quarta-feira , 1 outubro 2025
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Direito Agrário - foto: Cláudio Grande Jr.

Aumento de aproximadamente 45% nos pedidos de recuperação judicial no agronegócio: efeitos práticos e interpretação do STJ sobre contratos de arrendamento rural

Maria Eduarda Trevisan Kroeff

De acordo com dados recentes fornecidos pelo Serasa Experian, no primeiro trimestre de 2025 houve um aumento de aproximadamente 45% nos pedidos de recuperação judicial por empresas e produtores rurais em relação ao primeiro trimestre de 2024. A elevação expressiva é reflexo de fatores como o aumento do custo dos insumos, condições climáticas adversas, endividamento crescente e taxas de juros elevadas.

Nesse contexto, surgem dúvidas relevantes quanto aos efeitos jurídicos da recuperação judicial no âmbito das relações contratuais típicas do setor, como os contratos de arrendamento rural. A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) contribui para elucidar essas questões, especialmente no que tange à possibilidade de despejo durante a recuperação judicial.

Em decisão proferida no AgInt no REsp 1.835.668/SP, a Quarta Turma do STJ reafirmou que a ordem de despejo não se submete ao juízo universal da recuperação judicial quando o imóvel arrendado não integra o patrimônio da recuperanda.

Segundo o entendimento consolidado no julgamento, contrato de arrendamento rural pode ser equiparado a um contrato de locação, o que permite o ajuizamento de ação de despejo mesmo após o deferimento da recuperação judicial pleiteada pelo arrendatário.

Portanto, o direito de propriedade do arrendante prevalece sobre os efeitos da recuperação judicial do arrendatário, conforme previsão do artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/05, cabendo a este demonstrar, de forma fundamentada e documental, que o uso do bem é indispensável à atividade-fim do produtor ou empresa, não sendo automática compreensão de essencialidade do bem. Até mesmo por estar subsumida à norma inserta no artigo 6º, §1º, da Lei nº 11.101/05, in verbis: “Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida”.

Assim, tem-se que após o prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005, é possível o prosseguimento da ação de despejo fora do juízo da recuperação judicial, desde que não haja medida constritiva sobre ativos financeiros da recuperanda.

A tese firmada pela Corte foi clara:

“A ordem de despejo não se submete à competência do juízo universal da recuperação judicial quando o imóvel não integrar o patrimônio da recuperanda. O credor proprietário de bem imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa.”

Neste caso, entendeu-se que o arrendador resta atrelado ao concurso de credores unicamente em relação aos créditos líquidos e vencidos antes do deferimento da recuperação judicial, mas que continua a ter o direito de despejar o arrendatário nos termos do contrato firmado entre eles [algo assim].

Esse posicionamento do STJ tem implicações práticas relevantes para empresas rurais em recuperação e para os proprietários de imóveis arrendados:

Do lado do arrendatário em recuperação, a decisão reforça a necessidade de planejamento jurídico e contratual cuidadoso. Com a inclusão de cláusula contratual que declare expressamente que o imóvel arrendado é essencial à continuidade da atividade empresarial do arrendatário, a previsão contratual de ou prazo razoável para desocupação, e o registro do contrato de arrendamento rural no Cartório de Registro de Imóveis competente.

Para o arrendador, a jurisprudência[1] garante a possibilidade de retomada do bem em caso de inadimplemento, independentemente da recuperação judicial do devedor, desde que observados os limites legais.

Com o aumento significativo dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio, a interpretação da legislação pelos tribunais superiores se torna cada vez mais relevante, especialmente no equilíbrio entre a função social da empresa e o direito de propriedade dos credores.

Nota:

[1] AgInt no CC 165.754/SP; CC 148.803/RJ; AgRg no CC 145.517/RS; AgRg no CC 133.612/AL.

Maria Eduarda Trevisan Kroeff. Advogada e produtora rural, com atuação nas áreas cível e empresarial, com ênfase em Direito Agrário. Doutoranda em Agronegócios na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora integrante do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPro/UFRGS). Mestra em Direito Privado Europeu pela Universidade Mediterrânea de Reggio Calabria, Itália. Pós-graduada em Direito e Gestão do Agronegócio e em Direito dos Negócios (UFRGS). Membro da Comissão Rural Jovem da FARSUL, em Porto Alegre/RS.

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