Direito Agrário

Funrural: o julgamento do STF e os próximos passos do produtor

Direito Agrário

Por Clairton Kubaszwski Gama.

 

Na última quinta-feira (30/março/2017), o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu que é constitucional a cobrança de Funrural da pessoa física empregadora rural. A contribuição, com alíquota de 2,3%, é devida sobre a receita bruta da comercialização da produção.

O julgamento foi por maioria, com seis votos a cinco pela constitucionalidade da exação. O caso trata de um Recurso Extraordinário interposto pela União em face de decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Esta decisão do STF possui repercussão geral, ou seja, a partir de agora todas as instâncias do Judiciário terão de seguir essa orientação. Estima-se que há mais de 15 mil processos suspensos na justiça aguardando por esta decisão e que os valores envolvidos possam ultrapassar os R$ 7 bilhões.

Em 2011 o STF já havia julgado esta matéria, também em um Recurso Extraordinário com repercussão geral. Naquela ocasião, o Supremo entendeu pela inconstitucionalidade da contribuição. Ocorre que o julgamento de 2011 não englobou as alterações legislativas introduzidas na Lei 8.212/1991 pela Lei 10.256/2001, editada após a Emenda Constitucional 20/1998, as quais foram apreciadas neste julgamento, com mudança de posicionamento do Supremo.

Chama a atenção que, dos seis Ministros que votaram pela constitucionalidade da contribuição (Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Carmen Lúcia e Dias Tóffoli), quatro deles estavam presentes na sessão de julgamento de 2011, que entendeu de forma unânime pela inconstitucionalidade: Luiz Fux, Gilmar Mendes, Carmen Lúcia e Dias Tóffoli. Por outro lado, os Ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello mantiverem seu entendimento pela inconstitucionalidade, acompanhados, agora, pelos Ministros Edson Fachin e Rosa Weber.

Desta decisão do STF é cabível o manejo de Embargos de Declaração, pois há pontos discutidos no Recurso que não foram examinados plenamente pelos Ministros. Estes embargos poderão receber efeitos infringentes e, assim, ocasionar uma mudança no julgamento. Basta que um dos seis Ministros modifique seu entendimento para que a cobrança seja, novamente, considerada inconstitucional.

Esta declaração de constitucionalidade ainda poderá ser objeto de modulação de efeitos, que é uma técnica utilizada pelo STF para, nos termos da Lei 9.868/1999, “restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Com isso, poder-se-ia restringir os efeitos da decisão em tela para, por exemplo, somente a partir do trânsito em julgado do Recurso Extraordinário, o que evitaria a cobrança retroativa da contribuição para aqueles que não a recolheram por força de decisões em ações individuais.

Registra-se que ainda tramita no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI, em que também se discute a cobrança do Funrural. Tal ação (de nº 4.395), foi ajuizada pela Associação Brasileira de Frigoríficos – Abrafrigo e tem como Relator o Ministro Gilmar Mendes. Ainda não há previsão de pauta para julgamento da ADI que poderá ocasionar em um novo desfecho para o caso.

Enfim, trata-se de decisão bastante complexa, que envolve e levanta muitas questões, principalmente a respeito de segurança jurídica e previsibilidade da carga tributária, bem como sobre o que deverá ocorrer com aqueles produtores que estão se valendo de decisões liminares ou cautelares para deixar de recolher o Funrural em suas operações.

Principalmente porque, confirmando-se a decisão do STF e não havendo modulação de seus efeitos, poderá ocorrer a cobrança retroativa dos valores inadimplidos referentes ao Funrural nos últimos cinco anos. E este valor, como regra geral, passaria a ser devido acrescido de juros e multa de mora.

Mas é preciso ter em mente que temos diferentes situações sobre esta questão da cobrança retroativa: há produtores que estão se valendo de medidas judiciais provisórias (como decisões liminares) para não se sujeitar ao recolhimento do Funrural, mas que realizam o depósito judicial do valor correspondente à contribuição; outros produtores têm medidas judiciais para afastar a cobrança, mas não realizam o depósito judicial; e, ainda, há aqueles que, mesmo sem decisão judicial que lhes ampare, resolveram interromper o pagamento.

Na primeira situação, em que os produtores amparados por ações individuais não recolhiam a contribuição, mas depositavam judicialmente seu valor, temos o afastamento da mora, em decorrência da aplicação do art. 151, II, do Código Tributário Nacional – CTN. Assim, estes produtores não terão de arcar com juros ou multa de mora sobre o valor depositado judicialmente.

Na situação dos produtores que detém decisões judiciais em seu favor, mas que não realizam o depósito, não há suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Portanto, a princípio, estes contribuintes estão em mora, ficando sujeitos aos encargos dela decorrentes (juros e multa).

Já os contribuintes que deixaram de recolher o tributo sem decisão que lhes ampare, além de estarem em mora com o Fisco, poderão ver exigida também a multa de ofício (de 75%), pelo descumprimento da obrigação de efetuar o pagamento. É que a decisão proferida pelo STF em 2011, também com repercussão geral, afastou a cobrança do Funrural com base na Lei 9.528/1997. Mas, desde 2001, o Funrural tem sido exigido com base na Lei 10.256 daquele ano. E esta Lei é que foi apreciada pelo Supremo na semana passada, com a declaração de sua constitucionalidade.

Temos, ainda, uma quarta situação, na qual não foi o produtor quem ajuizou ação individual pleiteando o afastamento da cobrança do Funrural, mas sim a agroindústria que pleiteou judicialmente o direito de não mais reter e recolher o tributo nas operações de aquisição da produção de pessoa física.

Ocorre que, no caso do Funrural (assim como acontece com outros tributos), temos uma separação entre contribuinte e responsável. Nos termos do parágrafo único do art. 121 do CTN, contribuinte é aquele que tem “relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Já o responsável é aquele que “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.

Com relação ao Funrural, o contribuinte é o produtor, que pratica a sua materialidade e arca com o ônus econômico-financeiro do tributo, ou seja, que efetivamente paga o tributo. E a agroindústria, por sua vez, é a responsável pela retenção e recolhimento aos cofres públicos do valor correspondente ao Funrural.

O art. 128 do CTN estabelece que, ao se atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do tributo a uma terceira pessoa (agroindústria, por exemplo), poderá haver a exclusão da responsabilidade do contribuinte ou a atribuição de responsabilidade supletiva.

Pois bem, a Instrução Normativa da Receita Federal nº 971, de 13/11/2009, estabelece em seu art. 184, inciso IV, que a responsabilidade pelo recolhimento do Funrural é “da empresa adquirente, inclusive se agroindustrial, consumidora, consignatária ou da cooperativa, na condição de sub-rogada nas obrigações do produtor rural, pessoa física, e do segurado especial”.

E o parágrafo 5º do mesmo artigo ainda destaca que a responsabilidade da agroindústria prevalece quando a comercialização envolver produção rural de pessoa física, “qualquer que seja a quantidade, independentemente de ter sido realizada diretamente com o produtor ou com o intermediário”. Por fim, ainda o parágrafo 7º dispõe que a empresa adquirente da produção fica “diretamente responsável pela importância que eventualmente deixar de descontar ou que tiver descontado em desacordo com as normas vigentes”.

Quer dizer, além de não haver qualquer menção quanto à responsabilidade supletiva do produtor (contribuinte), a IN-RF 971/2009 deixa bastante claro que a responsabilidade pelo recolhimento do tributo é exclusiva da agroindústria que adquire a produção de pessoa física produtora rural.

Desta forma, na situação em que não houve o recolhimento do Funrural por conta de decisão judicial obtida pela agroindústria, entendemos que a cobrança de eventual contribuição devida retroativamente deverá ser feita em face da empresa adquirente, que era a única responsável pela retenção e recolhimento.

Então, nesta quarta situação acima referida, caso o produtor venha a ser demandado pelo Fisco para que pague a contribuição, entendemos que poderá se insurgir quanto à cobrança, demonstrando que a responsabilidade pelo recolhimento do tributo era única e exclusiva da empresa adquirente de sua produção.

Todas estas situações serão ainda objeto de muita discussão, pois envolvem temas complexos. Cada caso precisará ser examinado individualmente, pois há peculiaridades em cada um que torna impossível a determinação de um padrão a ser adotado pelos produtores e também pelas agroindústrias.

Aos produtores rurais pessoa física, cabe agora acompanhar os desdobramentos deste julgamento. Poderemos ter nos próximos dias uma nova modificação no entendimento, através de Embargos de Declaração. Temos ainda a questão da modulação dos efeitos da decisão. Enfim, a questão é delicada e exige atenção aos próximos acontecimentos.

Clairton Kubaszwski Gama, advogado, sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário. É membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e Empresariais – INEJE. É integrante do Grupo de Estudos em Tributação Internacional da Faculdade Brasileira de Tributação.

 

Veja também:

– STF julga que contribuição de empregador rural pessoa física ao Funrural é constitucional (Portal DireitoAgrário.com, 02/04/2017)

– Empregador rural pessoa física não deve pagar contribuição previdenciária sobre comercialização de produtos agrícolas sob pena de bitributação (Portal DireitoAgrário.com, 27/10/2016)

– Produtor-empregador rural pessoa física não está obrigado a recolher a contribuição social do salário-educação (Portal DireitoAgrário.com, 29/06/2016)

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