Conheça a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, em ação coletiva de consumo, manteve a condenação de distribuidor de alimentos a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), em razão de ter colocado à venda produtos contaminados com agrotóxicos de uso proibido pela ANVISA.
Confira a íntegra da decisão:
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Número do processo: 70067355198
Comarca: Comarca de Porto Alegre
Data de Julgamento: 27/01/2016
Relator: Carlos Cini Marchionatti
CCM
Nº 70067355198 (Nº CNJ: 0420897-52.2015.8.21.7000)
2015/Cível
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. COMERCIALIZAÇÃO DE PEPINO. PRESENÇA DE AGROTÓXICOS PROSCRITOS PELA ANVISA EM AMOSTRAGEM FEITA PELA SECRETARIA DA SAÚDE ESTADUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMERCIANTE. DANO MORAL COLETIVO. ARBITRAMENTO. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM JORNAIS DE GRANDE CIRCULAÇÃO.
A constatação de agrotóxicos proscritos pela ANVISA em amostragem de pepinos comercializados pelo atacadista de produtos hortifrutigranjeiros determina a sua responsabilidade civil, por colocar no mercado produtos impróprios ao consumo que colocam em risco a saúde de infinidade de consumidores, justificando a determinação de abstenção ao comércio desse produtos fora das especificações legais e normativas.
Ocorre dano moral coletivo com a colocação no mercado de produtos contaminados com agrotóxicos proscritos, que se arbitra em valor compatível com a eficácia regional da sentença, a lesividade da conduta, a dimensão coletiva do prejuízo à saúde pública.
A publicação da sentença em jornais, às expensas da parte demandada na ação coletiva, é condição para a eficácia ‘erga omnies’ da sentença.
Apelação Cível
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Vigésima Câmara Cível |
Nº 70067355198 (Nº CNJ: 0420897-52.2015.8.21.7000)
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Comarca de Porto Alegre |
CARLOS ILIDIO GOULART DE AZEVEDO
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APELANTE |
MINISTERIO PUBLICO
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APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des.ª Walda Maria Melo Pierro e Des. Dilso Domingos Pereira.
Porto Alegre, 27 de janeiro de 2016.
DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Carlos Cini Marchionatti (RELATOR)
O Ministério Publico ajuizou ação coletiva de consumo em face de Carlos Ilidio Goulart de Azevedo, julgada procedente pelo juízo de origem, que assim decidiu na sentença (fls. 86-92):
(…)
Isso posto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, resolvo pela procedência da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra Carlos Ilídio Goulart de Azevedo para:
a) ratificar a antecipação de tutela concedida, determinando ao réu a abstenção da oferta, manutenção em depósito para venda ou comercialização produtos in natura fora das especificações legais e infralegais, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
b) condenar o demandado ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), corrigidos monetariamente, pelo IGP-M (FGV), a partir da publicação desta sentença e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento ao mês) a contar da citação, a ser revertido para o Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, de acordo com o art. 13 da Lei nº. 7.347/85;
c) condenar o réu, a publicar, às suas expensas, no prazo de 15 dias do trânsito em julgado da sentença, nos jornais Correio do Povo, O Sul e Zero Hora, em três dias alternados, nas dimensões de 20cm x 20cm, a parte dispositiva desta sentença sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), revertendo eventual numerário arrecadado para o fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, art. 13, da Lei nº 7.347/85.
Foram opostos embargos declaratórios (fls. 94-6), que foram rejeitados pelo juízo de origem (fl. 97).
A parte demandada interpôs apelação, alegando que não pode ser responsabilizado diretamente pela presença de agrotóxico em excesso nas verduras que comercializa, porque sua responsabilidade, como comerciante, é subsidiária a do produtor; a detecção do agrotóxico limitou-se a 2 quilos do produto comercializado, circunstância que determina o excesso das penalidade impingidas na sentença; o valor da indenização do dano moral mostra-se excessivo; o valor da multa arbitrada pelo caso de descumprimento mostra-se excessivo; também se mostra exagerada a determinação para publicar a sentença em jornais de grande circulação (fls. 100-8).
O juízo de origem recebeu a apelação no efeito devolutivo (fl. 119).
O órgão do Ministério Público na origem apresentou contra-razões, requerendo o improvimento do recurso (fls. 111-8).
O Dr. Procurador de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento da apelação (fls. 122-8).
Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, foram simplificados os procedimentos dos artigos 549, 551 e 552, do CPC, resguardada a integralidade.
É o relatório.
VOTOS
Des. Carlos Cini Marchionatti (RELATOR)
Não conheço do agravo retido por conversão de agravo de instrumento (fls. 72-6 e 78), porque não houve reiteração do recurso nas razões da apelação.
Quanto ao mérito da pretensão recursal da apelação, a sentença recorrida que julgou a ação coletiva de consumo deve ser reafirmada.
A prova técnica produzida identificou contaminação por agrotóxicos de uso proscrito pela ANVISA à cultura de pepinos (fl. 11), nas amostragens de verduras retiradas no estoque comercializável da parte demandada, fornecedor atacadistas de produtos hortifrutigrangeiros.
A amostragem retrata o potencial danoso e permite dimensionar o quanto desses produtos foram colocados no mercado, a partir do porte do comerciante atacadista demandado na ação coletiva de consumo.
Considerando a sua responsabilidade civil objetiva, como fornecedor, nos termos do artigo 12, § 3º, I, do Código de Defesa do Consumidor, era do fornecedor o ônus da prova quanto à colocação diminuta de produto contaminado no mercado, de modo a provar a menor expressão do dano.
Não tendo se desincumbido desse ônus mediante as alegações defensivas, improvadas, de que a contaminação se referia a pequena parcela dos produtos que comercializa, justifica-se as condenações da sentença em ação coletiva de consumo, dado grau de lesividade presumido da conduta.
É fato notório o abuso na utilização de agrotóxicos no país. De acordo com dados apurados pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, o Brasil é lugar em que mais se expõe o consumidor ao uso excessivo de no mundo, com 19% do mercado mundial.
Conforme o Dossiê Abrasco sobre o impacto do uso de agrotóxicos no Brasil (Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde / Organização de Fernando Ferreira Carneiro, Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Karen Friedrich e André Campos Búrigo. – Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015, p. 56):
“Um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado pelos agrotóxicos, segundo análise de amostras coletadas em todas os 26 estados do Brasil, realizada pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Anvisa (2011).
(…)
Destaca-se também que o nível médio de contaminação das amostras dos 26 estados brasileiros está distribuído pelas culturas agrícolas da seguinte maneira: pimentão (91,8%), morango (63,4%), pepino (57,4%), alface (54,2%), cenoura (49,6%), abacaxi (32,8%), beterraba (32,6%) e mamão (30,4%), além de outras culturas analisadas e registradas com resíduos de agrotóxicos, conforme apresentado na tabela 1.4 (BRASIL. ANVISA, 2011a).
(…)
O uso de um ou mais agrotóxicos em culturas para as quais eles não estão autorizados, sobretudo daqueles em fase de reavaliação ou de descontinuidade programada devido à sua alta toxicidade, apresenta consequências negativas na saúde humana e ambiental.”
Há responsabilidade solidária por danos nas relações de consumo do comerciante das verduras contaminadas com agrotóxico, conforme o disposto no artigo 7°, parágrafo único, 10 e 18, caput¸e § 5º, todos do Código de Defesa do Consumidor.
O comerciante atacadista de produtos hortifrutigrangeiros possui condições e responsabilidade de escolher e detectar os produtos que utilizam agrotóxicos em desacordo com as regras da ANVISA.
A comercialização de produtos contaminados pelo uso por agrotóxicos gera danos de ordem difusa à saúde dos consumidores, justificando a condenação por dano moral coletivo, na medida em que o comerciante deve buscar adquirir sua mercadoria de produtores identificados, conforme Norma Técnica n. 01/2005 da Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, e preferencialmente certificados, sob pena de concorrer à responsabilização civil pelo uso indevido de agrotóxicos.
A ocorrência do dano moral coletivo decorre da exposição dos consumidores de sérios riscos à saúde ao comercializar produtos alimentícios em desacordo com a legislação pertinente ao uso de agrotóxicos de uso proscrito pela ANVISA, porque a sua conduta é de alta nocividade.
O dano moral coletivo é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.
E como o dano extrapatrimonial coletivo, prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
A jurisprudência da 20ª Câmara Cível, em consonância com a do Superior Tribunal de Justiça, admite a figura do dano moral coletivo no âmbito das relações de consumo, conforme se depreende dos seguintes precedentes jurisprudenciais:
Apelação cível e recurso adesivo. Serviços bancários. Ação coletiva de consumo. Cobrança de tarifa de emissão de boleto bancário. Abusividade. Resoluções do Conselho Monetário Nacional que objetivamente vedam a cobrança. Questões preliminares de nulidade da sentença e quanto às condições da ação. Legitimidade passiva da instituição bancária. Caracterização da prática abusiva. Ônus da prova da cobrança abusiva. Restituição simples e em dobro, no caso de cobrança posterior à medida deferida. Execução coletiva. Comandos da sentença. Dano moral coletivo. Honorários de sucumbência à Defensoria Pública. Inexiste nulidade da sentença por omissão nos seus fundamentos, mas irresignação pura quanto ao decidido e corretamente fundamentado, motivo pelo qual se rejeita a questão preliminar argüida. As questões preliminares quanto às condições da ação também não procedem. Confundem-se com o próprio mérito do questionamento coletivo da abusividade na cobrança de taxa de emissão de boleto bancário, motivo pelo qual devem ser rejeitadas. O banco demandado é parte legítima para a ação coletiva, na medida em que cobra encargo do sacado, consumidor ou equiparado a consumidor, cobrança que se caracteriza como custo operacional próprio de suas atividades, prática proscrita pelo Conselho Monetário Nacional. A instituição de tarifas a partir de quantificação de custos operacionais bancários afigura-se como prática abusiva, na medida em que se transfere ao consumidor um encargo que deveria ser suportado pela instituição financeira, justamente por constituir custo operacional de sua atividade. O reconhecimento dessa prática abusiva também ocorre por meio de Resoluções do Conselho Monetário Nacional, vedando a cobrança no âmbito do poder regulatório financeiro, o que converge com a defesa do consumidor ou equiparado. A inversão do ônus da prova constitui regra de julgamento, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, aplicável às ações coletivas de consumo. No presente processo, a mais ampla produção probatória foi garantida ao banco demandado, até mesmo com desconstituição da sentença anterior, de modo que se produzisse prova em instrução quanto aos fatos alegados na contestação apresentada, ônus do qual não se desincumbiu adequadamente. A abusividade da cobrança gera o direito à restituição simples, até o deferimento da liminar em ação coletiva, e em dobro depois do deferimento da liminar, podendo ser objeto tanto de execução coletiva pelos legitimados quanto de execução individual dos beneficiados com a sentença. O fornecimento de dados referentes ao montante do que foi cobrado constitui medida ao fácil alcance do banco demandado, pois o setor financeiro é um dos pioneiros na informatização da sua atividade no Brasil, dados esses que estão obrigados a fornecer rotineiramente à Receita Federal. A redução do prazo para cumprimento, no caso de recurso, constitui medida adequadamente imposta na sen trâmite do processo nas instâncias recursais, não causando ônus injusto ao fornecedor, na medida em que já possui meios de calcular o quanto demorará o processo até o seu trânsito em julgado, prevenindo-se econômica e administrativamente para efetuar a execução do julgado. Publicizar a nulidade da cobrança declarada em sentença nas agências do banco demandado é o comportamento mínimo exigível do banco, na medida em que disponibiliza os seus serviços de cobrança a seus clientes. A publicação da sentença em jornais, às expensas da parte demandada na ação coletiva, é condição para a eficácia ‘erga omnies da sentença’, e para a própria possibilidade do consumidor individualmente lesado obter o seu ressarcimento. O dano moral coletivo é juridicamente possível, segundo precedentes da Câmara e do Superior Tribunal de Justiça, e está caracterizado no caso concreto. O arbitramento é feito em valor compatível com a eficácia nacional da sentença, a lesividade da conduta, a dimensão coletiva do prejuízo à economia popular e o porte econômico da instituição financeira infratora. Honorários de sucumbência, corolário da integral procedência do pedido, ao Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública do Estado – FADEP. (Apelação Cível Nº 70052308905, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 10/04/2013);
AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. BRASIL TELECOM. 1.CONDENAÇÃO DA REQUERIDA EM OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER, CONSISTENTE NA ABSTENÇÃO DE INCLUIR OS SERVIÇOS INTEGRANTES DO `PACOTE INTELIGENTE¿ OU QUALQUER OUTRO SERVIÇO ACESSÓRIO, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO, EXPRESSA POR ESCRITO, DOS CONSUMIDORES, OU, ALTERNATIVAMENTE, SEM PRÉVIA E INEQUÍVOCA AUTORIZAÇÃO DO TITULAR DA LINHA TELEFÔNICA, SOB PENA DE MULTA DE 20 SALÁRIOS MÍNIMOS, EM CADA OPORTUNIDADE EM QUE FOR CONSTATADA A INFRINGÊNCIA À DETERMINAÇÃO JUDICIAL. 2. DANO MORAL COLETIVO: OS DANOS MORAIS COLETIVOS DECORREM DO RECONHECIMENTO DA DIMENSÃO EXTRAPATRIMONIAL DOS INTERESSES COLETIVOS. NECESSIDADE DE AMPLA REPARAÇÃO DOS DANOS ENSEJADOS PELA OFENSA A ESSES DIREITOS, INCLUSIVE DE NATUREZA EXTRAPATRIMONIAL. EVIDENCIADO, NO CASO CONCRETO, O DANO MORAL COLETIVO, TENDO EM VISTA A OFENSA AO SENTIMENTO DA COLETIVIDADE COMO UM TODO. 3. CONDENAÇÃO DA REQUERIDA A PUBLICAR, EM TRÊS JORNAIS DE GRANDE CIRCULAÇÃO NO ESTADO, DE COMUNICADO CONTENDO A PARTE DISPOSITIVA DA DECISÃO, A FIM DE QUE OS DEMAIS CONSUMIDORES TOMEM CIÊNCIA DOS TERMOS DESSA. PENA DE MULTA DE 10 SALÁRIOS MÍNIMOS/ POR DIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. PROVIDO O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DESPROVIDO O RECURSO ADESIVO DA DEMANDADA. UNÃNIME. (Apelação Cível Nº 70022157465, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 23/04/2008);
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. FABRICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEL DE FORMA ILEGAL. ADULTERAÇÃO. PREJUÍZOS AO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Constatado por meio do conjunto probatório carreado aos autos, o envolvimento do apelante com a comercialização ilegal de combustível, não há como afastar a sua responsabilidade, de modo que deve responder, de forma solidária, pelos prejuízos à coletividade. Danos materiais causados aos consumidores individualmente considerados, já que também se trata de tutela de interesses individuais homogêneos (art. 81, § único, inciso III, do CDC), que deverão ser apurados em liquidação de sentença. Cabível, igualmente, indenização a título de dano moral coletivo, porquanto houve um abalo ao patrimônio moral da coletividade, existindo presunção absoluta de lesão e prejuízo diante da ocorrência da comercialização ilegal de combustível. Precedentes deste Tribunal. Manutenção da sentença de procedência da ação coletiva de consumo. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70044020048, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 04/04/2012);
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. TARIFA DE EMISSÃO DE BOLETO. COBRANÇA ABUSIVA RECONHECIDA EM DECISÃO ANTERIOR COM TRÂNSITO EM JULGADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO STF. SÚMULA 297 DO STJ. A relação jurídica existente entre o usuário de serviços bancários e a instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme decidiu a Suprema Corte na ADI 2591. Súmula 297 do STJ. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DANOS MATERIAIS E MORAIS NÃO QUANTIFICADOS. Não há falar em impossibilidade jurídica pela ausência de quantificação dos danos morais e materiais no pedido inicial. Na ação coletiva, pela própria natureza do direito violado, não há identificação dos lesados desde a propositura da demanda. Individualização das vítimas e fixação do “quantum” indenizatório que são realizadas na fase de liquidação da sentença. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE ARBITRAMENTO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. INOCORRÊNCIA. Diante da eficácia erga omnes da sentença de procedência da ação coletiva, o CDC admite que o provimento jurisdicional proferido nessas condições acarrete condenação genérica. Num primeiro momento, o que se fixa é a responsabilidade ou não pela indenização para, posteriormente, chamar as vítimas para promoverem a liquidação e o cumprimento da sentença. Intelecção do art. 95 do CDC. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO COLETIVA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. Legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da ação coletiva que decorre dos arts. 127 e 129, III, da CF e 82, I e 91 do CDC, ainda que em defesa de interesses individuais homogêneos. O direito individual homogêneo, muito embora uma ficção legislativa, criada com o objetivo de proteger grupo de direitos oriundos de uma situação comum, é um direito coletivo “lato sensu” e, como tal indisponível e indivisível, ainda que no momento da liquidação do julgado as vítimas possam ser individualizadas. INADEQUAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA POSTULAR RESTITUIÇÃO DE VALORES. REJEIÇÃO. O acesso à justiça para a defesa dos direitos coletivos, além garantido pela Constituição Federal, encontra-se expresso no art. 1º da LACP, cujo rol é meramente exemplificativo. Inviabilidade, por essa razão, de impedir a postulação da restituição de valores em sede de ação coletiva. Outrossim, atualmente está pacificado o entendimento que permite a cumulação dos pedidos de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa e de condenação em quantia certa, bem como outros, em ação civil pública. NULIDADE DA SENTENÇA. LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DA EXTENSÃO DA SENTENÇA. INVIABILIDADE. A natureza erga omnes das decisões proferidas nas ações coletivas de consumo, consubsta sofrer limitação por regra de competência. É necessário analisar conjuntamente o art. 16 da LACP com o art. 103, III da Lei nº 8.078/90. Cuidando-se de tutela de interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, não se pode permitir que a decisão atinja somente a Comarca de Porto Alegre. PRAZO PRESCRICIONAL. QUINQUENAL. Não havendo previsão de prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, recomenda-se a aplicação, por analogia, do prazo qüinqüenal previsto no art. 21 da Lei n. 4.717/65. Precedente do STJ. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante da abusividade na cobrança da tarifa de emissão de boleto bancário, impõe-se a condenação da ré à indenização por danos morais coletivos. A palavra chave quanto ao dano moral coletivo, cuja indenização vem pleiteada em sede de ação coletiva de consumo, é o abalo à harmonia das relações de consumo que acaba por causar um sentimento de descrédito da população com determinado produto ou serviço, diante da insegurança causada em face da sua exposição à prática comercial abusiva. Tudo, é claro, sem descurar do caráter punitivo da indenização. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS Comprovada a abusividade na cobrança da tarifa de emissão de boleto bancário, deve a requerida indenizar os danos morais e materiais decorrentes da sua conduta antijurídica. As liquidação de sentença, quando os prejudicados, habilitando-se no feito, demonstrarem os respectivos danos experimentados. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO A determinação de publicação do dispositivo sentencial em três jornais de grande circulação encontra amparo nos arts. 84, § 5º e 94 do CDC. Ao dar ciência do decisum a todos os lesados, evita-se a proliferação de demandas desnecessárias, o que, por certo, viria de encontro à máxima efetividade da prestação jurisdicional. APELO PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70054967732, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 12/03/2014).
O valor arbitrado a título de indenização de dano moral arbitrado em R$60.000,00 mostra-se adequado ao grau de lesividade da conduta de comercializar produtos contaminados com agrotóxico, expondo uma infinidade de consumidores a sérios riscos à saúde, ao grau de reprovabilidade da conduta e à capacidade econômica do ofensor.
Além disso, a apelação deixa de trazer dados ou informações concretas da situação do demandado que justifique arbitrar menos. Assim, alega que o arbitramento é muito, sem contrapor fatos.
A publicação da sentença em jornais de grande circulação decorre de determinação legal contida nos artigos 84, § 5º, e 94, ambos do Código de Defesa do Consumidor, constituindo-se em conseqüência inseparável da condenação no âmbito da ação coletiva de consumo.
Assim sendo, ponho-me de acordo com a sentença recorrida, reafirmando também como razões de decidir, assim:
VISTOS ETC.
O Ministério Público, pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, propôs Ação Coletiva de Consumo contra Carlos Ilídio Goulart de Azevedo, também identificado no feito, pelos motivos a seguir expostos.
Alegou, em síntese, que a ação coletiva de consumo originou-se do inquérito civil nº 040/2014, instaurado pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor para investigar possível comercialização de produtos com a presença de agrotóxico, em desacordo com as normas regulamentares. Que o inquérito foi instaurado a partir de laudo de análise enviado pela Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, através do Instituto de Pesquisas Biológicas e do Laboratório Central de Saúde Pública – IPB -LACEN/RS, que apresentou resultado insatisfatório no produto pepino para o uso de agrotóxicos. Discorreu sobre a questão do uso de agrotóxicos. Ponderou sobre as práticas abusivas e fornecimento de produto impróprio para consumo. Referiu o dano moral coletivo e a pertinência da respectiva indenização. Argumentou quanto à inversão do ônus da prova.
Requereu, em sede de antecipação de tutela: a) a determinação ao réu para não mais ofertar, manter em depósito para venda ou comercializar produtos in natura fora das especificações legais e infralegais, sob pena de multa. Requereu a procedência da ação, com: a) ratificação da tutela antecipada vindicada; b) a condenação da empresa ré à obrigação de indenizar os interesses difusos lesados, decorrentes do abalo à harmonia nas relações de consumo e da exposição da coletividade às práticas abusivas levadas a efeito pelo réu, no que diz com a colocação no mercado de consumo de produtos com vício de qualidade – dano moral coletivo, a ser revertido ao fundo de Reconstituição de Bens Lesados, art. 13, da Lei nº 7.347/85; c) a condenação do réu, a publicar, às suas expensas, no prazo de 15 dias do trânsito em julgado da sentença, nos jornais Correio do Povo, O Sul e Zero Hora, em três dias alternados, nas dimensões de 20cm x 20cm, a parte dispositiva de eventual sentença de procedência; d) para o caso de descumprimento da obrigação de fazer contida no item ‘d’ seja cominada multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), revertendo eventual numerário arrecadado para o fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, art. 13, da Lei nº 7.347/85. Acostou documentos aos autos (fls. 08-25).
Recebida a inicial, foi deferida a antecipação de tutela vindicada (fls.26-27).
Devidamente citado, apresentou o demandado contestação (fls. 34-40).
Teceu considerações sobre o funcionamento da Central de Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul – CEASA – e do estabelecimento do demandado. Disse que o estabelecimento do réu é um box, que serve como armazenagem de produtos. Que em frente ao box há rampas de acesso de caminhões. Que a empresa recebe os produtos diretamente dos caminhões e os carrega para os caminhões dos compradores. Que o demandado não tem ingerência sobre as mercadorias. Que o réu informou ao Ministério Público os dados do fornecedor do produto em relação ao qual teria sido verificada a presença de agrotóxico. Que o distribuidor não pode ser penalizado pelas toxinas utilizadas na produção do alimento. Que não dispõe de laboratório para testagem dos alimentos. Impugnou os documentos que instruem a inicial. Refutou a alegação de ofensa aos interesses tutelados na demanda e inexistência do alegado dano moral difuso. Requereu a improcedência da ação. Acostou documentos aos autos (fls. 41-44).
Sobreveio réplica (fls. 45-50).
Questionadas as partes quanto às provas que pretendiam produzir (fl.52), postulou o Ministério Público o julgamento do processo (fl.56) e o demandado, a produção de prova oral (fl.61), indeferida. Agravou de instrumento o demandante, tendo sido convertido o recurso em agravo retido (fls.70-71), manifestando-se o Parquet (fl.82-84).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
Cuida-se de Ação Coletiva movida pelo Ministério Público contra Carlos Ilídio Goulart de Azevedo.
Ingressou o autor com a presente demanda, alegando, em resumo, que o demandado estaria envolvido em práticas abusivas consistentes na comercialização de produtos com a presença de agrotóxico, em desacordo com as normas regulamentares.
A Ação Coletiva de Consumo é instrumento processual voltado à tutela de interesses difusos ‘lato sensu’, ou seja, direitos e interesses da coletividade, chamados de metaindividuais, transindividuais ou paraindividuais; direitos estes que se dividem em três grandes grupos: difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos.
O art. 81 do Código de Defesa do Consumidor trata da defesa dos interesses e direitos dos consumidores:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Ressalta Hugo Nigro Mazzilli1 que:
‘a) nos interesses difusos, o liame ou nexo que agrega o grupo está essencialmente concentrado numa situação de fato compartilhada de forma indivisível, por um grupo indeterminável; b) nos interesses coletivos, o que une o grupo é uma relação jurídica básica comum, que deverá ser solucionada de maneira uniforme e indivisível para todos seus integrantes; c) nos interesses individuais homogêneos, há sim uma origem comum para a lesão, fundada tanto numa situação de fato compartilhada pelos integrantes do grupo, como numa mesma relação jurídica que a todos envolva, mas, o que lhes dá a nota característica e inconfundível, é que o proveito pretendido pelos integrantes do grupo é perfeitamente divisível entre os lesados.’
Refere Hugo Mazzilli, ainda, que:
‘o Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como: a) os que digam respeito a direitos e garantias constitucionais (como a dignidade da pessoa humana, a saúde ou a segurança das pessoas, ou o acesso das criança e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico. Embora a súmula só aluda à questão dos interesses individuais homogêneos, o certo é que, mutatis mutandis, os critérios nela propostos são os mesmos que permitem identificar as hipóteses em que o Ministério Público está legitimado à defesa de quaisquer interesses transindividuais, inclusive os coletivos em sentido estrito.
Não teria sentido, v.g, por o Ministério Público em defesa de meia dúzia de importadores de carros de luxos danificados no transporte: ainda que se trate de interesses individuais homogêneos, não haveria expressão social a justificar sua atuação. Coisa diversa, porém, seria negar a priori a possibilidade da iniciativa da instituição para, p. ex., propor ação civil pública cujo objeto fosse impedir a comercialização de medicamentos falsificados ou deteriorados, que podem causar graves danos à saúde das pessoas e até lesar milhares ou milhões de usuários dos produtos, em todas as regiões do Estado ou País. Negar o interesse geral da sociedade na solução de litígios coletivos de larga abrangência ou repercussão social, a exigir que cada lesado comparecesse a juízo em defesa de seus interesses individuais, seria desconhecer os fundamentos e objetos da ação coletiva ou da ação civil pública’.
Como cediço, os direitos em tela são individuais homogêneos, que decorrem de origem comum, mas que possuem como característica fundamental a divisibilidade do direito. Nesse sentido, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul afigura-se parte legítima para propor a presente demanda, legitimidade esta que encontra respaldo na Constituição Federal (arts. 127 e 129, II), na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (art. 25, IV) e, ainda, no Código de Defesa do Consumidor (art. 81).
Reconheço a questão posta em liça como relação de consumo, aplicando-se as disposições do CDC. É que em se tratando de contrato de adesão, é indiscutível a incidência do Código de Defesa do Consumidor, principalmente no que diz respeito à gritante hipossuficiência de todos aqueles que se submetem a contratações desta natureza.
E um dos efeitos da legislação consumerista é a incidência do disposto no inciso VIII do art. 6º do CDC, no que diz respeito a inversão do ônus da prova. Nos termos do artigo em questão, a inversão é possível, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando a parte for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.
No caso, tendo em vista os fatos e os fundamentos jurídicos dos pedidos, mostra-se pertinente a inversão do onus probandi, ainda mais diante da patente vulnerabilidade dos consumidores em tela e do fato de o demandante atuar como substituto processual.
O caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado (e não a eventual hipossuficiência do autor da demanda em relação ao réu) é que deve ser levado em conta para que a defesa do direito seja facilitada em juízo, uma vez que o Ministério Público, nessas circunstâncias, atua como substituto processual da sociedade. Esta, dentre outras, é a razão pela qual deve lhe ser concedida maior facilitação possível para que tenha sucesso em sua função de proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Além disso, a natureza da relação jurídica própria das ações coletivas requer que a análise do requisito ‘hipossuficiência’ se dê não sob o prisma daquele que figura no polo ativo do processo, mas sim daqueles que compõem a relação jurídica de direito material: os substituídos, consumidores, pessoas econômica e tecnicamente vulneráveis nas relações de consumo, que a partir de denúncias individuais demonstraram a necessidade de sua intervenção.
Sob outro aspecto, inegável que a produção da prova torna-se mais adequada parte demandada do que ao órgão ministerial, porque aquela possui todos os elementos para a sua elaboração, pois provida de todos os conhecimentos e aparatos técnicos pertinentes.
A Constituição Federal refere-se ao consumidor entre os direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, inciso XXXI, bem como, entre os princípios gerais da atividade econômica, em seu art. 170, inciso V. Igualmente, nas Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 48.
Assim, sempre que se faz referência ao consumidor, a Constituição Federal determina a sua defesa, ou seja, reconhece a necessidade de sua proteção especial, porque reconhece a sua vulnerabilidade dentro da relação de consumo.
No que diz com a matéria posta em causa, tenho que a prova coletada se afigura suficiente para demonstrar a alegada prática abusiva por parte do demandado, consistente comercialização de produtos com a presença de agrotóxico, em desacordo com as normas regulamentares.
Com efeito, o Laudo de análise nº 13835/13, oriundo da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, através do Instituto de Pesquisas Biológicas e do Laboratório Central de Saúde Pública – IPB -LACEN/RS dá conta de que em exame de amostra de produto do demandado foi constatada a presença dos ingredientes ativos Acefato e Clorpirifós, em desacordo com o disposto na Resolução MS/ANVISA nº 165, de 2003 (fl.11).
Segundo atestado pelo engenheiro Químico Jerônimo L.M. Friedrich, no parecer técnico encartado na fl. 23 dos autos, ‘o laudo em análise – nº8.748/13, referente ao TAC/CEASA, refere-se ao produto pepino, coletado em 15/10/2013, detentor do produto amostra Sr. Carlos Ilídio de Azevedo, apresentou os ingredientes ativos ‘Acefato’ e ‘Clorpirifós’, 0,005 mg/kg, sendo que esses agrotóxicos não estão autorizados (NA) o seu uso para essa cultura, conforme o resultado do laudo emitido pelo LACEN/RS, que concluiu como insatisfatório para essa cultura’ (sic).
No que se refere à responsabilidade do demandado quanto à distribuição do produto em questão, não merece acolhida a tese esposada em sede de contestação.
A imputação de sua responsabilidade encontra-se determinada no art. 18, do CDC, que preceitua que ‘Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade de que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes de disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
No mesmo sentido, colaciono a seguinte jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE DE CONSUMO. INADEQUAÇÃO. INSEGURANÇA. PRODUTO VENCIDO. SUPERMERCADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL IN RE IPSA VERIFICADO. QUANTIFICAÇÃO. 1. A prova dos autos demonstrou que o produto adquirido pela parte autora junto ao supermercado réu se encontrava impróprio para o consumo humano, e que lhe causou mazelas físicas, uma vez que se trata de alimento perecível já havia se passado a data de vencimento. 2. Relação entre as partes que é regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, sendo a parte autora consumidora (art. 2°, CDC) e o supermercado fornecedor (art. 3º, CDC). Disso decorre que a responsabilidade do réu pelos danos sofridos pelo consumidor é objetiva (art. 14, CDC), ou seja, não se perquire a respeito de culpa do réu, que só se exime do dever de indenizar nas hipóteses do artigo 14, §3º, da legislação consumerista. 3. No caso, diante da situação a que a parte autora foi exposta – sentimentos de repulsa e insegurança, além de dor física -, o dano moral configurou-se in re ipsa. Dispensada a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato. 4. Quantum indenizatório minorado para R$4.000,00 (quatro mil reais), considerando as peculiaridades do caso concreto, e os parâmetros adotados por esta Corte. Sobre o montante reparatório deverá incidir correção monetária pelo IGP-M, a contar desta data, bem como juros de mora de 1% ao mês desde a data de ocorrência do evento danoso (aquisição do produto vencido). Súmulas 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.
(Apelação Cível Nº 70062459201, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 26/11/2014).
A propósito do tema envolvendo a utilização de agrotóxicos no país, manifestou-se a ANVISA, afirmando que em 2008, o Brasil assumiu o posto de maior consumidor de agrotóxicos em todo mundo, posição antes ocupada pelos Estados Unidos (http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2009/020409.htm).
Nesse sentido, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) trabalha na reavaliação de substâncias ativas utilizadas em agrotóxicos no Brasil. O Brasil continua produzindo e importando agrotóxicos proibidos em diversos países do mundo. ‘O que não se consegue mais vender para a União Européia, Estados Unidos, Canadá, Japão e China, acaba vindo parar no mercado brasileiro’, esclareceu Rosany Bocher, coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas da Fundação Oswaldo Cruz, na reportagem.
E, dentre os agrotóxicos mencionados como proibitivos para outros países, encontra-se o ACEFATO, encontrado na amostra examinada no presente feito. Cuida-se, pois, de agrotóxico proibido expressamente na União Europeia, dada sua neurotoxicidade, suspeita de carcinogenicidade e de toxicidade reprodutiva, como divulgado pela ANVISA na reportagem acima mencionada.
No tange ao CLORPIRIFÓS, cuja presença também foi constatada na amostra examinada, teve uso proibido pela ANVISA desde 23 de agosto de 2004. O CLORPIRIFÓS, já proibido em alguns países, como os Estados Unidos, é um inseticida utilizado em ambientes domésticos e seu princípio ativo integra o grupo químico dos organofosforados, de alto risco à saúde. Os danos provocados pela intoxicação pelo CLORPIRIFÓS incluem alterações de comportamento de crianças e déficits de função cognitiva.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, através de decisão de seu Presidente, restabeleceu os efeitos da Resolução RDC n° 226/2004, que proíbe o uso de CLORPIRIFÓS nas formulações dos inseticidas de uso doméstico com fundamento nos Princípios da Precaução e da Saúde Pública (http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2005/110705.htm).
Portanto, a conduta perpetrada pela parte ré, que somente lhe aproveita economicamente, deve ser vedada pelo Poder Judiciário, pois, flagrante a infringência aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.
Em razão do exposto, configurado está o dano moral coletivo a ser indenizado, pois demonstrado ato ilícito praticado pela demandada. Sobre o dano moral coletivo leciona Arion Sayão Romita2:
“O dano moral coletivo tanto pode afetar o interesse dos indivíduos considerados como membros do grupo quanto o direito cujo titular seja o próprio grupo. Neste sentido, a Lei nº 7.347, de 1985, que regular a ação civil pública, prevê expressamente a possibilidade de reconhecimento de dano moral coletivo, a incluir no art. 1º, IV, a referência a responsabilidade por danos morais e coletivos causados “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Pode-se, então, entender por dano moral coletivo aquele que decorre da violação de direitos de certa coletividade ou a ofensa a valores próprios dessa mesma coletividade, como sucede, por exemplo, com a crença religiosa, o sentimento de solidariedade que vincula os respectivos membros, a repulsa a atos de discriminação contra membros da coletividade ou do próprio grupo, como tal.”
A dificuldade maior é o reconhecimento da configuração do dano moral coletivo nos interesses difusos, nos quais não há sujeitos determinados ou determináveis, em face dos quais se possa avaliar a ocorrência efetiva do dano extrapatrimonial.
Além dessa dificuldade, consoante bem destacou o Ministro do STJ Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, na época desembargador do TJRS, não se pode esquecer que a classificação doutrinária em direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos não pode ser determinante para o afastamento, a priori, de eventual direito indenizatório, tendo em vista que um dano ambiental, p. ex., pode causar ao mesmo tempo um dano em relação a toda coletividade (interesse difuso) e um dano determinado em relação a uma pessoa determinada pertencente a essa coletividade (individual homogêneo).
Nesse sentido, Carlos Alberto Bittar Filho, Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, refere:
“Vem a teoria da responsabilidade civil dando passos decisivos rumo a uma coerente e indispensável coletivização. Substituindo, em seu centro, o conceito de ato ilícito pelo de dano injusto, tem ampliado seu raio de incidência, conquistando novos e importantes campos, dentro de um contexto de renovação global por que passa toda a ciência do Direito, cansada de vetustas concepções e teorias.
É nesse processo de ampliação de seus horizontes que a responsabilidade civil encampa o dano moral coletivo, aumentando as perspectivas de criação e consolidação da uma ordem jurídica mais justa e eficaz.
Conceituado como a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, o dano moral coletivo é produto de ação que toma de assalto a própria cultura, em sua faceta imaterial. Diante, pois, da evidente gravidade que o dano moral coletivo encerra, exsurge a necessidade de sua efetiva coibição, para a qual está o ordenamento jurídico brasileiro relativamente bem equipado, contando com os valiosíssimos préstimos da ação civil pública e da ação popular, instrumentos afinados da orquestra regida pela avançada Carta Magna de 1988.
Seja protegendo as esferas psíquicas e moral da personalidade, seja defendendo a moralidade pública, a teoria do dano moral, em ambas as dimensões (individual e coletiva), tem prestado e prestará sempre inestimáveis serviços ao que há de mais sagrado no mundo: o próprio homem, fonte de todos os valores”.
A reparabilidade dos danos coletivos não se deve atrelar à espécie de direito transindividual em questão, porquanto a sua conceituação não tem o condão de limitar eventual direito individual da parte lesada.
De todo modo, o juízo de reparabilidade deve levar em consideração o conteúdo do objeto do direito coletivo como elemento indissociável da tutela dos interesses e direitos coletivos. O conteúdo dos direitos coletivos, segundo a doutrina especializada vem defendendo, também ostenta uma dimensão extrapatrimonial, tal como ocorre nos direitos individuais.
Segundo farta doutrina, o dano moral individual é constatado a partir da prova do fato em si (lesão ao bem), não sendo necessária a prova da “dor psíquica” sofrida pela parte. É o chamado dano “in re ipsa”. Em outras palavras, “a coisa fala por si” (“re ipsa loquitur”). Na esteira da ampla garantia de proteção na defesa dos direitos ou interesses coletivos (CDC, art. 83), entendo que também deve ser aplicada essa mesma orientação na constatação dos danos morais coletivos.
Nesse sentido, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho:
“Em consequência, é perfeitamente possível que o ordenamento jurídico, protegendo um interesse público deduzível de seus princípios, imponha, à sua violação, uma sanção de natureza não-penal. Em outros termos, o ordenamento jurídico pode tutelar diretamente o interesse público com outras formas de sanções, como a sanção peculiar do direito privado: o ressarcimento ou a reintegração específica. E não há necessidade de existir norma específica determinando a reparação, mas basta que o interesse esteja protegido pelo sistema normativo, que compreende não só a norma mas também os princípios gerais”.
Logo, forçoso reconhecer que a conduta da ré acarretou dano moral coletivo aos consumidores, pois expostos às suas práticas comerciais abusivas.
Sendo assim, em razão do abalo à harmonia nas relações de consumo, deverá a parte demandada arcar com o pagamento de indenização aos interesses difusos lesados, que arbitro em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), o qual deverá ser revertido ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (art. 13 da Lei 7.347/85), quantia esta deverá ser corrigida pelo IGP-M e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar deste decisão.
Indesviável, pois, a procedência da demanda.
Isso posto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, resolvo pela procedência da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra Carlos Ilídio Goulart de Azevedo para:
a) ratificar a antecipação de tutela concedida, determinando ao réu a abstenção da oferta, manutenção em depósito para venda ou comercialização produtos in natura fora das especificações legais e infralegais, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
b) condenar o demandado ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), corrigidos monetariamente, pelo IGP-M (FGV), a partir da publicação desta sentença e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento ao mês) a contar da citação, a ser revertido para o Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, de acordo com o art. 13 da Lei nº. 7.347/85;
c) condenar o réu, a publicar, às suas expensas, no prazo de 15 dias do trânsito em julgado da sentença, nos jornais Correio do Povo, O Sul e Zero Hora, em três dias alternados, nas dimensões de 20cm x 20cm, a parte dispositiva desta sentença sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), revertendo eventual numerário arrecadado para o fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, art. 13, da Lei nº 7.347/85.
Isento de custas e honorários, tratando-se do Ministério Público no exercício da atividade funcional.
Como se vê, as razões recursais não superam a sentença, que deve ser reafirmada por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Ante o exposto, voto em negar provimento à apelação.
Des.ª Walda Maria Melo Pierro (REVISORA) – De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Dilso Domingos Pereira – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI – Presidente – Apelação Cível nº 70067355198, Comarca de Porto Alegre: “NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.”
Julgador(a) de 1º Grau: DEBORA KLEEBANK