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Direito Agrário

Responsabilidade dos armazéns: armazém terá de devolver 438 mil quilos de arroz sumidos do galpão

“Um armazém de Tocantins terá que ressarcir ao Banco do Brasil valor equivalente a 438 mil quilos de arroz, que desapareceram do galpão onde o estoque estava armazenado. O contrato de armazenagem (depósito de mercadorias em armazém geral) foi firmado em abril de 1995.

Acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão do Tribunal de Justiça de Tocantins (TJTO), apenas para excluir a possibilidade de prisão dos fiéis depositários, mas mantendo a condenação pelo pagamento dos grãos extraviados.

Na ação, movida em 1996, o Banco do Brasil sustentou que requereu o pagamento ou a reposição dos produtos faltantes e não obteve nenhuma manifestação por parte dos fiéis depositários.

Vendaval

A empresa armazenadora contestou, alegando que estaria isenta de responsabilidade, já que o produto foi atingido por forte vendaval que molhou parte dos grãos armazenados em seu galpão, o que caracteriza evento natural de força maior.

O tribunal estadual condenou a armazenadora a restituir o valor do produto extraviado e ainda aplicou ao caso os artigos 11, § 1º e 35, § 5º, do Decreto 1.102/1903. Esses dispositivos impõem a prisão do empresário, gerente superintendente, administrador, inclusive fiel depositário de armazéns gerais, nas hipóteses em que, mesmo instados judicialmente, deixarem de apresentar o produto depositado.

A empresa recorreu ao STJ para reformar a decisão. Para o ministro Luis Felipe Salomão, uma simples chuva ou vendaval – desde que não tenha o vulto semelhante ao de um ciclone de magnitude – não são hábeis para se cogitar em eximir a armazenadora de sua obrigação de restituir os produtos depositados.

Afirmou, ainda, que ‘muito embora não tenha sido infirmada a ocorrência de vendaval, o contrato de depósito contemplou o pagamento de sobretaxa para a cobertura de caso fortuito’.

Em relação à prisão civil do depositário, o relator ressaltou que o Pacto de San José da Costa Rica estabelece que ninguém deve ser detido por dívidas, e a Súmula Vinculante 25 do STF orienta ser ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.

‘Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, apenas para afastar a possibilidade de decreto de prisão civil dos fiéis depositários, mantendo os ônus sucumbenciais, conforme definidos na origem’, concluiu o relator. A decisão foi unânime”.

Fonte: STJ, 12/07/2016.

Direito Agrário

Veja também:

– Títulos de Crédito Rural: MP nº 725/2016 altera disposições sobre o Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, o Warrant Agropecuário – WA, o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, a Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA (Portal DireitoAgrário.com, 16/05/2016)

– Medidores de umidade de grãos para serem comercializados devem ser obrigatoriamente aprovados pelo INMETRO (Portal DireitoAgrário.com, 03/03/2016)

Direito Agrário

Confira a íntegra da decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.217.701 – TO (2010/0185184-0)

RECORRENTE : MS ARMAZÉNS GERAIS LTDA E OUTROS

ADVOGADO : NADIN EL HAGE E OUTRO(S)

RECORRIDO : BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADO : ADRIANA MAURA DE TOLEDO LEME PALLAORO E OUTRO(S)

ADVOGADA : ENEIDA DE VARGAS E BERNARDES

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Banco do Brasil S.A. ajuizou ação de depósito em face de MS Armazéns Gerais Ltda, Valmocir Marques dos Santos e Pery Marques dos Santos, na qualidade de fiéis depositários. Narra que, por termo de adesão ao contrato de “Depósito para Guarda e Conservação de Produtos Vinculados a Empréstimos do Governo Federal – EGF”, firmado em 26 de abril de 1995, a contratante se obrigou a receber, guardar e conservar os estoques de produtos na quantidade definida no recibo de depósito ou no conhecimento e warrant , assim como a devolvê-los assim que solicitados. Diz que a ré emitiu os conhecimentos de depósitos e respectivos warrants, totalizando 1.449.877 Kg de arroz em casca natural, ensacado, safra 1993/1994. Esclarece que, do montante inicialmente depositado, houve liberação de 202.964 Kg do produto pertencente ao mutuário Valmocir Marques dos Santos, dos quais foram vendidos 201.428 Kg em leilão eletrônico. Afirma que, em vistoria, realizada por técnico, constatou-se o desvio de 438.243 Kg do produto depositado, conforme laudo ATR-96/0013. Aduz que, em 5 de junho de 1996, emitiu carta de cobrança à demandada requerendo a regularização e que não houve manifestação da depositária, tampouco o pagamento ou a reposição dos produtos faltantes.

O Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Gurupi julgou procedente o pedido formulado na exordial. Interpôs a ré apelação para o Tribunal de Justiça de Tocantins, que negou provimento ao recurso.

A decisão tem a seguinte ementa:

Apelação Cível. Ação de Depósito. Restituição de graõs. Responsabilidade acerca dos danos causados por caso fortuito ou força maior. Cláusula contratual. Procedência. Recurso improvido.

1 – Havendo coerência com a linha adotada na sentença, o Julgador não é obrigado a analisar todos os argumentos aduzidos pela parte. A análise do seguro de grãos seria inócua, vez que, acatada na sentença a tese de que, responsabilidade pela restituição dos graõs ainda que houvesse caso fortuito ou força maior. Ademais, o recorrente deveria ter embargado da vertente de convencimento do juiz, pois, sem os embargos, a matéria precluiu.

2 – Não há provas de que as sacas atingidas pelo vendaval são as mesmas que o Banco do Brasil confiou em depósito e, para não responder pelo caso fortuito, o apelante deveria ter comprovado que o fenômeno natural afetou, especificamente, as sacas depositadas pelo banco.

3 – Aceitar a sobretaxa como forma de remuneração, assumiu as obrigações contratuais, não havendo como eximir-se da obrigação de restituir. Em se tratando de depósito remunerado não há falar na inexistência do dever de restituir em razão de caso fortuito, pois no contrato restou convencionado que, pela sobretaxa cobrada, a armazenadora se obrigava a entregar a mesma quantidade/qualidade da mercadoria colocada sob guarda.

4 – A comprovada perda de parte do produto depositado, a sobretaxa e a convenção da obrigação de restituir mesmo em caso fortuito ou força maior respaldam a sentença monocrática fustigada.

Sobreveio recurso especial da ré, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, sustentando divergência jurisprudencial e violação aos arts. 267, 515 e 516 do CPC/1973, 642 e 645 do CC, 1.218 do CC/1916 e art. 7º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

Alega que o recorrido propôs ação de depósito visando obter 438.243 Kg de arroz em casca, safra 1993/1994, constituindo parte da quantia depositada, alegadamente desviada pela armazenadora.Sustenta que, em sede de contestação, provou a ocorrência de forte vendaval que molhou parte dos grãos armazenados em seu galpão, afastando, a teor do art. 642 do CC [correspondente ao art. 1.277 do CC/1916], a responsabilidade em restituir o bem nas mesmas quantidade e qualidade, por constituir o evento natural força maior.

Sustenta que a decisão recorrida laborou em erro ao entender pela procedência do pedido exordial, “tomando como fundamento apenas que, para o Depósito, a armazenadora recebera sobretaxava, que visava cobrir esse tipo de evento”.

Argumenta que a Corte local violou o art. 515, parágrafos 1º e 2º do CPC/1973, pois entendeu que, como não houve manejo de aclaratórios para sanar omissão da sentença, no tocante ao seguro que afirmara na contestação ter sido feito pelo autor, houve preclusão para o exame do ponto.

Reconhece que não suscitou, perante as instâncias ordinárias, a tese de impossibilidade jurídica do pedido, por se tratar de ação de depósito de bens fungíveis objeto de contratos de EGF. Todavia, pondera que “isso não deverá ser óbice para o conhecimento do Recurso Especial, a considerar que a matéria é afeta a nulidade absoluta, podendo ser arguida a qualquer tempo e grau de jurisdição”.

Obtempera que a ação de depósito é via inadequada, pois, como o bem armazenado é fungível, trata-se de depósito irregular, ensejando a aplicação das regras do mútuo, conforme dispõe o art. 645 do CC/2002.

Afirma que, quanto à tese de violação ao art. 515 do CPC, houve prequestionamento, pois foi reconhecida expressamente no voto vencido, tendo sido atendido o requisito específico do prequestionamento do dispositivo. Expõe que a Corte local perfilhou o entendimento de que, apesar de incontroverso o vendaval, a parte demandada não conseguiu provar que as sacas atingidas pela intempérie são as mesmas que foram confiadas em depósito, porém, ao contrário do apurado, há elementos nos autos e cláusulas contratuais que demonstram incidir o disposto no art. 642 do CC, pois o depositário não responde pelos casos de força maior.

Aduz que deve ser reformado também o tópico da decisão que estabeleceu a prisão do sócio da sociedade empresária recorrente, pois já é entendimento pacificado no âmbito do STJ e STF – inclusive, ensejando o cancelamento da Súmula n. 619/STF -, que é incabível a prisão do depositário infiel, em vista do disposto no art. 7º, n. 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Em contrarrazões, afirma o recorrido que: a) não houve prequestionamento; b) a recorrente inova, ao alegar que a ação de depósito é via inadequada, e que deve ser aplicada as regras do mútuo; c) a decisão recorrida confirma a de piso, condenando o recorrente a restituir o produto depositado ou valor equivalente em dinheiro, estando embasada no dever de indenizar, decorrente do recebimento de sobretaxa para cobrir os eventos de força maior, “até mesmo, porque não foi provado que a mercadoria avariada era a do Banco/Recorrido e não outra qualquer; d) no recurso especial, não se opera o efeito translativo, devendo ser apreciadas as causas decididas pelos tribunais das instâncias ordinárias. Por isso, como não houve manifestação prévia sobre a questão de ordem pública, o acórdão somente poderia ser impugnado por ação rescisória, não sendo aplicável o art. 263 do CPC/1973; e) a condição de depositário da recorrente não foi tema de impugnação; f) as partes pactuaram contrato de depósito para a guarda e a conservação de produtos vinculados a empréstimos do Governo Federal, tendo sido entregue à recorrente, em depósito produtos em qualidade e quantidade previamente determinados nos conhecimentos de depósito, warrant e certificado oficial de classificação, que deveriam ser pronta e fielmente restituídos quando fossem exigidos da recorrente; g) o pagamento adicional de sobretaxa, prevista em cláusula contratual, constitui compensação à armazenadora diante da assunção de responsabilidade indenizatória pelo riscos a que estariam sujeitos os produtos depositados; h) superada a questão da ausência de prequestionamento, deve ser observado que o mútuo foi contratado por terceiros, o depósito em questão é clássico e a jurisprudência do STJ caminha no sentido de ser possível a ação de depósito para haver coisas fungíveis, se tratando de depósito vinculado a empréstimos do Governo Federal; i) está em plena vigência a norma especial contida nos arts. 11, § 1º e 35, § 5º, do Decreto n. 1.103/1903, que impõe a prisão do empresário, gerente superintendente, administrados, inclusive fiel depositário de armazéns gerais, nas hipóteses em que, mesmo instados judicialmente, deixarem de apresentar o produto depositado; j) a matéria acerca do seguro encontra-se preclusa.

O recurso especial foi admitido.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Para logo, cumpre observar que, como reconhece a própria recorrente, a questão acerca da impossibilidade de manejo da ação de depósito não foi, em momento nenhum, suscitada nas instâncias ordinárias, tampouco objeto de exame, de modo que não é possível o enfrentamento na instância especial, sob pena de supressão das instâncias ordinárias.

Com efeito, embora não se desconheça que “a orientação pacificada no âmbito da 2ª Seção desta Corte é a de que os contratos de EGF e AGF, com o depósito de bens fungíveis, não autorizam, em caso de inadimplência, a ação de depósito” (AgRg no REsp 1.299.975/MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/5/2013, DJe 14/6/2013), inexistente prequestionamento quanto ao ponto. Ainda que se considere matéria de ordem pública, incide o óbice intransponível à apreciação da matéria, contido nos enunciados de súmula n. 282 e 356 do STF.

Essa é a firme jurisprudência do STJ:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA CITAÇÃO. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULAS 282 E 356/STF.

1. A matéria suscitada no recurso especial não foi objeto de debate pela Corte de origem. Ausente o prequestionamento, exigido inclusive para as matérias de ordem pública, caracterizado o óbice dos enunciados 282 e 356 da Súmula do STF.

2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (EDcl no AREsp 528.617/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/09/2014, DJe 26/09/2014)

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AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE FATO NOVO. INVIABILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. PRECEDENTES.

1. Não é possível a alegação de fato novo exclusivamente em sede de recurso especial por carecer o tema do requisito indispensável de prequestionamento e importar, em última análise, em supressão de instância.

2. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EDcl no REsp 621.179/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2014, DJe 25/09/2014)

3. Cabe agora examinar a tese recursal acerca de que a Corte local violou o art. 515, parágrafos 1º e 2º do CPC/1973, pois entendeu que, como não houve manejo de aclaratórios para sanar a omissão da sentença, no tocante ao seguro que afirmara na contestação ter sido feito pelo autor, houve preclusão para o exame do ponto.

A argumentação não procede, pois a Corte local enfrentou o ponto ao assentar, à fl. 694 e-STJ, que o art. 642 do CC dispõe que o depositário, para não responder pelos casos de força maior, terá de prová-los, e não houve comprovação de que as sacas atingidas pela intempérie são as as mesmas do autor (qualidade e quantidade) – que, pois, segundo o recorrente, estariam seguradas pelo depositante. Assim, asseverou que, de todo modo, “[…] há necessidade de comprovação de um sinistro para que o prejudicado receba o seguro contratado”.

4. A principal questão controvertida consiste em saber se, em havendo depósito em armazém geral de grãos, é possível à armazenadora, ao argumento de ter havido evento caracterizador de força maior (vendaval), se furtar ao dever de restituição do bem fungível que lhe foi entregue em depósito.

Entendo essencial transcrever o apurado pelas instâncias ordinárias, para a melhor compreensão da controvérsia.

A sentença anotou:

Nessa linha, a alegação de ocorrência de caso fortuito não teria o condão de retirar ao requerido a obrigação de restituir os grãos. Ainda que tal entendimento possa, em um primeiro momento, parecer obtuso à demasia, tal não ocorre, pois o contrato de depósito ora em comento estabeleceu sua responsabilidade mesmo em hipótese de caso fortuito ou força maior. É o que vê dito explicitamente em item da cláusula terceira (fls. 11), in verbis :

“- a armazenadora, pela sobretaxa cobrada, fica obrigada a entregar a mesma quantidade/qualidade da mercadoria colocada sob sua guarda, inclusive na ocorrência de perdas em armazenagem em função de casos fortuitos ou de força maior.”

[…]

Assim, procede a alegação do autor de que foi estabelecida sobretaxa com o escopo de acobertar o depósito em relação à ocorrência de caso fortuito ou força maior. Ainda que se trate de contrato de adesão, tal cláusula não se reveste de qualidades leoninas, como que o requerido, pois lhe estabelece pagamento maior para que suporte o risco.

[…]

Ademais, embora admitida como verdadeira a ocorrência do evento natural danoso, não logrou êxito o requerido em comprovar que os grãos afetados correspondem exatamente aos 438.243 Kg (quatrocentos e trinta e oito mil duzentos e quarenta e três quilogramas) do produto depositado. Mesmo que o houvesse comprovado, subsistiria sua responsabilidade, pelos fundamentos acima expostos.

Nesses termos, afigura-se necessário o reconhecimento de que subsiste para o requerido a obrigação de restituir a quantia pleiteada.

Há que se considerar, outrossim, que a perícia realizada às fls. 295 comprovou a alegação de que a quantidade encontrada junto ao depositário é inferior à depositada.

Isso posto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido constante na petição inicial, e de conseguinte, nos termos do artigo 904 do Código de Processo Civil, condeno o requerido a restituir ao autor 438.243 Kg (quatrocentos e trinta e oito mil duzentos e quarenta e três quilogramas) do arroz em casca objeto do contrato de depósito, ficando cominada prisão civil para o caso de inadimplemento.

Após o trânsito em julgado, expeça-se o competente mandado para entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro em 24 horas, sob pena de prisão.

O acórdão recorrido dispôs:

O artigo 642 do Código Civil dispõe que o depositário não responde pelos casos de força maior, mas para que lhe valha a escusa, terá de prová-los e, como evidenciado nos autos e na sentença, apesar de incontroverso o vendaval , o recorrente não conseguiu comprovar que as sacas atingidas pela intempérie são as mesmas que o Banco do Brasil lhe confiou em depósito.

Da mesma forma que há necessidade de comprovação de um sinistro para que o prejudicado receba o seguro contratado, in casu, para não responder pelo caso fortuito, o apelante deveria ter comprovado que o fenômeno natural atingiu, especificamente, as sacas depositadas pelo banco recorrido.

Sílvio de Salvo venosa ensina que, “a regra do depósito é sua gratuidade, exceto se houver convenção em contrário ” e, aceitando a sobretaxa como forma de remuneração, o recorrente assumiu as obrigações contratuais, não havendo como eximir-se da obrigação de restituir, posto que assinou o contrato de forma livre e espontânea.

Em se tratando de depósito remunerado, não há falar na ausência do dever de restituir em razão de caso fortuito, pois no contrato firmado entre as partes restou convencionado que a armazenadora, pela sobretaxa cobrada, fica obrigada a entregar a mesma quantidade/qualidade da mercadoria colocada sob sua guarda, inclusive na ocorrência de perdas em armazenagem em função de casos fortuitos ou de força maior (cláusula 3ª) e que, a contratada se obriga, mediante o recebimento da sobretaxa, estabelecida na forma da cláusula sétima, a indenizar ao contratante: a) perdas de qualquer natureza, inclusive as quebras técnicas e as de peso por redução do teor de umidade, avarias, depreciações, inclusive as perdas ocorridas ao produto ocasionadas por casos fortuitos ou força maior (cláusula 11ª). Não há qualquer defeito na obrigação estipulada nas cláusulas acima mencionadas, pois conforme citado na sentença, “é possível, mediante formal convenção, carregar-se também ao depositário a responsabilidade pelo caso fortuito, ou força maior” (fls. 412 in fine).

Houve perda de parte do produto depositado e isso foi devidamente comprovado pelo banco e, havendo convenção entre as partes no sentido de recebimento de sobretaxa e obrigação de restituir mesmo em se tratando de caso fortuito ou força maior, não há qualquer escólio legal para reforma da sentença eis que o contrato faz lei entre as partes.

Ex positis , conheço do presente recurso por próprio e tempestivo, mas NEGOU-LHE PROVIMENTO para manter incólume a sentença recorrida. (fls. 694 e 695)

4.1. No ponto, como é cediço, pelo contrato de armazenagem (depósito de mercadorias em armazém geral), o depositário emite um “recibo”, ou títulos de sua emissão exclusiva, quais sejam, conhecimento de depósito e respectivo warrant, representativos, de um lado, das mercadorias depositadas e, de outro, das obrigações assumidas, em razão do contrato de depósito.

No tocante ao agronegócio, a relevância dessa modalidade contratual avulta, pois, em vista da notória insuficiência de capacidade de armazenagem nas propriedades rurais. Há forte dependência do setor agropecuário de se valer dos serviços oferecidos pelos armazéns gerais, de modo a poder comercializar ou transportar seus produtos ou safra futura em momento mais oportuno, assim como para o aguardo dos trâmites cabíveis para exportação ou importação. (DIB, Adriano Abrão. A logística do agronegócio, regulação e os contratos pertinentes. v. 7. São Paulo: Revista de Direito Empresarial, 2015, p. 272-273)

Outrossim, o warrant é título de crédito que permite ao seu titular assumir uma obrigação (pagamento de dinheiro), dando em garantia as mercadorias depositadas, diminuindo-se sensivelmente o risco para o credor e, por isso, também o custo do capital, constituindo-se eficiente instrumento de redução do custo do crédito para o agropecuarista (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: títulos de crédito . 6 ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 265).

4.2. No caso ora em exame, como o contrato de depósito foi firmado em 26 de abril de 1995, a avença deve ser resolvida à luz do Diploma especial de regência, Decreto n. 1.102 de 1903.

Em linha de princípio, não há cogitar de a lei retroagir para atingir pretensão de direito material relativa à relação contratual anterior à sua vigência (RE 205.999, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 16/11/1999, DJ 3-3-2000 PP-00089 EMENT VOL-01981-05 PP-00991)

Dessarte, por ser a avença antecedente, não tem aplicação ao caso a Lei n. 9.973/2000 – que trata do sistema de armazenagem de produtos agropecuários -, que estabelece, no art. 6º, § 6º, que fica obrigado o depositário a celebrar contrato de seguro com a finalidade de garantir, a favor do depositante, os produtos armazenados contra incêndio, inundação e quaisquer intempéries que os destruam ou deteriorem, e o art. 22, caput, da Lei n. 11.076/2004, que dispõe que para a emissão de Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, o Warrant Agropecuário – WA, o seguro obrigatório de que trata o art. 6 o , § 6 o , da Lei n o 9.973, de 29 de maio de 2000, deverá ter cobertura contra incêndio, raio, explosão de qualquer natureza, danos elétricos, vendaval, alagamento, inundação, furacão, ciclone, tornado, granizo, quedas de aeronaves ou quaisquer outros engenhos aéreos ou espaciais, impacto de veículos terrestres, fumaça e quaisquer intempéries que destruam ou deteriorem o produto vinculado àqueles títulos.

5. Nesse passo, convém acentuar que a força maior é causa excludente de responsabilidade civil, constituindo evento caracterizado por acontecimentos naturais, como inundação, raio, terremoto, ciclone, maremoto.

É dizer, em linha de princípio, que a sua constatação ocasiona a quebra do nexo de causalidade entre o inadimplemento e o dano, promovendo a exoneração da obrigação de indenizar.

No entanto, vale ressaltar que, por um lado, a característica marcante dessa excludente é sua inevitabilidade, isto é, a impossibilidade de ser evitada pelas forças humanas,”deve ser necessário e não determinado por culpa do devedor; o fato deve ser superveniente e inevitável; o fato deve ser irresistível – fora do alcance do poder humano”. (PELUSO, Cezar (coord.). Código civil comentado . 6 ed. Barueri: Manole, 2012, p. 418)

Por outro lado, é necessário ser feita “distinção entre ‘fortuito interno’ (ligado à pessoa, ou à coisa, ou à empresa do agente) e ‘fortuito externo’ (força maior, ou Act of God dos ingleses). Somente o fortuito externo, isto é, a causa ligada à natureza, estranha à pessoa do agente e à máquina, excluiria a responsabilidade, principalmente se esta se fundar no risco. O fortuito interno, não. Assim, tem-se decidido que o estouro dos pneus do veículo não afasta a responsabilidade, ainda que bem conservados, porque previsível e ligado à máquina.” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 643)

Nessa toada, o art. 393, parágrafo único, do CC/2002 – correspondente ao art. 1.058 do CC/1916 -, esclarece que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Com efeito, embora seja matéria de fato analisar, no caso concreto, a dimensão do evento tido pela recorrente como força maior, em vista da própria natureza do contrato de depósito em armazém geral, é relevante anotar que, evidentemente, simples chuva ou vendaval – desde que não tenha o vulto semelhante a de um ciclone de magnitude -, não parece hábil nem sequer para se cogitar em eximir a armazenadora de seu dever de restituir os bens fungíveis depositados.

Ora, o art. 11, 1º, do Decreto n. 1.102 de 1903 prevê que os armazéns gerais, além das responsabilidades especialmente estabelecidas nesta lei, respondem pela guarda, conservação e pronta e fiel entrega das mercadorias que tiverem recebido em depósito. E o art. 12 do mesmo Diploma dispõe que, nos armazéns gerais, podem ser recebidas mercadorias das mesmas natureza e qualidade, pertencentes a diversos donos, guardando-se misturadas.

Na exposição de motivos do Decreto 1.102/1903, subscrita por J. X. Carvalho de Mendonça, assim pontua o renomado tratadista:

O projeto ocupa-se também da guarda das mercadorias in genere , isto é, mercadorias da mesma natureza e qualidade, pertencentes a diferentes depositantes e que são misturadas, perdendo a sua individualidade. Nos armazéns gerais da Escócia ensaiou-se com bom resultado esta prática no comércio do ferro, e logo depois a Inglaterra e a Holanda, a adotaram para os produtos coloniais (café, chá, açúcar bruto, peles curtidas, guano e metais).

Estas mercadorias armazenadas a granel nas docas são vendidas em lotes e sobre elas emitidos warrants. A França adota-a no depósito de óleos e farinhas; a América do norte para os cereais. Para mercadorias da mesma qualidade, esta prática economiza espaço e trabalho na sua guarda e nos transbordos dos navios para os armazéns e vice-versa. O depósito irregular feito nos armazéns gerais tem um caráter excepcional. A propriedade da mercadoria permanece pró-indiviso com os depositantes. (Vivante, Tratatto di Diritto Commerciali – vol III, n.º 1.287 – Navarrini, II Magazine generalli, n.º 48). Deve-se atender principalmente à intenção dos contratantes: os depositantes permitem ao depositário restituir-lhe outra tanta quantidade de mercadoria da mesma qualidade, mas não o autorizam a se apropriar dela. Aquela intenção inequívoca no sistema do projeto, que receberam em depósito.

Às empresas de armazéns gerais fica proibido fazer por conta própria ou alheia o comércio de gêneros e mercadorias da natureza dos que se propõe receber em depósito. Estas empresas precisam inspirar a maior confiança e o portador dos títulos por elas emitidos deve ter certeza de que a mercadoria existe fielmente guardada. Convém arredar suspeitas.

A proibição, entretanto, deve ser entendida nos seus devidos termos. O empresário de armazéns gerais pode ser consignatário das mercadorias, expedidas por mar ou terra, fazê-las vender na sala de vendas públicas etc., como já dissemos. anteriormente. O que se lhe veda é o depósito das mercadorias.

Proíbe-se também àquelas empresas emprestarem por conta própria ou alheia, sobre mercadorias depositadas em seus armazéns ou no de outras empresas. sob penalidade no caso de transgressão deste preceito.

6. No caso, consoante apurado pelas instâncias ordinárias, muito embora não tenha sido infirmada a ocorrência de vendaval, o contrato de depósito contemplou o pagamento de sobretaxa para a cobertura de caso fortuito.

Note-se o que dispõe o art. 11 e 12 do Decreto n. 1.102 de 1903:

Art. 11º – As empresas de armazéns gerais, além das responsabilidades especialmente estabelecidas nesta lei, respondem:

1º – pela guarda, conservação e pronta e fiel entrega das mercadorias que tiverem recebido em depósito, sob pena de serem presos os empresários, gerentes, superintendentes ou administradores sempre que não efetuarem aquela entrega dentro de 24 horas depois que judicialmente forem requeridos; Cessa a responsabilidade nos casos de avarias ou vícios provenientes da natureza ou acondicionamento das mercadorias, e força maior, salvo a disposição do art. 37, § único;

2º – pela culpa, fraude ou dolo de seus empregados e prepostos e pelos furtos acontecidos aos gêneros e mercadorias dentro dos armazéns.

§ 1º – A indenização devida pelos armazéns gerais nos casos referidos neste artigo, será correspondente ao preço da mercadoria e em bom estado no lugar e no tempo em que devia ser entregue.

O direito à indenização prescreve em três meses, contados do dia em que a mercadoria foi ou devia ser entregue.

§ 2º – Pelas alfândegas e estradas de ferro da União responde, diretamente, a Fazenda Nacional, com ação regressiva contra seus funcionários culpados.

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Art. 12. Nos armazéns gerais podem ser recebidas mercadorias da mesma natureza e qualidade, pertencentes a diversos donos, guardando-se misturadas.

[…]

§ 1º. Neste depósito, além das disposições especiais na presente Lei, observa-se-ão as seguintes:

[…]

§ 2º. O armazém geral responde pelas perdas e avarias da mercadoria, ainda mesmo no caso de força maior.

Outrossim, o art. 37, parágrafo único, do mesmo Diploma, expressamente invocado pelo art. 11, 1º, do Decreto n. 1.102 de 1903, dispõe que são nulas as convenções, ou cláusulas que diminuam ou restrinjam as obrigações e responsabilidades que, por esta lei, são impostas às empresas de armazéns gerais e as que figurarem nos títulos que elas emitirem.

Ademais, o art. 393 do CC – correspondente ao art. 1.058 do CC/1916 – estabelece que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado, e o parágrafo único, esclarece que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Com efeito, assim delineada a questão, afigura-se que é patente a responsabilidade da recorrente, não cabendo invocação da excludente de responsabilidade civil da força maior.

Outrossim, as instâncias ordinárias apuraram que não foi demonstrado pela depositária que houve a alegada deterioração dos grãos entregues em depósito, o que também atrai a Súmula 7/STJ, a inviabilizar a reforma da decisão.

7. No tocante à prisão civil do fiel depositário, de fato, estabelece o art. 7º, n. 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

Ademais, orienta a Súmula Vinculante n. 25 do STF ser ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.

Com efeito, no ponto, cabe ser reformada a decisão recorrida para expungir a possibilidade de prisão, mantendo-se, contudo, a condenação dos corréus a pagarem o valor correspondente, em dinheiro, aos grãos extraviados, representando a quantia de R$ 97.768,08, afirmada na exordial.

8. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, apenas para afastar a possibilidade de decreto de prisão civil dos fiéis depositários, mantendo os ônus sucumbenciais, conforme definidos na origem.

É como voto.

 VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI:

Cuida-se de recurso especial interposto por MS ARMAZÉNS GERAIS LTDA. E OUTROS, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, nos autos de ação de depósito ajuizada pelo BANCO DO BRASIL S.A.

Em síntese, com a referida demanda, o autor visa a condenação do depositário, ora recorrente, a restituir-lhe 438.243kg de arroz em casca, sob pena de prisão pela condenação de depositário infiel.

A sentença julgou procedente o pedido e condenou o depositário a restituir a quantia pleiteada na inicial, objeto do contrato de depósito, sob pena de prisão civil, admitindo, contudo, como verdadeira a ocorrência de evento natural danoso – caso fortuito (fls. 603-614, e-STJ).

O Tribunal de origem, por maioria de votos, negou provimento ao recurso do demandado – ora recorrente – e manteve a sentença recorrida, por entender, em síntese, que “A comprovada perda de parte do produto depositado, a sobretaxa e a convenção da obrigação de restituir mesmo em caso fortuito ou força maior respaldam a sentença monocrática fustigada” (fl. 719, e-STJ).

Consignou o órgão julgador que “há necessidade de comprovação de um sinistro para que o prejudicado receba o seguro contratado, in casu, para não responder pelo caso fortuito, o apelante deveria ter comprovado que o fenômeno natural atingiu, especificamente, as sacas depositadas pelo banco recorrido” (fl. 694, e-STJ).

O eminente relator, Ministro Luis Felipe Salomão, votou no sentido de prover parcialmente o especial apenas para afastar a possibilidade de prisão civil dos fiéis depositários, mantendo os ônus sucumbenciais definidos na origem. Aludiu, inicialmente, a ausência de prequestionamento acerca da questão relativa à impossibilidade de manejo da ação de depósito e afastou as alegações de violação ao artigo 515 do CPC/1973. A respeito da principal questão controvertida, enfatizou a aplicação do Decreto 1.102/1903 à espécie e mencionou a existência de cláusula contratual estipulando o pagamento de sobretaxa para cobertura de caso fortuito, o que inclui o vendaval ocorrido no caso ora analisado.

Desta forma, considerou patente a responsabilidade da recorrente, não cabendo a invocação de excludente de responsabilidade civil da força maior. Por fim, quanto à prisão civil do depositário infiel, aplicou o disposto na Súmula Vinculante 25 do STF, afastando tal possibilidade.

É o relatório.

Acompanho o relator.

1. De início, quanto ao prequestionamento da tese de impossibilidade de ação de depósito na espécie e apontada ofensa aos artigos 267, VI, § 3º do CPC/1973 e 645 do Código Civil, conforme consignado pelo eminente relator, a matéria não fora suscitada nas instâncias ordinárias, tampouco foi objeto de exame pelo Tribunal de piso, de modo que o enfrentamento na instância especial não é possível, sob pena de supressão de instância.

Inexistente o necessário prequestionamento, exigido inclusive para matérias de ordem pública, caracterizados os óbices contidos nos enunciados de Súmula 282 e 356 do STF.

2. A recorrente sustenta, ainda, a inexistência de preclusão quanto à matéria do seguro e do sinistro e aponta contrariedade ao artigo 515 do CPC/1973, além de divergência jurisprudencial.

Neste ponto, consoante bem destacado pelo eminente relator em seu voto, a argumentação da recorrente não procede, visto que a Corte local enfrentou o ponto à fl. 694, e-STJ, ao dispor que: “Da mesma forma que há necessidade de comprovação de um sinistro para que o prejudicado receba o seguro contratado, in casu, para não responder pelo caso fortuito, o apelante deveria ter comprovado que o fenômeno natural atingiu, especificamente, as sacas depositadas pelo banco recorrido.”

Concluiu o Tribunal de origem que, para o recebimento do seguro contratado, o prejudicado deveria comprovar o sinistro, prova esta que não fora apresentada nos autos. Para derruir tal constatação, seria necessário o reexame do contexto probatório dos autos, providência esta sabidamente vedada na instância especial.

3. Com efeito, a insurgente aduz ter havido ofensa ao artigo 642 do Código Civil, ao argumento de que existem provas nos autos da ocorrência de força maior e que foram atingidos os grãos do recorrido, razão pela qual pugna pela exclusão da sua responsabilidade.

A tese principal aventada no recurso especial consiste na afirmativa de que fora comprovada a ocorrência do sinistro, que acarreta na exclusão da responsabilidade, em razão do disposto no art. 642 do Código Civil.

Neste ponto, o órgão julgador consignou que “o recorrente não conseguiu comprovar que as sacas atingidas pela intermpérie são as mesmas que o Banco do Brasil lhe confiou em depósito” (fl. 694, e-STJ). Assim, evidencia-se a aplicação do referido dispositivo legal, o qual dispõe que “O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los.”

O Tribunal de piso constatou expressamente não haver prova de que as sacas atingidas eram aquelas confiadas em depósito pelo ora recorrido, portanto não vale a escusa prevista no art. 642 do CPC/1973, como pretende o insurgente.

Em seu voto, o eminente relator apontou que rever as conclusões a que chegou o Tribunal local, na instância especial, encontra óbice na Súmula 7 desta Corte, entendimento este que encontra amparo na jurisprudência deste Tribunal.

Ademais, consoante apurado pelas instâncias ordinárias, muito embora não haja dúvida acerca da ocorrência do vendaval, o contrato de depósito contemplou o pagamento de sobretaxa para a cobertura de caso fortuito, conforme consta do seguinte trecho do acórdão:

Em se tratando de depósito remunerado, não há falar na ausência do dever de restituir em razão de caso fortuito, pois no contrato firmado entre as partes restou convencionado que, a armazenadora, pela sobretaxa cobrada, fica obrigada a entregar a mesma quantidade/qualidade da mercadoria colocada sob sua guarda, inclusive na ocorrência de perdas em armazenagem em função de casos fortuitos ou força maior (cláusula 3ª) e que, a contratada se obriga, mediante o recebimento da sobretaxa, estabelecida na forma da cláusula sétima, a indenizar o contratante: a) perdas de qualquer natureza, […] inclusive as perdas ocorridas ao produto ocasionadas por casos fortuitos ou força maior (cláusula 11ª). […] Houve perda de parte do produto depositado e isso foi devidamente comprovado pelo banco e, havendo convenção entre as partes no sentido de recebimento de sobretaxa e obrigação de restituir mesmo em se tratando de caso fortuito ou força maior, não há qualquer escólio legal para reforma da sentença eis que, o contrato faz lei entre as partes. (fl. 695, e-STJ)

Inclusive, das razões recursais esboçadas às fls. 746-747, e-STJ, constata-se a nítida pretensão da recorrente de rever a interpretação das cláusulas do contrato de depósito, providência esta vedada na instância especial, a teor do óbice constante da Súmula 5 do STJ.

Após detida análise dos autos, sobretudo conforme delineada a questão pelas instâncias ordinárias, acompanho o voto do eminente relator no sentido de que é patente a responsabilidade da recorrente, não cabendo a invocada excludente de responsabilidade civil da força maior.

4. Por fim, no tocante à prisão civil do fiel depositário, incide o teor da Súmula Vinculante 25 do STF, a qual dispõe que é ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito, conforme bem delineado no voto do relator.

Neste ponto, portanto, cabe reforma do acórdão recorrido para afastar a possibilidade de prisão civil.

5. Diante do exposto, acompanho o eminente relator, votando no sentido de dar parcial provimento ao recurso especial, apenas para afastar a possibilidade de prisão civil dos fiéis depositários.

É como voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: – Senhora Presidente, acompanho o voto do Ministro Relator no sentido de dar parcial provimento ao recurso especial.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.217.701 – TO (2010/0185184-0)

RECORRENTE : MS ARMAZÉNS GERAIS LTDA E OUTROS

ADVOGADO : NADIN EL HAGE E OUTRO(S)

RECORRIDO : BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADO : ADRIANA MAURA DE TOLEDO LEME PALLAORO E OUTRO(S)

ADVOGADA : ENEIDA DE VARGAS E BERNARDES

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DEPÓSITO EM ARMAZÉM GERAL DE GRÃOS. PREQUESTIONAMENTO. IMPRESCINDIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 515 DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA. CONTRATO DE ARMAZENAGEM FIRMADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 9.973/2000. PRETENSÃO DE DIREITO MATERIAL. INCIDÊNCIA APENAS DAS REGRAS DO DECRETO N. 1.102/1903. INVOCAÇÃO DE FORÇA MAIOR. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE CIVIL. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Não procede a tese acerca de violação art. 515 do CPC/1973, pois a Corte local enfrentou a tese recursal, ao assentar que o art. 642 do CC dispõe que o depositário, para não responder pelos casos de força maior, terá de prová-los, e não houve nem mesmo comprovação de que as sacas atingidas pela intempérie são as as mesmas da parte autora (qualidade e quantidade).

2. No contrato de armazenagem (depósito de mercadorias em armazém geral), o depositário emite um “recibo”, ou títulos de sua emissão exclusiva, quais sejam, conhecimento de depósito e respectivo warrant, representativos, de um lado, das mercadorias depositadas e, de outro lado, das obrigações assumidas, em razão do contrato de depósito.

3. No caso, o contrato de depósito foi firmado em 26 de abril de 1995, a avença deve ser resolvida apenas à luz do Decreto n. 1.102 de 1903, por isso, não tem aplicação ao caso a Lei n. 9.973/2000, que trata do sistema de armazenagem de produtos agropecuários, estabelecendo no art. 6º, § 6º, que fica obrigado o depositário a celebrar contrato de seguro com a finalidade de garantir, a favor do depositante, os produtos armazenados contra incêndio, inundação e quaisquer intempéries que os destruam ou deteriorem.

4. A força maior é causa excludente de responsabilidade civil, que tem por característica marcante sua inevitabilidade, constituindo evento caracterizado por acontecimentos naturais, como inundação, raio, terremoto, ciclone, maremoto. Com efeito, em vista da própria natureza do contrato de depósito em armazém geral, simples chuva ou vendaval – desde que não tenha o vulto semelhante a de um ciclone de magnitude -, não são hábeis para se cogitar em eximir a armazenadora de sua obrigação de restituir, em adequado estado de conservação, os bens fungíveis depositados.

5. Por um lado, como o contrato de depósito contemplou o pagamento de sobretaxa para a cobertura do caso fortuito, o art. 37, parágrafo único, do Decreto n. 1.102 de 1903 dispõe que são nulas as convenções, ou cláusulas que diminuam ou restrinjam as obrigações e responsabilidades que, por esta lei, são impostas às empresas de armazéns gerais e as que figurarem nos títulos que elas emitirem. Por outro lado, o art. 393 do CC/2002 – correspondente ao art. 1.058 do CC/1916 – estabelece que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, apenas se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

6. No tocante à prisão civil do fiel depositário, estabelece o art. 7º, n. 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

7. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, após o voto-vista do Ministro Marco Buzzi acompanhando o relator, e os votos do Ministro Raul Araújo, da Ministra Maria Isabel Gallotti e do Ministro Antonio Carlos Ferreira no mesmo sentido, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de junho de 2016(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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