Direito Agrário

Contrato de arrendamento rural não exige outorga uxória do cônjuge para a sua pactuação

Direito Agrário

A 3ª Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1.76.4873/PR, realizado em 14 de maio de 2019, firmou entendimento no sentido da desnecessidade de outorga uxória do cônjuge para a validade de contrato agrário de arrendamento rural celebrado por prazo igual a superior a 10 (dez anos),  diante da inexistência de exigência legal expressa nesse sentido pelas normas de Direito Agrário.

No caso, as partes recorrentes haviam invocado a previsão contida no art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.245/1991 (Lei de Locações), a qual prevê a necessidade de outorga uxória para a celebração de contratos com prazo igual ou superior a 10 anos, sendo que a Turma afastou ressaltando que os contratos agrários possuem regulamentação própria, por microssistema normativo diverso.

De acordo com o Professor Albenir Querubini, Vice-Presidente da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU, “o STJ decidiu de forma correta, uma vez que o contrato de arrendamento rural possui regulamentação específica pela legislação agrária”.

Fonte: Portal DireitoAgrário.com, 28/05/2019.

 

Confira a íntegra do julgado:

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.764.873 – PR (2017/0062177-0)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

RECORRENTE : IRANI ROQUE HAAS – ESPÓLIO

REPR. POR : MARTA REINALDA HAAS – INVENTARIANTE

ADVOGADOS : SAULO JOSÉ CARLOS FORNIELLES MARTINS E OUTRO(S) – PR009254

PAULA SUZANA AZEVEDO MAGNABOSCO – PR022684

RECORRIDO : ALOISIO PAETZOLD

ADVOGADO : WALMOR MERGENER E OUTRO(S) – PR038966

 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo ESPÓLIO DE IRANI ROQUE HAAS contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ementado nos seguintes termos:

 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO MONITÓRIA – EMBARGOS MONITÓRIOS – CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL – FALECIMENTO DO PROPRIETÁRIO/ARRENDADOR DURANTE O PRAZO CONTRATUAL – COBRANÇA DE MULTA POR RESCISÃO INJUSTIFICADA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA MONITÓRIA E IMPROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS – INSURGÊNCIA DO ESPÓLIO DO ARRENDADOR (RÉU/EMBARGANTE) – SUPOSTA INVALIDADE DO CONTRATO – INOCORRÊNCIA – DESNECESSIDADE DE OUTORGA UXÓRIA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE SUPOSTA INCAPACIDADE DO ARRENDADOR – SUPOSTO DESCONHECIMENTO DA VIÚVA-MEEIRA QUANTO AO CONTRATO – INSUBSISTÊNCIA – VINCULAÇÃO DOS HERDEIROS E SUCESSORES AO AJUSTADO – SUPOSTO TÉRMINO DO CONTRATO POR VONTADE DO PRÓPRIO ARRENDATÁRIO – TESE CONTRÁRIA À COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL – ALEGADA CONCESSÃO, PELO ESPÓLIO DE PRAZO SUFICIENTE PARA A RESCISÃO CONFORME O CONTRATO – HIPÓTESE DE RESCISÃO IMOTIVADA NÃO ALBERGADA PELO CONTRATO – RECURSO DESPROVIDO.

1. Não merece acolhimento a alegada nulidade do contrato de arrendamento rural em razão da ausência de outorga uxória prestada pela viúva-meeira, casada com o arrendador à época da celebração do contrato, uma vez que inexiste exigência legal nesse sentido, não se podendo, ademais, concluir pela necessidade de outorga em caso de contrato de natureza eminentemente pessoal – e não real – como o de arrendamento rural.

2. Não há qualquer disposição legal que estabeleça obrigatoriedade de aposição das rubricas de todos signatários em todas as folhas do contrato, sendo suficiente a aposição de assinatura (reconhecida, aliás, em cartório, o que lhe atribui fé pública e presunção de veracidade) ao final do instrumento.

3. Outrossim, à míngua de comprovação suficiente da alegada incapacidade mental do arrendador e presentes sólidos elementos indicando que o contrato fora válido e livremente celebrado por ele, não há se acolher a tese de invalidade.

4. Impassível de acolhimento a tese de que a rescisão teria partido da vontade do arrendatário, uma vez que, com a notificação por ele enviada exigindo o cumprimento do pacto, caso a meeira e os herdeiros não tivessem conhecimento do arrendamento, é indubitável que dele tomaram conhecimento naquela ocasião. Assim, manifestando, por meio de contranotificação, a intenção de não prosseguir no cumprimento do contrato, incorreram em rescisão unilateral da avença. Outrossim, o contexto fático-probatório indica a inverossimilhança da tese de desconhecimento do contrato pelos herdeiros do arrendador.

5. O que autorizava o contrato, desde que observado o prazo de seis meses de antecedência, era a rescisão justificada, e não a terminação unilateral sem justo motivo, levada a efeito pela meeira após o óbito do arrendador, como se cogita no caso.

6. Incidência devida da multa por rescisão unilateral imotivada.

7. Recurso desprovido.

Na origem, ALOISIO PAETZOLD ajuizou ação monitória contra ESPÓLIO DE IRANI ROQUE HAAS, representado pela viúva Marta Reinalda Haas, com base em contrato de arrendamento rural celebrado com o falecido, com prazo de 10 anos.

Narrou que, após o falecimento do arrendador, a viúva comunicou verbalmente ao arrendatário demandante que não iria mais permitir que ele efetuasse o plantio da área, mesmo restando, ainda, sete anos de contrato de arrendamento rural para serem cumpridos. Destacou a pactuação de multa por rescisão contratual sem justa causa para cada ano não cumprido.

Citado, o espólio opôs embargos à monitória, afirmando que não possuía ciência do contrato firmado pelas partes seria pelo prazo de dez anos, mas sim, um único documento de três anos. Alegou, por fim, que, sendo o arrendante casado em comunhão universal de bens, o arrendamento rural deveria ter contado com a específica outorga uxória.

A sentença julgou procedente a ação monitória, rejeitando os embargos opostos, reconhecendo, em sua fundamentação, a validade do contrato e a transmissão de obrigações do contrato assumidas pelo de cujus, em especial a da multa para hipótese de rescisão sem justa causa, no valor de 100 sacas de soja para cada ano restante para findar o contrato, para os herdeiros.

Constitui-se, assim, o crédito do arrendatário no valor de R$ 37.1000,00 (trinta e sete mil e cem reais), corrigidos pelos índice do Tribunal de origem e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação. Condenada a parte ré, também, no pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Contrariada, a parte ré apelou ao Tribunal de origem, alegando, em síntese, que houve exigência de uma multa em um contrato completamente desconhecido pelos herdeiros; que o afastamento do imóvel pelo autor foi deliberado; que não houve comprovação nos autos de que o apelante teria notificado o apelado para romper com o contrato; que o pretenso contrato rural foi celebrado exclusivamente pelo autor da herança, Irani Roque Haas, sem a devida outorga uxória de sua esposa, Sra. Marta Reinalda Haas, com ele casada pelo regime de comunhão universal de bens, pelo que não está vinculada aos termos do contrato, eis que a outorga seria essencial para constituição da obrigação contratual, nos termos do art. 3º, parágrafo único, da Lei 8.245/1991).

O Tribunal de origem, negando provimento ao recurso de apelação, manteve a sentença de procedência do pedido monitório, resolvendo a controvérsia estabelecida quanto à incidência de multa contratual por rescisão antecipada de contrato de arrendamento rural supostamente estabelecido entre o autor e o falecido, representado pelo espólio, que figurara como arrendador/proprietário do imóvel.

No acórdão recorrido, restou reconhecida a validade do contrato diante do entendimento adotado no sentido da desnecessidade da outorga uxória para existência, validade e eficácia do arrendamento rural, em face da falta de exigência legal de tal requisito, afastando a incidência do art. 3º da Lei de Locações, por distintas as naturezas dos contratos. Ainda, afastou a alegação de nulidade do pacto por ausência de rubrica do arrendador na primeira folha, bem como por incapacidade mental diante da míngua de comprovação suficiente do alegado. Quanto à alegação de desconhecimento do contrato por parte dos herdeiros, diante da previsão contratual de transmissão das obrigações para os herdeiros do arrendatário, além de considerar inverossímil em face das circunstâncias fáticas, as alegações de não conhecimento e da oponibilidade dos efeitos do contrato em relação ao espólio, diante da expressa previsão contratual, foi afastada. Por fim, da leitura da notificação, o Tribunal de origem concluiu que ela disse respeito à continuidade do arrendamento pactuado, reconhecendo suficientemente caracterizada a rescisão unilateral por parte do espólio do arrendatário.

Opostos embargos de declaração pela parte ré, os quais vieram de ser rejeitados por acórdão ementado nos seguintes termos:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ALEGADAS OMISSÕES – INOCORRÊNCIA – MERO INCONFORMISMO DA PARTE – IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA JÁ APRECIADA – AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE – EMBARGOS REJEITADOS.”

Mantendo-se contrariada, a parte ré interpôs recurso especial.

 

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Eminentes Colegas. O presente recurso especial devolve ao conhecimento desta Corte Superior questão jurídica relevante consistente na verificação da necessidade, ou não, da outorga uxória para a validade e eficácia de contrato de arrendamento rural com prazo igual ou superior a dez anos, além do pedido de afastamento da multa contratual em face da alegação de inocorrência da prática de ato ensejador da rescisão contratual sem justa causa.

O Tribunal de origem, negando provimento ao recurso de apelação da parte ré, manteve a sentença que julgara procedente a ação monitória, rejeitando os embargos monitórios opostos pela ora recorrente, reconhecendo, assim, em sua fundamentação, a plena validade e eficácia do contrato de arrendamento rural, inclusive a transmissão de obrigações assumidas pelo arrendante falecido aos seus herdeiros por expressamente pactuadas, especialmente a previsão de multa para a hipótese de rescisão sem justa causa, no valor de 100 sacas de soja para cada ano restante do contrato litigioso.

Constituiu-se, assim, o crédito do arrendatário, ora recorrido, no valor de R$ 37.1000,00 (trinta e sete mil e cem reais), referente à multa contratual, corrigido pelo índice do Tribunal de origem e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação. Condenada a parte ré, também, no pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Contrariada, conforme relatório, a parte ré alega, basicamente, duas questões jurídicas relevantes. A primeira alegação é de que não é possível falar em descumprimento contratual, pois o espólio não praticou qualquer ato ou se omitiu de qualquer providência relacionada ao contrato litigioso. A segunda alegação é de que seria imprescindível a assinatura da esposa em contrato de arrendamento rural celebrado por prazo igual ou superior a dez anos e, consequentemente, o presente pacto firmado entre o recorrido e o falecido Irani, sem outorga uxória, seria nulo de pleno direito.

Quanto à primeira insurgência recursal, não merece acolhimento diante dos óbices das Súmulas 05/STJ e 07/STJ.

O acórdão recorrido reconheceu a existência de cláusula expressa no pacto litigioso no sentido da transmissão de obrigações aos herdeiros do arrendador, bem como a previsão contratual expressa de multa para a hipótese de rescisão sem justa causa no curso do prazo de cumprimento do contrato.

Para alcançar êxito a pretensão recursal, no sentido de reconhecer a inexistência de transmissão de obrigações contratuais aos herdeiros, bem como no sentido de afastar a rescisão sem justa causa, seria necessária a revisão de todo conjunto fático probatório dos autos, o que é vedado a esta Corte Superior, nos termos das Súmulas 05 e 07/STJ.

Restringe-se, assim, o conhecimento do presente recurso especial tão somente em relação à segunda tese suscitada pela parte recorrente, qual seja, a necessidade de outorga uxória nos pactos de arrendamento rural com prazo igual ou superior a dez anos.

Adianto meu entendimento no sentido de não reconhecer a necessidade de outorga uxória para a plena validade e eficácia desta modalidade de contrato ante a inexistência de exigência legal nesse sentido.

Relembre-se, de início, que, dentre os princípios fundamentais do sistema de Direito Privado aplicáveis aos negócios jurídicos agrários – autonomia privada (art. 421 do CC/02), função social do contrato (art. 421 do CC/02), boa-fé objetiva (art. 422 do CC/02) -, avulta de importância o dirigismo contratual, em face da forte intervenção estatal nessas modalidades contratuais.

Tal princípio corresponde aos limites estabelecidos ao poder negocial das partes contratantes pela intervenção estatal, em nome do interesse público, tutelando a vulnerabilidade de determinados contratantes mediante a fixação de norma cogentes.

Nos termos do Decreto nº 59.566/66, o arrendamento rural é, por definição legal, o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, mediante certa retribuição, verbis:

Art 3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.

§ 1º Subarrendamento é o contrato pelo qual o Arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu contrato de arrendamento.

§ 2º Chama-se Arrendador o que cede o imóvel rural ou o aluga; e Arrendatário a pessoa ou conjunto familiar, representado pelo seu chefe que o recebe ou toma por aluguel.

§ 3º O Arrendatário outorgante de subarrendamento será, para todos os efeitos, classificado como arrendador.

Conforme aludido, o princípio do dirigismo contratual, ou seja, a intervenção estatal, limitando a liberdade de contratar nesta espécie de negócio jurídico, vem expresso em vários momentos da legislação agrária, como as várias normas cogentes elencadas no art. 95 do Estatuto da Terra, verbis:

 Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

I – os prazos de arrendamento terminarão sempre depois de ultimada a colheita, inclusive a de plantas forrageiras temporárias cultiváveis. No caso de retardamento da colheita por motivo de força maior, considerar-se-ão esses prazos prorrogados nas mesmas condições, até sua ultimação;

II – presume-se feito, no prazo mínimo de três anos, o arrendamento por tempo indeterminado, observada a regra do item anterior;

III – o arrendatário, para iniciar qualquer cultura cujos frutos não possam ser recolhidos antes de terminado o prazo de arrendamento, deverá ajustar, previamente, com o arrendador a forma de pagamento do uso da terra por esse prazo excedente; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

IV – em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação extrajudicial das propostas existentes. Não se verificando a notificação extrajudicial, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos 30 (trinta) dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

V – os direitos assegurados no inciso IV do caput deste artigo não prevalecerão se, no prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, o proprietário, por via de notificação extrajudicial, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente seu; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

VI – sem expresso consentimento do proprietário é vedado o subarrendamento;

VII – poderá ser acertada, entre o proprietário e arrendatário, cláusula que permita a substituição de área arrendada por outra equivalente no mesmo imóvel rural, desde que respeitadas as condições de arrendamento e os direitos do arrendatário;

VIII – o arrendatário, ao termo do contrato, tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis; será indenizado das benfeitorias voluptuárias quando autorizadas pelo proprietário do solo; e, enquanto o arrendatário não for indenizado das benfeitorias necessárias e úteis, poderá permanecer no imóvel, no uso e gozo das vantagens por ele oferecidas, nos termos do contrato de arrendamento e das disposições do inciso I deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

 IX – constando do contrato de arrendamento animais de cria, de corte ou de trabalho, cuja forma de restituição não tenha sido expressamente regulada, o arrendatário é obrigado, findo ou rescindido o contrato, a restituí-los em igual número, espécie e valor;

X – o arrendatário não responderá por qualquer deterioração ou prejuízo a que não tiver dado causa;

XI – na regulamentação desta Lei, serão complementadas as seguintes condições que, obrigatoriamente, constarão dos contratos de arrendamento:

a) limites da remuneração e formas de pagamento em dinheiro ou no seu equivalente em produtos; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

b) prazos mínimos de arrendamento e limites de vigência para os vários tipos de atividades agrícolas; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

c) bases para as renovações convencionadas;

d) formas de extinção ou rescisão;

e) direito e formas de indenização ajustadas quanto às benfeitorias realizadas;

XII – a remuneração do arrendamento, sob qualquer forma de pagamento, não poderá ser superior a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que entrarem na composição do contrato, salvo se o arrendamento for parcial e recair apenas em glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade, caso em que a remuneração poderá ir até o limite de 30% (trinta por cento) (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

XIII – a todo aquele que ocupar, sob qualquer forma de arrendamento, por mais de cinco anos, um imóvel rural desapropriado, em área prioritária de Reforma Agrária, é assegurado o direito preferencial de acesso à terra ..Vetado…

Observa-se, assim, nesta modalidade de contrato, forte intervenção estatal quanto ao prazo, a fixação do preço, o direito de preferência do arrendatário.

Entretanto não se observa, na legislação agrária, a mesma preocupação, quanto a forma, como requisito de validade, sendo regulado como contrato não solene, não sendo exigida forma especial.

Na ausência de previsão legal expressa no microssistema normativo agrário, deve-se retornar ao Código Civil, que estabelece a exigência da outorga uxória para algumas hipóteses, como na fiança ou no aval.

Anote-se, porém, que as disposições dos artigos 1.642 e 1.643 do Código Civil, ao regularem os atos que podem ser praticados por qualquer um dos cônjuges sem autorização do outro, não importando o regime de bens, incluem a administração dos bens próprios e a prática de todos os atos que não lhes forem vedados expressamente (artigo 1.642, II e VI, do CC/02).

Nesse sentido:

 Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente:

(…)

II – administrar os bens próprios;

(…)

VI – praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente.

Dessa forma, considerando ser o contrato de arrendamento rural um pacto não solene, desprovido de formalismo legal para sua existência, foi dispensada pelo legislador a exigência da outorga uxória do cônjuge. E isso justamente, por se enquadrar em um dos atos que podem ser praticados sem autorização do cônjuge, qual seja, administrar os bens próprios e praticar todos atos que não lhes forem vedados expressamente.

No caso dos autos, o arrendamento rural pactuado entre o de cujus e o recorrido é um contrato plenamente válido e eficaz por não haver vedação legal expressa à sua prática, mesmo reconhecendo que o imóvel rural arrendado não seria apenas do arrendante falecido, mas do casal.

A opção do legislador, neste ponto, foi não reduzir a liberdade contratual das partes.

Tendo por norte uma análise econômica, como o arrendamento rural é uma operação pelo qual se fomenta a atividade agrária, o legislador optou por intervir somente em hipóteses especiais, como o prazo, o preço, o direito de preferência, deixando para o âmbito da autonomia das partes outras questões, como a hipótese em discussão relativa à possibilidade de o cônjuge celebrar contratos agrários sem a aquiescência de seu consorte.

A opção legislativa, como aludido, tem por norte simplificar a realização dos contratos agrários, sem exigência de solenidade especial ou de anuência do cônjuge, como o fez na locação de imóvel urbano (art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 8.245/1991).

Ressalte-se, nesse ponto, que não se aplica o disposto no art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 8.245/1991 (Lei de Locações), por ser a sua hipótese de incidência específica para as locações de imóveis urbanos com prazo igual ou superior a dez anos.

Tratando-se de regra de exceção, a sua interpretação deve ser restritiva às hipóteses expressamente contempladas no texto legal, não tendo sido estendida a sua abrangência aos contratos agrários, regulados por microssistema normativo diverso.

 Portanto, mostra-se plenamente correto o acórdão recorrido ao entender desnecessário o consentimento do cônjuge para a pactuação do arrendamento rural diante da inexistência de exigência legal expressa nesse sentido.

Ante todo exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. É o voto.

EMENTA:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO AGRÁRIO. ARRENDAMENTO RURAL. PRAZO DE DEZ ANOS. CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE. DESNECESSIDADE. CONTRATO NÃO SOLENE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.642, II, E VI, DO CÓDIGO CIVIL, COMBINADO COM ART. 95 DO ESTATUTO DA TERRA.
1. Controvérsia em torno da necessidade de outorga uxória para validade e eficácia de contrato de arrendamento rural celebrado com prazo igual ou superior a dez anos, bem como do pedido de afastamento da multa contratual pela alegação da inocorrência da prática de ato ensejador da rescisão contratual sem justa causa.
2. Reconhecimento pelo acórdão recorrido da existência de cláusula expressa no pacto litigioso no sentido da transmissão de obrigações aos herdeiros do arrendador, bem como de cláusula estipuladora de multa para a hipótese de rescisão sem justa causa no curso do cumprimento do contrato.
3. O êxito da pretensão recursal, com a afirmação da inexistência de transmissão de obrigações contratuais aos herdeiros, ou para o reconhecimento da rescisão sem justa causa, exigiria a revisão de todo conjunto fático probatório dos autos, o que é vedado a esta Corte Superior, nos termos das Súmulas 05 e 07/STJ.
4. Nos termos do Decreto nº 59.566/66, o arrendamento rural é, por definição legal, o contrato mediante o qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, mediante retribuição.
5. Não há exigência legal de forma especial para a sua plena validade e eficácia, sendo o arrendamento rural um contrato não solene.
6. Apesar da forte intervenção estatal (dirigismo contratual) a limitar o poder negocial das partes nos negócios jurídicos agrários, como as disposições do art. 95 do Estatuto da Terra, não se estabeleceu a exigência de forma especial mesmo nos contratos celebrados com prazo igual ou superior a dez anos.
7. Enquadramento entre os atos de administração que podem ser praticados por um dos cônjuges sem autorização do outro.
8. Inteligência do art. 1.642, II e VI, do CC/02.
9. Inaplicabilidade da regra do art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 8.245/1991 (Lei de Locações), aplicável especificamente para as locações de imóveis urbanos com prazo igual ou superior a dez anos, cuja incidência, por se tratar de regra de exceção, é restrita às hipóteses expressamente contempladas no texto legal, não se estendendo aos contratos agrários.
10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp 1764873/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 14 de maio de 2019(data do julgamento)

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator