Direito Agrário

Arrendatário despejado perde direito de retenção por benfeitorias

Direito Agrário - foto de Alexandre Porto Trindade

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o arrendatário rural despejado judicialmente não pode exercer o direito de retenção do imóvel, ainda que tenha reconhecido o direito à indenização por benfeitorias úteis e necessárias. A decisão foi proferida no julgamento do Recurso Especial nº 2156451/MT, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, em sessão realizada no dia 23 de abril de 2025, com publicação no Diário da Justiça Eletrônico Nacional em 25/04/2025.

Perda da posse impede exercício da retenção

No caso analisado, após o término do contrato de arrendamento rural, os proprietários do imóvel notificaram a empresa arrendatária quanto à devolução da área. Sem consenso sobre o valor da indenização pelas benfeitorias realizadas, os arrendadores ingressaram com ação de despejo, enquanto a arrendatária ajuizou ação declaratória para permanecer no imóvel até o pagamento das melhorias.

A liminar concedida na ação de despejo determinou a desocupação do imóvel, o que foi cumprido. Posteriormente, o juízo de primeiro grau reconheceu o direito à indenização pelas benfeitorias, mas negou o direito de retenção, destacando que a posse já havia sido perdida e que eventual reintegração no imóvel causaria prejuízo à atividade do proprietário. A decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).

Retenção exige posse atual e boa-fé

Ao analisar o recurso especial, o STJ confirmou a tese de que o direito de retenção depende da posse atual e de boa-fé, conforme estabelecido nos arts. 1.196, 1.219 e 1.223 do Código Civil. Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, mesmo que a perda da posse ocorra por decisão judicial, essa circunstância retira do ex-possuídor os poderes inerentes à propriedade, inviabilizando o exercício do direito de retenção.

A ministra ainda ressaltou que o art. 95, VIII, do Estatuto da Terra assegura ao arrendatário o direito de permanecer no imóvel até ser indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias, mas apenas enquanto mantiver a posse. A legislação não autoriza a reintegração do antigo arrendatário apenas como forma de pressão para assegurar o pagamento da indenização.

“Aquele que perde a posse, mesmo que contra a sua vontade, deixa de fazer jus a esta garantia legal. Isso, contudo, não obsta o direito do antigo possuidor de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis”, concluiu a relatora ao negar provimento ao recurso.

Para comentar a decisão, o Portal Direito Agrário ouviu o advogado e professor Albenir Querubini, um dos principais especialistas em contratos agrários no Brasil. Segundo ele, a decisão da Terceira Turma do STJ está tecnicamente correta:

No caso dos autos, houve o ajuizamento de ação de despejo fundado na retomada pelos proprietários do imóvel agrário, após 15 anos de vigência do contrato de arrendamento. O direito de retenção por benfeitorias deve ser alegado em contestação à ação de despejo, sob pena de preclusão processual, subsistindo apenas o direito de indenização em ação própria.

Ainda, vale lembrar que o arrendatário que alega retenção por benfeitorias possui o ônus processual de arrolar as benfeitorias a serem indenizadas, classificá-las e  avaliá-las, não sendo admitidas alegações genéricas — inclusive para evitar a hipótese de pedido de retenção maliciosa (quando feito de má-fé).

Por fim, como bem destacado em outro precedente da 3ª Turma do STJ, também relatado pela Ministra Nancy Andrighi (REsp. REsp. nº 1.854.120/PR), o direito de retenção além de não ser absoluto, não é gratuito, pois não exime de contraprestação pelo uso do bem durante o período da retenção, motivo pelo qual é importante avaliar previamente se vale a pena manter-se na posse com a invocação do direito de retenção ou postular a respectiva indenização em ação de indenização ou em reconvenção à ação de despejo”.

Fonte: REsp nº 2156451/MT e Notícias do STJ.

Síntese da decisão para estudo:

Do recurso: Recurso Especial interposto por empresa arrendatária, no âmbito de ação declaratória cumulada com pedido de indenização por benfeitorias, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), que reconheceu o direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, mas afastou o direito de retenção do imóvel rural após o despejo judicial.

Objeto do Recurso: A recorrente buscava reformar o acórdão do TJMT para que fosse reconhecido o seu direito de retenção do imóvel rural, com fundamento nas benfeitorias realizadas durante o arrendamento, sustentando que a indenização devida autorizaria a permanência no imóvel até o efetivo pagamento.

Razões Recursais: 
(a) Alegada violação ao art. 95, VIII, do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), que assegura ao arrendatário o direito de permanecer no imóvel até ser indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias;
(b) Aplicação do art. 1.219 do Código Civil, que reconhece ao possuidor de boa-fé o direito de retenção por benfeitorias;
(c) Defesa da tese de que o reconhecimento judicial da indenização implica, necessariamente, o direito à retenção, mesmo após a perda da posse do imóvel.

A decisão do STJ:
(a) A Terceira Turma do STJ, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, mantendo a decisão do TJMT que afastou o direito de retenção por ausência de posse atual;
(b) A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, destacou que o direito de retenção é prerrogativa do possuidor de boa-fé e pressupõe a posse atual do bem, nos termos dos arts. 1.219 e 1.223 do Código Civil;
(c) A perda da posse, mesmo que por decisão judicial (despejo), inviabiliza o exercício da retenção, pois cessa o poder de fato sobre a coisa;
(d) O art. 95, VIII, do Estatuto da Terra apenas autoriza a permanência do arrendatário enquanto detém a posse, e não permite a reintegração como forma de garantia de pagamento pela indenização de benfeitorias.

Aspectos Jurídicos Destacados na Decisão:
(a) A posse de boa-fé e atual é requisito essencial ao exercício do direito de retenção;
(b) O direito de indenização por benfeitorias úteis e necessárias permanece íntegro, mesmo após a perda da posse, mas não confere, por si só, o direito de retenção;
(c) Não há base legal que permita a reintegração na posse com o objetivo de compelir o pagamento da indenização;
(d) A decisão reafirma que o direito de retenção se extingue com a perda da posse, ainda que esta tenha ocorrido contra a vontade do possuidor.

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Palestra Benfeitorias nos Contratos Agrários, proferida por Albenir Querubini durante o Ciclo de Palestras de Direito Aplicado ao Agronegócio, evento promovido pela Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB/RS) em Itaqui, em 26 de maio de 2025 

Confira a íntegra do REsp nº 2156451/MT:

RECURSO ESPECIAL Nº 2156451 – MT (2024/0250552-4)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : AGROPECUARIA CALUPA LTDA

RECORRENTE : CIRINEU DE AGUIAR

RECORRENTE : ALUISIO DE AGUIAR

RECORRENTE : PAULO SERGIO AGUIAR

ADVOGADOS : RODRIGO RIBEIRO ARAUJO – MT013984

JOAQUIM LUIZ BERGER GOULART NETTO – MT011269

THYAGO RIBEIRO DA ROCHA – MT024296

RECORRIDO : ADELMAR PINHEIRO SILVA

RECORRIDO : MARIA RITA MIRANDA LIMA SILVA

RECORRIDO : ARS AGRO-PASTORIL LTDA

ADVOGADOS : OVÍDIO MARTINS DE ARAÚJO – GO005570

MARCO TÚLIO BEZERRA DE AZEREDO BASTOS – GO037040

VINICIUS DE MORAIS OLIVEIRA – MT026730

FREDIE SOUZA DIDIER JUNIOR – BA015484

LUIZ CARLOS DE SEIXAS OLIVEIRA FILHO – BA031121

LAYANNA PIAU VASCONCELOS – BA033233

RELATÓRIO

RELATORA: Ministra NANCY ANDRIGHI

 

Examina-se recurso especial interposto por AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS, fundamentado na alínea “a” do permissivo constitucional. de despejo, ajuizada por ADELMAR PINHEIRO Ação: SILVA E OUTROS em face de AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS.

Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido de indenização por benfeitorias úteis e necessárias, indeferindo o pedido de reintegração de posse.

Ao acolher os embargos de declaração, o julgador sentenciante reconheceu o direito dos recorridos à indenização pelo tempo em que os recorrentes permaneceram na terra após o vencimento do contrato de arrendamento rural.

Acórdão: negou provimento ao recurso interposto pelos recorrentes, nos termos assim ementados:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DO DIREITO DE RETENÇÃO C/C INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS – CONEXÃO COM AÇÃO DE DESPEJO – JULGAMENTO SIMULTÂNEO DO MÉRITO – ARRENDAMENTO RURAL – BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS – MELHORAMENTOS INTRODUZIDOS NOS IMÓVEIS QUE PASSARAM A INTEGRÁ-LOS E ENTRARAM PARA O PATRIMÔNIO DO PROPRIETÁRIO – PACTUAÇÃO DE LONGO PRAZO DE VIGÊNCIA CONTRATUAL E PREÇO REDUZIDO – PREVISÃO CONTRATUAL DE ESPÉCIE “SUI GENERIS” DE COMPENSAÇÃO PRÉVIA DOS GASTOS INEXORAVELMENTE DISPENDIDOS PELOS ARRENDATÁRIOS PARA PREPARAÇÃO DO SOLO PARA PLANTIO DE LAVOURA – BENFEITORIAS NÃO INDENIZÁVEIS – GASTOS RELATIVOS À CONSTRUÇÃO DE ESTRADAS, PONTES E INFRAESTRUTURA EM GERAL – INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA RELATIVA À INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS – EXISTÊNCIA DE PRÉVIA COMPENSAÇÃO DE FORMA DILUÍDA NO PREÇO PACTUADO – REDEFINIÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO – RETENÇÃO POR BENFEITORIAS – DIREITO QUE NÃO É ABSOLUTO E QUE SE TORNAR IRREGULAR COM O USO DA COISA – NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM O DIREITO À PROPRIEDADE EPECULIARIDADES DO CASO CONCRETO – TAXA DE OCUPAÇÃO DEVIDA – REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA EM RELAÇÃO À AÇÃO DE DESPEJO – PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE – ÔNUS QUE DEVE SER IMPOSTOS À PARTE QUE DEU CAUSA À INDEVIDA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO DOS ARRENDATÁRIOS NA AÇÃO DE DESPEJO DESPROVIDO – RECURSO DOS ARRENDANTES NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE DIREITO À RETENÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DOS ARRENDATÁRIOS NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE DIREITO À RETENÇÃO DESPROVIDO.

1. Segundo orienta a jurisprudência do STJ, “pelo princípio da gravitação jurídica, as benfeitorias, bens acessórios, acompanham o bem imóvel, bem principal, de forma que esses melhoramentos introduzidos no imóvel pelo possuidor direto, em algumas oportunidades, entram para o patrimônio do proprietário, possuidor indireto, quando o bem principal retorna à sua posse”, de modo que “o possuidor que introduz benfeitorias tem, pois, nos termos dos arts. 1.219 e 1.220 do CC/02, o direito de levantar as benfeitorias ou de ser indenizado, conforme sua natureza e de acordo a presença ou não de boa-fé, e até mesmo, eventualmente, o direito de reter o bem principal até que o valor correspondente às vantagens que a ele foram acrescidas e não podem ser levantadas lhe seja restituído” (REsp n. 1.854.120/PR).

2. Todavia, se há evidência de que a pactuação de longo prazo de vigência a preço reduzido visa justamente uma forma “sui generis” de prévia compensação dos arrendatários pelas despesas invariavelmente suportadas pela implementação da agricultura na área arrendada, repleta de pastagens degradadas, mas não deve ser fixada indenização por benfeitorias após o vencimento do contrato (REsp n. 1.182.967/RS).

3. Nos termos do art. 114 do CC, os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente, assim, exceto em caso de expressa manifestação contratual de renúncia ao direito de indenização por benfeitoria, não se pode admitir à sua exclusão ou isenção do proprietário a partir de interpretada extensivamente dos termos contratuais. Porém, se os gastos com construção de estradas, pontes e afins também foram objeto de prévia compensação de forma diluída, face à pactuação de preço reduzido, deve igualmente ser negada a pretendida indenização por essas benfeitorias.

5. “O direito de retenção assegurado ao possuidor de boa-fé não é absoluto”, de modo que “pode ele ser limitado pelos princípios da vedação ao enriquecimento sem causae da boa-fé objetiva, de forma que a retenção não se estenda por prazo indeterminado e interminável” (REsp nº 613.387/MG).

6. Na hipótese, com relação à ação de Despejo, a distribuição dos ônus sucumbenciais deve ocorrer sob o prisma do princípio da causalidade, que prescreve que aquele que deu causa à instauração do processo deverá arcar com as despesas daí decorrentes.

 

Embargos de Declaração: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados.

Recurso especial: alega violação do art. 95, VIII, do Estatuto da Terra (Lei Federal nº 4.504/64) e do art. 1.219 do Código Civil.

Afirma que o Tribunal de origem negou o direito de retenção sob o argumento de que isso causaria tumulto e haveria meios menos gravosos de garantir o crédito, tese que, segundo o recorrente, não encontra respaldo legal.

Sustenta que tendo sido reconhecido o direito de indenização pelas benfeitorias realizadas, deve ser possibilitado ao arrendatário, ora recorrente, exercer seu direito de retenção.

É o relatório.

VOTO

RELATORA: Ministra NANCY ANDRIGHI

O propósito recursal é decidir se o arrendatário rural que faz jus à indenização por benfeitorias úteis e necessárias tem direito de retenção após ter sido despejado do imóvel por decisão judicial.

 

1. DA RECONSTRUÇÃO CONTEXTUAL

 

1. Na hipótese sob julgamento, as partes mantiveram contrato de arrendamento rural por quinze anos. Os arrendadores, ora recorridos (ADELMAR PINHEIRO SILVA E OUTROS) notificaram tempestivamente os arrendatários, ora recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS) sobre a intenção de retomar o imóvel ao término do contrato (e-STJ Fl.2839).

2. Em 15/05/2018, diante do fim da vigência contratual e pela ausência de entendimento sobre a indenização por benfeitorias úteis e necessárias, os recorridos (ADELMAR PINHEIRO SILVA E OUTROS) ajuizaram ação de despejo em face dos recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS). (e-STJ Fl.2840)

3. Em 19/06/2018, os recorrentes propuseram ação “declaratória do direito de retenção de imóvel rural c/c indenização de benfeitorias e acessões artificiais”.

4. Nada obstante, em , o juízo deferiu a liminar 17/07/2018 formulada na ação de despejo ajuizada pelos recorridos (ADELMAR PINHEIRO SILVA E OUTROS) para restituir aos proprietários o imóvel, no prazo de 15 dias, sob pena de despejo forçado. (e-STJ Fl.2840)

5. Em 20/08/2018, o oficial de justiça certificou nos autos que, em cumprimento à ordem judicial, “a área em questão já foi desocupada, com exceção da casa do gerente, que em comum acordo entre as partes o mesmo desocupará assim que for possível, sendo desnecessário o despejo forçado”. (e-STJ Fl.2840)

6. Na sentença, julgada cerca de quatro anos após os recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS) terem deixado o imóvel, foi reconhecida a existência de benfeitorias indenizáveis, mas negou-se o direito de retenção, sob o fundamento de que a medida seria tumultuária, considerando que há muito tempo os recorrente já não mais ocupavam o imóvel. Tal entendimento foi reiterado pelo Tribunal de origem.

7. Pleiteando o exercício do direito de retenção do imóvel objeto do litígio, previsto no art. 1.219 do Código Civil, os ora recorrentes interpuseram o recurso especial que ora se julga.

2. DO DIREITO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS

8. Benfeitorias são bens acessórios introduzidos no bem imóvel pela pessoa que detém sua posse, com a finalidade de aperfeiçoar seu uso, evitar que se deteriore ou se destrua, ou, ainda, de embelezá-lo ou torná-lo mais agradável.

9. Pelo princípio da gravitação jurídica, as benfeitorias, bens acessórios, acompanham o imóvel, de forma que esses melhoramentos introduzidos pelo possuidor direto, em algumas oportunidades, entram para o patrimônio do proprietário, possuidor indireto, quando o bem principal retorna à sua posse.

10. Assim, o art. 1.219 do CC/02 determina que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

11. Nesse contexto, a doutrina destaca que o direito de retenção por benfeitorias configura uma modalidade de garantia do cumprimento da obrigação. Com a retenção, o possuidor exerce coerção sobre o proprietário, impedindo a restituição do imóvel até o pagamento da indenização (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 109).

12. De modo semelhante, Orlando Gomes classifica o direito de retenção como um efeito da posse, que consiste na faculdade de não restituir o bem enquanto não for indenizado. Esse direito assegura a conservação do bem alheio àquele que é credor de dívida relativa a ele, funcionando como remédio defensivo de ação pronta e decisiva para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação prevista em lei (Direitos Reais, 21ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 83).

13. Nesses termos, verifica-se que o direito de retenção é uma prerrogativa exclusiva do possuidor de boa-fé, nos termos do art. 1.219 do Código Civil. Desse modo, aquele que não detém a posse do bem não pode invocar essa garantia, pois o fundamento desse direito reside justamente na permanência do possuidor no imóvel até a satisfação da indenização devida.

14. O possuidor, por sua vez, é definido no art. 1.196 do Código Civil de 2002 como aquele que pode exercer algum dos poderes inerentes à propriedade. Já o art. 1.223 determina que se perde a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem.

15. Assim, o fato de o possuidor perder a posse em virtude de determinação judicial, e não por vontade própria, é irrelevante para caracterização da perda possessória.

16. Impossibilitado o exercício de qualquer dos poderes inerentes à propriedade, perde-se a posse, o que inviabiliza o direito de retenção pela ausência do requisito legal que o configura.

17. Analisando a norma específica sobre o arrendamento rural, chega-se a mesma conclusão. O art. 95, VIII, do Estatuto da Terra assim determina:

“O arrendatário, ao termo do contrato, tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis; será indenizado das benfeitorias voluptuárias quando autorizadas pelo proprietário do solo; e, enquanto o arrendatário não for indenizado das benfeitorias necessárias e úteis, poderá permanecer no imóvel, no uso e gozo das vantagens por ele oferecidas, nos termos do contrato de arrendamento e das disposições do inciso I deste artigo”.

18. Destaca-se que dispositivo legal estabelece que, enquanto não for indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis, o arrendatário pode permanecer no imóvel. Ou seja, o direito de retenção é condicionado à continuidade da posse.

19. Assim, não há previsão legal, nem no Código Civil, nem no Estatuto da Terra, para que o antigo arrendatário, que já não é mais possuidor, reintegre-se na posse como forma de pressionar o proprietário a pagar indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel.

 

3. DA HIPÓTESE SOB JULGAMENTO

 

21. Na espécie, após já ter havido o despejo dos recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS) por liminar, foi reconhecido o seu direito de receber indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel objeto do litígio. Contudo, o juízo sentenciante negou o direito de retenção requerido pelos recorrentes, com base nos seguintes motivos:

“Mas o fato é que a parte arrendatária já foi despejada do imóvel, há anos, inclusive, e qualquer decisão que determine a reintegração da posse direta do imóvel no atual estágio da lide, revela-se tumultuária, sob nosso ponto de vista. Neste sentido, concordamos com o argumento da parte proprietária que o direito de retenção perdeu seu objeto, ainda mais com a decisão do E. TJMT que confirmou o despejo. Portanto, o recebimento das benfeitorias deverá ocorrer de forma autônoma ao despejo, eis que consolidada essa situação fática de retomada da área, com consequente planejamento de plantio.” (e-STJ Fl.2594)

22. O Tribunal de origem, ao julgar a matéria, reiterou o entendimento da sentença no sentido de que, apesar de existir direito de indenização pelas benfeitorias, alterar o quadro fático, determinando a reintegração de posse em favor dos recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS) ao imóvel rural, seria prejudicial.

23. Da atenta análise dos autos, depreende-se que mais do que evitar um tumulo diante da situação fática já consolidada pelo tempo, a negativa ao direito de retenção pleiteado pelos recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS) encontra respaldo em lei.

24. Isso porque, quando os recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS) se retiraram do imóvel até então arrendado, perderam a posse do bem.

25. Por conseguinte, deixaram de se enquadrar no requisito legal de serem possuidores de boa-fé, previsto no art. 1.219 do Código Civil, para exercer o direito de retenção.

26. Pela mesma linha de intelecção, os recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS) tampouco cumprem os requisitos previstos no art. 95, VIII, do Estatuto da Terra para exercer o direito de retenção, pois não poderiam mais “permanecer” no imóvel, mas apenas tentar retomá-lo, o que não encontra previsão legal.

27. Outrossim, é irrelevante que a perda da posse tenha ocorrido por determinação judicial, uma vez que o art. 1.223 do Código Civil dispõe que a vontade do possuidor não interfere na caracterização dessa perda.

28. Dessarte, embora por fundamentos jurídicos distintos, deve ser mantido o entendimento do Tribunal de origem no sentido de ser inviável deferir o direito de retenção aos recorrentes (AGROPECUARIA CALUPA LTDA E OUTROS).

3. DISPOSITIVO

Forte nessas razões, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado dos recorridos em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em seu favor de 15% (quinze por cento) (e-STJ Fl.2859) para 17,5% (dezessete e meio por cento) do valor da causa.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. DECISÃO LIMINAR DE DESPEJO. DETERMINAÇÃO JUDICIAL. PERDA DA POSSE. ESTATUTO DA TERRA. DIREITO DE RETENÇÃO. BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS. INDENIZAÇÃO. REQUISITOS.

1. Ação de despejo, ajuizada em , da qual foi 15/05/2018 extraído o presente recurso especial, interposto em 29/04/2024 e concluso ao gabinete em 12/07/2024.

2. O propósito recursal é decidir se o arrendatário rural que faz jus à indenização por benfeitorias úteis e necessárias tem direito de retenção após ter sido despejado do imóvel por decisão judicial.

3. O direito de retenção é uma prerrogativa exclusiva do possuidor de boa-fé, nos termos do art. 1.219 do Código Civil.

4. Uma vez impossibilitado o exercício de qualquer dos poderes inerentes à propriedade, perde-se a posse do bem, o que inviabiliza o direito de retenção.

5. O art. 95, VIII, do Estatuto da Terra estabelece que, enquanto não for indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis, o arrendatário pode permanecer no imóvel. Ou seja, o direito de retenção é condicionado à continuidade da posse.

6. Aquele que perde a posse, mesmo que contra a sua vontade, não pode mais usufruir do direito de retenção, o que não obsta o direito do antigo possuidor de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis.

7. Não há previsão legal para que o antigo arrendatário, que já não é mais possuidor, reintegre-se na posse como forma de pressionar o proprietário a pagar indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel.

8. Recurso especial desprovido, com majoração de honorários.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, com majoração de honorários, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva, Moura Ribeiro e Daniela Teixeira votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.

Brasília, 23 de abril de 2025.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora