Direito Agrário

Reparação civil decorrente de responsabilidade contratual ou extracontratual possui prazo de prescrição de 3 anos

Direito Agrário

Embora não seja uma notícia específica de Direito Agrário ou agronegócio, transcrevemos notícia e inteiro teor de recente julgado da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ que definiu o prazo prescricional para o ajuizamento de ação cujo objeto versa sobre a responsabilização civil por danos ou ato ilícito, sejam eles decorrentes de relação contratual ou extracontratual.

Confira o conteúdo:

 

“O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual. A decisão foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso envolvendo uma revendedora de automóveis e uma montadora de veículos, que rescindiram contratos de vendas e serviços.

A revendedora ajuizou ação de reparação de danos alegando prejuízos causados pela fabricante por ter deixado de observar o direito de exclusividade e preferência para comercializar os veículos da marca na região de Presidente Prudente (SP). O juiz de primeiro grau reconheceu a prescrição e extinguiu a ação.

Interpretação ampla

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença, confirmando o prazo prescricional previsto no artigo 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002.

Em recurso ao STJ, a revendedora alegou ser aplicável o prazo de prescrição decenal, previsto no artigo 205 do CC/02, por se tratar de responsabilidade civil contratual, tendo em vista que o prazo trienal seria aplicável “unicamente às hipóteses de responsabilidade ex delicto“.

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que o termo “reparação civil”, constante do artigo 206, parágrafo 3º, V, do CC/02, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto a responsabilidade contratual (artigos 389 a 405) como a extracontratual (artigos 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (artigo 186, parte final), e o abuso de direito (artigo 187).

Jornada

‘A prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo comum de três anos. Ficam ressalvadas as pretensões cujos prazos prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais’, ressaltou Marco Aurélio Bellizze.

O ministro lembrou que na V Jornada de Direito Civil, realizada em 2011 pelo STJ e pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), foi editado o Enunciado 419, segundo o qual ‘o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual’.

Para o relator, considerando todos os pedidos indenizatórios formulados na petição inicial da rescisão unilateral do contrato celebrado entre as partes, “é da data desta rescisão que deve ser iniciada a contagem do prazo prescricional trienal”.

O voto do ministro rejeitando o recurso da revendedora foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da Terceira Turma”.

Fonte: STJ, 07/12/2016.

 

Veja a íntegra da decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.281.594 – SP (2011/0211890-7)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : BUCHALLA VEÍCULOS LTDA

ADVOGADOS : CANDIDO RANGEL DINAMARCO E OUTRO(S) – SP091537

CÁSSIO HILDEBRAND PIRES DA CUNHA – DF025831

OSWALDO DAGUANO JÚNIOR – SP296878

JOÃO ANTÔNIO CÁNOVAS BOTTAZZO GANACIN E OUTRO(S) – SP343129

GABRIELA SILVA MELO – DF049385

RECORRIDO : FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA

ADVOGADOS : ISABELA BRAGA POMPILIO E OUTRO(S) – DF014234

CHRISTIANO PEREIRA CARLOS E OUTRO(S) – DF014223

JULIO GONZAGA ANDRADE NEVES – SP298104A

NATÁLIA ALVES BARBOSA – DF042930

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

 

Na origem, Buchalla Veículos Ltda. e Ford Motor Company Brasil Ltda. firmaram contrato de vendas e serviços, sucedido por outros contratos, os quais, contudo, foram rescindidos unilateralmente pela segunda, invocando descumprimento contratual pela primeira, nos termos do art. 22, III, § 1º, da Lei 6.729/1979.

A seu turno, Buchalla Veículos Ltda., também alegando inadimplemento por parte da Ford Motor Company Brasil Ltda. – por ter deixado de observar o direito de exclusividade e preferência que aquela detinha para comercializar a marca Ford na região de Presidente Prudente e por ter descumprido o “Plano de Ação do Distribuidor” –, ajuizou ação de reparação de danos, visando à condenação da ré: “(i) ao pagamento dos lucros cessantes do período de vigência do contrato celebrado entre as partes, nos anos de 1988 até 1998, acrescidos de juros de mora e correção monetária desde a data de ocorrência; (ii) ao pagamento dos danos emergentes causados pelas exigências da ré para voltar a cumprir o contrato, acrescidos de juros de mora e correção monetária desde o efetivo desembolso; e (iii) ao pagamento das perdas e danos decorrentes da rescisão unilateral do contrato a que deu causa, na forma estabelecida pelo art. 24 da Lei Ferrari e com base no faturamento potencial que a autora teria se não fosse o boicote levado a efeito pela ré”.

O Juízo a quo, reconhecendo a prescrição,extinguiu o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil de 1973.

Na apelação interposta pela autora, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a incidência, na hipótese em apreço, do prazo prescricional previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002, em acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 744):

Ação de reparação de danos. Lucros cessantes e danos emergentes. Resilição unilateral de contrato. Prescrição reconhecida pela sentença. Artigo 206, par. 3º, V, do CC/2002.

Hipóteses taxativas no Código Civil de 2002 que só admitem exceção em situações específicas previstas em normas especiais.

Dispositivo que tem incidência tanto na responsabilidade civil contratual como extracontratual.

Pedido que é único, não se podendo considerar como subsidiária a pretensão relativa a anos atingidos pela prescrição.

Correção da sentença.

Apelo improvido.

Os embargos de declaração opostos (e-STJ, fls. 752-756) foram rejeitados (e-STJ, fls. 758-763).

Daí a interposição do presente recurso especial por Buchalla Veículos Ltda., com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, no qual alega, além de dissídio jurisprudencial, violação dos arts. 189, 205 e 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002, e 292 e 535, II, do Código de Processo Civil de 1973.

Sustenta, inicialmente, omissão do julgado no tocante à interpretação do disposto nos arts. 189 do CC/2002 e 292 do CPC/1973 e, no mérito, ser aplicável o prazo de prescrição decenal, previsto no art. 205 do CC/2002, por se tratar de responsabilidade civil contratual, tendo em vista que “o prazo trienal disposto em tal dispositivo aplica-se unicamente às hipóteses de responsabilidade ex delicto ” (e-STJ, fl. 778). Com isso, requer o afastamento do decreto de prescrição.

Subsidiariamente, afirma que “os pedidos indenizatórios formulados são absolutamente autônomos, pois decorrem de ilícitos contratuais distintos. Há um pedido indenizatório em razão dos vários descumprimentos ao PAD e outro totalmente diverso referente à rescisão unilateral do contrato de vendas e serviços. Por conseqüência, cada pretensão indenizatória deve ter como termo inicial do prazo prescricional um marco específico, que deverá coincidir com o ilícito respectivo, pois é exatamente sua ocorrência que faz nascer para o titular a pretensão ao ressarcimento (CC, art. 189). É inequívoco que ao (a) entender que os pedidos não são independentes e ao (b) definir um só marco temporal para ambas as pretensões indenizatórias, o v. acórdão recorrido ventilou as matérias jurídicas insertas no art. 292 do Código de Processo Civil e 189 do Código Civil” (e-STJ, fls. 774-775). Postula, assim, em caso de manutenção do lapso prescricional trienal, seja considerado que a exordial contém pedidos indenizatórios autônomos, de maneira que cada um deles possui um termo inicial diverso para contagem da prescrição. Por essa razão, requer, subsidiariamente, o afastamento da prescrição em relação aos lucros cessantes, porquanto estes “provêm de cada descumprimento do PAD durante a vigência contratual e a indenização em razão da rescisão decorre da ruptura unilateral do contrato de vendas e serviços. E é de cada um desses ilícitos que se deve contar o prazo prescricional para o respectivo pedido indenizatório, pois é exatamente sua ocorrência que viola o direito, fazendo nascer para o titular a pretensão ao ressarcimento (actio nata)” (e-STJ, fl. 783).

A parte recorrida apresentou contrarrazões às fls. 792-801 (e-STJ).

Admitido o recurso na origem, subiram os autos ao Superior Tribunal de Justiça, onde foram distribuídos a este Relator.

Em decisão monocrática, dei provimento ao recurso especial, afastando o prazo de prescrição previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 e determinando a observância do prazo geral decenal do art. 205 do mesmo diploma legal (e-STJ, fls. 860-863).

Contra tal decisum Ford Motor Company Brasil Ltda. interpôs agravo interno (e-STJ, fls. 868-884).

Na sessão de 19/9/2016, a Terceira Turma, dando provimento ao referido agravo, determinou a oportuna inclusão do feito em pauta (e-STJ, fl. 934).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):

1. Alegação de ofensa ao art. 535, II, do CPC:

De início, verifico não estar configurada a alegada violação do art. 535, II, do CPC/1973, pois o Tribunal de origem manifestou-se acerca de todas as questões devolvidas pela apelação e consideradas necessárias à verificação do termo inicial do prazo prescricional aplicável à pretensão de ressarcimento de danos advindos de inadimplemento contratual.

De fato, houve, no acórdão de fls. 742-749 (e-STJ), afastamento explícito do pedido subsidiário de decote do termo a quo de contagem do lapso da prescrição, segundo cada pedido indenizatório. Eis os fundamentos adotados pela Corte estadual no ponto:

Ajuizada a ação de indenização em 04 de janeiro de 200, resta evidenciado que ocorreu a prescrição pretensão da autora, inexistindo qualquer viabilidade de se acatar o pleito subsidiário, pelo simples fato de que, em se tratando de relação jurídica de índole continuativa, não há como se defender tenham ocorrido danos patrimoniais independentes da causa determinante (manifestação da resilição unilateral).

(…)

Se a rescisão ocorreu em 7 janeiro de 1998, aplica-se à hipótese, para regular a prescrição, o novo Código Civil, utilizando-se a regra do artigo 2028.

A pretensão de não incidência da prescrição sobre os anos de 1988 a 1994 é desarrazoada, pois não há como se computar os prazos em separados para o mesmo ilícito contratual alegado. Não há independência dos pedidos de indenização, mas um só, para todo o período a atingir toda a avença. Ainda que se compute o último prazo não se pode considerar o pedido como subsidiário, mas um só, de indenização por ilícito contratual que perdurou no tempo.

Da transcrição supra, pode-se inferir que a Corte a quo, guardando observância ao princípio da motivação obrigatória das decisões judiciais, examinou, de forma clara e fundamentada, todos os pontos relevantes à solução da controvérsia e suscitados pela ora recorrente. Não há, assim, falar em negativa de prestação jurisdicional, mas em inconformidade da parte com a decisão contrária aos seus interesses.

2. Prazo prescricional aplicável às pretensões de reparação de dano derivado de responsabilidade contratual:

No mérito, a questão controvertida cinge-se a saber qual o prazo prescricional aplicável, na égide do Código Civil de 2002, às pretensões reparatórias veiculadas com base em responsabilidade civil contratual.

Por ocasião do julgamento, no âmbito da Segunda Seção, dos Recursos Especiais Repetitivos 1.360.969/RS e 1.361.182/RS, tive a oportunidade de me debruçar sobre o tema da prescrição, iniciando, naquele ensejo, reflexões importantes acerca das novas tônicas trazidas pelo Código Civil de 2002 relativamente ao tema.

Ficou salientado, na oportunidade, que o novo Código Civil primou pela redução dos lapsos prescricionais, antes tão alargados no Diploma de 1916, e pela abolição da distinção, para fins da prescrição, entre direitos pessoais e direitos reais. Outrossim, foi abordada a relevância da unificação dos prazos prescricionais, sobretudo em torno da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa, visando a garantir, nas relações jurídicas contemporâneas, maior segurança, previsibilidade e uniformidade de tratamento, se levadas em consideração pretensões que trazem em si similaridade de conteúdo e objeto, mas que dão causa a ações com as mais variadas nomenclaturas.

Reporto-me, por entender oportuno, a algumas ponderações feitas no voto que proferi naquela ocasião:

4. O Código Civil de 2002 não mais distingue, para fins de aplicação dos prazos prescricionais, direitos pessoais e direitos reais No regime anterior (CC/1916), à míngua de prazo prescricional específico, a pretensão deveria ser exercida no prazo do art. 177, isto é, de vinte anos para as ações pessoais e de dez ou quinze anos para as ações reais. Como não havia um rol mais específico para o exercício das pretensões relativas a direitos pessoais, a regra geral era a aplicação indistinta do prazo prescricional vintenário, situação que não apresentava maiores problemas (art. 177 do CC/1916).

Por sua vez, o Código Civil atual, além de arrolar novas pretensões com prazo de exercício específico (anteriormente não contempladas), não mais adota a distinção entre ações pessoais e reais, para o fim de fixação de lapsos prescricionais (art. 205).

Deveras, sobrecarregados pela urgente aplicação da regra de transição disposta no art. 2.028 do Código Reale aos processos que aqui aportavam, passamos a replicar caudalosa jurisprudência que se formara sob a égide da legislação anterior (ações pessoais, prazo de prescrição vintenário), sem que talvez tivéssemos tido condição de fazer uma reflexão mais aprofundada acerca dos novos prazos e institutos jurídicos trazidos pelo novo paradigma legal.

Prova disso é que o único fundamento que se encontra na jurisprudência para que o prazo prescricional decenal do art. 205 seja aplicado às relações contratuais é simplesmente porque se trata de uma ação de direito pessoal, critério distintivo, como já afirmado, que não mais subsiste na sistemática atual. Dentre inúmeros, apenas para exemplificar, cito os seguintes julgados: AgRg no AREsp n. 477.387/DF, Quarta Turma, Relator o Ministro Raul Araújo, DJe de 13/11/2014; REsp n. 1.326.445/PR, Terceira Turma, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 17/2/2014; AgRg no AREsp n. 426.951/PR, Quarta Turma, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 10/12/2013; AgRg no Ag n. 1.401.863/PR, Quarta Turma, Relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 19/11/2013; AgRg no AREsp n. 14.637/RS, Quarta Turma, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 5/10/2011; AgRg no REsp n. 1.057.248/PR, Terceira Turma, Relator o Ministro Sidnei Beneti, DJe de 4/5/2011; REsp n. 1.033.241/RS, Segunda Seção, Relator o Ministro Aldir Passarinho Junior, DJe de 5/11/2008.

Entretanto, não há mais suporte jurídico legal que autorize a aplicação do prazo geral, como se fazia no regime anterior, simplesmente porque a demanda versa sobre direito pessoal. No atual sistema, primeiro deve-se averiguar se a pretensão está especificada no rol do art. 206 ou, ainda, nas demais leis especiais, para só então, em caráter subsidiário, ter incidência o prazo do art. 205.

Por via de regra, versando a demanda sobre reparação civil, seja ela por responsabilidade contratual (inadimplemento) ou extracontratual (risco ou dano), deve ficar a pretensão adstrita ao marco prescricional trienal disposto no art. 206, § 3º, V, do CC/2002, não se tratando mais de caso de aplicação do prazo decenal previsto no art. 205, eis que nele não estão mais contempladas as ações pessoais como critério definidor da aplicação dos prazos prescricionais.

Por essas mesmas razões, não me parece adequado recorrer à analogia da jurisprudência que se firmou relativamente a contratos bancários, visto que também para esses casos manda-se aplicar o prazo prescricional decenal simplesmente porque fundada a pretensão em direito pessoal, critério distintivo, repita-se, abandonado pelo novo Código Civil.

5. O despropósito da variação dos prazos prescricionais verificada a partir do nome que se atribui à ação

Outro tópico que merece ser destacado para a apreciação do Colegiado e que acredito tem causado certo desconforto para todos nós, diz respeito à variabilidade dos prazos prescricionais a partir da nomenclatura atribuída à ação no momento do seu ajuizamento.

Diante da falta de orientação uniformizadora, o prazo prescricional das pretensões deduzidas em Juízo estaria sujeito a variações de 1 a 10 anos simplesmente pelo fato de o autor denominar a ação ora de enriquecimento sem causa (ou locupletamento ilícito), ora de responsabilidade ou reparação civil, ora de repetição do indébito, ora de revisional de contrato, ora de cobrança.

Esse tipo de flanco deve ser repelido pelo sistema, porquanto catalisador de profunda insegurança jurídica e por vezes de sérias injustiças, na medida em que, para situações de mesmo substrato fático, o prazo prescricional, em tese garantidor da isonomia de tratamento jurídico, poderia sofrer significativas e indesejáveis variações ao talante do nomen juris porventura atribuído à ação na petição inicial, apesar da sua irrelevância jurídica. Essa mesma preocupação de coerência sistêmica foi abordada por Tepedino:

A perda do prazo prescricional, embora dolorosa, é menos danosa do que a quebra do sistema, propiciada pela pífia ideologia de ampliação da reparação de danos. Os prazos prescricionais associam-se ao conjunto de mecanismos oferecidos à ação de reparação de danos. Contornar a previsão legal ou selecionar do sistema alguns dispositivos (que melhor atendam ao autor da ação) em detrimento de outros, ameaça a segurança jurídica, a igualdade constitucional e prejudica, em última análise, a própria vítima de danos, sem saber, ao certo, de qual prazo afinal dispõe para o ajuizamento da ação indenizatória.

(Tepedino, Gustavo. A prescrição trienal pra a reparação civil. Crônica de uma ilegalidade anunciada. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-prescricao-trienal-para-a-reparacao-civil> . Acesso em 25/5/2015).

Acredito que seria possível estancar essa abertura se fosse adotada a tese de unificação do prazo prescricional trienal, sugerida no tópico anterior do meu voto, tanto das pretensões fundadas na alegação de enriquecimento sem causa quanto naquelas em que se postula a reparação civil, qualquer que seja a natureza.

Como se observa do raciocínio que procurei desenvolver linhas atrás, ressalvada a aplicação de prazos específicos, a nossa orientação jurisprudencial tem caminhado no sentido da uniformidade do prazo prescricional trienal, seja nos casos de enriquecimento sem causa, seja nos de reparação civil extracontratual, sendo excepcionada até então somente a hipótese de reparação contratual, para a qual tem sido aplicado o prazo decenal do art. 205, com base na sua ultrapassada diferenciação como direitos pessoais.

Porém, essa uniformidade tem sido reiterada de maneira esparsa, inclusive por meio de julgamentos repetitivos (a exemplo dos precedentes nos casos de contratação de eletrificação rural ou de plantas comunitárias de telefonia, retromencionados), razão pela qual ora se propõe a unificação do entendimento também para os casos de reparação civil derivada do inadimplemento contratual, com vistas à coerência e racionalidade do sistema de aplicação dos prazos prescricionais, tendo em conta as inovações trazidas pelo novo Código Civil.

6. Prazos prescricionais menores: tônica do novo Código Civil.

É inegável que a redução drástica dos prazos prescricionais foi uma das tônicas implementadas pelo novo Código Civil. A revolução tecnológica operada nos meios de comunicação e de informação desde a edição do Código Civil de 1916 reduziu as distâncias também dos marcos prescricionais.

É importante destacar que, ao contrário do que a primeira vista possa parecer, prazos processuais mais elásticos não significam maior exercício de cidadania ou da defesa de direitos.

Ao revés, impedem a desejada estabilização das relações jurídicas consolidadas pelo tempo; dificultam a produção da prova, tornando-a dispersa ou ainda mais perecível; postergam o exercício dos direitos e, com isso, diminuem a sua efetividade; agravam o passivo das condenações; obstruem o sistema judiciário mediante a propositura tardia de milhares de demandas de massa (e.g. expurgos inflacionários de cadernetas de poupança ou de FGTS; subscrição de ações de telefonia), prejudicando, assim, a consolidação do exercício desses direitos por meio da tutela coletiva.

Além dessas deliberações, ponderei que, com o advento do Código Civil de 2002, houve uma ampliação do rol de prazos específicos de prescrição, não contemplados no diploma anterior, trazendo, com isso, uma redução dos casos de aplicação do prazo geral, antes previsto no art. 177 do Código Civil de 1916 e hoje no art. 205 do Códex de 2002.

Nesse contexto, ressaltei que, no diploma civil atualmente vigente, foi incluído um prazo específico trienal para as pretensões de reparação civil (art. 206, § 3º, V), as quais, na vigência do Código Civil de 1916, estavam alcançadas pela regra geral de prescrição destinada às ações pessoais, de vinte anos, estabelecida no art. 177 do diploma revogado. E, interpretando o aludido art. 206, § 3º, V, do CC/2002, afirmei que, “a par das disposições legais especiais (v.g. o acidente de consumo, cuja pretensão estará sujeita ao prazo quinquenal do art. 27 do CDC), qualquer outra hipótese de reparação civil inespecificamente considerada, seja ela decorrente de responsabilidade contratual (inadimplemento) ou extracontratual (risco ou dano, inclusive moral), deverá observar como regra o prazo prescricional trienal da pretensão a ela relativa”.

Este é o ponto que mais nos interessa para exame da questão controvertida inserta no presente recurso especial, merecendo, assim, maior aprofundamento nesta oportunidade, o que faço por meio de novas ponderações acrescidas àquelas já delineadas no voto que proferi nos mencionados Recursos Especiais Repetitivos 1.360.969/RS e 1.361.182/RS.

Com efeito, entendo que o termo “reparação civil”, constante do art. 206, § 3º, V, do CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual (arts. 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (art. 186, parte final), e o abuso de direito (art. 187). Assim, a prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo comum de três anos.

É importante perceber que a sistemática adotada pelo Código Civil de 2002, como dito linhas atrás, foi a de redução dos prazos prescricionais, visando sobretudo a garantir a segurança e a estabilização das relações jurídicas em lapso temporal mais condizente com a dinâmica natural das situações contemporâneas.

Seguindo essa linha de raciocínio, não parece coerente com a lógica estabelecida pelo Código Civil de 2002 deixar prevalecer, como se regra fosse, o prazo prescricional decenal (art. 205), de caráter tão alongado, para as reparações civis decorrentes de contrato, e somente entender aplicável o lapso temporal trienal para a parte veicular judicialmente as pretensões de reparação civil no âmbito extracontratual ou de enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, IV e V).

É de se notar, ademais, que nem mesmo o Código de Defesa do Consumidor, editado no idos de 1990 – o qual tem como objetivo maior a tutela dos direitos de vulneráveis postos no mercado de consumo, primando, assim, pela assimetria inerente às relações jurídicas estabelecidas entre o consumidor e o fornecedor –, concede tanta elasticidade ao prazo prescricional para que o interessado busque sua pretensão de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, que, ao final, também é derivada de relação contratual. O art. 27 estabelece o lapso de cinco anos para o ajuizamento de demanda fundada em acidente de consumo, o qual é exatamente a metade do prazo previsto no art. 205 do Código Civil de 2002.

Então, por que razão o Código Civil de 2002 – editado mais de uma década após o CDC – que trouxe a tônica de prazos prescricionais reduzidos e que, em regra, regula relações jurídicas em que há paridade entre os sujeitos, admitiria interpretação no sentido de fazer preponderar o prazo prescricional de dez anos para reparação de danos atinentes a contratos que nem sequer envolvem parte vulnerável?

Quanto à reparação civil, considero que a melhor interpretação é, pois, aquela que, observando a lógica e a coerência do sistema estabelecido pelo Código de 2002 para as relações civis, dá tratamento unitário ao prazo prescricional, quer se trate de responsabilidade civil contratual, quer se trate de responsabilidade extracontratual, reconhecendo, assim, em caráter uniforme, o prazo prescricional trienal para todas essas espécies de pretensões. Ficam ressalvadas, é claro, as pretensões cujos prazos prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais.

É salutar observar que o tema ora em apreço foi objeto de debate na V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realizada em novembro de 2011, ocasião em que foi editado o Enunciado n. 419, segundo o qual “o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual”.

Esta orientação encontra respaldo em parte da doutrina.

A propósito, o Prof. Gustavo Tepedino, em artigo no qual analisa com percuciência o prazo prescricional aplicável às pretensões de reparação civil, leciona que não se justificam os argumentos trazidos pela doutrina e jurisprudência para aplicação diferenciada do prazo geral decenal às hipóteses de reparação civil derivada de inadimplemento contratual em detrimento do lapso trienal previsto no inciso V do § 3º do art. 206 do Código Civil de 2002, que se destina, em respeito ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º, II, da CF/88), a todas as pretensões de reparação civil, sejam decorrentes de responsabilidade extracontratual, seja de responsabilidade contratual, sempre que não houver previsão legal específica. Pondera:

Segundo dispõe o art. 206, §3º, V, do Código Civil, prescreve em três anos “a pretensão de reparação civil”. A linguagem utilizada pelo legislador não poderia ser mais clara na fixação de prazo geral de prescrição trienal para a reparação por perdas e danos no direito brasileiro.

Trata-se de relevante inovação, que reduz o prazo vintenário do regime anterior em nome da segurança jurídica, na era da tecnologia das comunicações, em que perdem justificativa, para o exercício do direito de ação, os prazos longos do passado.

A despeito da clareza do dispositivo, logo surgiram vozes para, no afã de ampliar o direito de ação, circunscrever o prazo trienal à responsabilidade extracontratual, adotando-se, em contrapartida, o prazo geral de dez anos, previsto no art. 205, para as hipóteses de responsabilidade contratual. Dois argumentos sustentam tal conclusão. O primeiro seria o modelo (supostamente) semelhante do direito italiano, em que o prazo qüinqüenal se destina apenas à responsabilidade extracontratual, enquanto a responsabilidade contratual se sujeita ao prazo geral de dez anos. Em seguida, afirma-se que não faria sentido o Código Civil estabelecer o prazo de cinco anos para a execução de obrigações contratuais (art. 206, §5º, inciso I) e admitir o prazo trienal para o inadimplemento destas mesmas obrigações oriundas de contrato.

Os argumentos, contudo, embora tenham seduzido parte da jurisprudência, não colhem. Em primeiro lugar, o Código Civil italiano, ao contrário do brasileiro, distingue textualmente as duas espécies de ressarcimento de dano para fins de prescrição, ao dispor, no art. 2.947, que “o direito ao ressarcimento de dano derivado do fato ilícito (art. 2.043 e ss.) prescreve em cinco anos do dia em que o fato se verificou” (Il diritto al risarcimento del danno derivante da fatto illecito (2043 e seguenti) si prescrive in cinque anni dal giorno in cui il il fatto si è verificato. Ou seja, o Código Civil italiano, coerente com seu tempo, já que promulgado em 1942, refere-se, no que tange ao prazo prescricional acima transcrito, a fato ilícito — expressão que designa, notadamente na doutrina italiana, o ilícito extracontratual — e remete, de modo textual, aos art. 2.043 e ss., dedicados pelo codificador italiano à responsabilidade extracontratual.

Além disso, como se sabe, o Código Civil de 2002 dá especial ênfase à execução específica das obrigações, sendo inteiramente coerente com o sistema atribuir-se o prazo qüinqüenal para o seu cumprimento, quando ainda há interesse útil do credor; e reservando- se o prazo trienal para o credor que, uma vez frustrada a possibilidade de cumprimento específico (por perda da utilidade da prestação em decorrência do comportamento moroso do devedor), se encontra apto a promover, imediatamente, a ação de ressarcimento de danos.

Enquanto há interesse útil na prestação, há ainda, de ordinário, diálogo entre os interessados e o prazo trienal nem sempre é suficiente para ajustar a complexa gama de interesses colidentes no âmbito da qual, com freqüência, purga-se a mora, acomodam-se as desavenças, cumpre-se afinal a prestação. O legislador prestigia e incentiva, por diversos expedientes, o adimplemento ainda plausível. Daí o prazo qüinqüenal nessa hipótese. Uma vez, contudo, caracterizado o inadimplemento, não interessa ao sistema e à segurança jurídica postergar a desavença. Nada justifica a delonga. Impõe-se ao credor, como dispõe o art. 206, ajuizar, em três anos, a ação de danos. O prazo decenal, nesse caso, seria nocivo porque permitiria que o ajuizamento da ação, como se dava inúmeras vezes sob a égide do regime vintenário do código de 1916, ocorresse quando as provas já não mais estivessem preservadas. Nesse aspecto, o prazo trienal associado à contemporânea técnica processual da repartição dinâmica do ônus probatório mostram-se convergentes e harmônicos para a promoção do direito de ação.

O sistema se completa com a previsão de cinco anos, insculpida no CDC, para a ação de reparação de danos nos acidentes de consumo. É natural que o consumidor disponha de prazo prescricional mais amplo do que a vítima de danos do Código Civil. A codificação, nesse particular, corrigiu a anomalia surgida após a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, em que o prazo qüinqüenal ali previsto, em homenagem à vulnerabilidade da vítima do acidente de consumo, destoava do prazo prescricional vintenário do Código Civil, a desafiar o princípio constitucional da igualdade. Tal descompasso, atribuível à significativa diferença de idade entre as duas leis, seria corrigido em 2002, não fosse o verdadeiro malabarismo interpretativo em voga, sempre incentivado pela natural criatividade (ou desespero) entremeada à perda de prazos prescricionais.

O que mais preocupa, na discussão em pauta, não é a divergência em si considerada, mas o motor que a alimenta: o suposto matiz progressista que tem sido associado à extensão de prazos prescricionais. Como se prazos longos traduzissem a ampliação de direito de ação e, em conseqüência, a extensão do ressarcimento e, em última análise, a maior proteção das vítimas dos danos, o que estaria em sintonia com a contemporânea visão evolutiva da responsabilidade civil. Maior prazo prescricional levaria a mais justiça, enquanto a ocorrência de prazo prescricional, imposta pelo princípio da segurança, consagraria uma certa dose de injustiça.

Tal perspectiva é equivocada e já levou à admissão de prazo vintenário (do CC 1916) para a ação promovida por vítima de acidente de consumo, em detrimento do prazo qüinqüenal indiscutível do CDC. A rigor, a perda de prazo prescricional, embora angustiante para o titular de certo direito, decorre da omissão do interessado ao longo do tempo, e sua ocorrência, indispensável à pacificação dos conflitos, associa-se a uma série de outros institutos estabelecidos pelo legislador para a garantia do direito de defesa, bem como ao arrefecimento progressivo da possibilidade de coleta de provas por parte do réu. Assim sendo, a opção do codificador civil pelo prazo trienal não se mostra aleatória, mas tem em conta, além da aludida coerência com o CDC (que estipula prazo de cinco anos), a objetivação de inúmeras hipóteses de responsabilidade civil e a velocidade dos meios de comunicação — que atua tanto na produção quanto na dissipação das provas. No contrato, assim como na responsabilidade civil objetiva, a prova (que exclui a responsabilidade pelo inadimplemento) há de ser feita pelo réu. Basta imaginar, por exemplo, a responsabilidade objetiva do patrão por ato danoso do preposto; ou do dono de animal por dano por este praticado; tais hipóteses não diferem, em termos práticos, da responsabilidade contratual pelo dano decorrente do cumprimento defeituoso da prestação. Seria razoável imaginar que o réu pudesse colher a prova indispensável para excluir sua responsabilidade nove anos após o evento danoso? A resposta negativa se impõe, justificando-se, assim, a opção do prazo trienal do codificador civil, cuja aplicação indistinta às responsabilidades contratual e extracontratual mostra-se consentânea com o princípio da isonomia.

A perda de prazo prescricional, embora dolorosa, é menos danosa do que a quebra do sistema, propiciada por inconsistente ideologia de ampliação da reparação dos danos. Os prazos prescricionais associam-se ao conjunto de mecanismos oferecidos à ação de reparação de danos. Contornar a previsão legal, ou selecionar do sistema alguns dispositivos (que melhor atendam ao autor da ação) em detrimento de outros, ameaça a segurança jurídica, a igualdade constitucional e prejudica, em última análise, a própria vítima de danos, sem saber, ao certo, de qual prazo afinal dispõe para o ajuizamento da ação indenizatória.

Há quem diga que os grandes eventos danosos decorrem, invariavelmente, de muitas pequenas concausas. Na teoria da interpretação dá-se o mesmo com a maturação de equívocos hermenêuticos. É preciso resistir a este conjunto de interesses que convergem para a consagração deste equívoco anunciado, que viola preceito expresso do Código Civil e o princípio constitucional da igualdade; e que, se mantido, poderá quebrar o sistema e sua lógica, tornando mais penosa, custosa e incerta a ação de responsabilidade civil. (Prescrição aplicável à responsabilidade contratual: crônica de uma ilegalidade anunciada. In: Editorial. RTDC, vol. 27, 2009, sem grifo no original)

Cito, na mesma linha, a lição de Rui Stoco:

No regime do CC/1916 a ação de reparação do dano era considerada de direito pessoal e, como tal subordinada ao prazo comum previsto no revogado art. 177 do CC/1916 (20 anos). Agora, contudo, com a entrada em vigor do CC/2002, abandonou-se a distinção entre ações reais e pessoais, de modo a conter prazo mais ou menos dilargado para o exercício da ação em juízo.

Para as ações de reparação de danos, a lei civil preferiu unificar o prazo de prescrição em três anos, como se verifica no art. 206, § 3º, salvo com relação ao prazo para o segurado promover a ação de reparação contra a seguradora, ou denunciá-la à lide, ou desta contra o segurado, no prazo de um ano, a partir de quando efetivada a citação para responder à ação. Portanto, a regra com prazo máximo de 10 anos, estabelecida no art. 205, não se aplica às ações de reparação civil.

Advertiu Aguiar Dias ser generalizada entre nossos juristas, a crença de que a ação de exigir reparação de dano tem fundo alimentar. Essa noção repercute prejudicialmente contra a exata apreciação de problemas ligados à responsabilidade civil, entre eles salientando-se o da prescrição e do deferimento da reparação a pessoas não necessitadas de alimentos ou sem direito a eles (Da Responsabilidade Civil… cit., 6. ed., p 374-380).

A origem do equívoco estava no art. 1.537, II, do CC/1916, dispondo que a “na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto as devia”, expressão essa repetida e renova, em parte, no art. 948, II, do CC em vigor.

Mas, como já enfatiza esse notável jurista, “a indenização do dano, em qualquer caso, tem caráter de reparação, isto é, o título a que são pagas as quantias ao prejudicado é o de ressarcimento objeto da ação de responsabilidade civil”, que prescreve em três anos. Só se justificaria, pois, a aplicação de prazo prescricional diverso, se o título em que se funda o pedido e a natureza da obrigação do responsável fossem, respectivamente, o que corresponde ao direito de alimentos, e a apresentada pelo dever do alimentante.

Como é inadmissível sustentar que o responsável civil seja alimentante e que a ação de reparação de dano tenha base no direito de pedir alimentos, dada a ausência de relação de parentesco que o autoriza, de nenhuma consistência é esse ponto de vista (Aguiar Dias. O. Cit., p. 374-380).

[…]

Como ficou assentado e exaustivamente comentado nos itens precedentes, o Código Civil estabeleceu prazo único para as ações com pretensão de reparação civil, seja para o dano material ou moral, decorrente de ato ilício ou de relação contratual.

Em qualquer caso, salvo a pretensão do segurado contra o segurador ou vice-versa (CC/2002, art. 206, § 1º, II), o prazo será de três anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, desse Códex.

(Tratado de Responsabilidade Civil.: doutrina e jurisprudência, 10ª ed., rev., atual. e reform. com acréscimo de acórdãos do STF e STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 316-317 e 321, sem grifo no original)

Sem a pretensão de exaurir as manifestações doutrinárias a respeito da temática, cito, por fim, as lições de Yussef Said Cahali, para quem:

A regra do art. 206, § 3º, V, não encontra correspondência no Código Civil anterior, porque a matéria estava sujeita à prescrição vintenária das ações pessoais (art. 177).59 O dispositivo tem em vista as ações pessoais para as quais, no antigo Código Civil, a prescrição era vintenária. Ou também a ação de indenização por danos materiais, conseqüente de acidente de trânsito, quando se entendia que “a ofensa ao direito de propriedade, nos termos do art. 178, § 10, IX, prescreve em cinco anos, contados da data em que se deu a ofensa ou dano, quer se trate de lesão oriunda de delito ou de ofensa à propriedade material. Não se cuida aqui de reparação de dano pessoal, mas sim material, contra a coisa”.

O Código não faz qualquer distinção quanto à origem ou natureza da pretensão reparatória, compreendendo, portanto, qualquer dano a ser indenizado, por ofensa à pessoa ou aos seus bens. Não se reproduziu o art. 178, § 10, IX, do Código revogado, que discriminava a prescrição qüinqüenal para a ação por ofensa ou dano causado ao direito de propriedade, quando já então se ressaltava que a citada prescrição especial “não abrangia a generalidade dos casos de responsabilidade civil”.

O triênio aqui previsto não prevalece se houver estipulação diversa em lei especial: “A norma do art. 206, § 3º, V, do CC, que fixa em três anos o prazo de prescrição para o exercício da pretensão de reparação civil, é geral e, destarte, subsidiária, não podendo ser aplicada quando há regra especial definindo outro lapso para que se opere o fenômeno extintivo […]. (Prescrição e Decadência, 1ª ed., 3ª Tiragem, São Paulo, Revista dos Tribunais: 2008, pp. 164-165, sem grifo no original)

Não se desconhece a existência de entendimento doutrinário e jurisprudencial, inclusive desta Corte, em sentido contrário ao defendido no presente voto. Menciono, a título exemplificativo: THEODORO Jr., Humberto. Comentários ao novo Código Civil: dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova: arts. 185 a 232. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 3. t. II. p. 333; AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral do direito civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2012. p. 427; CRUZ, Gisela Sampaio da. Prescrição extintiva: questões controversas. Revista do Instituto do Direito Brasileiro (RIBD), n. 3, ano 3, Lisboa, 2014, p. 1.833-1.857; MARTINS-COSTA, Judith. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao novo Código Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 5. t. II. p. 160-162; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1. p. 363. Menciono, ainda, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1.516.891/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 28/4/2015, DJe de 6/5/2015; AgRg no REsp 1.317.745/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 6/5/2014, DJe de 14/5/2014; AgRg no Ag 1.401.863/PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/11/2013, DJe de 19/11/2013; AgRg no Ag 1.327.784/ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 27/08/2013, DJe de 6/9/2013.

Todavia, entendo que é chegada a hora de dar à questão uma nova roupagem interpretativa, primando pela uniformização dos prazos prescricionais relacionados à reparação civil, independentemente de sua natureza, e evitando-se, com isso, incongruências no sistema estabelecido pelo Código Civil de 2002 para as relações civis.

Até mesmo porque não parece adequado extrair da norma inserta no inciso V do § 3º do art. 206 do CC/2002 restrição que nela não se encontra redigida. Ao contrário, o preceito contido no texto da lei tem ampla dicção, porquanto fala em “reparação civil” sem fazer distinção das espécies de responsabilidade civil a que se relaciona, se subjetiva ou objetiva, contratual ou extracontratual, por ação ou omissão, ou se o dano é patrimonial ou extrapatrimonial, ou praticado por pessoa natural ou jurídica, por exemplo.

A expressão “reparação civil” relaciona-se à ideia de ressarcimento, de reparação do dano, que se pode dar por meio da restituição do lesado pelo ofensor, tanto quanto possível, ao status quo ante, e, em não sendo viável, pela indenização em pecúnia dos danos perpetrados. A reparação civil está atrelada, assim, ao dever jurídico sucessivo de indenizar o lesado – seja pela restauração em natura, seja pela indenização em dinheiro – derivado da violação de um outro dever jurídico, mas originário, que pode tanto estar situado na esfera negocial como na extranegocial.

Nesse sentido leciona Pontes de Miranda:

2. CONCEITO DE INDENIZAÇÃO – Quem indeniza torna indene o que foi danificado, o que algum fato atingiu, diminuindo o valor, ou extinguindo-o. Quem danificou há de indenizar. Dano é a perda, dano é o prejuízo sofrido. A expressão “perdas e danos” torna explícito que há o dano total e os danos que não excluem o bem. Não só as coisas podem sofrer danos. Há danos ao corpo e à psique. Nas relações da vida, o ser humano há de indenizar o dano que causa. O ser humano que sofreu o dano há de ser protegido pelo direito material no sentido de ter direito, pretensão e ação contra o ofensor.

[…].

As ofensas podem ser a direitos, pretensões e ações que nasceram de negócios jurídicos, ou a direitos, pretensões e ações que não dependem de existir entre o ofendido e o ofensor relação jurídica negocial. Aquelas ofensas, em atos positivos ou negativos, são ilícito relativo; essas, em atos positivos ou negativos, são ilícito absoluto.

[…]

As restaurações, o impulso para o estado anterior, que as pretensões à indenização colimam, são ou para que se restabeleça, em natura, o status quo ante, ou para se indenize em dinheiro.

A indenização em natura tende à eliminação dos danos concretos ou reais. Por ela, procura-se restabelecer o estado de fato que existia ao tempo da infração. A indenização em pecúnia presta o valor do que se perdeu ou do dano causado. Ambas têm por finalidade recompor, ainda que somente pelo valor, o que era. Deve-se entender que a pretensão à indenização fica satisfeita, sempre, se possível a restauração em natura, mas a restauração que, concretamente, seria completa, porém não atenderia a interesse do titular que também foi atingido, não seria satisfatória.

(Tratado de Direito Privado, Tomo XXVI: Direito das Obrigações, atualizado por Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Nelson Nery Jr., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 93-94, sem grifo no original).

Seguindo esse raciocínio, entendo que a reparação civil, como dever jurídico sucessivo de indenizar o lesado pelo prejuízo advindo do dano, pode decorrer tanto de ilícito relativo, ou seja, de violação de um dever contratual (responsabilidade contratual), como de ilícito absoluto, com a infração a correspondente dever jurídico imposto pela lei ou pela ordem jurídica (responsabilidade extracontratual).

É imperioso salientar, no ponto, a lição de Sérgio Cavalieri Filho que, a despeito de trazer em seus ensinamentos a distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, não deixa de fazer alusão às críticas feitas pela doutrina a esta divisão conceitual. Nas palavras do doutrinador:

Em suma: tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual há a violação de um dever jurídico preexistente. A distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o dever específico a cuja observância ficam adstritos. E como o contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica, e não dever jurídico, preexistente, porque este sempre se faz presente em qualquer espécie de responsabilidade). Haverá, por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas na lei ou na ordem jurídica.

Em nosso sistema a divisão entre a responsabilidade contratual e extracontratual não é estanque. Pelo contrário, há uma verdadeira simbiose entre esses dois tipos de responsabilidade, uma vez que as regras previstas no Código para a responsabilidade contratual (arts. 393,402 e 403) são também aplicadas à responsabilidade extracontratual.

Os adeptos da teoria unitária, ou monista, criticam essa dicotomia, por entenderem que pouco importam os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade no cenário jurídico, já que seus efeitos são uniformes. Contudo, nos códigos dos países em geral, inclusive no Brasil, tem sido acolhida a tese dualista ou clássica.

O Código do Consumidor, como se verá, superou essa clássica distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual no que respeita à responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços. Ao equiparar ao consumidor todas as vítimas do acidente de consumo (Código de Defesa do Consumidor, art. 17), submeteu a responsabilidade do fornecedor a um tratamento unitário, tendo em vista que o fundamento dessa responsabilidade é a violação do dever de segurança – o defeito do produto ou serviço lançado no mercado e que, numa relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente de consumo. (Programa de Responsabilidade Civil, 9ª ed.,m São Paulo: Atlas, 2010, pp. 15-16, sem grifo no original)

Nessa linha de raciocínio, concluo que tanto as pretensões voltadas à reparação de dano derivado de responsabilidade contratual como o derivado de responsabilidade extracontratual sujeitam-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002.

Digno de nota que pretensões de reparação civil especificamente disciplinadas devem seguir observando o prazo prescricional especial que lhes foi designado. Por exemplo, aquelas decorrentes da cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular (também fruto de inadimplemento contratual, porém com prazo prescricional específico de 5 (cinco) anos, consoante art. 206, § 5º, I; v.g. REsp Repetitivo n. 1.249.321/RS, subitem 1.2 da ementa). Nos comentários ao aludido art. 206, § 3º, V, do CC/2002, o Prof. Tepedino (Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. V. I. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2014, p. 412) apresenta mais dois exemplos: 5 (cinco) anos para a pretensão reparatória decorrente de danos causados ao direito de propriedade industrial (art. 225 da Lei n. 9.279/1996) e 10 (dez) anos para a pretensão de indenização por responsabilidade civil em virtude de danos nucleares (art. 12 da Lei n. 6.453/1977).

Por fim, um último registro com relação às obrigações de fazer inadimplidas, nas quais o credor pode optar por exigir o cumprimento da obrigação ou a resolução do contrato, cabendo, em ambos os casos, indenização por perdas e danos, conforme dicção do art. 475 do CC/2002. Nessas hipóteses, optando o credor pela resolução do contrato, com pleito de indenização por perdas e danos, a pretensão estará sujeita à regra prescricional trienal da reparação civil (art. 206, § 3º, V). Entretanto, ainda que escoado esse prazo, poderá exigir o credor o cumprimento da obrigação de fazer pelo devedor no prazo decenal do art. 205, o qual, mesmo assim, poderá ser convertido em reparação por perdas e danos, desde que verificada a impossibilidade de cumprimento da obrigação (nesse caso não estará prescrita a pretensão indenizatória porque ela só tem lugar em função da impossibilidade de cumprimento da obrigação, não mais se constituindo em faculdade do credor).

Com base em todas essas ponderações, deve ser mantido o acórdão recorrido que, na mesma linha de entendimento deste Relator, concluiu que às ações fundadas em responsabilidade civil contratual não é aplicável o prazo prescricional geral decenal previsto no art. 205, mas o trienal do art. 206, § 3º, V, ambos do Código Civil de 2002.

3. Pedido subsidiário de decote do termo inicial do lapso prescricional:

Por fim, tendo-se concluído pela incidência, na hipótese, do prazo trienal, cabe analisar o pedido subsidiário de decote do termo inicial do lapso prescricional.

Conforme relatado, afirma a recorrente que “os pedidos indenizatórios formulados são absolutamente autônomos, pois decorrem de ilícitos contratuais distintos. Há um pedido indenizatório em razão dos vários descumprimentos ao PAD e outro totalmente diverso referente à rescisão unilateral do contrato de vendas e serviços. Por conseqüência, cada pretensão indenizatória deve ter como termo inicial do prazo prescricional um marco específico, que deverá coincidir com o ilícito respectivo, pois é exatamente sua ocorrência que faz nascer para o titular a pretensão ao ressarcimento (CC. art. 189)”.

Da narração feita pela autora, ora recorrente, na exordial da ação indenizatória, pode-se inferir os seguintes pedidos e causa de pedir:

A autora BUCHALA VEÍCULOS LTDA. celebrou com a FORD DO BRASIL S.A. contrato de vendas e serviços em 18 de novembro de 1957. Esse contrato foi sucedido por outros contratos assinados em 1972 e 1977 (doe. 2), por prazo indeterminado. Tais contratos permaneceram vigentes até 7 de janeiro de 1998, ocasião na qual a ré houve por bem rescindi-los unilateralmente (Lei Ferrari, art. 21), ao aforar notificação premonitória afirmando um suposto (e inexistente) descumprimento contratual por parte da autora, invocando, na oportunidade, o art. 22, inc. III, §1º da Lei n. 6.729, de 28 de novembro de 1979.

[…]

Importa para esta demanda os anos de 1988 a 1998, em que a ré, deliberadamente, prejudicou a autora ao não cumprir com suas obrigações contratuais. Em razão do processo então pendente entre as partes, a ré claramente boicotou o contrato celebrado, mas em nenhum momento o rescindiu (o que veio a ocorrer somente em 1998). Ao invés de rescindir unilateralmente os contratos existentes, optou a ré em não cumpri-lo, visando a asfixiar a autora, impedindo-a de exercer sua atividade de distribuidor FORD.

[…]

A autora sempre registrou sua insatisfação com os incompreensíveis descumprimentos do contrato através de inúmeras missivas enviadas à ré (doc. 4). Mas a FORD BRASIL S.A. reiteradamente privilegiava a concorrente MERCOVEL em detrimento dos direitos da autora. No entanto, com a falência, em 1997, da concorrente ilicitamente nomeada (MERCOVEL), a ré houve por bem tentar uma reconciliação com a autora, propondo a retomada do cumprimento do contrato até então abandonado pela ré. Essa reaproximação foi iniciada por uma carta enviada pela ré à autora (doc. 4) em 3 de fevereiro de 1997.

Em razão dessa carta-proposta, a autora prontamente encaminhou resposta afirmando que tinha total interesse em retomar o contrato – frise-se ininterruptamente vigente e jamais descumprido pela autora – para que pudesse desenvolver sua atividade de distribuidor FORD. Ressaltou-se, na referida correspondência, que sempre foi o desejo da autora que a ré cumprisse suas obrigações para que pudessem ser restabelecidas as relações comerciais, conforme previsão contratual.

[…]

Contudo, o que se verificou foi uma estratégia maliciosamente preconcebida pela ré para novamente deixar de cumprir o contrato. Isto é, mesmo após todas as exigências da autora terem sido integralmente atendidas, a ré permaneceu sem cumprir com sua contraprestação. E pior, nas cartas enviadas à autora afirmava que ela não havia cumprido suas, exigências. A cada missiva endereçada à autora esta respondia que todas as providências requeridas já haviam sido realizadas.

A inércia da ré em reconhecer que nada havia a ser cumprido pela autora motivou o aforamento de notificação judicial (doc. 3) para formalizar a ciência inequívoca de que todas as exigências foram cumpridas que se aguardava o cumprimento das obrigações assumidas pela ré.

Em resposta a essa notificação, a autora recebeu uma carta datada de 7 de janeiro de 1998 na qual a ré houve por bem rescindir unilateralmente o contrato, vigente desde 1957 (doc. 3).

[…]

O descumprimento do contrato de vendas e serviços pela ré causou inúmeros prejuízos a autora. Assim, por meio desta demanda, objetiva-se a condenação da ré ao pagamento dos lucros cessantes por ela causados durante a vigência do contrato em razão do descumprimento por parte da FORD BRASIL S.A. do Plano de Ação do Distribuidor e de favorecimento indevido da concorrente MERCOVEL nos anos de 1988 a 1998, indenização essa que deverá ser quantificada e apurada através de perícia técnica.

A autora também postula a condenação da ré ao pagamento dos danos emergentes causados à autora, visto que foi obrigada a realizar diversos investimentos e cumprir diversas exigências determinadas pela ré, sem que tenham sido aproveitadas, pois após todos os gastos realizados, a ré decidiu rescindir unilateralmente o contrato.

Por fim, pede-se também a condenação da ré ao pagamento de indenização em razão da rescisão unilateral do contrato, nos termos estabelecidos pela Lei Ferrari.

[…]

Pede a autora BUCHALLA VEÍCULOS LTDA. a procedência da demanda para condenar a ré (i) ao pagamento dos lucros cessantes do período de vigência do contrato celebrado entre as partes, nos anos de 1988 até 1998, acrescidos de juros de mora e correção monetária desde a data de ocorrência; (ii) ao pagamento dos danos emergentes causados pelas exigências da ré para voltar a cumprir o contrato, acrescidos de juros de mora e com monetária desde o efetivo desembolso; e (iii) ao pagamento das perdas e danos decorrentes da rescisão unilateral do contrato a que deu causa, na forma estabelecida pelo art. 24 da Lei Ferrari e com base no faturamento potencial que a autora teria se não fosse o boicote levado a efeito pela ré.

É em relação à pretensão de indenização dos lucros cessantes do período de 1988 até 1998, que pleiteia a ora recorrente, subsidiariamente, seja afastada a prescrição. Isso porque em relação a uma parcela deste período, na data em que entrou em vigor o Código Civil de 2002, havia transcorrido mais de dez anos, de maneira que, aplicando a regra de transição prevista em seu art. 2.028, prevaleceria ainda o lapso prescricional do Código Civil de 1916 (vinte anos) e, assim, não se teria implementado, no ponto, a prescrição.

Entretanto, verifico que a pretensão de percepção dos lucros cessantes está diretamente relacionada com a rescisão unilateral do contrato celebrado entre as partes. Na verdade, da narrativa dos fatos constantes da inicial, é claramente perceptível que, se não fosse tal fato, ou seja, se o contrato houvesse sido mantido, a ora recorrente não buscaria o ressarcimento de alegados danos materiais advindos de “descumprimento por parte da Ford Brasil S.A. do Plano de Ação do Distribuidor e de favorecimento indevido da concorrente Mercovel nos anos de 1988 a 1998”.

Considero, pois, que o fato gerador da pretensão de ressarcimento dos alegados lucros cessantes está consubstanciado na rescisão contratual.

Desse modo, decorrendo todos os pedidos indenizatórios formulados na petição inicial da causa de pedir principal, rescisão do contrato, é da data desta rescisão que deve ser aferido o prazo prescricional (7 janeiro de 1998). Assim, aplicada a regra do art. 2.028 do CC/2002 e ajuizada a ação em 4 de janeiro de 2008, tem-se por prescritas as pretensões formuladas na ação indenizatória.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO FUNDADA EM RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. PRAZO TRIENAL. UNIFICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA A REPARAÇÃO CIVIL ADVINDA DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL. TERMO INICIAL. PRETENSÕES INDENIZATÓRIAS DECORRENTES DO MESMO FATO GERADOR: RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. DATA CONSIDERADA PARA FINS DE CONTAGEM DO LAPSO PRESCRICIONAL TRIENAL. RECURSO IMPROVIDO.

1. Decidida integralmente a lide posta em juízo, com expressa e coerente indicação dos fundamentos em que se firmou a formação do livre convencimento motivado, não se cogita violação do art. 535 do CPC/1973, ainda que rejeitados os embargos de declaração opostos.

2. O termo “reparação civil”, constante do art. 206, § 3º, V, do CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual (arts. 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (art. 186, parte final), e o abuso de direito (art. 187). Assim, a prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo comum de três anos. Ficam ressalvadas as pretensões cujos prazos prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais.

3. Na V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realizada em novembro de 2011, foi editado o Enunciado n. 419, segundo o qual “o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual”.

4. Decorrendo todos os pedidos indenizatórios formulados na petição inicial da rescisão unilateral do contrato celebrado entre as partes, é da data desta rescisão que deve ser iniciada a contagem do prazo prescricional trienal.

5. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Moura Ribeiro.

Brasília, 22 de novembro de 2016 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

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