“O Desembargador Francisco José Moesch, integrante da 22ª Câmara Cível do TJRS, concedeu liminar determinando que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) realize o cadastramento e autorize a comercialização de três herbicidas produzidos por uma empresa chinesa. Os produtos já possuem o registro no Ministério da Agricultura, na ANVISA e no IBAMA e estavam proibidos de serem comercializados no Rio Grande do Sul.
Caso
A empresa Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda. ingressou com pedido liminar contra a FEPAM afirmando que não foram autorizados os pedidos de cadastramento dos produtos Gramoking, Sprayquat e Quatdown para comercialização no Rio Grande do Sul. Conforme a empresa, os produtos contêm como princípio ativo o paraquat (dicloreto de paraquate) e servem para o controle de ervas daninhas. Alegam que os mesmos estão regularmente registrados nos órgãos federais. A empresa afirmou também que seus produtos passaram por longo e rígido processo de registro perante os órgãos federais competentes e são vendidos em todas as demais unidades da Federação. Também destacaram que todos os documentos exigidos pela legislação estadual para cadastramento foram apresentados, porém o pedido foi indeferido.
Na Justiça, ingressaram com ação cautelar para que a FEPAM proceda ao imediato cadastramento dos três produtos, sem qualquer tipo de restrição, inclusive nas bulas e rótulos, de modo a exercerem o livre comércio e competir no mercado gaúcho.
No Juízo do 1º grau, a liminar foi negada e a empresas ingressou com recurso no TJ.
Decisão
Conforme o Desembargador Francisco José Moesch, relator do processo no TJ, a Lei Estadual nº 4.447/82 dispõe sobre o controle de agrotóxicos e condiciona a distribuição e comercialização, no território do Estado do Rio Grande do Sul, de todo e qualquer produto agrotóxico e outros biocidas, à realização de prévio cadastramento dos mesmos, perante o Departamento de Meio Ambiente, da Secretaria Estadual de Saúde e do Meio Ambiente.
Porém, conforme o magistrado, a lei estadual em questão e o decreto que a regulamenta sofreram mais de um questionamento perante o STF, em função de legislação federal já existente.
No voto, o relator destaca que de fato, a FEPAM tem competência para exigir o cadastramento de agrotóxicos para sua comercialização no Estado do Rio Grande do Sul; todavia, não pode negar o cadastro de produto analisado e registrado nos órgãos federais (MAPA, ANVISA e IBAMA), com livre comercialização em outros Estados, sob o fundamento de que pode causar danos à saúde e ao meio ambiente, uma vez que é da União a competência para estabelecer proibições à produção, comércio e consumo.
Além disso, destaca o relator, a liminar deve ser concedida em função de que se aproxima o período da colheita da soja no RS, momento em que são os produtos muito utilizados.
Assim, defiro a antecipação da tutela recursal, para determinar à FEPAM que proceda ao imediato cadastramento dos produtos Gramoking, Sprayquat e Quatdown, possibilitando sua comercialização no Estado do Rio Grande do Sul, decidiu o Desembargador Moesch”.
Fonte: TJRS, 09/02/2017 (Processo nº 70072561590).
– Confira o inteiro teor da decisão:
Agravo de Instrumento
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22ª Câmara Cível |
Nº 70072561590 (Nº CNJ: 0020274-82.2017.8.21.7000)
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Porto Alegre
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RAINBOW DEFENSIVOS AGRícOLAS LTDA.,
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AGRAVANTE; |
FUNDAçãO ESTADUAL DE PROTEçãO AMBIENTAL HENRIQUE LUIS ROESSLER – FEPAM,
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AGRAVADA. |
DECISÃO
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por RAINBOW DEFENSIVOS AGRÍCOLAS LTDA. da decisão que, nos autos da ação ordinária ajuizada contra a FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUIS ROESSLER – FEPAM, indeferiu o pedido de tutela de urgência para que fosse determinado à FEPAM que procedesse ao imediato cadastramento dos produtos Gramoking, Sprayquat e Quatdown.
Em suas razões recursais, afirma a agravante que é empresa chinesa especializada em produtos agroquímicos, constituída no Rio Grande do Sul, com sede em Porto Alegre. Relata que os carros-chefes dos produtos equivalentes que produz são o Gramoking, o Sprayquat e o Quatdown, os quais estão regularmente registrados no Ministério da Agricultura. Aduz que tais produtos são herbicidas dessecantes (secam as plantas) e têm como princípio ativo o Paraquat (Dicloreto de Paraquate), largamente utilizado para o controle de ervas daninhas. Salienta que esses produtos são extremamente importantes para as lavouras gaúchas, pois, além de viabilizarem o plantio direto, são eficazes para o controle de ervas daninhas como a buva e o azevém.
Assevera que a FEPAM, ao analisar o pedido de cadastramento desses produtos, optou por indeferi-lo, sob o fundamento de que o paraquat supera “o Nível Aceitável de Exposição do Operador”; apresenta características que causam dano ao meio ambiente; não teria registro no país de origem, nem em nenhum país da Comunidade Europeia; o ingrediente inerte Nonifenol Etoxilado seria um desregulador endócrino. Afirma que tais considerações são desmedidas e ignoram a criteriosa análise técnica à qual são submetidos os produtos em âmbito federal. Alega que o indeferimento do cadastro é nulo de pleno direito, pois extrapola o comando legal e constitucional, age sem amparo na lei, contraria decisão do STF, opõe-se ao posicionamento federal que garante a comercialização dos produtos em todo o território nacional, com invasão de áreas que não são de sua competência, gerando, como consequência direta, a restrição ao livre exercício do comércio e à livre concorrência. Colaciona jurisprudência deste Tribunal de Justiça no sentido da tese defendida.
Refere que, no Brasil, a lei que dispõe acerca de agroquímicos é a Lei nº 7.802/89, a qual foi regulamentada pelo Decreto nº 4.074/02. Menciona que o Sistema Brasileiro de Registro de Agroquímicos é extremamente cuidadoso e baseado exclusivamente em critérios técnico-científicos que abarcam temas que vão além da matéria ambiental, sendo que o procedimento de registro de produto dura cerca de 5 anos. Destaca que, no Rio Grande do Sul, há duas normas que orientam a fiscalização do comércio de agroquímicos: Lei nº 7.747/82 e Decreto nº 32.854/88, as quais dispõem acerca dos documentos necessários para o cadastramento dos defensivos.
Alega que seus produtos (Gramoking, Sprayquat e Quatdown) passaram por longo e rígido processo de registro perante os órgãos federais competentes e são vendidos em todas as demais unidades da Federação com forte vocação agrícola como o Rio Grande do Sul. Sustenta que apresentou todos os documentos exigidos pela legislação estadual para o cadastramento; contudo, o mesmo foi indeferido. Ressalta que a FEPAM não apresentou análise técnica e omitiu informações importantes.
Frisa que o Supremo Tribunal Federal, quando julgou a RP 1153/RS, relativa à Lei nº 7.747/82, declarou inconstitucionais todas as regras estaduais que visavam analisar a toxidade dos produtos e substâncias consideradas tóxicas. Afirma que a legislação federal que rege os defensivos agrícolas é de 1989, ou seja, posterior à Lei Estadual, que é de 1982, não podendo esta prevalecer sobre a Lei Federal posterior. Assevera que a FEPAM invade a competência federal para regular o mercado de agroquímicos brasileiro. Informa que, atualmente, são vendidos livremente, em todo o Brasil, quinze produtos à base de paraquat; no entanto, apenas seis estão liberados, por ordem judicial, para venda no Estado do Rio Grande do Sul, os quais estão nas mãos de apenas três empresas (SYNGENTA, HELM e SINON), havendo afronta ao princípio da igualdade.
Requer a concessão da antecipação da tutela recursal, para que seja determinado à FEPAM que proceda ao imediato cadastramento dos produtos Gramoking, Sprayquat e Quatdown, sem qualquer tipo de restrição, inclusive nas bulas e rótulos, para que a ora agravante possa exercer o direito de livremente comerciar e competir no mercado gaúcho, enquanto estiverem legalmente registrados nos órgãos federais; ao final, pugna pelo provimento do agravo.
É o relatório.
A Lei 13.105/2015 instituiu o Novo Código de Processo Civil e trouxe inúmeras alterações ao sistema recursal.
Com a nova lei, o agravo de instrumento passa a ter cabimento contra as decisões interlocutórias expressamente arroladas no art. 1.015, em enumeração taxativa, como se verifica in verbis:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;
XII – (VETADO);
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Dessa forma, conheço do recurso, uma vez que se trata de pedido de antecipação da tutela, enquadrando-se nos incisos I e II do art. 1.015 do CPC/2015.
Passo a decidir.
O novo CPC prevê, em seu art. 300, que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Teresa Arruda Alvim Wambier e outros ensinam que, “para a concessão da tutela de urgência cautelar e da tutela de urgência satisfativa (antecipação de tutela) exigem-se os mesmos e idênticos requisitos: fumus boni iuris e periculum in mora. O NCPC avançou positivamente ao abandonar a gradação que o CPC/73 pretendia fazer entre os requisitos para a cautelar e a antecipação de tutela, sugerindo um “fumus” mais robusto para a concessão dessa última.” (…) “O juízo de plausibilidade ou de probabilidade – que envolvem dose significativa de subjetividade – ficam, a nosso ver, num segundo plano, dependendo do periculum evidenciado. Mesmo em situações que o magistrado não vislumbre uma maior probabilidade do direito invocado, dependendo do bem em jogo e da urgência demonstrada (princípio da proporcionalidade), deverá ser deferida a tutela de urgência, mesmo que satisfativa.”[1]
Comentando esse dispositivo, Luiz Guilherme Marinoni e outros[2] afirmam:
“3. Probabilidade do direito. (…) A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder tutela provisória.
4. Perigo na demora. A fim de caracterizar a urgência capaz de justificar a concessão de tutela provisória, o legislador falou em “perigo de dano” (provavelmente querendo se referir à tutela antecipada) e “risco ao resultado útil do processo” (provavelmente querendo se referir à tutela cautelar). (…) Assim, é preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo da demora. Vale dizer: há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito.”
Nesse mesmo alinhamento, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery[3], discorrendo acerca dos requisitos para a concessão da tutela de urgência, lecionam, relativamente ao periculum in mora, que esse perigo “é o mesmo elemento de risco que era exigido, no sistema do CPC/1973, para a concessão de qualquer medida cautelar ou em alguns casos de antecipação de tutela”. (…) “Também é preciso que a parte comprove a existência da plausibilidade do direito por ela afirmado (fumus boni iuris). Assim, a tutela de urgência visa assegurar a eficácia do processo de conhecimento ou do processo de execução”.
Em que pesem as alegações constantes na decisão impugnada, entendo presentes os requisitos necessários para a concessão da tutela requerida.
Quanto ao fumus boni iuris, importante mencionar que a matéria não é nova neste Tribunal de Justiça, tendo inclusive gerado vários debates sobre o tema.
Quando integrante da 21ª Câmara Cível, cheguei a votar no sentido do indeferimento de cadastro e, consequentemente, proibição de uso e comercialização, em nosso Estado, de agrotóxicos que tinham como princípio ativo o Paraquat. Contudo, quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 70052018116, alterei meu posicionamento, acompanhando o Relator Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa, que muito bem analisara a questão, apresentando consistentes argumentos para acolher a pretensão da empresa agravante, os quais passo a transcrever:
“Merece acolhida a pretensão recursal.
E os fundamentos que amparam tal entendimento são aqueles já expendidos quando do deferimento da antecipação da tutela recursal, os quais não foram infirmados pela argumentação desfiada em contrarrazões pela FEPAM.
Reporto-me, pois, à decisão naquela oportunidade proferida, in litteris:
“II. O indeferimento do cadastro dos agrotóxicos GRAMOXONE 200, GRAMOCIL e MERTIN 400 afetou produtos utilizados há muito tempo, sem registros efetivos quanto a danos ao meio ambiente.
Essencialmente, a negativa está fundada na norma do artigo 1.º, § 2.º, Lei Estadual n.º 7.747/82, ou seja, a demonstração de uso autorizado no país de origem. Todavia, trata-se de exigência que não consta na Lei Federal n.º 7.802/89 e o Decreto n.º 4.074/02, cuja disciplina é posterior à lei Gaúcha.
Por conseguinte, em linha de princípio, a imposição da lei local não mais subsiste.
Não fosse isso, o Supremo Tribunal Federal, em hipóteses similares, tem reconhecido a prevalência da lei federal (RT 1.246, RAFAEL MAYER, e RT 1.248, DJACI FALCÃO).
De outro lado, assentaram os atos administrativos em decisão de 1.ª instância do Tribunal de Luxemburgo (fls. 470 a 508), que não se pode falar definitiva, não fosse ter deixado de acolher uma das pretensões do Reino da Suécia.
Dos autos do presente recurso, constam declarações de entidades expressivas (CCGL, Cooperativa Tritícola Regional SãoLuizense Ltda., Cotribá, Cotricampo, Cotrijal, Cotrijuí, Cotrimaio, Cotrisal), sem falar na Embrapa, fls. 520 a 521, quanto aos prejuízos que decorrerão da proibição do emprego do herbicida Paraquat (fls. 512 a 544), o que configura o risco na demora.
Vale destacar o da Universidade de Passo Fundo que conclui desempenhar o Paraquat papel importante e fundamental na viabilização do sistema de plantio direto, estimando, ainda, prejuízos aos agricultores gaúchos de R$ 1.680.000,00, por ano agrícola (fl. 540).
Aliás, no julgado do Tribunal de Primeira Instância de Luxemburgo há referência a ser empregado o Paraquat em 120 países, comercializado sob a fórmula de herbicida há cerca de 60 anos (fl. 475).
Não bastasse tal, também merece aceitação a segunda causa de pedir recursal.
O procedimento adotado pela FEPAM, tomando em consideração, basicamente, a referida decisão de corte européia, não ensejou a oportuna contraposição de argumentos pela parte requerente, nem que fosse minimamente, o que não deixa de conflitar com o princípio constitucional da ampla defesa e contraditório (artigo 5.º, LV, CF/88), aplicável, sem dúvida, a processos administrativos.”
Em suma, na forma do artigo 24, § 4.º, CF, afigura-se ineficaz exigência imposta para o cadastro de agrotóxicos em âmbito estadual, consistente na prova do uso nos países de origem, uma vez não prevista pela superveniente legislação federal, mais precisamente a Lei n.º 7.802/89 e o Decreto n.º 4.074/02.
Acrescento, ainda, ter a 22.ª Câmara Cível apreciado recentemente situação idêntica a dos presentes autos, julgado inclusive lembrado pela agravante, e assim ementado:
AGRAVO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO AMBIENTAL. AGROTÓXICO. PARAQUATE. REGISTRO E REAVALIAÇÃO DE REGISTRO. COMPETENCIA FEDERAL.
Padece de ilegalidade, por vício de competência, o indeferimento de certificado de cadastro de agrotóxicos registrados e de comercialização autorizada pelos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde e do Meio Ambiente, pela FEPAM, em razão de indícios de que a substância que não pode ser comercializada. Inteligência do art. 2º da Lei 7.802/89. Somente a autoridade que tem competência para o registro do produto tem competência para cassá-lo.
COMPROVAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DO PRODUTO. PAÍS DE ORIGEM. EXIGÊNCIA NÃO RECEPCIONADA.
A exigência de comprovação da autorização de comercialização do produto no país de origem, constante na Lei Estadual 4.447/82 e no Decreto 32.854/88 não foi recepcionada porque restringe a distribuição e a comercialização do produto e desborda as exigências do órgão competente. O STF assentou, na RP nº1153/85, que são inconstitucionais as disposições da Lei Estadual 4.447/82 e no Decreto 32.854/88 que, a pretexto de estabelecer exigências para cadastrar os produtos, imponham restrição à distribuição e comercialização de produtos devidamente registrados
AGRAVO PROVIDO. RELATOR VENCIDO.
(Agravo Regimental Nº 70051753317, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 29/11/2012)
E, do corpo do voto vencedor, pela minuciosa análise, extrai-se a seguinte passagem:
“O agravante, entretanto, comprova que os produtos estão registrados, e seu comércio autorizado, pelo órgão federal competente, a Coordenação Geral de Agrotóxicos do Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas, integrante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (fl. 52/58).
A Lei Federal n. 7802/89[4] dispõe sobre o registro de agrotóxicos, e sua liberação de comercialização e é regulamentada pelo Decreto Federal n.º4.074/02. O Decreto estabelece os procedimentos de segurança, que devem ser tomados, respectivamente, pelos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde e do Meio Ambiente, no âmbito de suas respectivas áreas de competências, quando da análise do pedido do registro de agrotóxicos, com a avaliação do benefício para a agricultura, dos riscos para a saúde e meio ambiente.
Esta norma federal, em seu artigo 2º, que trata das competências também atribui a estes órgãos federais o dever de:
“promover a reavaliação de registro de agrotóxicos, seus componentes e afins quando surgirem indícios da ocorrência de riscos que desaconselhem o uso de produtos registrados ou quando o País for alertado nesse sentido, por organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou signatário de acordos”.
Em nosso Estado, a Lei 4.447/82 dispõe sobre o controle de agrotóxicos em seu artigo 1º, condiciona a distribuição e comercialização, no território do Estado do Rio Grande do Sul, de todo e qualquer produto agrotóxico e outros biocidas, a realização de prévio cadastramento dos mesmos, perante o Departamento de Meio Ambiente, da Secretaria Estadual de Saúde e do Meio Ambiente, e o faz diante de competência concorrente pata dispor sobre meio ambiente e saúde.
O cadastramento dos produtos destina-se à obtenção de dados para o seu enquadramento nas regras de uso e manejo para a proteção ambiental, e para o adequado exercício das atribuições de vigilância sanitária, dado que são produtos potencialmente nocivos à saúde, e segundo as regras estabelecidas pela ANVISA, nos termos do que dispõe o artigo 8º, II, da lei n. 9.782/99.[5]
A Lei Estadual em questão e também o Decreto que a regulamenta, sofreram mais de um questionamento de constitucionalidade junto ao STF. Na Representação n.1153, definiu-se que somente a União detém competência para estabelecer proibições para a produção, comércio e consumo de mercadorias que contenham substâncias nocivas. Transcreve-se, para compreensão a ementa do julgamento:
Rp 1153, Relator(a): Min. ALDIR PASSARINHO, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/1985, DJ 25-10-1985 PP-19145 EMENT VOL-01397-01 PP-00105 RTJ VOL-00115-03 PP-01008
REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL N. 7.747, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1982, EM CONJUNTO COM OS DECRETOS NS. 30.787, DE 22/7/1982 E 30.811, DE 23/8/82, TODOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE DEFESA E PROTEÇÃO A SAÚDE (ARTIGO 8., XVII, ‘C’, DA C.F.), E, SUPLETIVAMENTE, DOS ESTADOS (PARAGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 8.). SUPREMACIA DA LEI FEDERAL. LIMITES. CARÁTER SUPLETIVO DA LEI ESTADUAL, DE MODO QUE SUPRA HIPÓTESES IRREGULADAS, PREENCHENDO O ‘VAZIO’, O ‘BRANCO’ QUE RESTAR, SOBRETUDO QUANTO AS CONDIÇÕES LOCAIS. EXISTÊNCIA, ‘IN CASU’, DE LEGISLAÇÃO FEDERAL QUE REGULA A ESPÉCIE. INCONSTITUCIONALIDADE DA DEFINIÇÃO DE AGROTÓXICOS E OUTROS BIOCIDAS POR LEI ESTADUAL; OU DA FIXAÇÃO DE NORMAS GERAIS E PARAMETROS PARA A CLASSIFICAÇÃO TOXICOLOGICA. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA ESTABELECER PROIBIÇÕES A PRODUÇÃO, COMERCIO E CONSUMO DE MERCADORIAS QUE CONTENHAM SUBSTANCIAS NOCIVAS. PODER DE POLICIA DO ESTADO – LIMITES. REPRESENTAÇÃO PROCEDENTE, EM PARTE. INCONSTITUCIONALIDADE, NA LEI 7.747, DE 22/12/1982: DO PARAGRAFO 1. DO ARTIGO 1.; DA ALINEA ‘A’ DO PARAGRAFO 3. DO ARTIGO 1.; DA PARTE FINAL DA ALINEA ‘B’; DO PARAGRAFO 3º DO ARTIGO 1º: ‘OBEDECENDO, NO MINIMO, AS NORMAS E PARAMETROS ESTABELECIDOS NO ANEXO I, DA PRESENTE LEI’; DA PARTE FINAL DA ALINEA ‘C’ DO PARAGRAFO 3. DO ARTIGO 1.: ‘CONTENDO, NO MINIMO, OS DADOS CONSTANTES DO ANEXO II, DESTA LEI’; DA ALINEA ‘D’ DO PARAGRAFO 3. DO ARTIGO 1.; DO PARAGRAFO 4. DO ARTIGO 1.; DO ARTIGO 3. – ‘CAPUT’; DO ARTIGO 5. (COMO CONSEQUENCIA DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 30.787/82); NO ARTIGO 7., A PARTE FINAL: ‘ENTENDENDO-SE COMO TAIS OS ZOOTECNISTAS, MEDICOS-VETERINARIOS E ENGENHEIROS FLORESTAIS’; O PARAGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 7.; OS ANEXOS I E II.’
Em face deste acórdão foram opostos embargos de declaração cuja ementa se transcreve:
Rp 1153 ED, Relator(a): Min. OSCAR CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 27/11/1985, DJ 07-03-1986 PP-02837 EMENT VOL-01410-01 PP-00058
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – MODIFICAÇÃO QUE MANTEM E ATUALIZA O PODER DE POLICIA DO ESTADO NA UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS E OUTROS BIOCIDAS, RESPEITANDO A CLASSIFICAÇÃO TOXICOLOGICA DA UNIÃO; E NÃO OPOE EMBARGOS A LIVRE CIRCULAÇÃO INTERESTADUAL. MODIFICAÇÃO DO DECIDIDO, PARA DECLARAR, NO PAR-4. DO ARTIGO 1. DA LEI 7.747, DE 22/12/82, A INCONSTITUCIONALIDADE APENAS DAS EXPRESSÕES ‘CONFORME OS TERMOS DO PARAGRAFO TERCEIRO DESTE ARTIGO’. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS.
No texto do acórdão supra mencionado, tornou-se claro um que a dicção da Corte foi no sentido de permitir a regulamentação do uso nos vazios da norma federal, contanto que esta regulamentação não impeça a distribuição, comercialização de produto regularmente cadastrado pela União, in verbis:
3. É que o § 3º do artigo 1º cuidou da apresentação dessa certidão de classificação toxicológica, expedida pelo órgão federal, e do relatório técnico, no momento do cadastramento na Secretaria da Saúde e Meio Ambiente do Estado, que considerou válido e constitucional, desde que não impeça a distribuição e a comercialização de produto regularmente registrado e cadastrado pela União e que pleiteia ser distribuído e comercializado no estado (fls. 271).
Em sede de recurso extraordinário, sobreveio julgamento, já sob a égide da nova Constituição, que manteve o entendimento antes transcrito, ou seja, admitindo-se a sujeição ao cadastro e ao controle e fiscalização do uso e manejo de substâncias tóxicas, sem obstar a distribuição e comercio contanto que devidamente registradas no órgão competente federa. Transcreve-se a ementa:
RE 286789, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 08/03/2005, DJ 08-04-2005 PP-00038 EMENT VOL-02186-03 PP-00446 LEXSTF v. 27, n. 317, 2005, p. 257-265 RT v. 94, n. 837, 2005, p. 138-141 RB v. 17, n. 501, 2005, p. 51 RTJ VOL-00194-01 PP-00355
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA ESTADUAL E DA UNIÃO. PROTEÇÃO À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE. LEI ESTADUAL DE CADASTRO DE AGROTÓXICOS, BIOCIDAS E PRODUTOS SANEANTES DOMISSANITÁRIOS. LEI Nº 7.747/2-RS. RP 1135. 1. A matéria do presente recurso já foi objeto de análise por esta Corte no julgamento da RP 1.135, quando, sob a égide da Carta pretérita, se examinou se a Lei 7.747/82-RS invadiu competência da União. Neste julgamento, o Plenário definiu o conceito de normas gerais a cargo da União e aparou as normas desta lei que superavam os limites da alçada estadual. 2. As conclusões ali assentadas permanecem válidas em face da Carta atual, porque as regras remanescentes não usurparam a competência federal. A Constituição em vigor, longe de revogar a lei ora impugnada, reforçou a participação dos estados na fiscalização do uso de produtos lesivos à saúde. 3. A lei em comento foi editada no exercício da competência supletiva conferida no parágrafo único do artigo 8º da CF/69 para os Estados legislarem sobre a proteção à saúde. Atribuição que permanece dividida entre Estados, Distrito Federal e a União (art. 24, XII da CF/88). 4. Os produtos em tela, além de potencialmente prejudiciais à saúde humana, podem causar lesão ao meio ambiente. O Estado do Rio Grande do Sul, portanto, ao fiscalizar a sua comercialização, também desempenha competência outorgada nos artigos 23, VI e 24, VI da Constituição atual. 5. Recurso extraordinário conhecido e improvido.
No corpo do acórdão, se reafirma, com a citação de trecho do voto do Relator da ADIn, Min. Oscar Corrêa, que não subsiste eficácia naquele texto normativo, de regras que restrinjam a comercialização de produtos, porque inconstitucionais:
“Não nos parece inconstitucional a norma; não opõe restrição a nenhum princípio geral inscrito na Constituição. Exige apenas o cadastramento, no Rio Grande do Sul. Para possibilitar a distribuição e a comercialização no Estado. E essa exigência, de certa forma, até facilita e complementa a fiscalização da União; porque, ao fazê-lo, por certo, exigirá a comprovação do registro do produto no órgão federal competente, o que se vê, no artigo 1º, § 3º, b da Lei.
E pode dizer-se ao comércio interestadual: exige, apenas, para garantia da fiscalização, se comprove o registro federal.
Nem poderá impedir a distribuição e comercialização, frise-se, do produto regularmente registrado e cadastrado pela União e que pleiteie ser distribuído e comercializado no Estado.”
Descendo ao caso dos autos, a decisão impugnada, ao indeferir o cadastro dos produtos, utilizou motivação que podem ser qualificadas como “indícios da ocorrência de riscos que desaconselhem o uso de produtos registrados”.
Assim, neste tocante tem verossimilhança a alegação de que ela padece de ilegalidade, porque se trata de competência acometida aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde e do Meio Ambiente, como expressamente previsto no artigo 2º da Lei 7802/89.
Com efeito, somente a autoridade que tem competência para conceder o registro, tem a de cassá-lo, e ademais, negar o cadastro dos produtos porque se entende devam ser retirados do mercado caracteriza restrição à distribuição e comercialização de produto regularmente registrado.
O mesmo se pode dizer em relação à falta de comprovação de que o produto tenha sido autorizado no país de origem, exigência constante da Lei Estadual, por força de derrubada de veto e mantida no Decreto n. 32.854, de 31/05/88.
Este dispositivo, em razão do veto, foi questionado apenas na ADI 847, e lá se definiu que por ser anterior à Constituição Republicana de 1988, desnecessária a sua declaração de inconstitucionalidade, porque sua eficácia depende de simples juízo de recepção normativa em fade da nova Constituição. E, indicia-se que este dispositivo não foi recepcionado, pela mesma razão de que impõe condição que desborda da exigida pelo órgão competente para o registro e restringe a distribuição e comercio de produto regularmente cadastrado. Assim, também neste tocante há verossimilhança.
O risco de dano está sobejamente comprovado, dado que se trata de época de início de plantio.”
Por tais razões, estou provendo o agravo de instrumento, para que a agravante continue a distribuir e comercializar os produtos GRAMOXONE 200, GRAMOCIL e MERTIN 400 até o julgamento definitivo do mandado de segurança.”
A Lei Federal nº 7.802/89, que “Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências”, assim prevê nos arts. 3º, 9º e 10:
“Art. 3º Os agrotóxicos, seus componentes e afins, de acordo com definição do art. 2º desta Lei, só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura.
§ 1º Fica criado o registro especial temporário para agrotóxicos, seus componentes e afins, quando se destinarem à pesquisa e à experimentação.
§ 2º Os registrantes e titulares de registro fornecerão, obrigatoriamente, à União, as inovações concernentes aos dados fornecidos para o registro de seus produtos.
§ 3º Entidades públicas e privadas de ensino, assistência técnica e pesquisa poderão realizar experimentação e pesquisas, e poderão fornecer laudos no campo da agronomia, toxicologia, resíduos, química e meio ambiente.
§ 4º Quando organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou signatário de acordos e convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de agrotóxicos, seus componentes e afins, caberá à autoridade competente tomar imediatas providências, sob pena de responsabilidade.
§ 5º O registro para novo produto agrotóxico, seus componentes e afins, será concedido se a sua ação tóxica sobre o ser humano e o meio ambiente for comprovadamente igual ou menor do que a daqueles já registrados, para o mesmo fim, segundo os parâmetros fixados na regulamentação desta Lei.
§ 6º Fica proibido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins:
a) para os quais o Brasil não disponha de métodos para desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública;
b) para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil;
c) que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica;
d) que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica;
e) que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório, com animais, tenham podido demonstrar, segundo critérios técnicos e científicos atualizados;
f) cujas características causem danos ao meio ambiente.
Art. 9º No exercício de sua competência, a União adotará as seguintes providências:
I – legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico;
II – controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação;
III – analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados;
IV – controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação.
Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno. (grifei)
A Lei Estadual nº 7.747/82, que “Dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas a nível estadual e dá outras providências”, estabelece, em seu art. 1º:
Art. 1º – A distribuição e comercialização, no território do Estado do Rio Grande do Sul, de todo e qualquer produto agrotóxico e outros biocidas, estão condicionadas a prévio cadastramento dos mesmos, perante o Departamento de Meio Ambiente, da Secretaria Estadual da Saúde e do Meio Ambiente. (grifei)
De fato, tem a FEPAM competência para exigir o cadastramento de agrotóxicos para sua comercialização no Estado do Rio Grande do Sul; todavia, não pode negar o cadastro de produto analisado e registrado nos órgãos federais (MAPA, ANVISA e IBAMA), com livre comercialização em outros Estados, sob o fundamento de que pode causar danos à saúde e ao meio ambiente, uma vez que é da União a competência “para estabelecer proibições à produção, comércio e consumo de mercadorias que contenham substâncias nocivas” (RP 1153).
Nesse alinhamento, os seguintes precedentes deste Tribunal de Justiça:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MEIO AMBIENTE. VEDAÇÃO DA COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS DENOMINADOS PARADOX E PARAQUAT 200 SL SINON. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE – ART. 24, VI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRÉVIO CADASTRAMENTO JUNTO AO DEPARTAMENTO DE MEIO AMBIENTE DA SECRETARIA ESTADUAL DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE. LEI ESTADUAL Nº 7.747/82 E DECRETO Nº 32.854/88. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO. JULGAMENTO DA REPRESENTAÇÃO Nº 1.153-4 E DO RE Nº 286.789-6 PELO STF, E DA APELAÇÃO CÍVEL Nº 70058679861 E DO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70058567801 POR ESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. I – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal, legislar, concorrentemente, acerca da proteção do meio ambiente. Art. 24, VI, da Constituição da República. II – A Lei Federal nº 7.802/89 prevê o registro prévio dos agrotóxicos destinados à comercialização em órgão da União. III – No âmbito estadual, a Lei nº 7.747/82, regulamentada pelo Decreto nº 32.854/88, aponta a necessidade de prévio cadastramento dos agroquímicos junto à Secretaria Estadual de Saúde e do Meio Ambiente. IV – Precedentes do e. STF no sentido da invasão da competência da União pela Lei Estadual nº 7.747/82, em especial no tocante à instituição de cadastro próprio de agrotóxicos, biocidas e produtos saneantes domissanitários no Estado do Rio Grande do Sul – Representação nº 1.153-4 e RE nº 286.789-6. De igual forma neste Tribunal de Justiça, nos autos da apelação cível nº 70058679861 e do agravo de instrumento nº 70058567801. V- Os julgados do e. STF e deste Tribunal, além da comercialização nacional e no Estado pelo menos desde 2006, devidamente registrado e autorizado pelos Órgãos Federais de controle, conferem verossimilhança às alegações da recorrida, e mitigam a relevância da fundamentação da agravante, bem como afastam o perigo de lesão grave e de difícil reparação na comercialização dos produtos Paraquat e Paradox. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70060523214, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em 02/07/2015)
MEIO AMBIENTE. CADASTRO DE PRODUTO AGROTÓXICO. PARAQUAT. REGISTRO ANVISA. FEPAM. A FEPAM tem competência para exigir o cadastramento de agrotóxicos para sua comercialização no Estado do Rio Grande do Sul. Não pode, contudo, negar o cadastro a produto registrado na ANVISA por considerá-lo nocivo à saúde e ao meio ambiente. Com efeito, o entendimento adotado pela FEPAM acerca do risco à saúde e ao meio ambiente da comercialização do produto não se sobrepõe à decisão tomada pela ANVISA forte na competência constitucional atribuída à União. O exame da conveniência do emprego do produto no País por meio da ponderação entre os riscos e benefícios que apresenta é da competência da União, especificamente, da autarquia federal, ANVISA. Trata-se de partilha do poder no âmbito da Federação. Assim, enquanto vigente o registro do produto, na ANVISA, é ilegal a negativa do cadastro para fins de comercialização no Estado do RS. Recurso provido. (Agravo de Instrumento Nº 70058567801, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 15/05/2014)
Relativamente ao periculum in mora, tenho que está demonstrado, uma vez que está próximo o período da colheita de soja em nosso Estado, quando o produto é utilizado.
Assim, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL, para determinar à FEPAM que proceda ao imediato cadastramento dos produtos Gramoking, Sprayquat e Quatdown, possibilitando sua comercialização no Estado do Rio Grande do Sul.
Comunique-se, com urgência, o juízo a quo, para que tome as providências necessárias para o cumprimento da presente decisão.
Intimem-se, inclusive para contrarrazões.
Após, remetam-se os autos ao Ministério Público.
Porto Alegre, 01 de fevereiro de 2017.
Des. Francisco José Moesch,
Relator.
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Notas de rodapé:
[1] Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015, pp. 498/499.
[2] Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015, pp. 312/313.
[3] Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015, pp. 857/858.
[4] Art. 9º No exercício de sua competência, a União adotará as seguintes providências:I – legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico;II – controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação;III – analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados;IV – controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação.
[5] Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.
§ 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:
…
II – alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários;
Veja também:
– Agrotóxicos ou Defensivos Agrícolas vs. Urbanotóxicos – por Ivo Lessa (Portal DireitoAgrário.com, 19/12/2016)
– Segurança alimentar: Empresa de hortifrutigranjeiros é condenada por venda de produto com agrotóxicos acima do permitido (Portal DireitoAgrário.com, 11/07/2016)
– Agrotóxicos: conheça o projeto que pretende a substituição a atual Lei dos Agrotóxicos (Portal DireitoAgrário.com, 03/05/2016)
– Uso irregular de agrotóxicos: Ibama embarga lavoura e apreende aeronave em propriedade rural no Rio Grande do Sul (Portal DireitoAgrário.com, 14/04/2016)
– Alerta aos produtores rurais: intoxicação por agrotóxicos gera dano moral, decide TRF3 (Portal DireitoAgrário.com, 12/04/2016)
– Agrotóxicos ilegais já representam 20% das vendas no Brasil (Portal DireitoAgrário.com, 16/03/2016)
– Agrônomo que causou intoxicação por agrotóxico em 13 pessoas é denunciado criminalmente (Portal DireitoAgrário.com, 02/12/2015)