Direito Agrário

“Carne” de mentira

Imagem de www.livekindly.com

por Luís Otávio Daloma da Silva.

 

Foi publicada no dia 12 junho reportagem no jornal inglês The Guardian[1] que notícia relatório da consultoria global AT Kearney em que afirma que em 2040, 60% da “carne” consumida não será de animais abatidos, mas sim “carnes” produzidas a base de vegetais na indústria e em laboratórios.

Na reportagem, mais uma vez, a produção pecuária é tratada de forma homogênea e apontada como geradora de enormes impactos ambientais: fonte de emissões de gases que impulsionam a crise climática, a destruição de habitats silvestres e fonte de poluição dos rios e oceanos.

Numa tradução livre da reportagem afirma-se que a mudança para estilos de vida veganos e vegetarianos é inegável, com muitos consumidores reduzindo seu consumo de carne como forma de se tornarem mais conscientes em relação ao meio ambiente e ao bem-estar animal.

Cabe aqui uma indagação, os consumidores realmente estão mais conscientes ou há um movimento que, de forma sutil, tem incentivando o consumo de determinados alimentos e preterido outros? Quem são as indústrias que estão investindo nessa área da “carne” de laboratório?

Em reportagem, datada de 2 de maio, do jornal espanhol El País[2], sobre a abertura do capital da Beyond Meat, o criador da “carne” vegetal exemplifica que as vacas comem vegetais e seus corpos funcionam como biorreatores que organizam os nutrientes que comem para formar a carne e que o conceito da “carne” vegetal é imitar esse biorreator em laboratório, usando os mesmos constituintes das plantas – aminoácidos, lipídios, minerais, vitaminas e água – e organizando-os em uma arquitetura básica semelhante à carne animal.

Posso estar enganado, mas ao meu ver está se propondo e investindo fortemente na criação e produção de um alimento ultraprocessado, sobre os quais o Guia Alimentar para População Brasileira  é contundente em alertar os malefícios e aponta.

“Estão perdendo força os sistemas alimentares centrados na agricultura familiar, em técnicas tradicionais e eficazes de cultivo e manejo do solo, no uso intenso de mão de obra, no cultivo consorciado de vários alimentos combinado à criação de animais, no processamento mínimo dos alimentos realizado pelos próprios agricultores ou por indústrias locais e em uma rede de distribuição de grande capilaridade integrada por mercados, feiras e pequenos comerciantes. No lugar, surgem sistemas alimentares que operam baseados em monoculturas que fornecem matérias-primas para a produção de alimentos ultraprocessados ou para rações usadas na criação intensiva de animais.[3]

Reitero novamente a preocupação trazida em coluna de minha lavra, veiculada em coluna do Jornal Tradição: “É preciso ter muito cuidado com interesses econômicos externos que, sob diferentes máscaras, impõem valores culturais, econômicos e restrições que sufocam e desvalorizam nossa cultura e nossos saberes locais, homogeneizando nossos hábitos alimentares, modo de falar, vestes, sonhos e desejos.”[4]

Como já afirmado na coluna acima citada, a nossa pecuária tradicional de corte, a pecuária do gado a pasto no Pampa, com o manejo correto, é de baixo impacto ambiental, ou seja, não agride a vegetação do bioma, garantido a proteção dos recursos naturais e da sua biodiversidade, envolve milhares de produtores e produtoras, em sua maioria, da chamada pecuária familiar, gerando oportunidades de trabalho e renda e produz um alimento seguro e saudável.

A quem interessa a demonização de nossa pecuária tradicional?

Notas:

[1] https://www.theguardian.com/environment/2019/jun/12/most-meat-in-2040-will-not-come-from-slaughtered-animals-report

[2] https://elpais.com/economia/2019/05/01/actualidad/1556745358_622049.html

[3] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014. Pág. 19. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf

[4] DA SILVA, Luís Otávio Daloma. Direito Aplicado ao Agronegócio: Pecuária Tradicional de Corte no Pampa. Jornal Tradição. Edição 660, Ano XIV. Disponível em: https://www.facebook.com/mmdadvogados/photos/a.357243337805884/1089482464581964/?type=3&theater

[* O presente texto foi adaptado da coluna Direito Aplicado ao Agronegócio veiculada na edição número 664, ano XIV, do Jornal Tradição, pág. 04. A imagem foi extraída do Site Livekindly.]

Luís Otávio Daloma da Silva – Advogado, Especialista em Análise Política e Relações Institucionais pela UNB e em Direito Agrário e Ambiental Aplicado ao Agronegócio pelo Instituto de Educação no Agronegócio – I-UMA/UNIP. Membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU.

 

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