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Direito Agrário

Sanidade animal: Justiça suspende o abate de égua com suspeita de mormo

“O Juizado Especial da Fazenda Pública de Três de Maio deferiu liminar suspendendo o sacrifício de égua de propriedade de Gilberto Padilha. O animal fora diagnosticado com mormo, mas, segundo o autor da ação, os testes realizados pelo Estado do Rio Grande do Sul são ‘obsoletos e não apontam um resultado seguro’. O processo foi analisado pelo Juiz Daniel Paiva Castro.

O dono do equino pediu a suspensão do abate do animal até serem conhecidos os resultados de um teste realizado nos Estados Unidos, ao qual se comprometeu a arcar com os custos. Baseado em laudo técnico confirmando a eficácia do exame, o magistrado considerou ‘perfeitamente possível a autorização judicial para tanto, ainda mais em se considerando que o equino encontra-se em isolamento, sem apresentação de sintomas da enfermidade’. Se o novo exame comprovar a contaminação, a Administração Pública estará autorizada a realizar o sacrifício da égua.

Intimando as partes com urgência, o Juiz permitiu o acompanhamento de profissional da autoridade sanitária competente. A realização do exame deverá ser implementada pelo perito a ser designado pelo juízo. Na decisão, o magistrado fixou multa de R$ 10 mil para o caso de descumprimento da liminar pelo Estado”.

Processo nº 074/3.16.0000132-0

Fonte: TJRS, 01/06/2016.

Direito Agrário

Confira os termos da decisão:

Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul
Número do Processo: 3.16.0000132-0
Comarca: Três de Maio
Órgão Julgador: Juizado Especial da Fazenda Pública

Despacho

 

Vistos.

Trata-se de analisar pedido de liminar pleiteada em processo cautelar, tendo o requerente postulado a suspensão do abate de égua de sua propriedade, argumentando que o requerido procedeu a exame preliminar de “Teste de Fixação de Complemento” no animal, tendo sido apontado como resultado a suspeita de que o semovente está contaminado com a bactéria do “mormo”, razão pela qual foi determinada a realização de novo exame para confirmação da suspeita.

Refere o requerente que o novo exame a ser realizado pelas autoridades sanitárias, qual seja, o “Teste de Maleína”, será levado à efeito em data próxima, com resultado previsto para 48 horas e, se o resultado apontar para a probabilidade de contaminação por “mormo”, o animal será imediatamente sacrificado.

Sustenta que os referidos exames realizados pelas autoridades sanitárias no Brasil são obsoletos e não apontam um resultado seguro quanto à doença “mormo”, dado que são baseados na detecção de anticorpos para a bactéria.

Pleiteia a suspensão do sacrifício do animal de sua propriedade para que seja realizado o exame denominado PCR (Polymerase Chain Reaction – Reação de Polimerização em Cadeia), o qual afirma ser o único capaz de diagnosticar com a máxima certeza se o animal possui a bactéria.

Aduz que se responsabiliza por todo o custeio para a realização do referido exame, informando que tal é realizado nos Estados Unidos.

É o brevíssimo relatório.

Compulsando os autos, verifico que estão presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Os documentos das fls. 13/26 trazem informações técnicas acerca das questões veterinárias envolvendo a doença “mormo”, sendo que foram firmados por profissional veterinário que apresenta ampla explicação sobre o tema e exames de diagnóstico.

O médico veterinário em questão considera que o exame denominado Teste de Fixação de Complemento, utilizado como requisito inicial para se determinar a inclusão ou exclusão de animais sob suspeita de mormo é inconclusivo para detectar a bactéria, bem como os exames de “Teste de Maleína” e “Técnica de Western Blotting”.

O parecer médico-veterinário em questão refere que a realização do exame PCR (Polymerase Chain Reaction ¿ Reação de Polimerização em Cadeia), baseado em amplificação de sequência de DNA (Ácido Desoxirribonucleico), é uma técnica muito mais moderna e avançada, utilizada internacionalmente para o diagnóstico do “mormo”, oferecendo grau próximo a 100% de certeza quanto ao resultado apontado.

Ora, se há uma técnica científica mais apurada a comprovar eventualmente a inexistência da doença, bem como havendo a opinião de um médico veterinário afirmando que as técnicas utilizadas pelas autoridades sanitárias no Brasil são inconclusivas para o diagnóstico da doença “mormo”, além do fato do próprio requerente se comprometer em custear tal procedimento, é perfeitamente possível a autorização judicial para tanto, ainda mais em se considerando que o equino encontra-se em isolamento, sem apresentação de sintomas da enfermidade, como referido pelo laudo das fls. 27/30.

O requisito do periculum in mora se mostra presente em razão de estar em vias de ser aprazado o abate do animal, caso confirmada a suspeita pelo segundo exame a ser realizado, o que, além de resultar em destruição do bem móvel do requerente, inviabilizaria a pretendida contraprova posteriormente, ante a irreversibilidade da medida.

Vale lembrar que a propriedade é um direito fundamental previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal, sendo que o inciso LIV desse mesmo dispositivo traz a garantia assecuratória de que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal.

Embora se compreenda a relevância sanitária em se proceder ao abate de animais contaminados com doença grave e contagiosa, visando preservar a integridade das pessoas e salvaguardar a saúde pública, não se desincumbe o Poder Público de proceder nos estritos termos da CF e das Leis, devendo promover o devido processo administrativo para apurar se o animal fiscalizado está mesmo contaminado para se proceder, em seguida, ao abate.

Havendo dúvida razoável quanto à eficácia das técnicas diagnósticas utilizadas pelas autoridade sanitárias brasileiras para a detecção da doença “mormo”, e se dispondo o proprietário em custear uma investigação médica mais precisa e segura, deve ser garantido o pleito vindicado, sendo que, comprovada a contaminação do equino, poderá a Administração Pública proceder ao consequente abate do semovente. Por tais fundamentos, nos termos do art. 305 do CPC, defiro a liminar vindicada, suspendendo o abate do animal equino referido na inicial, até que se realize o exame PCR (Polymerase Chain Reaction – Reação de Polimerização em Cadeia), às expensas da parte autora.

Esclareço que feito semelhante já foi ajuizado neste Juizado Especial da Fazenda Pública, tendo Estado do Rio Grande do Sul apresentado parecer técnico contrário ao que fora apresentado na inicial daquela demanda.

Naqueles autos, entendeu este juízo ser necessária a realização de prova pericial, o que desde já determino, às custas do autor, sendo que será este profissional a ser nomeado pelo juízo que promoverá a coleta do material e providenciará o exame necessário.

Autorizo desde já o devido acompanhamento de profissional da Inspetoria Veterinária de Três de Maio, ou de agente da Vigilância Sanitária do Estado do Rio Grande do Sul, ou agente da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

A realização do exame, com coleta do material e competente envio a laboratório de análise nos Estados Unidos, deverá ser implementado pelo perito a ser designado pelo juízo após a efetivação da liminar de suspensão do abate do animal.

Fixo a multa de R$ 10.000,00 para o caso de descumprimento da liminar pelo requerido.

Acaso confirmada a doença no exame a ser realizado, autorizo o imediato abate do animal pelas autoridade sanitárias.

Intimem-se com a máxima urgência o chefe da Inspetoria Veterinária de Três de Maio, a Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Vigilância Sanitária do Estado do Rio Grande do Sul acerca da presente decisão.

Indefiro os requerimentos de notificação formulados na inicial, dado que tais matérias são relativas a eventual defesa do réu.

Imprima-se tramitação urgente no presente feito, ante a necessidade de apuração célere dos fatos.

Cite-se.

Diligências legais.

Daniel Paiva Castro

Juiz de Direito

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– Após um ano da confirmação de caso de mormo no RS, erradicação da doença ainda não tem prazo. Discussão sobre a eficiência do teste de maleína abre caminho para judicialização da questão. Desde 2015 foram detectados 41 focos da doença no Estado (ZH, Caio Cigana, 31/05/2016)

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– Suspenso sacrifício de equino com suspeita de Mormo (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 25/09/2015)

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