Direito Agrário

Contratos de crédito rural e a venda casada

Direito Agrário - foto: Leonardo Oliveira.

por Frederico Buss.

 

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou nesta semana uma plataforma para a realização de denúncias anônimas relativamente à conhecida prática da venda casada na concessão dos financiamentos de crédito rural.

A venda casada ocorre quando a instituição financeira, no momento da formalização de contrato de crédito rural, condiciona a liberação do recurso ou impõe ao produtor rural financiado a contratação de produtos, tais como seguro de vida, seguro residencial, seguro prestamista, títulos de capitalização, consórcios, fundos de investimentos, planos de previdência privada, dentre outros serviços não relacionados ao crédito rural.

Esta prática, por vezes adotadas pelas instituições financeiras, é proibida pelo artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), segundo o qual “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; (…) III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;”.

Do mesmo modo, a Lei nº 12.529/2011, que “dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica”, no artigo 36, §3º, inciso XVIII, define como infração “subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem”.

Há que diferenciar, todavia, a venda casada – que se caracteriza pela imposição de produtos alheios ao contrato de crédito rural -, de outros custos inerentes ao financiamento como, por exemplo, a contratação do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) ou do seguro rural, os quais têm previsão expressa no Manual de Crédito Rural (MCR 16.2.2).

A contratação do Proagro ou do seguro rural é obrigatória desde 01/08/2016 para custeio agrícola no valor de até R$300.000,00, financiado com participação de recursos controlados, cuja lavoura esteja compreendida no Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) divulgado pelo Mapa.

Para as demais operações não enquadradas nas condições do parágrafo acima, a Lei nº 4.829/65, que institucionaliza o crédito rural, estabelece que o seguro rural poderá se constituir em garantia dos empréstimos rurais, mediante as seguintes condições estabelecidas nos §§1º, 2º e 3º do artigo 25, acrescidos pela Lei nº 13.195/2015:

“§1º A instituição financeira que exigir a contratação de apólice de seguro rural como garantia para a concessão de crédito rural fica obrigada a oferecer ao financiado a escolha entre, no mínimo, duas apólices de diferentes seguradoras, sendo que pelo menos uma delas não poderá ser de empresa controlada, coligada ou pertencente ao mesmo conglomerado econômico-financeiro da credora.

§ 2º Caso o mutuário não deseje contratar uma das apólices oferecidas pela instituição financeira, esta ficará obrigada a aceitar apólice que o mutuário tenha contratado com outra seguradora habilitada a operar com o seguro rural.

§ 3º A instituição financeira deverá fazer constar dos contratos de financiamento ou das cédulas de crédito, ainda que na forma de anexo, comprovação de que foi oferecida ao mutuário mais de uma opção de apólice de seguradoras diferentes e que houve expressa adesão do mutuário a uma das apólices oferecidas ou, se for o caso, que ele optou por apólice contratada com outra seguradora, na forma estatuída nos §§ 1o e 2o deste artigo.”

Cabe também ressalvar que o seguro prestamista – o qual garante o pagamento de indenização para amortização da dívida na hipótese de morte ou invalidez permanente do mutuário -, não é obrigatório, porém pode ser avaliado como opção, a critério do produtor rural, na tomada do financiamento.

O Manual de Crédito Rural, no item MCR 2.4.1, prevê as despesas que podem ser cobradas do mutuário do crédito rural: “a) remuneração financeira; b) Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF); c) custo de prestação de serviços; d) previstas no Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro); e) prêmio do seguro rural, observadas as normas divulgadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados; f) sanções pecuniárias; g) prêmios em contratos de opção de venda, do mesmo produto agropecuário objeto do financiamento de custeio ou comercialização, em bolsas de mercadorias e futuros nacionais, e taxas e emolumentos referentes a essas operações de contratos de opção”.

Nos termos do MCR 2.4.2, “Nenhuma outra despesa pode ser exigida do mutuário, salvo o exato valor de gastos efetuados à sua conta pela instituição financeira ou decorrentes de expressas disposições legais”.

Em conclusão, considerando que o crédito rural é o principal instrumento de atuação governamental de apoio ao setor agropecuário, é prudente que os produtores busquem informações e amparo legal a fim de evitar a imposição da venda casada por parte das instituições financeiras.

Por sua vez, os produtores já atingidos por esta prática ilegal possuem a faculdade de requerer a restituição dos valores pagos indevidamente, mediante a respectiva comprovação, com amparo nas normas supramencionadas, no artigo 876 do Código Civil e na jurisprudência dos nossos Tribunais.

Frederico Buss – Sócio do Escritório Hein, Buss & Sampaio Advogados. Consultor Jurídico da Federação da Agricultura do Estado do RS
frederico@hbs.adv.br