quarta-feira , 30 outubro 2024
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Direito Agrário - Foto: Caroline Mattioni

Uma opinião sobre uma pandemia e seus efeitos no meio rural

por Júlio Barcellos.

As pandemias são fenômenos de natureza epidemiológica que podem atingir populações inteiras de animais ou de pessoas. Suas proporções e alcance, ao longo da história, produziram profundas transformações na sociedade em todas as suas dimensões. Essa que estamos enfrentando, denominada “Novo Corona Vírus” colocou a Ásia e a Europa em situações de extrema vulnerabilidade. O inimigo invisível, constituído por um exército de vírus (COVID-19), colocou a humanidade, com todo o seu poderio de informações, conhecimento, tecnologia e bélico frente a uma guerra parcialmente perdida. Isolar um país, é algo sem precedentes, produzir toque de recolher, confinar pessoas, “sem dar um tiro”, na era da modernidade, quando falamos em internet das coisas, parece ser muito bizarro. Mas tudo isto está acontecendo, este é o cenário, estas são as evidências. Precisaremos reaprender a viver em outros padrões, talvez, como fizeram os bizantinos, por esta época do ano, em 1453, antes da queda de Constantinopla. O imponderável tem seu significado. É difícil imaginarmos, compreendermos, prevermos e o enfrentarmos.

Agora descendo ao Rio Grande do Sul, preciso olhar para o meio rural, para o campo, lugar e mundo diferentes, ainda que pensemos – é tudo igual! De lá vêm os alimentos, base para sobrevivência da humanidade. Lá também estão pessoas, sensíveis, vulneráveis, idosas, seres humanos como qualquer urbano. Mas, já referi, é um mundo diferente. Portanto, as preocupações até este momento, não sugerem ou recomendam qualquer atitude para estas pessoas. Especificamente, sobre o solo gaúcho, onde existe o distanciamento físico natural, talvez aqui a índole do Pampa, o individualismo e a desconfiança sejam de extrema valia nessa guerra contra o inimigo oculto. Não podemos usar o cavalo, o laço, a boleadeira, a espada ou a faca, para “pelear”. Então, a luta é peculiar. Precisamos ficar longe uns dos outros. Já somos acostumados a isso, a índole do isolacionismo – nosso atavismo gaúcho. Portanto, é crível afirmar que o meio rural é o mais seguro, mas se não forem tomadas determinadas medidas, seus riscos e consequências serão de similar ou até mais grave do que nas cidades.

Nos locais das criações de gado, de ovelhas, seja um produtor familiar ou aquele mais empresarial, atualmente existe um fluxo quase migratório do vai e vem de pessoas, entre o campo e a cidade. Colaboradores que vão das propriedades à cidade, em períodos quinzenais ou até com maior frequência, pequenos produtores que têm seus compromissos burocráticos nas cidades; recebem seus proventos de aposentadoria, fazem prova de vida, vendem seus produtos, compram seus víveres. Enfim, atender o que a era moderna lhes cobra. Na pecuária de maior escala, o gestor, o pecuarista, cada vez mais é exigido frente às atividades de sua fazenda, afinal o olho do dono engorda o boi. Então, temos um fluxo da fonte do inimigo para o lugar sadio, ingênuo e, muitas vezes insólito. Como evitar que o inimigo chegue nesta última fronteira da inocuidade?

Uma atividade ou empreendimento urbano – um supermercado, uma farmácia, uma padaria, uma academia, até mesmo uma escola – fecha-se, põem um cadeado e migramos para a reclusão completa, a famosa “quarententa”, e adeus expansão do inimigo e de suas vítimas. No campo, sim, é diferente. Não podemos colocar uma corrente na porteira e ir embora, até porque iríamos ao encontro do inimigo. Mas, no campo, existe uma criação de animais, que precisa cuidados diários, segue um ciclo biológico que não para. Os processos produtivos relacionados com a pecuária são intensos, precisam de pessoas, não são atendidos remotamente como estamos fazendo com nossos alunos na universidade. Não posso dizer à vaca ou ao seu terneiro, no dia primeiro de abril, cada um de vocês vai para seu lado, é o desmame. Preciso de pessoas, de tecnologia, de uma fábrica funcionando a céu aberto. Já escrevi: não posso colocar cadeado e jogar a chave no rio, até porque este secou, e voltar quando a guerra acabar. Isto é apenas um lado da questão, mas existe outro, no campo da economia do estabelecimento rural ou de um setor do agronegócio. A cidade seguirá se alimentando e o campo precisa abastecê-la. Mas para isso, precisa estar seguro, inócuo, e com um olhar do Estado, pois lá também existe vida.

E o cenário que tantos “consultores” analisam, simulam, fazem previsões, todas alarmistas e catastróficas. O boi gordo vai baixar de preço, a lã não valerá nada, o gado está despencando. Os frigoríficos vão dar férias coletivas; obvio, é como uma fábrica de automóveis. Contudo, todas estas previsões são modelos matemáticos frágeis, sem precedentes, portanto, suas predições, neste momento, facílimas de construir, são muito alarmantes, até irresponsáveis. Talvez aqui resida a principal guerra que aquele homem lá do campo esteja enfrentando, a da informação assimétrica, a da desinformação. Faço apenas uma indagação: as pessoas reclusas em seus lares, não comem? Elas deixam de comer carne? Óbvio que o leitor dirá, come menos, já estão comendo menos. Perfeito, mas seguem comendo. Já que as palavras mais faladas nos últimos meses são o NOVO CORONA VÍRUS e a China, vou usar a última como gancho. Ela está finalizando a guerra e passado o evento, voltará a comer, confraternizar e comemorar a batalha vencida. Portanto, comer muito. Isso ocorrerá em cada lugar que a guerra for vencida e ela será. Então, não assustem mais esse elo estratégico na produção de alimentos. Ao contrário, na primavera, quando este Estado parecerá um foco de incêndio, não se assustem, não é o Rio Grande em chamas, será a fumaça dos assados da vitória que estaremos fazendo.

Para finalizar, algumas recomendações que ajudam a responder aquela pergunta que fiz lá encima, as práticas preventivas para o meio rural:

Evitar o fluxo migratório nas propriedades rurais; feche as porteiras, mas fique lá dentro.

– Coloque sistemas de desinfecção na entrada do estabelecimento naqueles que tem maior fluxo de pessoas. Onde antes havia um pedilúvio sanitário, coloque um posto com uma base para “lavar bem as mãos” com sabão e álcool gel, ajudará.

– Recomende aos seus colaboradores todos os cuidados higiênicos e de proteção quando vão à cidade.

– Se o pecuarista reside na cidade e ela está com alta incidência de inimigos, diminua suas idas na fazenda. Proteja sua equipe.

– Prolongue o tempo de permanência dos seus colaboradores na fazenda possibilitando condições de comunicação, lazer e convivência atrativa neste tempo de guerra.

– Use os meios de comunicação com maior intensidade entre clientes, fornecedores, colaboradores, familiares, para que a atividade siga num ambiente menos vulnerável. Assim como as empresas urbanas estão fazendo comunicados, coloquem cartazes, avisos, nas porteiras e nas redes sociais.

– Seja cuidadoso e claro com as informações para aqueles menos esclarecidos.

– A imprensa, companheira inseparável nos tempos de reclusão, com o esclarecimento e a informação permanente, olhe para esta parte da sociedade. Levem informação específica a ela.

– Aos técnicos de campo, diminuam vossas frequências nas propriedades rurais. Quando necessário, aproveitem a oportunidade para levar uma boa informação, sejam educadores sanitários.  

– Aos pequenos produtores, façam um planejamento de ir o mínimo possível na cidade; faça compras de mantimentos para um período mais longo. Hoje tem tele entrega no meio rural. Em casos de urgência utilize.

– E ao poder público: tenham um olhar específico; aumentem a segurança no campo; controlem as estradas; isolem pequenos povoados; facilitem o acesso aos bens de consumo; E o Exército, onde está? Onde estão as ações de saúde dos anos 70; onde estão os hospitais de campanha?

– A prevenção, a informação, a pronta atitude e a solidariedade serão as armas mais eficazes para superarmos toda essa calamidade.

 

Júlio Barcellos – Méd. Veterinário, PhD.
Professor Titular da UFRGS – Coordenador do NESPro.

 

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