Direito Agrário

Regularização fundiária: TRF1 suspende efeitos de sentença que determinou a desocupação de terras adquiridas por contratos formais de aquisição de terras públicas

Direito Agrário

“O TRF1 suspendeu os efeitos da sentença, do Juízo Federal da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Ji-Paraná, que determinou a desocupação de terras de cerca de 9.000 hectares no estado de Rondônia. A ação foi proposta pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e buscava a anulação de 23 contratos de promessa de compra e venda firmados em 17/05/91. Por meio desses contratos foram adquiridos lotes de 400 ha ou 500 ha de terra na zona rural de Costa Marques/RO.

A decisão foi proferida pelo juiz federal convocado Gláucio Maciel Gonçalves, que deferiu a atribuição de efeitos suspensivos à apelação por entender que não se ‘evidencia razoável o cumprimento da sentença neste momento, sobretudo pelo fato de que as terras, conquanto sejam extensas, nunca foram ocupadas por outras pessoas, e se os requerentes lá estão há 32 anos, com a soma das posses, têm eles direito de permanecer até que a questão seja dirimida por este Tribunal’.

Segundo o magistrado, a desocupação remonta à década 80 do século passado, e desde 1984 a área é ocupada e compõe-se de três fazendas. Foi pedida ao Incra a regularização das terras, mas o executor do Projeto Fundiário Guajará-Mirim indeferiu o pedido pelo montante inexpressivo de benfeitorias implantadas. Posteriormente, a área foi dividida em 23 lotes de 400 ha a 500 ha. Firmados os contratos, os posseiros requereram a expedição de Ordem de Serviço para medição e demarcação topográfica a fim de substituir os contratos de promessa de compra e venda pela titulação definitiva.

Realizada a vistoria pelo Incra, houve o indeferimento do pedido de regularização por estar configurada a concentração de 9.000 ha de terras públicas em uma só pessoa, sem autorização do Conselho de Defesa Nacional (CDN), em contrariedade ao § 1º do art. 188 da Constituição e ao art. 2º, I e do art. 8º da Lei nº 6.634/79. Não obstante, os posseiros permaneceram, o que fez com que o Incra ajuizasse a ação.

O juiz ressalta que antes da Constituição de 1988, ainda que as terras estivessem situadas na faixa de fronteira, a área máxima para a titulação era de 3.000 ha. Com o advento da CF, houve limitação à alienação de 2.500 ha, salvo se tiver autorização do CDN.

Destaca o magistrado que os requerentes têm contratos formais de aquisição de terras públicas, pelas quais pagaram o preço, não podendo dizer que são meros detentores, mas possuidores de verdade. ‘Sendo possuidores de boa-fé teriam, aparentemente, direito a benfeitorias, mesmo que a área hoje seja de fato uma unidade de terras, pois não há como desconsiderar a titulação de cada um dos 23 outorgados’.

Por fim, afirma o julgador que o cancelamento das matrículas dos imóveis abertas a partir dos contratos não pôde ser feito porque a sentença ainda não transitou em julgado e que as questões referentes à prescrição e à legitimidade da transferência dos imóveis serão aferidas quando do julgamento da apelação, embora ‘as razões recursais sejam relevantes para ensejar dúvida a respeito da tese da sentença’”.

Fonte: TRF1, 02/02/2017.

 

Veja a decisão:

PEDIDO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO N. 0000376- 25.2017.4.01.0000/RO (d)

Processo Orig.: 0014133-52.2010.4.01.4100

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE

RELATOR CONVOCADO : JUIZ FEDERAL GLÁUCIO FERREIRA MACIEL GONÇALVES

REQUERENTE : AUGUSTO NASCIMENTO TULHA E OUTROS(AS)

ADVOGADO : RO00001569 – CRISTIANE DA SILVA LIMA

ADVOGADO : RO00000040 – ORESTES MUNIZ FILHO

ADVOGADO : RO0000030B – ODAIR MARTINI

ADVOGADO : RO00000704 – ALEXANDRE CAMARGO

ADVOGADO : RO00001506 – WELSER RONY ALENCAR ALMEIDA

ADVOGADO : RO00000998 – CHRYSTIANE LESLIE MUNIZ

ADVOGADO : RO00001237 – ANDREIA CRISTINA NOGUEIRA

ADVOGADO : RO00001244 – SHISLEY NILCE SOARES DA COSTA

ADVOGADO : RO00001244 – SHISLEY NILCE SOARES DA COSTA

ADVOGADO : RO00003432 – SAMIRA ARAUJO OLIVEIRA

ADVOGADO : RO00003993 – THIAGO COSTA MIRANDA

ADVOGADO : RO00002396 – GIULIANO DE TOLEDO VIECILI

REQUERIDO : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA – INCRA

PROCURADOR : DF00025372 – ADRIANA MAIA VENTURINI

D E C I S Ã O

 

Data vênia do doutor prolator da sentença atacada, é de ser obstada sua eficácia até a análise da apelação pelo Tribunal.

Esta demanda proposta pelo INCRA busca a nulidade de 23 contratos de promessa de compra e venda firmados em 17-5-1991, em Rondônia, e a desocupação de uma sorte de terras de cerca de 9.000 hectares. Por meio desses negócios jurídicos, foram adquiridos lotes de 400 ou 500 hectares de terras na zona rural de Costa Marques/RO. Tomando como exemplo o contrato de f. 127 da rolagem única, referente ao título 046954, houve o pagamento de 5 prestações anuais, com juros de 6% ao ano, com preço total de Cr$6.381.205,00.

A origem dessa ocupação remonta à década de 80 do século passado. Desde 1984, a área de cerca de 9.000 hectares é ocupada por Lúcia Nascimento Tulha, Fernando Nascimento Tulha e Fernando Nascimento Tulha Filho e compõe-se de três fazendas, a Recanto da Paz, a Terra Boa e a Bom Futuro. Ditas pessoas naturais constituíram, em 20-9-1984, procurador na pessoa de Augusto Nascimento Tulha.

Foi pedida ao INCRA a regularização das terras, mas em 15-9-1987 o executor do Projeto Fundiário Guajará-Mirim indeferiu o pleito, pelo montante inexpressivo de benfeitorias implantadas, a teor do art. 6º da Lei 4.947/66 e do art. 11 da Portaria MIRAD/GM 839, de 10-6- 1988. Posteriormente, em 13-3-1989, a grande área de 9.000 hectares foi dividida em 23 lotes de 400 a 500 hectares. Firmados os contratos, os posseiros requereram, por meio de Augusto Nascimento Tulha, a expedição de ordem de serviço para medição e demarcação topográfica, a fim de substituir os contratos de promessa de compra e venda por titulação definitiva. Realizada vistoria pelo INCRA em 4-11-2002, houve indeferimento do pedido de regularização em agosto de 2004, por estar configurada a concentração de 9.000 hectares de terras públicas em uma só pessoa (unidade fática), sem autorização do Conselho de Defesa Nacional, em contrariedade ao § 1º do art. 188 da Constituição e aos art. 2º, I e 8º da Lei 6.634/79. A nulidade administrativa dos contratos foi reconhecida também porque os outorgados não exploravam direta e pessoalmente o imóvel ocupado, não mantinham residência no imóvel e não tinham na agropecuária sua principal atividade.

Notificados a desocupar os imóveis, os posseiros lá permaneceram, o que fez com que o INCRA ajuizasse esta causa, que teve pedido de antecipação dos efeitos da tutela indeferido no início. Após a instrução, foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a demanda, com ordem de desocupação em 30 dias.

Depois de mais de 32 anos de ocupação de terras em local afastado dos centros urbanos da época – Rondônia era território federal –, os requerentes foram intimados para desocupar a área de cerca de 9.000 hectares, que tem mais de 5.000 cabeças de gado, plantações e empregados, em 30 dias. Provavelmente, quando lá chegaram, não havia sequer estrada, e para lá foram atendendo ao chamado do governo federal para povoar o norte do país.

Antes da Constituição de 1988, ainda que as terras estivessem situadas na faixa de fronteira, o que não se sabe ao certo se é o caso dos autos, a área máxima para titulação era de 3.000 hectares, por força do art. 8º da Lei 6.634/79. Como foram dadas a três pessoas distintas, antes de 1988, e a área total tem menos do que 9.000 hectares, em princípio, não existia irregularidade, sob pena de violação do ato jurídico perfeito. Com o advento da Constituição de 1988, que limitou a alienação a 2.500 hectares, salvo se tiver autorização do Conselho de Defesa Nacional, houve a divisão em lotes, o que contou com o beneplácito do INCRA, que, inclusive, celebrou contratos de promessa de compra e venda com 23 pessoas.

Detendo os requerentes contratos formais de aquisição de terras públicas, pelos quais pagaram o preço, não se pode dizer que são meros detentores, mas possuidores de verdade. Sendo possuidores de boa-fé, teriam, aparentemente, direito a benfeitorias, mesmo que a área hoje seja de fato uma unidade de terras, pois não há como desconsiderar a titulação de cada um dos 23 outorgados. Registre-se, ainda, que, celebrados os negócios jurídicos, com pagamento de preço, os requerentes, tendo por base o art. 7º do Decreto-Lei 2.375/87, que dá valor de escritura pública aos contratos, levaram-nos a registro em 2004, com abertura de matrículas. Isso reforça o direito às benfeitorias, dada à titulação e à boa-fé.

Outra questão que faz com que o direito invocado nas razões deste pedido seja verossímel diz respeito à prescrição. A prescrição se opera sim contra dispositivo constitucional, ou seja, é irrelevante se o direito subjetivo tido por violado pelo autor de uma demanda tem assento na legislação ordinária ou na Constituição. Se, não obstante a natureza constitucional do direito material malferido, a parte perdeu o prazo para ajuizar a demanda, ocorre a prescrição, data vênia do entendimento do Supremo Tribunal Federal citado na sentença, que, aliás, é isolado. A prescrição deve ser respeitada da mesma forma que o é o diploma que garante os direitos, já que se baseia no princípio da segurança jurídica, também informador do ordenamento jurídico.

Por fim, é de se ressaltar que o cancelamento das matrículas dos imóveis, abertas a partir dos contratos, nos termos do art. 7º do Decreto-Lei 2.375/87, não pode ser feito se a sentença ainda não transitou em julgado. É a previsão expressa do art. 256 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73).

As questões referentes à prescrição e à legitimidade da transferência dos imóveis será aferida quando do julgamento da apelação, embora os fundamentos postos nas razões recursais sejam relevantes para ensejar dúvida a respeito da tese da sentença. De qualquer forma, não se evidencia razoável o cumprimento da sentença neste momento, sobretudo pelo fato de que as terras, conquanto sejam extensas, nunca foram ocupadas por outras pessoas e se os requerentes lá estão há 32 anos, com a soma das posses, têm eles direito de permanecer até que a questão seja dirimida por este Tribunal.

Assim, nos termos do § 4º do art. 1.012 do Código de Processo Civil, defiro a atribuição de efeito suspensivo à apelação, obstando a desocupação ordenada na sentença e outros atos que dela decorram. Comunique-se ao juízo da 2ª vara federal de Ji-Paraná/RO.

Arquivem-se os autos, já que o objeto se esgota no exame deste pedido.

Publique-se.

Brasília, 17 de janeiro de 2017.

 

Gláucio Maciel Gonçalves

Juiz Relator Convocado

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