha., e foram vendidas mediante licitação, especialmente, no Brasil Central e Região Norte do País.
O Governo Federal, de então, com a aprovação da Lei que criou o Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), começou a aplicar a Lei nº 5.106/1966 que concedia “benefícios fiscais” às empresas florestadoras e reflorestadoras que submetiam seus projetos à aprovação do, então, IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal., hoje, incorporado ao IBAMA. Tais projetos no Rio Grande do Sul se expandiram, pelo Litoral Norte do Estado, em terras praticamente impróprias para outras culturas temporárias. Também, foram implantados outros projetos florestais com benefícios fiscais em outras regiões do País. Até hoje, existem entidades, entre outras como a AGEFLOR – Associação Gaúcha de Empresas Florestais; AREFLOR – Associação de Reflorestadores de Mato Grosso e ACR – Associação Catarinense de Empresas Florestais.
No Brasil, existem mais de cem empresas que produzem e agroindustrializam produtos florestais. Há, todavia, carência de viveiros florestais.
As empresas atuam em diferentes segmentos da cadeia produtiva tais como, florestamento e reflorestamento, produção de madeira serrada, para uso na construção civil e moveleira, produção de chapas (MDF-MDP), compensados, laminados, aglomerados e laqueados, celulose e papel, resinas (breu e terebintina), tanino, postes tratados, cavacos para produção de celulose, cavacos para produção de energia, ,mudas florestais, energia (lenha e carvão), máquinas e equipamentos, insumos e produtos químicos.
Em 1972, em Guaíba/RS, na margem do lago Guaíba, instalou-se a empresa de celulose norueguesa denominada BORREGAARD. Em 1975, esta empresa passa a se chamar RIOCELL – Riograndense Celulose; em 2000 torna-se KLABIN; em 2003 foi vendida para a Aracruz Celulose e, em 2009, torna-se CMPC – Celulose Riograndense (CMPC – Compañia de Papeles y Cartones, Grupo Chileno). Esta empresa produz celulose branqueada a partir da fibra curta de eucalipto, comercializada globalmente, para fabricantes de papel para higiene pessoal de alto valor agregado, tornando-se, o primeiro elo de uma cadeia produtiva essencial para qualidade de vida das pessoas. Tem capacidade comum de 1,8 milhão de toneladas, além de 60 mil toneladas de papel. Atua em sistema de contratos de integração com produtores rurais.
A assim denominada grande propriedade agrária, a partir da Constituição de 1988, seguiu, segundo o “slogan” do homenageado agrarista, pela UBAU, Octávio Mello Alvarenga, ex -presidente da SNA – “Da Monocultura ao Agribusiness”[6].
A teoria do Agronegócio[7] surgida em Harvard e que foi introduzida no País, partiu do abandono do sistema monocultor para a diversificação de culturas, abrangendo pastagens cultivadas , para a exploração de animais de raça de bovinos, bubalinos, equinos e muares, ovinos, caprinos, pertencentes às associações filiadas á Federação Brasileira de Criadores de Animais de Raça (FEBRAC), aves, suínos e, na exploração vegetal como, soja (Aprosoja), milho (Abramilho), arroz (Abiarroz), cevada, centeio, canola , trigo e feijão, entres outras como café e cana de açúcar. Foi sendo cultivada, também, a cotonicultura (cultura do algodão), como fibra (têxtil) com fins de confecção de tecidos para vestuário e instrumentos médicos.
Os censos oficiais, muito embora desatualizados, indicam que existe um percentual elevado desses imóveis rurais que no Brasil se enquadram na categoria de grandes propriedades. Inclusive, ocupam área expressiva do território nacional e abrangem a maior área na estrutura fundiária do País.
Com a conquista da introdução do artigo 185 na Constituição de 1988[8] que criou a figura jurídica da “propriedade produtiva” (inexpropriável), os empresários agrários, assumiram “a consciência” de que a garantia do direito de propriedade só estaria assegurado mediante aumentar a produção e a produtividade agrária, ou seja, cumprir o “direito-dever” de produzir, transformando o conceito de imóvel rural de bem patrimonial e especulativo pelo Código Civil para “ bem de produção “ consoante pregado pelo Direito Agrário.
As Ciências Agrárias evoluíram com a biotecnologia, biogenética, informática, inclusive, virtual e novas tecnologias em constante evolução. E, os empresários agrários aderiram ao sistema do Agronegócio, brotado na Universidade de Harvard, ou seja, “Antes da Porteira”, “Dentro da Porteira” e “Após ou Depois da Porteira Agrícola”, formando, o que foi chamado “Complexo Agroindustrial do Agronegócio”, por Odacir Klein, quando presidente da FECOTRIGO, hoje FECOAGRO. Hodiernamente, o empresário rural conta com assistência técnica e jurídica, com maquinário e instrumentos agrícolas apropriados, silos de armazenagem adequada, conta, também com instrumentos de informática via digital e por satélite, sendo bem recente o uso de drones[9], levando tecnologia para dentro da propriedade como, agricultura de precisão, irrigação e energia elétrica e, inclusive a realização de leilões virtuais e remates on line.
Assim ocorreu e está em expansão o processo de dinamização do aumento da produção e sua produtividade com sustentabilidade ambiental e apoio governamental.
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Notas:
[1] A grande propriedade agrária, aqui, também, considerada, é o imóvel agrário superior a 15 módulos fiscais, conforme a definição de média propriedade agrária, prevista no Art. 4º. III, letra a) da Lei nº 8.629/1993. (Em sequência, será apresentado em forma de artigo, um estudo sucinto e histórico-legislativo sobre a pequena e média propriedade agrária).
[2] O sistema sesmarial foi suspenso por D. Pedro I, a partir de julho de 1822. E, a partir desta data até a edição da Lei nº 601/1850, de 18 de setembro, passou a vigorar o “Período da Posse”. Será que não foi o início do processo de “grilagem” de que fala o nosso escritor Dr. Rogério Reis Devisate, em sua obra: “Grilagem das Terras e da Soberania” (Imagem art. Studio, Niteroi, 2017).
[3] A Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, originalmente, era uma ordem religiosa e militar, criada em 14 de março de 1319 pela bula papal do Papa João XXII. Nesta época existia a união entre a Igreja e o Estado.
[4] O Professor Agrarista Albenir Querubini publicou o livro denominado “O Regramento Jurídico das Sesmarias”, Ed. Leud, São Paulo, 2014.
[5] Cabe fazer referência histórica ao pau-brasil, de nome científico Caesalpinia echinata, o pau-brasil, existia em áreas do litoral da Mata Atlântica que se estendia do litoral do Rio Grande do Norte ao Rio de Janeiro. Foi o principal pivô do início da exploração portuguesa no território brasileiro. O segredo do interesse português pelo pau-brasil está no interior da madeira que apresenta intensa cor vermelha, devido à presença de brasilina, substância que na época servia de luxuoso material para tingimento de tecidos caros. Além do mais, o pau-brasil era utilizado para a confecção de corantes de tintas, construção de navios e móveis de luxo, instrumentos de cordas, sendo que até hoje, dizem, que os arcos de violinos produzem sons mais puros se fabricados com o pau-brasil. Para evitar a preocupação da ONU sobre a eventual extinção desta variedade vegetal, tão cobiçada, a EMBRAPA junto com o Instituto Floresta Viva do Estado da Bahia e a CEPLAC-(Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) , estão fazendo mudas e replantio do pau-brasil em dezenas de municípios da Mata Atlântica. Ressalta-se que o pau-brasil deu origem ao nome do nosso País, Brasil.
[6] Da Monocultura ao Agribusiness – Conta a história da Sociedade Nacional de Agricultura- SNA/RJ, fundada em 1897.( EMBRABA – Informação Tecnológica – Brasília – DF- 2005).
[7] Entre os cultores pioneiros e impulsionadores no Brasil da teoria do Agronegócio de Harvard, destacam-se, Roberto Rodrigues (ex- Ministro do MAPA), Ivan Wedekin e Luiz Tejón Megido, entre outros. Cabe, sem falsa modéstia, lembrar e fazer referência sobre a criação pioneira do Curso de Pós- graduação de Direito Agrário e Ambiental Aplicado ao Agronegócio, por parte do I-UMA – Instituto Mundial de Marketing do Agronegócio que se associou à UNIP (Universidade Paulista). Tal Curso foi estimulado durante três anos, pelo espírito de professor vocacionado Albenir Querubini e eu, com larga experiência como agrarista. Nós funcionamos como uma “dupla agrarista” ou “bois de canga”, cuja parceria permanece ao longo do tempo. Tal curso, hoje, na sétima turma, formou dezenas de agraristas, sendo seus alunos provindos de vários Estados da Federação. Muitos desses alunos, hoje, são militantes da UBAU. Eu funcionei no curso do I-UMA como professor convidado e o Prof. Albenir Querubini foi seu professor efetivo, chegando a ser Coordenador Científico.
[8] A propriedade produtiva foi regulamentada pelo Art. 6º. da Lei nº 8.629/1993.
[9] As empresas fabricantes de maquinário e equipamentos do agronegócio, apresentam seus produtos na EXPOINTER – Esteio/RS e EXPODIRETO – COTRIJAL, no Rio Grande do Sul. Também. são apresentados nas exposições em outros Estados da Federação.