quinta-feira , 26 dezembro 2024
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Direito Agrário - foto: Cláudio Grande Jr.

Jurisprudência previsível: o regime de transição na Lei de Introdução e a recomendação do CNJ

por Rogério Reis Devisate.

 

As leis mudam conforme surgem novos anseios na sociedade. Isso, contudo, não significa que esta se satisfaça com oscilações ocasionais da jurisprudência sem que haja alteração do Direito Positivo. Significa dizer que, sem alteração legislativa, também deve haver previsibilidade acerca do padrão de jurisprudência.

Não há, portanto, como se achar natural que a radical mudança da jurisprudência siga uma pseudo consciência social momentânea que, em verdade, não seria da sociedade, mas do aplicador da lei ao caso concreto. Noutras palavras, ao se deduzir em Juízo uma pretensão ou se formular um pleito recursal, a parte alvitra provocar o sistema de justiça com base no Direito Positivo e na interpretação (então) contemporânea. É demanda formulada com base no que está vigendo e contextualizando a aplicação do Sistema Jurídico.

Essa diretriz segue o rigor e vasto alcance da “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, pela redação que se lhe atribuiu a Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2.010[1], modificando-lhe o status de “Lei de Introdução ao Código Civil”[2] (Decreto-Lei nº 4657, de 04 de setembro de 1.942) e com as demais alterações que são oriundas da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2.018.

A respeito, Fábio Alexandre Coelho escreveu:[3]

 “Até o advento da Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, a hoje denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) era conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil (LICC). […] Sendo assim, é necessário conferir, à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o caráter de norma geral, já que o seu campo normativo lhe permite disciplinar todas as normas que integram o ordenamento jurídico pátrio. […] É em virtude do exposto que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é considerada uma lei voltada à aplicação de outras leis, uma lei das leis (lex legum), uma norma de supradireito, expressões que são utilizadas para deixar claro que o seu âmbito de incidência é o ordenamento jurídico e não um determinado ramo do direito. […] É lei autônoma, independente, editando princípios e regras sobre todas as normas, a respeito das leis em geral. Na verdade, como queria Freitas, como propôs Valladão, é lei geral de aplicação, no tempo e no espaço, das normas jurídicas, sejam de direito público ou de direito privado. Portanto, é uma lex legum, conjunto de normas sobre normas […] Normas de sobredireito, em suma, são regras a respeito da incidência das leis; são leis sobre leis (VELOSO, 2005, p. 13-4). […] Quando se defende que é possível a aplicação da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em relação às leis produzidas nas esferas municipal, distrital e estadual utiliza-se, como fundamento, o texto constitucional, particularmente o art. 24 da Constituição Federal, que versa sobre a competência concorrente entre as unidades federativas. […] Sendo assim, os seus dispositivos são aplicáveis também aos Municípios, aos Estados e ao Distrito Federal”… (nossos os grifos e destaques)

Interessante proposição está no art. 24, que introduz novo paradigma:

“Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completadolevará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único.  Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.” (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Noutras palavras: embora se trate de regra específica acerca de atos, contratos e normas administrativas (na letra da lei: “quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa”), a regra é inovadora. O parágrafo único daquele dispositivo ainda diz que “consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas […] em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária”. É razoável se pensar que o legislador buscou obrar com especialidade mas incluiu esse comando legal sob a normatização genérica da Lei nº 13.655/2.018, que cuida de disposições sobre “segurança jurídica e eficiência”[4]. Em suma, se prestigia a jurisprudência dominante e o princípio da “não-surpresa”. Também faz sentido indagar o motivo pelo qual a linha principiológica adotada pelo legislador, na mencionada disposição do caput, limitar-se-ia aos temas de natureza administrativa se (e é evidente) essa diretriz se espraia por todos os ramos do Direito.

A indagação talvez envolva o confronto da mens legis com a mens legislatoris e possa embasar pretensões alvitrando a aplicação da diretriz com propósitos mais amplos, de sorte a possibilitar a sua abrangência para outras circunstâncias e instâncias processuais e sob outros ramos da ciência jurídica, partindo-se, inclusive, da própria diretriz genérica da Lei nº 13.655/2.018, que cuida de disposições sobre “segurança jurídica e eficiência”[5] e que parcialmente modificou a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro. Talvez seja quesão de tempo e de pretensões que construam essa linha de argumentação, adiante ensejando resposta positiva das Cortes, sendo positiva a lição de Caio Mário[6], que diz que os tribunais “pronunciam-se em certo rumo, que com o tempo se fixa, sendo invocada habitualmente a sua jurisprudência, que aparentemente é a regra vigente”.

Fica, assim, pela novel diretriz, decorrente da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (já que é lei voltada à aplicação de outras leis)[7] repudiada a tendência de, simplesmente, se modificar o status quo com interpretações que inovem e modifiquem o contexto e/ou que contrariem a lógica do Sistema Jurídico e da interpretação segura e sólida.

 

REGIME DE TRANSIÇÃO[8]

 

Para reforçar ainda mais essa interpretação, para o âmbito administrativo, a mesma regra jurídica (Lei nº 13.655/2.018) cria um novel comportamento para os gestores e julgadores:

“Art. 23.  A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.” (n.g.)

Destaquemos o fato de que o comando normativo dirige-se a quem decidir com inovação sobre questão administrativa, seja no âmbito interno da própria Administração, seja no plano de controle externo, inclusive nas decisões judiciais. Trata-se de diretriz inovadora, importante e com alto potencial de impacto, que talvez não tenha ainda revelado todo o seu potencial no cotidiano dos administrados e, sim, também, dos jurisdicionados e das decisões judiciais.

Ao fixar o “regime de transição”, o comando normativo enaltece o que já dissemos, acerca do respeito ao Direito posto e da jurisprudência dominante, combatendo a possibilidade de surpresas interpretativas, assim atraindo e valorizando, portanto, o princípio da não-surpresa.

Maria Helena Diniz se pronunciou:[9]

“1. Regime jurídico de transição adequado com a modulação de efeitos

Se a decisão […] vier a estabelecer nova interpretação ou orientação, alterando entendimento anterior consolidado […] gerará instabilidade e, por isso, deverá, em prol da proteção da confiança e do bom senso, na hipótese daquelas mudanças, prever regime jurídico-administrativo de transição […] para que as pessoas afetadas ou surpreendidas com a alteração de interpretação e a administração possam se adequar à nova situação, consistiria numa modulação de efeitos”…

Importante seria, naturalmente, a demarcação do momento da postulação concreta como o do exercício do Direito Subjetivo, tanto na dedução da pretensão original em Juízo quanto da pretensão recursal, de sorte a fixar o marco temporal de aplicação do julgado a ser emitido e dessa “regra de transição” em caso de mudança de interpretação jurisprudencial. Nos parece, mesmo, que essa seja a vontade do legislador, expressada no suso referido art. 23, daquela norma.

A propósito, é crível que soa injusto que pretensão recursal possa dormir por anos nos escaninhos dos cartórios e secretarias e, eventualmente, ser resgatado após mudança de entendimento e, assim, ser atropelada e surpreendida  por novel tendência de interpretação jurisprudencial. Com isso, a vontade do povo, manifestada na forma de lei elaborada pelos seus representantes no Parlamento, não se confunde com a opinião do aplicador da lei em caso concreto. Este não representa a vontade popular, devendo decidir com base no Direito posto e com base no sistema consolidado de precedentes, o que nos chega pelo princípio processual da “não surpresa”[10] e pelo comando normativo, claro e cogente, da regra de aplicação e interpretação do Sistema Jurídico que exige a “regra de transição”.

              Nessa linha, vejamos o que consta na página Notícias do STJ, de 14.6.2020, sob o título “Princípio da não surpresa: a busca por um contraditório efetivo”:

[…] Segurança ju​rídica No STJ, o tema – que norteia a atuação de todo o Poder Judiciário – é frequente. Os julgamentos enfrentam a questão sob diversos aspectos, mas a intenção é sempre assegurar que todas as partes possam ser ouvidas e preservar, dentro dos ditames legais, os direitos e garantias fundamentais, inclusive a dignidade da pessoa humana – princípio legitimado tanto na ordem nacional quanto no plano internacional.

Conforme a própria Exposição de Motivos do CPC/2015, a função das normas sobre a não surpresa é garantir efetividade às garantias constitucionais, “tornando ‘segura’ a vida dos jurisdicionados, de modo que estes sejam poupados de ‘surpresas’, podendo sempre prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua conduta”.”[11]

 

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA COMO FONTE DO DIREITO: RECOMENDAÇÃO EM PROL DO SISTEMA DE PRECEDENTES.

 

O prestigioso Conselho Nacional de Justiça – CNJ muito tem contribuído para o aperfeiçoamento do Sistema de Justiça. Para os fins deste estudo, destacamos a Recomendação 134/2022, que prestigia o sistema de precedentes:

“DIRETRIZ DO CNJ:

RECOMENDAÇÃO N. 134, DE 9 DE SETEMBRO DE 2022.

Dispõe sobre o tratamento dos precedentes no Direito brasileiro

Art. 1º O sistema de precedentes representa uma nova concepção de jurisdição, em que o Poder Judiciário procura não apenas resolver de modo atomizado e repressivamente os conflitos já instaurados, mas se preocupa em fornecer, de modo mais estruturado e geral, respostas às controvérsias atuais, latentes e potenciais, de modo a propiciar a efetiva segurança jurídica.

[…]

Art. 4º Recomenda-se aos magistrados que contribuam com o bom funcionamento do sistema de precedentes legalmente estabelecido, zelando pela uniformização das soluções dadas às questões controversas e observando e fazendo observar as teses fixadas pelos tribunais superiores e, na falta de precedentes e jurisprudência por parte destes, pelos respectivos tribunais regionais ou estaduais.

[…]

Art. 10. Recomenda-se que haja menção expressa, na decisão, sobre as razões que levam à necessidade de afastamento ou ao acolhimento dos precedentes trazidos pelas partes (art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015).

[…]

Art. 14. omissis

§ 5o A indevida utilização do distinguishing constitui vício de fundamentação (art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015), o que pode ensejar a cassação da decisão.”[12] (n.g.)

Fundamental é perceber que, diferentemente das disposições da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro que antes consideramos, esta recente Recomendação do Conselho Nacional de Justiça não se limita a matérias de natureza administrativa.

Assim, embora denominado de Recomendação, trata-se de regra de cumprimento obrigatório para os seus destinatários, exatamente pela presença de sanção prevista. Ao reconhecer como vício de fundamentação a indevida utilização do distinguishing (acrescentamos, ou a sua ausência) e a possibilidade de cassação da decisão (como já fixava o Código de Processo Civil), é razoável se admitir que haja a possibilidade de instância correcional e de estar implícito um elemento sanção – que, pela Teoria das Normas Jurídicas, categoriza a regra legal como Norma Jurídica.

Santiago Dantas[13], o grande professor de Direito Civil, explicava:

…”Desde logo se observa uma coisa: é que numerosos conceitos contidos num diploma legislativo, não são normas jurídicas […] é uma norma legislativa […] mas que não são jurídicas, não são comandos munidos de sanção.

Normas Jurídicas – As normas jurídicas que se caracterizam pela presença desses dois elementos – comando e sanção […] Considerem-se agora as normas que são jurídicas por terem comando e sanção”…

Serpa Lopes[14], invocando lições dos clássicos europeus, ensinava:

…”refere Suarez, as simples palavras, os fatos tão-somente, não são capazes de criar o dever jurídico […] Por outro lado, como diz Enneccerus […] muitos ordenamentos […] não só declaram em que consiste uma obrigação, mas também contém o mandto de cumprir a obrigação imposta, e só este ato de mandar os eleva à categoria de Direito. […] A distinção das normas, de acordo com a sua respectiva sanção, é justificada por Cogliolo, atendendo a ser a sanção o meio pelo qual elas se realizam coativamente”…

Fixado esse ponto, vemos que, como nos dispositivos transcritos, o comando normativo prestigia o sistema de precedentes, com o art. 10 enaltecendo que o julgador deve expressar as razões pelas quais adota ou afasta os precedentes trazidos pelas partes, com a sua força cogente, resultante do alerta contido no Parágrafo 5º, do art. 14, que considera o desvio como “vício de fundamentação” e hábil a “ensejar a cassação da decisão”.

Efeito prático concreto deve merecer atenção. Explicamos: no cotidiano dos fóruns, o descumprimento da norma do CPC (art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015[15]) ensejaria a interposição dos recursos. Talvez, em primeiro lugar, os aclaratórios, para levar o julgador a emitir decisão que pudesse sanar a omissão, obscuridade ou contradição, integrando a novel decisão com a original e embargada e, conforme o caso, também para fixar o ponto controvertido da ofensa ao dispositivo da lei federal ou da Carta Política de 1988 e fazer o prequestionamento, para ensejar o acesso, via Recurso Especial ou Recurso Extraordinário, conforme o caso, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, respectivamente.

Contudo, o que fazer se, ainda assim, não for observado o comando normativo em comento? Recorrer, no sentido processual, com o emprego das vias impugnatórias recursais, tradicionalmente à disposição, decerto – como, aliás, exemplificamos.           Todavia, o prestigioso Conselho Nacional de Justiça parece criar novel contexto, na esfera hierárquico-administrativa. Esse tema é novo, já que a comentada Recomendação CNJ nº 134/2.022 foi recentemente editada e, talvez, ainda não tenha alcançado todo o seu potencial entre os operadores do Direito.

A pergunta é: a comentada Recomendação institui dever jurídico aos julgadores, a ponto de permitir sanção administrativa e gestão correcional, pelo seu descumprimento?

Antes de avançar, é fundamental perguntar: Recomendação do CNJ pode ser ou não cumprida? Se fosse de observância facultativa pareceria perder sentido e, como há a previsão de sanção, pelo não cumprimento da conduta “recomendada” no plano da possível cassação da decisão, soa como de cumprimento obrigatório, o que nos permite considerar que é Fonte do Direito para os seus destinatários.

José Guilherme Vasi Werner[16] explica:

“Por meio dessa Ação (Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12-DF) o Supremo Tribunal Federal reconheceu o poder normativo primário do Conselho, abrindo a porta para que diversos aspectos da rotina de funcionamento dos tribunais, sejam eles federais, sejam estaduais, viessem a ser regulados a partir de Brasília, em mais um movimento hierarquizante”… (n.g.)

Citando Norberto Bobbio, Rachel Herdy escreveu[17]:

”Uma recomendação do CNJ, portanto, não é categoricamente distinta de um comando do Código Penal. Ambos possuem a mesma natureza jurídica — constituem-se como fontes do direito.” (n.g.)

Fredie Didier Jr. e Leandro Fernandez ensinam[18] que

…”É equivocado afirmar que o CNJ não pode expedir regulamentos em matéria processual[…] norma é uma proposição passível de expressão por meio de um dos modais deônticos (obrigatório, proibido ou permitido), com a expectativa de dirigir dado comportamento […] É nesses espaço que se situam as Recomendações do CNJ”… (n.g.)

Evidente que o Conselho Nacional de Justiça fixa o princípio da não surpresa e da confiança como âncoras da estabilidade do Sistema Jurídico. Tanto é assim que o CPC cria (e o CNJ ratifica) dever jurídico para o julgador, prefendo a necessidade de justificativa quando adotar e, é crível, com mais razão, afastar os precedentes trazidos pelas partes, com a previsão de que a decisão se sujeita à cassação. A diretriz, evidentemente, confere maior qualificação aos precedentes e nos parece de acordo com o novel e vigente paradigma introduzido pela antes referida Lei de Introdução ao Direito Brasileiro.

Na mesma linha, Rafael de Lazari[19] ensina:

…”a fim de evitar decisões conflitantes o Conselho tem várias decisões administrativas na trilha deixada pelo Supremo, na busca de harmonização dos pronunciamentos do Poder Judiciário e da preservação da Segurança Jurídica” (n.g.)

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: FAROL PELO BOM DIREITO

 

Bertrand de Jouvenel, citando Léon Duguit, ensina que: “O poder público tem por finalidade realizar o direito. E não importa a origem do Poder, ele se legitima quando se exerce em conformidade com o Direito”.[20]

Além disso, em nota de rodapé na citada obra, assim se traduziu ensinamento de Léon Duguit:[21]

…”Ninguém tem o direito de mandar nos outros: nem um imperador, nem um rei, nem um Parlamento, nem uma maioria popular podem impor sua vontade como tal; seus atos só podem se impor aos governados se forem conforme ao direito. Sendo assim, a questão frequentemente discutida de saber qual é a finalidade do Estado, ou, mais exatamente, do poder político, resolve-se da seguinte maneira: o poder político tem por finalidade realizar o direito; ele é obrigado por esse direito a fazer tudo que está em seu poder para assegurar o reinado do direito. […] As fórmulas variaram com os séculos, mas o fundo é sempre o mesmo” (n.g.)

Importante considerar que o sistema pátrio, como tantos, está estruturado em torno das leis e do seu império. Nessa senda, o Direito Positivo se impõe. Ora, atualmente, pelas disposições normativas da novel Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, a aplicação do Direito Positivo deve ser de acordo com os precedentes – como, aliás, faz o Conselho Nacional de Justiça no edito suso referido.

 

JUSTIÇA MAIS LENTA – RELATÓRIO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – 2.024 – RIGIDEZ NO SISTEMA DE PRECEDENTES PODE OTIMIZAR O SISTEMA

Em 28.5.2024 foi noticiado que o tempo médio para a prolação da Sentença aumentou e chega, em média, a dois anos e três meses, quando comparado aos números do ano de 2015.[22] O menor tempo médio pertence ao tribunal de Roraima (média de nove meses), ao passo que a maior demora é do Tribunal do Rio de Janeiro (média de três anos e nove meses).

Isso não significa o tempo total da tramitação processual, apenas o tempo para a prolação da sentença, pois é sabido que a fase executória tem levado cerca de 3 (três) vezes mais tempo, como registrava o próprio Conselho Nacional de Justiça, em idos de 2017[23].

Como isso pode ocorrer, se vivemos a realidade dos processos eletrônicos e da informática, contando, inclusive, com fórmulas e institutos como a repercussão geral, os recursos especiais repetitivos e as súmulas vinculantes? É verdade que há o crescimento vegetativo natural da população e, portanto, do volume de processos e recursos. Todavia, questões pontuais colaboram para o inchaço do número de processos.

Fórmula útil parece estar, exatamente, no fomento ao sistema de precedentes, com as disposições da novel Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, corroboradas pela mencionada regra do Conselho Nacional de Justiça.

Por fim, sendo evidente que essa análise não é exaustiva e nem pretenderia ser, sendo apenas produto de reflexões mais amplas em prol de prestação jurisdicional mais rápida e, principalmente, segura, para os jurisdicionados e atores do sistema jurídico, pela confiança que os precedentes devem a todos conferir.

 

CONCLUSÃO

 

São duas novas disposições normativas e de caráter geral e abrangente, que tratam do prestígio ao sistema de precedentes consolidados. Com modo e estatura normativa diferentes, a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro traz avanços reconhecidos em prol da “segurança jurídica e eficiência”[24] e Recomendação do Conselho Nacional de Justiça prestigia o sistema de precedentes (art. 10), valorizando a observação das teses fixadas pelos tribunais superiores e, na falta destes, pelos respectivos tribunais regionais e estaduais (art. 4º), fixando que o descumprimento da disposição processual a respeito pode ensejar a cassação da decisão (art. 14, Parágrafo 5º).

A vocação específica acerca das questões administrativas onde a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro cria, expressamente, o Regime de Transição (art. 23) para o caso de novel diretriz decisória sobre Direito Administrativo, se nos parece dar nova dimensão ao universo da modulação de efeitos, sendo crível que o espelhamento desse direcionamento possa influenciar decisões outras e sobre outras matérias, com semelhante sistema de transição, circunstância que a priori pode resultar da simpes inserção de comando específico numa regra legal de aplicação genérica e ampla e que se espraia por todos os entes federativos e a todas as áreas do Direito pátrio, como o é a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

COELHO, Fábio Alexandre. Lei de introdução às normas do direito brasileiro: comentada: Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, com a alteração dada pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010. São Paulo: EDIPRü, 2015

DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago. Programa de Direito Civil. Volume I. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977.

DIDIER JR, Fredie e Leandro Fernandez. O Conselho Nacional de Justiça e o Direito Processual. São Paulo: Ed. Juspodium, 2023, 2ª edição.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Interpretada. São Paulo: SaraivaJur, 20ª edição, 2024.

JOUVENEL, Bertrand de. O Poder. História natural do seu crescimento. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Peixoto Neto, 1998.

LAZARI, Rafael de. Conselho Nacional de Justiça: dimensões operacionais e controvérsias. Curitiba: Juruá, 2017.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civi. Volume I. Revisão e atualização Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 33ª edição, 2020.

SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. Volume I. São Paulo: Freitas Bastos, 8ª edição, 1996.

WERNER, José Guilherme Vasi. O CNJ e a recomfiguração do campo judiciário. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, Vlex, Synergia, 2019.

 

INTERNET:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Princípio da não surpresa: a busca por um contraditório efetivo. Notícias, 14.6.2020. Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Principio-da-nao-surpresa-a-busca-por-um-contraditorio-efetivo.aspx. Consulta em 07.6.2024.

BRASIL. CNJ.  Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça, com redação dada pela Portaria n. 54, de 22.6.2022.  Fonte: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2104 – consulta em 28.5.2024.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 134, de 09.9.2022. Fonte: https://www.conjur.com.br/dl/cnj-recomenda-distinguishing-nao-sirva.pdf

HERDY, Rachel. A recomendação de uma instituição normativa serve para quê? – Consultor Jurídico, 31.7.2020, https://www.conjur.com.br/2020-jul-31/limite-penal-recomendacao-instituicao-normativa-serve/#:~:text=Uma%20recomendação%20do%20CNJ%2C%20portanto,tão%20eficazes%20como%20os%20comandos.– Consulta em 29.5.2024.

BRASIL. Consultor Jurídico. Demora aumenta: tempo médio para sentença cresce e chega a dois anos e três meses. Conjur, 28.5.2024. Fonte https://www.conjur.com.br/2024-mai-28/tempo-medio-para-sentenca-cresce-e-chega-a-dois-anos-e-sete-meses/ – consulta em 28.5.2024.

BRASIL. CNJ. Execução judicial demora três vezes mais do que o julgamento. Notícias do CNJ, 01.9.2017. Fonte https://www.cnj.jus.br/a-demora-para-executar-decisao-e-maior-do-que-o-de-julgamento-na-justica/ – consulta em 29.5.2024.

LEGISLAÇÃO:

BRASIL. Decreto-Lei 4657/42.

BRASIL. Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010.

BRASIL. Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018.

BRASIL. Código Civil de 1916.

BRASIL. Código Civil de 2002.

BRASIL. Código de Processo Civil.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 134/2022.

Notas:

[1] BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010 – Fonte:   https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12376.htm#art2

[2] BRASIL. Decreto-lei 4657/42 – Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm

[3] COELHO, Fábio Alexandre. Lei de introdução às normas do direito brasileiro: comentada: Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, com a alteração dada pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010. São Paulo: EDIPRü, 2015, páginas 14-17.

[4] Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018 – Fonte https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13655.htm#art1.

[5] Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018 – Fonte https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13655.htm#art1.

[6] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civi. Volume I. Revisão e atualização Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 33ª edição, 2020, p. 49.

[7] COELHO, Fábio Alexandre. Lei de introdução às normas do direito brasileiro: comentada: Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, com a alteração dada pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010. São Paulo: EDIPRü, 2015, páginas 14-17.

[8] Lei nº 13.655/2.018, Art. 23: “Art. 23.  A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais

[9] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Interpretada. São Paulo: SaraivaJur, 20ª edição, 2024, p. 503-508.

[10] BRASIL. Código de Processo Civil, “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”

[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Princípio da não surpresa: a busca por um contraditório efetivo. Notícias, 14.6.2020. Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Principio-da-nao-surpresa-a-busca-por-um-contraditorio-efetivo.aspx. Consulta em 07.6.2024.

[12] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 134, de 09.9.2022. Fonte: https://www.conjur.com.br/dl/cnj-recomenda-distinguishing-nao-sirva.pdf

[13] DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago. Programa de Direito Civil. Volume I. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 71 e 72.

[14] SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. Volume I. São Paulo: Freitas Bastos, 8ª edição, 1996, p. 60, 61 e 62.

[15] BRASIL. Legislação Federal. Código de Processo Civil, art. 489, V e VI: “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: […] V – se limitar a invocar precedente o u enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.” Fonte https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Consulta em 29.5.2024.

[16] WERNER, José Guilherme Vasi. O CNJ e a recomfiguração do campo judiciário. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, Vlex, Synergia, 2019, p. 157.

[17] HERDY, Rachel. A recomendação de uma instituição normativa serve para quê? – Consultor Jurídico, 31.7.2020, https://www.conjur.com.br/2020-jul-31/limite-penal-recomendacao-instituicao-normativa-serve/#:~:text=Uma%20recomendação%20do%20CNJ%2C%20portanto,tão%20eficazes%20como%20os%20comandos. – n.g.

[18] DIDIER JR, Fredie e Leandro Fernandez. O Conselho Nacional de Justiça e o Direito Processual. São Paulo: Ed. Juspodium, 2023, 2ª edição, p. 101, 103 e 104.

[19] LAZARI, Rafael de. Conselho Nacional de Justiça: dimensões operacionais e controvérsias. Curitiba: Juruá, 2017, p. 185.

[20] JOUVENEL, Bertrand de. O Poder. História natural do seu crescimento. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Peixoto Neto, 1998, p. 378.

[21] JOUVENEL, Bertrand de. Obra cit., p. 378, Nota 428, citando Léon Duguit, Traité de Droit Constitucional, t.1, Paris, 1921, p. 518-519.

[22] BRASIL. Consultor Jurídico. Demora aumenta: tempo médio para sentença cresce e chega a dois anos e três meses. Conjur, 28.5.2024. Fonte https://www.conjur.com.br/2024-mai-28/tempo-medio-para-sentenca-cresce-e-chega-a-dois-anos-e-sete-meses/ – consulta em 28.5.2024.

[23] BRASIL. CNJ. Execução judicial demora três vezes mais do que o julgamento. Notícias do CNJ, 01.9.2017. Fonte https://www.cnj.jus.br/a-demora-para-executar-decisao-e-maior-do-que-o-de-julgamento-na-justica/ – consulta em 29.5.2024.

[24] Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018 – Fonte https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13655.htm#art1.

Rogério Reis Devisate – Advogado. Defensor. Escritor. Palestrante. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da Academia Fluminense de Letras e da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ (instagram @rogeriodevisate – E-mail [email protected])

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