sábado , 6 dezembro 2025
Início / Notícias / Uma interpretação distinta e evolutiva das normas do Direito do Agronegócio com ênfase nos contratos agrários
Direito Agrário - Foto: Bernardo Poletto

Uma interpretação distinta e evolutiva das normas do Direito do Agronegócio com ênfase nos contratos agrários

por Hugo Bogo Turetta.

 

RESUMO: Os contratos agrários são frequentemente influenciados pelo direito consuetudinário, embora haja entendimentos divergentes, o que gera variações nos resultados e potenciais impactos econômicos. Há decisões que evidenciam essas diferentes interpretações das normas. O TJPR, por exemplo, autorizou a remuneração de arrendamentos em 50 sacas de soja por alqueire, afastando-se da exigência legal de que “o preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro” (Brasil, 1966), justificando que, em determinadas regiões, o uso e costume é a fixação do preço em produtos (Paraná, 2021). Em contrapartida, existem decisões conservadoras que invalidam cláusulas de arrendamento com prazo inferior a três anos, com base na obrigatoriedade dos prazos mínimos (art. 13, II, “a”, do Dec. n.º 59.566/66). O STJ também reforça que “os prazos mínimos de vigência para os contratos agrários constituem norma cogente e de observância obrigatória”. No entanto, em razão de mudanças no cenário atual, há discussões sobre a possibilidade de validar contratos com prazo inferior ao mínimo legal.

PALAVRAS CHAVE: Contratos agrários; prazos mínimos; norma cogente; mudança de cenário; validade.

DISTINCT INTERPRETATIONS OF AGRIBUSINESS LAW REGULATIONS

 

ABSTRACT: Agrarian contracts are often influenced by customary law, although there are divergent interpretations, leading to variations in outcomes and potential economic impacts. Some decisions highlight these different interpretations of the regulations. The TJPR, for instance, allowed the payment of leases in 50 bags of soybeans per alqueire, deviating from the legal requirement that “the lease price can only be set in a fixed amount of money” (Brazil, 1966), justifying that, in certain regions, the customary practice is to set the price in products (Paraná, 2021). On the other hand, there are conservative rulings that invalidate lease clauses with terms shorter than three years, based on the mandatory minimum terms (Art. 13, II “a” of Decree 59.566/66). The STJ also reinforces that “the minimum duration for agrarian contracts constitutes mandatory and binding law.” However, due to changes in the current landscape, there are discussions about the possibility of validating contracts with durations shorter than the legal minimum.

KEY WORDS: Agrarian contracts; Minimum terms; Compulsory norm; Change of scenario; Validity.

  1. INTRODUÇÃO

Nos contratos agrários típicos, tanto o de parceria quanto o de arrendamento, a legislação pertinente, em especial o Decreto n.º 59.566 de 1966, estabelece que o prazo mínimo é de 3,5 ou 7 anos, a depender do objeto do contrato (art. 13, II, “a”). Ocorre que a mesma legislação também permite uma formação tácita e verbal, dando flexibilidade ao contrato (art. 11), o que facilmente poderia ser interpretado como um conflito aparente de normas, pois se de um lado há a flexibilidade na formação do contrato, por outro lado há a necessidade de respeitar os prazos estabelecidos.

O problema é que os tribunais, como o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm aplicado os prazos mínimos cegamente, com base no fundamento de que seria norma cogente, mas, ao mesmo tempo, têm afastado certos dispositivos em razão da autonomia dos usos e costumes, a exemplo do TJPR que manteve a cláusula contratual que fixava a remuneração em produto, situação vedada pelo art. 95, XI, “a”.

Diante dessas considerações, surgem questões jurídicas como as seguintes: seria possível aplicar um prazo distinto do estabelecido pelo decreto regulamentador, mantendo-se, ainda assim, a proteção ao arrendatário? As normas vigentes estão adequadamente alinhadas com os avanços tecnológicos contemporâneos e suas implicações práticas? Essas questões exigem uma análise aprofundada do arcabouço jurídico vigente, considerando tanto a proteção dos direitos dos arrendatários quanto a necessidade de adaptação normativa às inovações tecnológicas atuais.

  1. DESENVOLVIMENTO

A) DEFINIÇÃO DE CONTRATOS AGRÁRIOS.

Para que um contrato seja classificado como agrário, ele deve ter como objeto principal a exploração da atividade agrária, além de atender aos requisitos legais e regulatórios específicos da área. Segundo Nelson Nery (2014), um contrato é definido como “o negócio jurídico bilateral (ou plurilateral), cuja finalidade é criar, regular, modificar ou extinguir vínculo jurídico temporário e patrimonial entre as pessoas que o celebram”. Esse conceito abrange a natureza e o propósito geral dos contratos, mas a qualificação de um contrato como agrário vai além da definição básica.

No contexto agrário, os contratos têm uma função especial e são regidos por normas que refletem a exploração da atividade agrária. Maria Helena Diniz explica que o contrato agrário é “[…] o acordo de vontades que tem por finalidade o uso ou posse temporária do imóvel rural com o escopo de nele se exercer atividade agrícola, extrativa, pecuária ou agroindustrial […]” (DINIZ, 1993, p. 397).

O Decreto n.º 59.566/66, por sua vez, define que “o arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista” (art. 1º).

Esses contratos são fundamentais para o exercício das atividades no campo, pois permitem a transferência de posse ou uso da terra por períodos determinados, com o objetivo de maximizar a produtividade agrícola e promover a eficiência no uso dos recursos rurais, bem como garantir o cumprimento da função social da propriedade. Cumpre salientar que certos doutrinadores entendem que tais contratos foram a única saída econômica para o fim da mão de obra escrava, conforme ideia defendida por Altamir Pettersen e Nilson Marques, no livro “Uso e Posse Temporária da Terra” (1977).

A regulamentação e a definição precisas dos contratos agrários visam garantir que essas relações jurídicas se mantenham claras e justas, respeitando os interesses e direitos de todas as partes envolvidas. Portanto, conquanto os contratos agrários seguem a estrutura básica dos contratos em geral, eles são moldados por normas específicas que atendem às necessidades e características da atividade rural.

B) PARTES, ESPÉCIES E CLASSIFICAÇÕES

Os contratos agrários podem ser classificados em dois grupos: típicos (ou nominados) e atípicos (ou inominados).

Os contratos agrários típicos, que são o foco deste trabalho, são aqueles que recebem uma regulamentação específica do ordenamento jurídico. Esses contratos são detalhados e regulados por leis específicas, como o Estatuto da Terra, o Decreto n.º 59.566/1966, ou, ainda, pelo Código Civil Brasileiro, que abrange normas gerais sobre contratos e obrigações. A legislação define os direitos e deveres das partes envolvidas, o que proporciona uma estrutura normativa bem definida e estável para a relação jurídica agrária.

Os contratos agrários típicos incluem o arrendamento e a parceria rural. Cada um desses contratos possui características e regras próprias que visam regulamentar a utilização da terra e os direitos sobre a produção rural, de acordo com as necessidades e especificidades do setor agrário. Apesar de ambos versarem sobre a posse do imóvel rural, os conceitos são diferentes, assim, na visão de Arnaldo Rizzardo, a definição de parceria se dá da seguinte forma:

“Define-se parceria como o contrato pelo qual uma pessoa cede prédio rústico a outra, para que o cultive, ou entrega-lhe animais para que os pastoreie, trate e crie, partilhando os frutos e os respectivos lucros.” (RIZZARDO, 2015, n.p)

Conceituado o contrato de parceria, é importante esclarecer também quando há um vínculo por arrendamento rural. Assim, o contrato de arrendamento é conceituado, na visão de Arnaldo Rizzardo, conforme excerto abaixo:

“É arrendamento o contrato agrário em que uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e o gozo do imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da lei (art. 3.º do Dec. 59.566/1966).” (RIZZARDO, 2015, n.p)

O autor ainda complementa o conceito dizendo que o contrato de arrendamento é semelhante ao contrato de locação urbano, em que o proprietário cede a posse do imóvel em troca de uma contraprestação.

A contrario sensu, os contratos agrários atípicos são aqueles que não têm uma regulamentação específica, mas são formados com base nos princípios gerais do direito civil. Esses contratos são mais flexíveis e podem ser adaptados para atender a situações ou necessidades particulares das partes envolvidas, desde que respeitados os limites legais e princípios gerais do ordenamento jurídico. A falta de uma regulamentação específica exige que as partes estabeleçam claramente os termos e condições do acordo para garantir a eficácia no cumprimento das obrigações acordadas.

Assim, para solucionar qualquer litígio existente em um contrato atípico, deverá ser aplicado, por analogia, as normas contratuais dos típicos. Essa linha reflete o entendimento do TJPR, conforme decisão abaixo transcrita.

APELAÇÃO CÍVEL. SUBARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL. USO TEMPORÁRIO DA TERRA. ATERRO SANITÁRIO. CONTRATO ATÍPICO.  ESTATUTO DA TERRA. INCIDÊNCIA. ART. 39 DO DECRETO 59.566/66. PRAZO CONTRATUAL. TÉRMINO. AÇÃO DE DESPEJO. DESOCUPAÇÃO VOLUNTÁRIA. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ARTS. 17 E 485, VI, DO CPC. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. IMPOSIÇÃO AO RÉU. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. QUITAÇÃO. RECUSA DO CREDOR NÃO DEMONSTRADA. ART. 335, I, DO CC. IMPROCEDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. OBSERVÂNCIA AO ESTATUÍDO NO ART. 85, §§ 2.º E 8º, DO CPC. MANUTENÇÃO. RECURSO (1) CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RECURSO (2) CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Em se tratando de contratos agrários atípicos, incidem, por aplicação analógica, as normas que regem os contratos típicos de arrendamento e parceria rural, nos termos do disposto no art. 39 do Decreto 59.566/66.(…) 5. Recurso (1) conhecido e não provido. 6. Recurso (2) conhecido e não provido. (TJPR – 11ª Câmara Cível – 0027339-03.2016.8.16.0017 – Maringá –  Rel.: DESEMBARGADOR FABIO HAICK DALLA VECCHIA –  J. 27.09.2018)

Portanto, a compreensão dos contratos agrários típicos e sua regulamentação é crucial para uma análise adequada das relações jurídicas no setor agrário, pois eles fornecem as bases normativas sobre as quais as práticas agrícolas são estruturadas e executadas.

C) INFLUÊNCIA DO DIREITO CONSUETUDINÁRIO NOS CONTRATOS AGRÁRIOS

Os contratos agrários têm sua origem antes mesmo da consolidação de um sistema legal. Na antiguidade, as práticas de cultivo e uso da terra eram regulamentadas por normas oriundas do direito consuetudinário, que surgiam em razão das necessidades dos produtores. Telga de Araújo destaca essa dimensão histórica:

“Essa influência registra-se no direito agrário exatamente por ser um direito surgido no limiar das civilizações, vinculado à atividade agrária de exploração da terra, em um tempo em que as regras de conduta social eram frutos dos usos e das convenções grupais, a constituir um ordenamento caracteristicamente costumeiro.” (ARAUJO, p. 262)

Atualmente, mesmo com a existência de legislação própria, o direito consuetudinário continua a desempenhar um papel crucial. As práticas tradicionais influenciam a formulação de contratos agrários, manifestando-se frequentemente. Além disso, a natureza das práticas agrícolas, muitas vezes diretamente ligada ao ciclo das colheitas e às condições climáticas, leva à formação de contratos que podem não se ajustar perfeitamente às normas jurídicas formais, mas que são aceitos e respeitados pelas partes envolvidas devido à sua base costumeira. Em razão disso, a jurisprudência também reconhece a importância dos costumes no agronegócio.

Os tribunais de forma reiterada consideram as práticas usuais como um elemento relevante para a interpretação e aplicação dos contratos agrários. Em várias decisões, a influência dos costumes tem sido um fator importante na resolução de disputas e na definição de direitos e obrigações das partes envolvidas, conforme se pode verificar pela decisão abaixo:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA. ARRENDAMENTO RURAL. CONTRATO VERBAL. DIVERGÊNCIA QUANTO AO VALOR PACTUADO. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL. APLICAÇÃO DO ART. 113 DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO CONFORME OS USOS E COSTUMES DO LOCAL. TESTEMUNHA QUE CONFIRMA O VALOR MÉDIO DE ARRENDAMENTO PARA O LOCAL. VALOR DA SACA DE SOJA CONFORME PREÇO DA COOPERATIVA DO QUAL AMBAS AS PARTES SÃO INTEGRANTES. PAGAMENTO NA FORMA PLEITEADA EM INICIAL DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. APLICAÇÃO DO ART. 46 DA LEI FEDERAL Nº 9.099/95. Recurso conhecido e não provido. (TJPR – 3ª Turma Recursal – 0001666-24.2020.8.16.0031 – Guarapuava –  Rel.: JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU DENISE HAMMERSCHMIDT – Rel.Desig. p/ o Acórdão: JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZADOS ESPECIAIS ADRIANA DE LOURDES SIMETTE –  J. 02.05.2023)

Assim, a influência dos costumes permanece até hoje de forma marcante, refletindo na fundamentação dos tribunais, o que evidencia a importância das práticas usuais.

D) FORMAÇÃO TÁCITA OU EXPRESSA

No que diz respeito à formação dos contratos agrários, estes, geralmente, são por escrito e documentados. Mas há a possibilidade de constitui-lo de forma verbal, desde que sejam respeitadas as cláusulas obrigatórias (art. 13, Dec. n.º 59.566/1966). Algumas dessas cláusulas são a proibição de renúncia dos direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos; a observância dos prazos mínimos; a fixação em quantia certa do preço do arrendamento, a ser pago em dinheiro, entre outros.

Observa-se que os contratos agrários têm uma certa flexibilidade, permitindo serem elaborados de maneira informal, “no fio do bigode”, bastando que seja provada a existência do vínculo jurídico negocial.

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO POR RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL VERBAL. PROVA DOCUMENTAL. RECIBOS QUE DEMONSTRAM O PAGAMENTO ATÉ A COLHEITA DE 2022. PERÍODO DO INVERNO NÃO ABRANGIDO. recibo invocado pelo apelante que não ampara a sua tese. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MINORADOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR – 18ª Câmara Cível – 0001652-51.2022.8.16.0134 – Pinhão –  Rel.: DESEMBARGADOR VITOR ROBERTO SILVA –  J. 29.07.2024)

Segundo Paulo Torminn Borges, os contratos agrários podem ser, ainda, expressos ou tácitos:

“Deles podemos dizer que o escrito não é necessário ad solemnitatem, mas conveniente ad probationem, como acontece, mutatis mutandis, com o assento de matrimônio”

No entanto, essa flexibilidade não é absoluta, pois é essencial que as cláusulas obrigatórias previstas por lei sejam respeitadas. Todavia, pela simples leitura do art. 13, do Decreto n.° 59.566/1966, verifica-se que a fixação em quantia certa está no mesmo grau de hierarquia do dispositivo que impossibilita a contratação em prazo inferior àqueles previstos no decreto. Assim, há doutrinadores que defendem a nulidade contratual em razão da não observância das normas.

Arnaldo Rizzardo, em 2015, ao discorrer sobre o tema, defendia, por estar em de acordo com a lei, a nulidade do acordo:

As normas do contrato são obrigatórias e imperativas, às quais as partes são obrigadas a submeter-se. Apresentam-se, outrossim, irrenunciáveis, de sorte a tornar nulo qualquer acordo que, direta ou indiretamente, contrarie o espírito e a letra da lei agrária, o que aparece previsto no art. 2.º do Dec. 59.566/1966: “Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos (art. 13, inc. IV, da Lei 4.947, de 1966)”. E o parágrafo único: “Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo será nula de pleno direito e de nenhum efeito”

Ocorre que, conforme será demonstrado, a própria jurisprudência tem contrariado a letra da lei agrária, ao permitir uma flexibilização de alguns dispositivos, fundamentando na aplicação dos usos e costumes.

E) JUSTIFICANDO A APLICAÇÃO DE PRAZOS MÍNIMOS

Inicialmente, para entender a necessidade do legislador em regulamentar os prazos dos contratos e mitigar a autonomia da vontade, é necessário observar que, em se tratando de contratos agrários, existem questões e valores, inclusive constitucionalmente estabelecidos, que determinam a forma de exploração da atividade. A exemplo disso, pode-se citar os preceitos estabelecidos no art. 186 da Constituição Federal.

Além disso, ficou estabelecido que os contratos devem ser interpretados de modo que traga amparo para o arrendatário, que é visto como a parte hipossuficiente da relação jurídica. Nessa linha, Oswaldo Opitz e Silvia Opitz, explicam que “deve haver um certo rigor na interpretação de tais contratos de arrendamento, protegidos pelo ET e seu Regulamento, cuja finalidade é amparar, em primeiro lugar, o arrendatário.” Nesse mesmo sentido, Telga de Araújo complementa:

“Fixando-se a duração mínima, a lei agrária levou em conta a preservação dos recursos naturais e a proteção econômica e social dos arrendatários e parceiros-outorgados (…)”

Desse modo, resta evidente que as decisões do judiciário não poderiam tomar outro rumo, senão o de fixar a necessidade de observar os prazos mínimos estabelecidos pela lei, conforme entendimento abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. RESCISÃO ANTECIPADA DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL.1. CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL DO CONTRATO. ALEGAÇÕES DE FALTA DE LIBERDADE DE ESTIPULAÇÃO E MERA ADESÃO. IMPERTINÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 423, DO CC. INFLEXIBILIDADE QUANTO AO CONTEÚDO DAS CLÁUSULAS PREDISPOSTAS NÃO VERIFICADA.(…).2.  DEVER DE OBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL MÍNIMO DE VIGÊNCIA CONTRATUAL. ART. 13, II, “A”, DO DECRETO N. 59.566/66. PREVISÃO DE DESCABIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS DECORRENTE DE RESCISÃO “A QUALQUER TEMPO” PELA ARRENDATÁRIA INCAPAZ DE SER INTERPRETADA PARA SE DERROGAR NORMA COGENTE. DIRIGISMO ESTATAL QUE NÃO AFRONTA A AUTONOMIA DA VONTADE. CONTRATANTES QUE DEVEM OBSERVAR AS NORMAS DE ORDEM PÚBLICA PREVISTAS NO ESTATUTO DA TERRA. FINALIDADE PROTETIVA DOS RECURSOS NATURAIS, INCLUSIVE DO SOLO, QUE NÃO SE LIMITA AO RESGUARDO DOS DIREITOS DO ARRENDATÁRIO. PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA JUSTIÇA SOCIAL.(…)(TJPR – 18ª Câmara Cível – 0004114-67.2022.8.16.0170 – Toledo –  Rel.: DESEMBARGADOR PERICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA –  J. 22.05.2024)

APELAÇÃO CÍVEL – arrendamento rural – ação de nulidade de cláusula contratual c/c reparação de danos materiais – sentença de procedência. afirmação de possibilidade de pactuar prazo inferior a três anos em arrendamento rural – descabimento – prazo mínimo trienal previsto no estatuto da terra – nulidade da cláusula que estabelece prazo inferior – afirmação de que a notificação foi realizada no prazo contratado – notificação que, além de não comprovada e pactuada em desconformidade com o lapso de antecedência previsto em lei, perde a relevância ante o reconhecimento da aplicabilidade do prazo mínimo trienal. afirmação de aplicabilidade exclusiva da multa contratual sendo indevida a condenação por lucros cessantes – comportamento contraditório – apelante que, em contestação, sustentou a inaplicabilidade da multa – lucros cessantes que, ademais, são devidos porquanto, o encerramento do contrato não observou o prazo mínimo e causou prejuízos À arrendante, que foi obrigada a descontinuar a atividade pecuária. elevação da verba honorária ante o desprovimento do recurso – art. 85, §11 do cpc/2015. recurso desprovido (TJPR – 18ª Câmara Cível – 0001256-58.2017.8.16.0099 – Jaguapitã –  Rel.: FERNANDO ANTONIO PRAZERES  2 VICE –  J. 28.03.2022)

Por esta razão, o STJ pacificou o entendimento de que não há possibilidade que não seja a de seguir o prazo mínimo estabelecido em lei, conforme as decisões em destaque a seguir.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL E DESPEJO. ARRENDAMENTO RURAL. CRIAÇÃO DE GADO BOVINO. ATIVIDADE PECUÁRIA DE GRANDE PORTE. CONTRATO. VIGÊNCIA MÍNIMA. CINCO ANOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. TRANSCURSO DO PRAZO. CURSO DO PROCESSO. FATO NOVO POSTERIOR. SUCUMBÊNCIA. AUTOR. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Nos contratos de arrendamento rural, o tamanho do animal serve para classificar a atividade pecuária em pequena, média ou de grande porte, a fim de estabelecer o período mínimo de duração do contrato, conforme disciplina o art. 13, II, “a”, do Decreto n. 59.566/1966.1.1. No caso da criação de gado bovino, a atividade pecuária deve ser considerada de grande porte, razão pela qual o prazo mínimo para duração do contrato de arrendamento mercantil é de 5 (cinco) anos. 1.2. Os prazos mínimos de vigência para os contratos agrários constituem norma cogente e de observância obrigatória, não podendo ser derrogado por convenção das partes contratantes. 2. O magistrado deve levar em consideração a ocorrência de fato constitutivo, modificativo ou extintivo do feito, posterior à propositura da ação, independentemente de provocação das partes, por força do previsto no art. 462 do CPC/2015. 2.1. É possível a manutenção da sentença, que julgou parcialmente procedentes os pedidos de rescisão do contrato de arrendamento rural, despejo e imissão definitiva da autora na posse do imóvel, tendo em vista o exaurimento do prazo legal de 5 (cinco) anos no curso do processo, em observância aos princípios da economia processual e da razoável duração do processo. 3. Ajuizada a ação antes do término do prazo legal de 5 (cinco) anos, a parte autora deve arcar com as custas processuais e a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, com fundamento no princípio da causalidade. 4. Recurso especial a que se dá parcial provimento, apenas para condenar a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.(REsp n. 1.980.953/RS, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 18/12/2023.)

CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. PRAZO MÍNIMO LEGAL. NORMA COGENTE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA.1. Segundo a jurisprudência mais recente desta Corte Superior, “os prazos mínimos de vigência para os contratos agrários constituem norma cogente e de observância obrigatória, não podendo ser derrogado por convenção das partes contratantes” (REsp 1.455.709/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/5/2016, DJe 13/5/2016). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.568.933/MS, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 28/9/2020, DJe de 1/10/2020.)

Portanto, caso algum dos contratantes queira realizar um prazo diferente daqueles previstos em lei, e haja algum litígio, a cláusula de duração do contrato será afastada e serão aplicados os prazos de 3, 5 ou 7 anos, a depender da exploração.

Entretanto, seria possível preservar a autonomia da vontade das partes e garantir os mesmos direitos preservados e protegidos. É necessário levar em consideração que as normas que versam sobre os contratos agrários e demais relações do agronegócio são, via de regra, das décadas de 50 e 60, cuja realidade da época, que, com o passar do tempo, modificou-se drasticamente, justifica o contexto dos dispositivos.

F) MUDANÇA DE CENÁRIO.

O primeiro ciclo do agrarismo no Brasil foi marcado pelo enfrentamento de questões fundiárias, voltadas, sobretudo, à distribuição e à posse da terra (QUERUBINI, 2020, p. 9). O direito agrário brasileiro, por sua vez, vive hoje o segundo ciclo do agrarismo, caracterizado pela dinâmica das cadeias produtivas e dos complexos agroindustriais, fenômeno diretamente ligado ao contexto do agronegócio (QUERUBINI, 2020, p. 10).

Essa nova fase impõe uma releitura dos institutos tradicionais do direito agrário. Não faz mais sentido, portanto, que a doutrina ou os tribunais continuem fundamentando questões envolvendo contratos agrários de arrendamento e parceria rural com base em preceitos da doutrina do primeiro ciclo do agrarismo (QUERUBINI, 2020, p. 11).

Observa-se que a rigidez dos prazos mínimos nos contratos agrários nem sempre se mostra compatível com as práticas produtivas modernas. Existem situações em que não há interesse dos arrendatários ou parceiros-outorgados em firmar contratos pelos prazos mínimos legais, em razão do tipo de cultura explorada. Isso ocorre, por exemplo, na cadeia produtiva da batata-inglesa, cujos contratos raramente ultrapassam dois anos, pois, para garantir boa produtividade, é necessária a rotação de lavouras após as safras, buscando-se áreas novas ou que tenham passado por período de pousio (QUERUBINI, 2020, p. 14).

Em síntese, a flexibilização dos prazos mínimos pode ser aceita quando as culturas desenvolvidas forem compatíveis com a conservação dos recursos naturais (QUERUBINI, 2020, p. 15). Essa compreensão representa uma adequação entre a norma e a realidade produtiva e ambiental contemporânea.

É muito comum, na prática negocial do agronegócio, a existência de contratos de arrendamento com prazo inferior ao mínimo legal por mera vontade das partes. Ou seja, os contratantes entendem que um contrato de duração inferior a 36 meses atende às suas necessidades, e assim o cumprem conforme pactuado. Não havendo resistência entre as partes, não há razão para judicialização.

Essa conduta negocial decorre não apenas de uma liberalidade, mas também das mudanças econômicas, tecnológicas e sociais ocorridas ao longo do tempo. Para exemplificar, cita-se o caso da avicultura: em 1960, um frango de 1,60 kg era produzido em 56 dias, exigindo 2,25 kg de ração por quilo de carne; já em 2010, o peso de abate passou para 2,30 kg aos 41 dias, com conversão alimentar média de 1,75 kg/kg (COSTA; GARCIA; BRENE, 2015).

É evidente que tais avanços impactam diretamente as relações contratuais, podendo haver casos em que o arrendatário possui maior poder aquisitivo do que o próprio arrendador. Um exemplo é o avanço do plantio de eucalipto, em que grandes empresas arrendam propriedades de pequenos e médios produtores, invertendo a lógica de vulnerabilidade originalmente presumida pela legislação.

Conforme observa Wilson Alexandre DesEssarts Barufaldi, “a realidade da atividade primária no Brasil atualmente é muito diversa daquela existente na década de 60. E, não raro, são grandes sociedades agrícolas ou produtores pessoas físicas com alta capacidade financeira, comercial, técnica e administrativa que passaram a figurar como arrendatários, sobretudo no Centro-Oeste brasileiro” (BAFURALDI, 2017).

Nesse sentido, a razão de existir uma norma que proteja o arrendatário por considerá-lo hipossuficiente não persiste mais em todas as situações. A própria autora complementa: “Pode-se observar no contexto atual do agronegócio que em diversas relações contratuais inexiste qualquer espécie de vulnerabilidade por parte do arrendatário, ou, até mesmo, que a vulnerabilidade passou a ser a do arrendador, pois muitas vezes é ele quem depende da remuneração do arrendamento para sustentar-se, e quem está bastante exposto a crises de liquidez, diante da dificuldade de se alienar áreas rurais em que na posse há um arrendatário” (ARAUJO, 2020, p. 265).

A aplicação inflexível dos prazos legais, portanto, pode significar ignorar a transformação da realidade socioeconômica. Ademais, a obrigatoriedade de manter uma mesma área vinculada ao contrato de arrendamento pode ser prejudicial à terra, uma vez que o cultivo reiterado, sem a devida manutenção da fertilidade, resulta na perda significativa dos nutrientes do solo.

Nesse sentido, Lera Matskevich adverte que “se você não alternar as culturas, o solo daquele campo inevitavelmente começará a perder os nutrientes de que as plantas precisam para crescer. Isso pode ser evitado através da semeadura de culturas que aumentam a matéria orgânica e o nitrogênio no solo.”

Um estudo de Fábio Martins de Carvalho e outros (2007) reforça essa constatação ao observar que grande parte dos produtores rurais realiza cultivo sucessivo, contribuindo para o esgotamento dos recursos naturais:

“Em relação ao cultivo sucessivo de mandioca, 85% dos produtores entrevistados responderam que o faz. Destes, 40% cultivam mandioca três vezes seguidas, 32% duas vezes e 10,5% chegam a cultivar mais de cinco vezes seguidas. Somando-se os cultivos sucessivos duas e três vezes, temos um total 72%, indicando que a partir do quarto cultivo consecutivo há processo de esgotamento do solo(…)”

Inclusive, atualmente, em razão dos usos e costumes, é possível verificar a existência de decisões que concedem às partes a possibilidade de afastar a remuneração em produto, estabelecida no art. 13, do Decreto n.º 59.566/66:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATOS AGRÁRIOS. ARRENDAMENTO RURAL DE ÁREA PARCIAL. INSURGÊNCIA QUANTO À REMUNERAÇÃO DO CONTRATO. LEGISLAÇÃO QUE DETERMINA QUE O PREÇO SEJA FIXO EM DINHEIRO, OBSERVANDO PERCENTUAL DE 15% A 30% DO VALOR CADASTRAL DO IMÓVEL (ART. 95, XII, DO ESTATUTO DA TERRA C/C ART. 18 DO DEC. 59.566/66). CONTRATO QUE PREVÊ O PREÇO EM PRODUTO (50 SACAS DE SOJA POR ALQUEIRE). AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE ENTRE OS CONTRATANTES. AUTONOMIA PRIVADA. USOS E COSTUMES DA REGIÃO. PREVALÊNCIA DA BOA-FÉ CONTRATUAL. PRECEDENTES. MITIGAÇÃO DA DIRETRIZ LEGISLATIVA EM VIRTUDE DOS NOVOS PARADIGMAS DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR – 16ª Câmara Cível – 0003388-76.2011.8.16.0074 – Corbélia – Rel.: JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU VANIA MARIA DA SILVA KRAMER – J. 28.06.2021)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. RECONVENÇÃO. PARTE RÉ/RECONVINTE QUE SUSTENTA IRREGULARIDADES CONTRATUAIS, BEM COMO A AUSÊNCIA DE SUA CONSTITUIÇÃO EM MORA. DECISÃO QUE NEGOU O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA PELA SUSTAÇÃO DO ATO DE PROTESTO PROMOVIDO PELA PARTE AUTORA/RECONVINDA. INSURGÊNCIA DO RÉU. 1) ALEGADA NULIDADE CONTRATUAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL QUE PREVÊ O PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO EM PRODUTOS (SACAS DE SOJA). NÃO ACOLHIMENTO. (…) (TJPR – 17ª Câmara Cível – 0064084-57.2021.8.16.0000 – São Mateus do Sul – Rel.: DESEMBARGADOR NAOR RIBEIRO DE MACEDO NETO – J. 09.05.2022)

No entanto, como explanado anteriormente, a previsão do decreto está no mesmo grau de hierarquia do dispositivo que fixa os prazos mínimos. Assim, o posicionamento das decisões apresentadas contraria até mesmo o que ficou estabelecido pela doutrina, conforme se pode verificar pelas palavras de Arnaldo Rizzardo e Albenir Querubini, respectivamente:

“A retribuição, que constitui o preço do arrendamento, é ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas permitindo-se a forma de pagamento em frutos. Não se ajusta preço de arrendamento em quantidade fixa de frutos ou produtos, ou no seu equivalente em dinheiro.” (RIZZARDO, 2015, n.p.)

“Como se observa, o Estatuto e o Regulamento vedam a fixação do preço em produto, o qual deve ser ajustado em quantia fixa em dinheiro, sendo que apenas o pagamento poderá ser efetuado em produto. A razão para a regra da fixação em quantia certa em dinheiro é entendida pelo fato de que a moeda traduz certeza, enquanto que o produto agrícola sofre oscilações em sua cotação. Logo, entende-se que a finalidade da norma é a proteção do arrendatário em não sofrer perdas em decorrência de uma possível variação na cotação do preço dos produtos agrícolas.” (QUERUBINI, 2011, pág. 62)

O questionamento que surge é se o direito do arrendatário estaria assegurado caso houvesse prevalência absoluta dos usos e costumes e da vontade das partes. O Estatuto da Terra, em seu caráter protecionista, prevê uma salvaguarda ao dispor que os prazos de arrendamento terminarão sempre após a colheita, prorrogando-se automaticamente em caso de força maior (art. 95, I).

A lei, portanto, oferece um mecanismo de harmonização entre a autonomia privada e a função social da terra, permitindo a estipulação de prazos mais curtos desde que observada a regra da prorrogação para a colheita. Assim, é possível alcançar equilíbrio entre a vontade das partes, as condições econômicas e a legislação vigente, promovendo a adequada funcionalização dos contratos agrários contemporâneos.

G) PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS

No que diz respeito à preservação de recursos naturais, a responsabilidade ambiental apresenta-se como uma possibilidade eficiente. É fundamental destacar que a Constituição prevê três formas distintas de responsabilidade: penal, administrativa e civil. Assim, o desrespeito para com os recursos naturais pode resultar em sanções cumulativas e independentes.

A aplicação de uma pena pelo Poder Judiciário não impede a imposição de multas administrativas pelos órgãos ambientais, e o cumprimento das sanções administrativas não exclui a responsabilidade civil de reparar os danos causados ao meio ambiente.

G.1) RESPONSABILIDADE AMBIENTAL ADMINISTRATIVA

Para analisar se é viável a aplicação da responsabilidade ambiental em sentido amplo, é preciso, mesmo que de maneira superficial, verificar os conceitos, efeitos e aplicações dessa responsabilidade.

No que se refere à responsabilidade administrativa, a Lei n.º 9.605/1998 define como infração administrativa qualquer ação ou omissão que contrarie as normas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (art. 70, caput). Essas infrações são caracterizadas pela violação de regras jurídicas e exigem a atuação do Estado no exercício do poder de polícia. O processo de apuração das infrações, bem como as sanções aplicáveis, está regulamentado pelo Decreto n.º 6.514/2008. A competência para lavrar autos de infração cabe aos fiscais dos órgãos ambientais integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente) e aos agentes das Capitanias dos Portos (art. 70, § 1º). Além disso, a Lei n.º 9.605/1998 determina que, ao tomar conhecimento de uma infração ambiental, a autoridade ambiental deve promover imediatamente a apuração por meio de processo administrativo próprio, sob pena de corresponsabilidade (§ 3º, art. 70).

Édis Milaré, doutrinador do direito ambiental, ao discorrer sobre a diferença desta para as demais responsabilidades, explica que a multa administrativa não se destina à restauração dos direitos individuais ou coletivos, mas, sim, a punir a violação de deveres impostos pelo ordenamento administrativo.

É importante salientar que, em que pese exista a responsabilidade objetiva quando se há um dano ambiental, esta somente se faz presente na responsabilidade civil, enquanto a administrativa e a penal necessitam do elemento subjetivo.

Nesse diapasão, Terence Trennepohl tece os seguintes comentários:

“A responsabilidade objetiva de que trata a Lei 6.938/1981 é a civil, que obriga a reparação dos danos independentemente da existência de culpa, bastando que seja estabelecido um nexo de causalidade entre o fato danoso e o responsável. Por sua vez, a aplicação de sanções administrativas deve orientar-se pela teoria da culpabilidade, na qual o elemento subjetivo está presente.

A imposição de sanções sem a comprovação de culpa ou dolo vai de encontro aos pilares do nosso sistema jurídico. A aplicação de sanções, e a multa determinada por uma infração administrativa se enquadra nessa categoria, deve obedecer às regras do direito sancionador, pois derivadas da Lei 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.” (TRENNEPOHL, 2021, n.p).

Ademais, o processo administrativo para apuração de infrações administrativas ambientais estará sempre sujeito, quando não houver normas específicas, às disposições do Código de Processo Civil, conforme art. 15, do CPC, in verbis:

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Por fim, todo ato administrativo pode ser revisado, confirmado ou anulado pelo poder judiciário, a exemplo da decisão abaixo, em que se reconheceu a nulidade do auto de infração e afastou a multa imposta ao Apelado:

APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. MULTA AMBIENTAL. DESMATAMENTO DE FLORESTA EM ESTÁGIO MÉDIO DE REGENERAÇÃO, NO BIOMA MATA ATLÂNTICA, PARA PLANTAÇÃO DE EUCALIPTOS. NULIDADE DOS AUTOS DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. ÁREA QUE NÃO É DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUTO INFRACIONAL ANTERIOR COM A MESMA PENALIDADE. VEDAÇÃO AO BIS IN IDEM. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS.RECURSO DESPROVIDO. (TJPR – 4ª Câmara Cível – 0000483-07.2018.8.16.0122 – Ortigueira –  Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ TARO OYAMA –  J. 12.08.2024)

Diante disso, a aplicação de sanções administrativas e o controle judicial são fatores que ajudam a preservação dos recursos naturais, de modo a serem mais eficientes do que a estipulação do prazo previsto no art. 13 do Decreto n.º 59.566/66.

 

G.2) RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL 

A Constituição Federal de 1988, em seu compromisso com a proteção ambiental, recepcionou a responsabilidade objetiva estabelecida pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/81). Essa recepção é um reflexo da importância de preservar o meio ambiente e do reconhecimento de que sua degradação acarreta consequências irreparáveis para a sociedade e as futuras gerações; ainda, se baseia na ideia de que grande parte dos danos ambientais é causada por corporações com altas condições econômicas ou, ainda, pelo próprio Estado, o que torna quase impossível a comprovação da culpa nessas hipóteses.

Diferentemente da responsabilidade subjetiva, que depende da demonstração de culpa, a responsabilidade objetiva não exige a comprovação de dolo ou negligência. A simples ocorrência de um dano ambiental, portanto, é suficiente para que se configure a responsabilidade do agente causador.

Para que a responsabilidade civil seja reconhecida, é necessário que estejam presentes três elementos fundamentais: a conduta, o nexo de causalidade e o dano. A conduta refere-se à ação ou omissão do agente que resulta em um impacto negativo ao meio ambiente. O nexo de causalidade estabelece a relação direta entre essa conduta e o dano sofrido. Por fim, o dano representa a alteração negativa do meio ambiente, que pode se manifestar de várias formas.

Assim, preenchidos os requisitos cumulativamente, a responsabilidade civil, nesse contexto, se traduz no dever de reparar o estado do ambiente à situação anterior à lesão. Acerca disso, Trennepohl explica:

“A reparação ambiental tem como objetivo primordial reconduzir o meio ambiente, da maneira mais próxima possível, ao estado em que se encontrava antes da ocorrência da lesão. Por isso, como visto no capítulo anterior, o princípio que a orienta é o da reparação integral.
Segundo a reparação integral, qualquer lesão que afete o meio ambiente ou a coletividade deve ser reparada da maneira mais ampla possível, incluindo-se tanto os danos ambientais patrimoniais quanto os danos ambientais morais ou extrapatrimoniais.
Dessa forma, para dar concretude ao princípio da reparação integral, deve-se considerar a existência tanto de uma dimensão material, que abrange a perda e a diminuição das características essenciais dos ecossistemas, quanto de uma dimensão imaterial do dano ambiental, que interfere no interesse difuso e vincula-se ao valor de existência do próprio meio ambiente.” (TRENNEPOHL, 2021, n.p).

Isso se apresenta nos tribunais quando há a necessidade de recuperar a área degradada, conforme obrigação determinada pelo TJPR:

​​APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO AMBIENTAL. DESMATAMENTO DE BIOMA MATA ATLÂNTICA. RECONHECIDA, EM AUDIÊNCIA, A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL QUANTO AO PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA NO TOCANTE À ABSTENÇÃO DO USO DA ÁREA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NESSE PONTO. MÉRITO. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. NATUREZA PROPTER REM DAS OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS. SÚMULA Nº 623 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA NÃO ELIDIDOS. DANO MORAL COLETIVO. CARACTERIZAÇÃO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO EM PARTE E NESSA EXTENSÃO NÃO PROVIDO. (TJPR – 4ª Câmara Cível – 0003941-53.2023.8.16.0123 [0003650-24.2021.8.16.0123/1] – Palmas –  Rel.: DESEMBARGADOR CLAYTON DE ALBUQUERQUE MARANHAO –  J. 01.10.2023)

Por fim, a doutrina analisa a viabilidade de excludentes de responsabilidade, concluindo que essa possibilidade depende da teoria do risco adotada. Nesse contexto, Terence esclarece as possibilidades de excludentes, conforme o comentário abaixo:

“Discute-se, em sede doutrinária, a incidência dos fatos excludentes de causalidade nas hipóteses de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente.
A admissão ou não desses excludentes varia conforme a teoria do risco adotada, constatando-se uma verdadeira gradação do rigor da responsabilização civil entre as duas principais variações dessa teoria.
De acordo com a teoria do risco criado, verificando-se a presença de caso fortuito, de força maior, de fato exclusivo da vítima ou de fato terceiro, haverá a interrupção do nexo causal que vincula a atividade do agente ao dano ambiental, com a consequente exoneração da sua responsabilidade. Já para a teoria do risco integral, os fatos excludentes de causalidade jamais terão aplicação na responsabilidade civil ambiental, não havendo interrupção do nexo causal entre a atividade desenvolvida e o dano ao meio ambiente, em qualquer hipótese.” (TRENNEPOHL, 2021, n.p).

Portanto, a responsabilidade civil ambiental também serve para sustentar uma forma alternativa de preservar os recursos naturais sem que seja necessário forçar os contratantes a se manterem vinculados por prazos estabelecidos pela lei.

G.3) RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL

A responsabilidade penal ambiental tem como objetivo proteger diretamente os bens jurídicos definidos pela Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998). A princípio, o Código Penal também tutelava, de maneira indireta e geral, os bens jurídicos ambientais. Nesse sentido, Terence Trennepohl teceu os seguintes comentários:

O bem ambiental tutelado é “axiologicamente diferenciado dos bens até agora objeto de tutela”56, por exemplo, (o artigo 157 CP) o roubo de um animal silvestre (objeto da ação), cujo bem jurídico-penal tutelado é a propriedade sobre aquele (“coisa alheia móvel”) era uma forma de proteção indireta daquele microbem. Por sua vez, por meio dos artigos  29 e 32 da Lei 9.605/98, protege-se, como bens jurídico-penais, a fauna em termos diretos no primeiro, e, no último, “a integridade física e o bem-estar dos animais […] sustentando-se tratar de valores, de ‘interesses-da-vida’, que pertencem ao próprio animal”(TRENNEPOHL, 2021, n.p).

Embora outros bens jurídicos possam ser considerados, no contexto do agronegócio, a atenção costuma se voltar principalmente para a vegetação e os animais. A aplicação da responsabilidade penal, aliada à responsabilidade administrativa, busca punir o agente que causa dano ao meio ambiente, não ficando limitado apenas à prisão, mas, também, a outras modalidades de sanção.

Por exemplo, a supressão da vegetação da Mata Atlântica, bioma predominante no Paraná, constitui uma violação à legislação ambiental vigente. Para ilustrar esse ponto, pode-se citar decisões judiciais que tratam da aplicação da legislação, conforme ementa seguir:

APELAÇÃO CRIME. AMBIENTAL. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO DELITO DE SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO SECUNDÁRIA, EM ESTÁGIO MÉDIO DE REGENERAÇÃO, DO BIOMA MATA ATLÂNTICA. ART. 38-A DA LEI 9.605/1998. RECURSO DA DEFESA SUSCITANDO PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA OU INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NÃO ACOLHIMENTO. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PRESCINDIBILIDADE DE LAUDO PERICIAL. PRECEDENTES. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. BOLETIM DE OCORRÊNCIA, LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO, GEORREFERENCIAMENTO E AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL CORROBORADOS PELA PROVA ORAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR – 2ª Câmara Criminal – 0012927-51.2018.8.16.0129 – Paranaguá –  Rel.: DESEMBARGADOR JOSCELITO GIOVANI CE –  J. 16.07.2024)

A responsabilidade ambiental, em um sentido amplo, é respaldada por uma série de normas jurídicas, como a Lei da Mata Atlântica, o Decreto nº 6.514/2008, o Código Florestal, entre outros diplomas legais. Esses instrumentos são essenciais para garantir a preservação dos recursos naturais, assegurando a proteção do meio ambiente para as gerações futuras, de modo que eles permitem a flexibilização de prazos contratuais, inclusive abaixo do mínimo legal, quando em conformidade com a legislação aplicável e atenção aos objetivos definidos pela lei.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, há elementos técnicos-jurídicos autorizadores de uma mudança de entendimento do Superior Tribunal de Justiça para deixar de considerar como normas cogentes as que fixam os prazos mínimos dos contratos de arrendamento e parceria agrícola, devendo ser analisadas sob uma perspectiva de adaptação ao atual cenário econômico e social do agronegócio.

A validade da remuneração em produtos e a flexibilização contratual permitiria uma maior autonomia às partes, refletindo uma realidade em que as relações agrárias podem se ajustar às particularidades de cada região e contrato, sem que isso signifique uma irregularidade contratual. Por fim, ainda seria possível uma alteração legislativa para atualizar as disposições criadas na década de 60.

  1. REFERÊNCIAS

AGROCERES MULTIMIX. Quando abater meu lote de frangos de corte: idade de abate. Disponível em: https://agroceresmultimix.com.br/blog/quando-abater-meu-lote-de-frangos-de-corte-idade-de-abate/. Acesso em: 12 ago. 2024.

BARUFALDI, Wilson Alexandre Des Essarts. A interpretação do contrato de arrendamento rural pelo Superior Tribunal de Justiça na perspectiva dos princípios do microssistema jurídico do Estatuto da Terra. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Lisboa, v. 3, n. 6, p. 1717-1768, 2017. Disponível em:https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2017/6/2017_06_1717_1768.pdf. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Decreto 59.566 de 14 de novembro de 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d59566.htm. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 12 ago. 2024.

BRASIL. Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 12 ago. 2024.

Ciência e Agrotecnologia. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cagro/a/7zXk8PnS3xvK3VzT8hkLv3f/?format=pdf. Acesso em: 12 ago. 2024.

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1993.

FARIAS, Talden; TRENNEPOHL, Terence (Coord.). Direito ambiental brasileiro. Edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

Institutos básicos do direito agrário. 3. ed. São Paulo: Pró-Livro – Comércio de Livros Profissionais Ltda., 1978. p. 112.

MILARÉ, Edis. Tutela jurídico-civil do ambiente. São Paulo, Revista Direito Ambiental, v. 0, 1996, p. 29.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante: Código Civil Comentado, doutrina e jurisprudência: Código Civil e legislação extravagante comentados. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

ONESOIL. 3 main reasons why farmers should rotate crops. Disponível em: https://blog.onesoil.ai/pt/3-main-reasons-why-farmers-should-rotate-crops. Acesso em: 12 ago. 2024.

OPTIZ, Oswaldo; OPTIZ, Silvia C. B. Tratado de direito agrário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 2, v. 3.

PETTERSEN, Altamir; MARQUES, Nilson. Uso e posse temporária da terra. São Paulo: Pró-Livro, 1977.

QUERUBINI, Albenir. Desenvolvimento de contratos agrários: aspectos jurídicos e econômicos. 2011.

QUERUBINI, Albenir. Contratos agrários: questões polêmicas e algumas propostas para a solução de conflitos. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2020.

Revista do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Disponível em: http://www.idclb.com.br/revistas/04/revista4%20(23).pdf. Acesso em: 12 ago. 2024.

Rizzardo, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. 2015, Revista dos Tribunais ebook. Disponível em https://next-proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/94425579/v3/document/109015000/anchor/a-109015000. Acesso em 12 ago. 2024.

Hugo Bogo Turetta – Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Advogado.

Leia também

Jornada de Direito Contratual

O cenário contratual brasileiro passa por uma transformação profunda. Se antes o contrato era compreendido …