por Clairton Kubassewski Gama.
No último dia 12, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4735 e do Recurso Extraordinário (RE) nº 759.244, tendo fixado o Tema nº 674 da Repercussão Geral no sentido de que “a norma imunizante contida no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação negocial de sociedade exportadora intermediária“. Quer dizer, o STF fixou o entendimento de que a receita decorrente de operação de exportação indireta é imune de tributação.
O caso que deu origem a tal julgado e a fixação desta Tese trata do conhecido “Funrural da agroindústria”, com fundamento no artigo 22-A da Lei nº 8.212/1991, que prevê a incidência de uma contribuição para a seguridade social à alíquota de 2,5% sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção agroindustrial.
É que, muito embora o artigo 149, parágrafo 2º, da Constituição Federal disponha que as receitas obtidas em decorrência de exportação são imunes à tributação, a Receita Federal exigia o pagamento do “Funrural” sobre as receitas advindas de exportações indiretas, ou seja, aquelas exportações que não são realizadas diretamente pelo produtor, mas por intermédio de tradings companies ou Empresas Comerciais Exportadoras (ECE). Nesse sentido, temos as disposições das Instruções Normativas (IN) nº 971/2009 e nº 1.436/2013, in verbis:
IN nº 971/2009 – Art. 170. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001.
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior.
§ 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.
IN nº 1.436/2013 – Art. 3º Na determinação da base de cálculo da CPRB, serão excluídas:
I – a receita bruta decorrente de:
a) exportações diretas; e
[…]
§1º A receita bruta proveniente de vendas a empresas comerciais exportadoras compõe a base de cálculo da CPRB.
Este entendimento, defendido pela Receita Federal, de que as exportações realizadas por tradings companies ou ECE’s não estariam sujeitas à imunidade tributária, também era frequente na jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais[1]. E isto denota, de forma ainda mais clara, a importância desta recente decisão do STF, que representa uma mudança de paradigma na jurisprudência em favor dos contribuintes.
O entendimento que os contribuintes defendem e que, agora, foi chancelado pelo STF, de forma bastante sucinta, é que a utilização de tradings companies ou ECE’s não altera a natureza jurídica da operação de exportação e, muito menos, da receita daí advinda. Além do que, a Constituição Federal não faz diferenciação alguma entre receita advinda de exportações diretas ou indiretas; o que a norma constitucional prevê é a imunidade das receitas advindas de exportações, independentemente de que como esta é realizada.
Nesse sentido, é importante lembrar que a imunidade tributária é norma constitucional que estabelece expressamente a incompetência das pessoas políticas quanto à instituição de tributos sobre determinadas e específicas situações.[2] Quer dizer, a imunidade tributária torna ausente a própria competência tributária relativamente à situação imunizada, não podendo sequer o legislador determinar a incidência tributária sobre tal caso.
Assim, a partir da previsão constitucional de imunidade às receitas advindas de exportações, que não diferencia como a exportação será feita, não pode o legislador (e tampouco a Administração Pública, por meio de Instruções Normativas) pretender criar uma diferenciação entre receitas advindas de exportações diretas e indiretas, sob pena de nítida e inegável inconstitucionalidade.
Portanto, além de extremamente importante e favorável aos contribuintes, especialmente aos produtores rurais, a decisão do STF em tela é juridicamente perfeita.
A questão que se coloca como enfoque principal do presente texto é a quem esta decisão irá se aplicar. Ao contrário do que uma primeira análise possa indicar, por se tratar de decisão que firmou tese em Repercussão Geral, esta decisão não se aplica indistintamente a todo e qualquer produtor que tenha realizado exportações indiretas.
Primeiro, temos o caso daqueles produtores rurais que realizam a venda de sua produção a empresas cerealistas ou frigoríficos, por exemplo. A estes, a decisão em tela não se aplica, ainda que, posteriormente, a empresa cerealista ou o frigorífico tenham realizado vendas de grãos ou carne para o exterior. É que neste caso a operação de exportação foi realizada pela empresa cerealista ou pelo frigorífico, tendo havido entre estes e o produtor rural uma operação de mercado interno. Não há na origem, ou seja, na venda do produtor para estas empresas, uma destinação do produto para o exterior; o produto é comercializado no mercado interno, sem que desde o início da cadeia haja a intenção de que o produto seja necessariamente destinado ao mercado externo.
Já quando a venda é realizada pelo produtor rural a uma trading company ou a uma ECE, aí sim há esta intenção, já desde o início da cadeia, de que o produto seja destinado ao exterior. Assim, ainda que de forma estrita a operação entre produtor e trading, por exemplo, seja de mercado interno, esta é realizada com o inicial e único intento de que a trading faça a exportação do produto, sendo a venda entre produtor e trading apenas uma etapa necessária para atingir o fim, que é a exportação.
Com isto, temos que somente pode ser considerada como exportação indireta, para o fim de buscar valer a imunidade reconhecida pela recente decisão do STF, aquela exportação que tenha sido realizada por intermédio de trading company ou de empresa comercial exportadora.
Além disto, é preciso ficar atento a uma questão probatória. Não basta que o produtor demonstre ter realizado a venda de sua produção para uma trading company ou ECE, sendo necessário que comprove que efetivamente houve uma operação de exportação subsequente, realizada pela trading ou pela ECE e na qual o seu produto tenha sido destinado ao mercado externo.
Alguns cuidados são fundamentais ao produtor para que não seja surpreendido pela autoridade fazendária. É preciso apontar na Nota Fiscal que se trata de operação de exportação indireta, indicando corretamente a trading ou ECE destinatária do produto; e esta, por sua vez, precisa indicar em suas notas de exportação a Nota Fiscal do produtor a que a mercadoria exportada se refere. Além disso, os produtores precisam estar atentos e exigir da trading ou ECE que esta comprove documentalmente a efetiva realização da exportação, inclusive comprovando o embarque do produto para o exterior.
Superada a questão de quais exportações estão abrangidas pela imunidade, temos que analisar a questão dos produtores que possuem débitos de “Funrural” e se estes também podem aproveitar esta decisão.
Desde março de 2017, quando o STF decidiu que é constitucional a cobrança do “Funrural”, muitos produtores se depararam com um passivo tributário bastante considerável referente a contribuição que não vinha sido adimplida ao longo dos últimos anos, alguns por força de decisões limares, outros por simples escolha de gestão. Alguns produtores aderiram ao Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), instituído por meio da Lei Federal nº 13.606/2018, que permitiu o parcelamento destes débitos; outros realizaram o pagamento espontâneo do montante considerado como devido; e, ainda, há os que estão com este passivo em aberto.
Caso estes débitos de “Funrural”, em sua totalidade ou parcialmente, refiram-se a receitas advindas da exportação indireta de produtos, poderão os produtores pleitear a extinção ou recálculo dos mesmos, ainda que já tenham feito o pagamento (situação na qual terão direito à repetição dos valores pagos) ou aderido ao parcelamento do PRR.
Por fim, registramos que os votos desta recente decisão do STF ainda não foram publicados. Assim que isto ocorra, a Fazenda Nacional terá aberto o prazo para interposição de Embargos de Declaração, através dos quais poderá pleitear, entre outros pontos, a modulação dos efeitos desta decisão. Quer dizer, poderá o STF, ainda, restringir os efeitos da decisão, limitando a retroação da mesma, a fim de que ela não atinja operações ocorridas antes da data do julgamento. Neste cenário, os produtores com passivo de “Funrural” não poderão se beneficiar da decisão para redução ou extinção destes débitos.
Mas há, também, a possibilidade de que o STF não limite a retroação dos efeitos da decisão, ou então que determine a possibilidade de retroação somente em favor daqueles produtores que já tenham ingressado com ações individuais nesse sentido. Portanto, caso o produtor ainda não tenha ajuizado sua própria ação, individual, recomenda-se que o faça o quanto antes, a fim de poder contar com mais esta possibilidade.
Bem se vê, portanto, e como já dissemos, que se trata de uma importante decisão, mas que demanda alguns cuidados. Enfim, este é mais um caso que revela a necessidade de boas práticas de gestão e de uma assessoria especializada por parte dos produtores rurais.
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Notas:
[1] CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECEITA BRUTA. IMUNIDADE. EXPORTAÇÃO INDIRETA. IN RFB 1.436/2013. É descabida a alegação de inconstitucionalidade do art. 3º, I, da Instrução Normativa RFB nº 1.436, de 2013, uma vez que imunidade prevista no art. 149, § 2º, da Constituição Federal, relativa às receitas oriundas de operações de exportação, destina-se apenas às exportações diretas, não podendo ser estendida às exportações efetuadas por intermédio de trading companies. (TRF4, AC 5019841-33.2018.4.04.7107, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 11/12/2019)
[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 379.