Direito Agrário

Cabe ao credor provar que pequena propriedade rural é penhorável

Direito Agrário

“É suficiente o início de prova de que a propriedade rural se enquadra nas dimensões de pequena propriedade; depois disso, é encargo do credor demonstrar eventual descaracterização da impenhorabilidade do bem.

A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que, em ação de execução de título extrajudicial, afastou penhora de imóvel rural por entender se tratar de presunção juris tantum (presunção relativa) o fato de a propriedade ser trabalhada pela família.

O TJPR reconheceu tratar-se de pequena propriedade rural por ser a área penhorada menor que quatro módulos fiscais. Em relação ao fato de a propriedade ser trabalhada pela família, o acórdão destacou que ‘há que se ressaltar que se trata de presunção juris tantum, ou seja, admite-se prova em contrário, cujo ônus é do exequente’.

Melhor reflexão

No STJ, o credor alegou não existirem provas de que o imóvel fosse pequena propriedade rural trabalhada pela família e que deveria ser ônus do executado o dever de comprovar os requisitos da impenhorabilidade do bem.

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu que a Terceira Turma entende que, especificamente em relação à pequena propriedade rural, o encargo da prova da impenhorabilidade é do produtor rural, por se tratar de dever processual daquele que faz a alegação. No entanto, Salomão defendeu a necessidade de uma “melhor reflexão” sobre a matéria.

O ministro destacou a proteção constitucional do direito à moradia e a vulnerabilidade e hipossuficiência do pequeno produtor rural. Para ele, assim como ocorre na proteção do imóvel urbano, deve ser ônus do executado – agricultor – apenas a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural.

‘No tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, a melhor exegese parece ser a de conferir uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real’, disse Salomão.

Proteção da família

Salomão destacou ainda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em ação de desapropriação de média propriedade rural, que reconheceu ser ‘ônus do exequente a comprovação de que o produtor rural teria outro domíni rural, haja vista que os executados já haviam demonstrado que as dimensões do imóvel eram reduzidas a ponto de impossibilitar a expropriação (MS 21.919)’.

Para Salomão, a decisão do TJPR foi acertada, pois ‘a regra é a impenhorabilidade, devendo suas exceções serem interpretadas restritivamente, haja vista que a norma é voltada para a proteção da família e não do patrimônio do devedor’”.

Fonte: STJ, 07/12/2016.

Confira o voto do relator:

 RECURSO ESPECIAL Nº 1.408.152 – PR (2013/0222740-5)

RECORRENTE : INTEGRADA COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL

ADVOGADOS : ILMO TRISTÃO BARBOSA – PR006883

MACIEL TRISTÃO BARBOSA – PR014945

ISAIAS JUNIOR TRISTÃO BARBOSA – PR043295

RECORRIDO : VALDEMAR FERREIRA DE LIMA E OUTRO

ADVOGADO : OSCAR BARBOSA BUENO – PR007404

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Integrada Cooperativa Agroindustrial ajuizou execução de título extrajudicial em face de Valdemar Ferreira de Lima e outros, no valor de R$ 10.735,10, tendo efetuado a penhora de imóvel rural de propriedade dos réus, situado na Comarca de Goioerê-PR, oportunidade em que apresentaram incidente de impenhorabilidade por se tratar de pequena propriedade rural, em imóvel trabalhado pelo réu e sua família, além de indivisível.

O magistrado de piso, apesar de afastar a alegação de impenhorabilidade – por inexistir prova de que a parte ideal seja o único imóvel pertencente ao casal -, determinou a retificação do termo de constrição, reduzindo a penhora para 0,5555 alqueires, equivalentes a 1/18 da propriedade, mais precisamente, parte ideal pertencente aos executados (fls. 25-28).

Interposto agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça local deu provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA – APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 5° INCISO XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEI 8 629/93 E 649, INCISO VIII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR A PENHORA DE PROPRIEDADE RURAL INFERIOR A 4 MODULOS FISCAIS (fls. 112-119)

Irresignada, a Cooperativa interpõe recurso especial com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, por vulneração ao art. 649, VIII, do CPC/1973.

Aduz que não existem provas de que a propriedade constrita se trata de pequena propriedade rural trabalhada pela família, sendo que é ônus do executado, ora recorrido, o dever de comprovar os requisitos da impenhorabilidade do bem.

Sustenta que é necessário o atendimento de dois requisitos para fins de impenhorabilidade da pequena propriedade rural: a) dimensão inferior a 4 módulos fiscais, que reconhece ter sido devidamente demonstrado nos autos e b) ser trabalhada pela família, que, na hipótese, não teria sido comprovado. Apesar disso, o acórdão recorrido, acabou entendendo se tratar de presunção “juris tantum”.

Não foram apresentadas contrarrazões ao especial (fl. 142).

O recurso recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem (fls. 144-145), ascendendo a esta Corte pelo provimento do agravo (fl. 166).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A principal questão está em definir a quem pertence o ônus da prova em relação aos requisitos da pequena propriedade rural para fins de impenhorabilidade.

O acórdão recorrido entendeu haver presunção juris tantum em favor do pequeno produtor, verbis:

Dos pressupostos de admissibilidade – conhecimento

O recurso merece conhecimento, porquanto preenche os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade. Do recurso A pretensão recursal limita-se à impenhorabilidade do imóvel matriculado sob o n° 11.972, por se tratar de pequena propriedade rural trabalhada pela família dos executados, bem como por ser indivisível.

Da propriedade rural

Dispõe o art. 5º, inciso XXVI, da Constituição Federal:

“ (…) a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para o pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”.

O artigo 649, inciso VIII, do Código de Processo Civil define:

“Art. 649 – são absolutamente impenhoráveis: (…) VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família”;

Assim, considera-se impenhorável o imóvel rural que cumpra os seguintes requisitos: pequena propriedade rural, nos termos da lei e propriedade trabalhada pela família.

Nesse sentido:

[…]

A Lei nº 8.629/93 definiu a pequena propriedade rural, em seu art. 4º, II, nos seguintes termos: “para os efeitos desta Lei, conceituam-se: (…) II – Pequena Propriedade – o imóvel rural: a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais”.

A extensão do módulo fiscal no município de Goioerê é de 20 hectares. O imóvel penhorado possui dimensão de 24,20 hectares (avaliação de fls. 62 TJ/PR), sendo que a penhora recaiu sobre 1/18 da propriedade, o que corresponde a 1,3 hectares, ou seja, a menos de um módulo fiscal.

Comprovada está, portanto, tratar-se de pequena propriedade rural, pois a área penhorada é menor que 4 módulos fiscais.

Quanto ao fato de a propriedade ser trabalhada pela família, há que se ressaltar que se trata de presunção ‘juris tantum’, ou seja, admite-se prova em contrário, cujo ônus é do Exequente.

O Agravado, no entanto, não se desincumbiu de seu ônus. Note-se que não se deve confundir pequena propriedade rural com bem de família.

Não há necessidade de o agricultor residir na propriedade rural.

Nesse sentido, tome-se de empréstimo trecho do voto exarado pelo eminente Des. Gamaliel Seme Scaff:

As únicas condições à impenhorabilidade são que [1] a propriedade se veja enquadrada como “pequena” em conformidade com definição em lei ordinária (até quatro módulos fiscais) e que [2] seja trabalhada pela família.

O fato da propriedade ser “trabalhada pela família” deve ser tomado como uma presunção juris tantum (admitindo prova em contrário cujo ônus será do credor/exequente).

Também não se deve confundir com os requisitos próprios ao “bem de família”, sobretudo o urbano, e equivocadamente erigir exigência inexistente na lei. Refiro-me ao fato do agricultor eventualmente não residir na propriedade rural. Isto é absolutamente irrelevante para a análise da questão.

Observe-se que nem a Constituição, nem a lei que definiu o que seja pequena propriedade rural, nem o inciso VIII do art. 649 do Código de Processo Civil impõem como condição a tal enquadramento, a residência da família na propriedade, antes traça como única condição, esta sim presente expressamente, é que a propriedade seja “trabalhada pela família”.

Família. Quem conhece minimamente a realidade do trabalho na agricultura, com todas as dificuldades que isto representa, impossível não considerar que nessa atividade se envolva todo o núcleo familiar, direta ou indiretamente. Também aqui há de imperar a presunção juris tantum, admitindo prova em contrário cujo ônus será da parte a quem interessar, nunca do agricultor.

Recuso-me a aceitar conclusão diversa. Ademais, se o conceito de família é plástico no entender do Poder Judiciário em relação às questões do Direito de Família, aceitando como tal a unidade mínima voltada às relações de um lar, é mais razoável que o mesmo Poder Judiciário, em questão tão relevante para o País, não modifique o conceito.” (TJPR – 13ª C.Cível – AC 755297-2 – Astorga – Rel.: Gamaliel Seme Scaff – Unânime – J. 06.07.2011- destaquei)

Assim, irrelevante que a citação tenha se dado em endereço distinto ao do imóvel penhorado, segundo ressalta o Magistrado a quo na decisão agravada (fls. 97-TJ/PR).

Logo, reconhece-se a impenhorabilidade da parte do imóvel matriculado sob o n° 11.972 pertencente aos Agravantes.

Isto posto: A proposta de voto é conhecer e dar provimento ao recurso para reconhecer a impenhorabilidade de parte ideal do imóvel de VALDEMAR FERREIRA DE LIMA E MARIA DO CARMO PINTO DE LIMA, por constituir área inferior ao módulo fiscal. (fls. 112-119)

3. Impende notar que não há discussão, no especial, em relação à natureza da dívida exequenda e eventual exceção legal correspondente a esta, nem sobre a existência de outros bens do casal ou, ainda, se o imóvel comporta divisão.

De outra parte, o acórdão recorrido bem fixou e avaliou, na hipótese, os requisitos aptos a ensejar a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, assim também a efetiva demonstração do desempenho da atividade produtiva pela entidade familiar. Extrai-se estes dados perfeitamente da moldura fática delineada pelo acórdão impugnado.

Assim, o que se discute no presente caso, repita-se, é definir quem tem o encargo de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural.

4. Nesse passo, a Constituição da República, em seu artigo 6º, encartou a moradia no bojo dos direitos sociais, alçando-a à qualidade de direito fundamental, já que se trata de capítulo inserto no título II da Carta Magna, intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.

O constituinte originário exteriorizou a preocupação com a proteção desse direito fundamental à dignidade da pessoa humana em diversos outros dispositivos, tais como o art. 23, IX, no qual estabelece como dever do Estado, nas suas três esferas, a promoção de programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; bem assim o art. 7º, IV, em que o direito à moradia é inserto como necessidade básica dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que deve ser atendida pelo salário mínimo.

Nesse contexto, exsurgiram algumas normas protetivas, como a Lei n. 8.009/1990, cujo art. 1º estabelece que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”.

O mencionado diploma institui a proteção legal do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para vida digna, apesar de se ter que referida impenhorabilidade não é absoluta, notadamente com relação as regras de exceção previstas pela lei de regência, conforme definido no REsp 1.363.368/MS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 12/11/2014, DJe 21/11/2014.

5. Nesse passo, com relação à impenhorabilidade da pequena propriedade rural, a proteção ganhou status Constitucional, tendo-se estabelecido, no capítulo voltado aos direitos fundamentais, que a referida propriedade, “assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento” (art. 5°, XXVI).

A Lei 8.009/90, por sua vez, também tratou da questão, dispondo que “quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural”.

No âmbito do regramento processual pátrio (CPC/1973, art. 649, VIII e CPC/2015, art. 833, VIII) previu expressamente que, dentre os bens absolutamente impenhoráveis, “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família”.

A finalidade do instituto foi o de garantir e proteger um patrimônio mínimo necessário à obtenção à manutenção e sobrevivência da família, tendo força para afastar, inclusive, eventual hipoteca, nos termos da jurisprudência da Casa.

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. GARANTIA DO PENHOR NÃO HONRADA. PENHORA DE ÁREA DE TERRAS RURAIS ANTERIORMENTE HIPOTECADA AO MESMO CREDOR EM EXECUÇÃO DIVERSA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM (CF, ART. 5º, XXVI; CPC, ART. 649, VIII (ANTES INCISO X); DECRETO-LEI 167/67, ART. 69). PROCEDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1 – A pequena propriedade rural, ainda que oferecida anteriormente em hipoteca ao mesmo credor, não pode ser penhorada para pagamento de cédula rural pignoratícia, não honrada com o penhor inicialmente contratado.

2 – Em harmonia com o disposto no art. 5º, XXVI, da Constituição da República, a nova redação do inciso VIII (antigo inciso X) do art. 649 do CPC suprimiu a anterior exceção legal, afastando qualquer dúvida: nem mesmo eventual hipoteca é capaz de excepcionar a regra que consagra a impenhorabilidade da pequena propriedade rural sob exploração familiar.

3 – Recurso especial desprovido. (REsp 684.648/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 21/10/2013)

Com efeito, verifica-se que a Quarta Turma já havia reconhecido que a exceção quanto à impenhorabilidade da pequena propriedade rural, nos termos da redação existente à época no inciso X, do art. 649 do CPC que ressalvava expressamente “a hipoteca para fins de financiamento agropecuário”, não fora recepcionada pela Carta Política de 1988 e, acabou sendo, posteriormente, revogada, pela Lei n. 8.009/90 (art. 4° § 2°):

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. GARANTIA DE HIPOTECA. IMÓVEL RURAL. BEM DE FAMÍLIA. ARTS. 649-X, CPC E 3º-V, LEI 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. DERROGAÇÃO PELO ART. 4º, § 2º, LEI 8.009/90. RECURSO DESACOLHIDO.

I – A parte final do art. 649, X, CPC não restou recepcionada pela Constituição de 1988, cujo art. 5º, XXVI, considera impenhorável a pequena propriedade rural de exploração familiar.

II – A par da não recepção, a parte final do art. 649, X, CPC foi derrogada por disposição posterior e especial contida no art. 4º, § 2º da Lei 8.009/90. (REsp 262.641/RS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2001, DJ 15/04/2002, p. 223)

6. Nessa ordem de ideias, exige a norma constitucional e infralegal dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja trabalhada pela família.

6.1. No tocante às dimensões, para os efeitos da norma, o imóvel rural é tido como prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial (Lei n° 8.629/93, art. 4°, I), sendo a pequena propriedade aquele imóvel rural “de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais” (art. 4°, II).

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL – ARTIGO 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PROPRIEDADE RURAL – CONCEITO – MÓDULO RURAL – IDENTIFICAÇÃO – NECESSIDADE – PEQUENA PROPRIEDADE RURAL UTILIZADA POR ENTIDADE FAMILIAR – IMPENHORABILIDADE – RECONHECIMENTO – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I – A questão relativa ao artigo 333, I, do Código de Processo Civil, relativo ao ônus da prova, não foi objeto de debate ou deliberação pelo Tribunal de origem, restando ausente, assim, o requisito do prequestionamento da matéria, o que atrai a incidência do enunciado 211 da Súmula desta Corte.

II – Para se saber se o imóvel possui as características para enquadramento na legislação protecionista é necessário ponderar as regras estabelecidas pela Lei n.º 8629/93 que, em seu artigo 4º, estabelece que a pequena propriedade rural é aquela cuja área tenha entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais. Identificação, na espécie.

III – Assim, o imóvel rural, identificado como pequena propriedade, utilizado para subsistência da família, é impenhorável. Precedentes desta eg. Terceira Turma.

IV – Recurso especial improvido. (REsp 1284708/PR, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 09/12/2011)

O módulo rural previsto no Estatuto da Terra (art. 4°, III) foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel rural sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal – com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros (art. 4°, II).

É bem verdade, ademais, que, consoante decidido pela colenda Segunda Turma, o atributo da impenhorabilidade restringe-se à dimensão da área regionalmente definida como módulo rural:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ANULAÇÃO DE PENHORA REALIZADA EM BEM IMPENHORÁVEL (ART. 4º, § 2º, DA LEI N. 8.009/90).

1. A circunstância de o imóvel rural que constitui residência da família e por esta seja trabalhado ultrapassar as dimensões definidas para a pequena propriedade não lhe retira o atributo da impenhorabilidade. Restringe-se este atributo, todavia, à dimensão da área regionalmente definida como módulo rural.

2. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 230363/PB, Rel. MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2005, DJ 05/09/2005, p. 333)

No ponto, como reforço a essa idéia, em importante precedente a Quarta Turma reconheceu, numa interpretação teleológica, para fins de usucapião especial de imóvel rural, que “estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize” (REsp 1040296/ES, Rel. p/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 02/06/2015, DJe 14/08/2015).

No tocante a esse elemento, como dito, não há discussão nos autos, tendo o recorrente, inclusive, afirmado que “realmente, o imóvel constritado possui dimensões inferior a 4 módulos rurais, sendo que, nesse sentido, mostra-se escorreito o v. acórdão recorrido” (fl. 128).

6.2. Como segundo requisito, exige a norma que a propriedade seja trabalhada pela família, haja vista que a finalidade da norma foi justamente a de garantir os meios de o agricultor gerar a sua subsistência e seu desenvolvimento, protegendo, ao fim e ao cabo, a dignidade destas pessoas com especial vulnerabilidade.

Nesse sentido

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL TRABALHADA PELA FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE.

1.- Conforme orientação pacífica desta Corte, é impenhorável o imóvel que se enquadra como pequena propriedade rural, indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família (artigo 4º, § 2º, Lei n.º 8.009/90).

2.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1357278/AL, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe 07/05/2013)

Como se percebe, o próprio Estatuto da Terra vincula o módulo rural à propriedade familiar (art. 4°, III), ao conceituar que o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros” (inciso II), dispondo como o imóvel rural aquele “se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial” (art. 4°, I).

Dessarte, tem-se que tanto a norma constitucional como a processual, assim como o microssistema, todos fazem conexão entre a dimensão e a destinação do imóvel, presumindo que este, em determinada localidade com aquela mínima dimensão, será voltado à exploração familiar do pequeno produtor.

7. Diante deste cenário, surge a temática recursal, definir quem tem o ônus de provar tais requisitos, notadamente com relação ao fato de a propriedade ser trabalhada pela família.O STJ pacificou o entendimento, com relação ao ônus da prova e o bem de família, que “cabe ao devedor o ônus da prova do preenchimento dos requisitos necessários, para enquadramento do imóvel penhorado na proteção concedida pela Lei n. 8.009/90 ao bem de família, quando sua configuração não se acha, de pronto, plenamente caracterizada nos autos” (REsp 282.354/MG, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14/12/2000, DJ 19/03/2001)

E ainda:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 8.009/90. BEM DE FAMÍLIA. PROVA A CARGO DO DEVEDOR. NOVAÇÃO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. EXCESSO DE PENHORA. MOMENTO DA ALEGAÇÃO APÓS A AVALIAÇÃO.

1 – Infirmar as conclusões do acórdão recorrido que discute a qualidade de bem de família, nos termos da Lei 8.009/90, do imóvel objeto da controvérsia e, também, da inocorrência de novação, demanda reexame do conjunto probatório delineado nos autos, motivo por que a revisão do julgado esbarra na censura da súmula 7/STJ.

2 – Cabe ao devedor o ônus da prova do preenchimento dos requisitos necessários para enquadramento do imóvel penhorado na proteção concedida pela Lei n. 8.009/90 ao bem de família, quando a sua configuração não se acha, de pronto, plenamente caracterizada nos autos.

3 – A alegação de eventual excesso de penhora, conforme preceitua o próprio artigo 685, caput, do Código de Processo Civil, deverá ser feita após a avaliação. Precedentes.

4 – Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 655.553/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2005, DJ 23/05/2005, p. 298)

Esta Quarta Turma, em recente julgado, também definiu que para fins de proteção do bem de família previsto na Lei n. 8.009/90, basta início de prova de que o imóvel é voltado para a família, sendo, depois disso, encargo do credor eventual descaracterização.

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA (LEI 8.009/90, ARTS. 1º E 5º). CARACTERIZAÇÃO. IMÓVEL RESIDENCIAL DO DEVEDOR. ÔNUS DA PROVA. RECURSO PROVIDO. 1. Tendo a devedora provado suficientemente (ab initio) que a constrição judicial atinge imóvel da entidade familiar, mostra-se equivocado exigir-se desta todo o ônus da prova, cabendo agora ao credor descaracterizar o bem de família na hipótese de querer fazer prevalecer sua indicação do bem à penhora. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, não é necessária a prova de que o imóvel onde reside o devedor seja o único de sua propriedade, para o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família, com base na Lei 8.009/90. Precedentes. 3. Recurso especial provido. (REsp 1014698/MT, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016)

Em relação especificamente à pequena propriedade rural, a Terceira Turma reconheceu a indispensabilidade da prova de que a área é trabalhada pela família – “para declarar a impenhorabilidade com fundamento no art. 649, X do CPC, necessária a comprovação de exploração familiar com fim de garantir a subsistência” (REsp 492.934/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 18/10/2004) – e, com relação ao ônus, entendeu que o encargo da prova da impenhorabilidade seria do produtor rural, por se tratar de dever processual daquele que faz a alegação:

PENHORA – PROPRIEDADE RURAL – POSSIBILIDADE – ÔNUS DA PROVA – VIOLAÇÃO – ARTIGO 333, I E II, DO CPC – INEXISTÊNCIA – MATÉRIA DE PROVA – SÚMULA 7/STJ.

I – O tribunal a quo deu correta interpretação ao artigo 333 e incisos do Código de Processo Civil, pois, se os próprios recorrentes deduziram as razões pelas quais seria de rigor a impenhorabilidade do imóvel rural que possuem, deveriam ter apresentado as provas pertinentes, para respaldar as suas alegações.

II – Se, com arrimo no conjunto fático-probatório, o tribunal de origem verificou a ausência dos requisitos indispensáveis para conceder o benefício da impenhorabilidade à propriedade rural dos recorrentes, esta questão não pode ser revista em sede de especial, por incidência do enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte.

III – O dissídio jurisprudencial, por sua vez, não restou demonstrado, nos moldes exigidos pelo artigo 255 e parágrafos do Regimento Interno desta Corte.

Recurso especial não conhecido. (REsp 177.641/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2002, DJ 02/12/2002, p. 303)

Todavia, penso que a tal interpretação merece melhor reflexão, notadamente por se tratar de proteção constitucional advinda justamente da vulnerabilidade e hipossuficiência do pequeno produtor rural.

Deveras, o bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível – cláusula pétrea -, que restringe, justamente em razão da sua finalidade de preservação da identidade constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo necessário à manutenção e sobrevivência da família.

A norma visa proteger famílias de pequenos agricultores, sabidamente menos favorecidas, que vivem basicamente do que produzem em suas propriedades rurais. Por outro lado, verifica-se também existir o “interesse social em manter a família presa à propriedade rural. Quanto mais famílias, maior o desenvolvimento agropecuário do país” (BONAVIDES, Paulo. Comentários à constituição federal de 1988, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 151).

Dessarte, para além da proteção familiar e da produtividade da terra, evita-se a ocorrência de grandes êxodos rurais, com aumento do déficit habitacional e avanço da urbanização de forma desordenada, contribuindo, assim, tanto para a política agrária como para a política de habitação urbana.

8. Nessa ordem de ideias, realmente parece que o acórdão ora recorrido conferiu a melhor interpretação com relação a regra de procedimento a ser adotada.

De fato, para fins de hermenêutica, sempre se deve ter em mente que a impenhorabilidade do bem de família é irrenunciável, sendo princípio de ordem pública com escopo de proteção da entidade familiar, à luz do direito fundamental à moradia.

A regra é a impenhorabilidade, devendo suas exceções serem interpretadas restritivamente, haja vista que a norma é voltada para a proteção da família e não do patrimônio do devedor.

Confira-se:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. OFERECIMENTO DE BEM EM GARANTIA. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. IMPENHORABILIDADE. EQUIPARAÇÃO À GARANTIA REAL HIPOTECÁRIA. DESCABIMENTO.

1.- A proteção legal assegurada ao bem de família pela Lei 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia, por tratar-se de princípio de ordem pública, que visa a garantia da entidade familiar.

2.- A ressalva prevista no art. 3º, inciso V, da Lei 8.009/90 não alcança a hipótese dos autos, limitando-se, unicamente, à execução hipotecária, não podendo benefício da impenhorabilidade ser afastado para a execução de outras dívidas. Por tratar-se de norma de ordem pública, que visa a proteção da entidade familiar, e não do devedor, a sua interpretação há de ser restritiva à hipótese contida na norma.

3.- Recurso Especial improvido.” (REsp 1.115.265/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira turma, julgado em 24/4/2012, DJe de 10/5/2012)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NO BOJO DE DEMANDA DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE – IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – REEXAME DE PROVAS – SÚMULA 7/STJ – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA EXEQUENTE.

1. É iterativa a jurisprudência deste e. Superior Tribunal de Justiça que entende ser admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia real for prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro ou pessoa jurídica, sendo vedado se presumir que a garantia fora dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/90. Alterar a conclusão do Tribunal de origem – de que a dívida decorrente da hipoteca não se reverteu em prol da família -, enseja o reexame de provas e, consequentemente a incidência da Súmula 7/STJ.

2. A impenhorabilidade do bem de família é irrenunciável pela vontade do seu titular por tratar-se de um princípio relativo às questões de ordem pública. O escopo da proteção ao bem de família é a proteção da própria entidade familiar e não do patrimônio do devedor em face de suas dívidas, devendo as exceções à impenhorabilidade serem interpretadas restritivamente à hipótese prevista em lei. Incidência da Súmula 83/STJ. Precedentes.

3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1355749/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 01/06/2015)

Partindo dessa premissa, penso que, assim como ocorre na proteção do imóvel urbano, deve ser ônus do executado – agricultor – apenas a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural.

No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, a melhor exegese parece ser a de conferir uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência (NCPC, art. 375).

Isto porque o próprio microssistema de direito agrário (Estatuto da Terra; Lei 8.629/1993, dentre outros diplomas), entrelaçam os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destinará a exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista que será voltado para garantir sua subsistência.

Ademais, não é razoável se exigir um minus do proprietário urbano (que tem proteção legal) – na qual basta o início de prova de que o imóvel é voltado para a residência -, em relação ao proprietário rural, hipossuficiente e vulnerável (com proteção constitucional), que, além da prova da pequena propriedade rural, teria um plus a demonstrar, ainda, que esta é trabalhada pela família.

Aliás, a Lei n. 8.009/90 estendeu os efeitos da impenhorabilidade ao imóvel residencial rural, nos termos da previsão do § 2° do art. 4°, conforme destaca a doutrina especializada:

A Lei n. 8.009/90, ao equiparar o imóvel rural ao urbano, para efeito de resguardar a moradia da família, por óbvio, estendeu-lhe a impenhorabilidade para além do prédio onde se estabelece a residência da família rurícola, alcançando ainda os móveis utensílios e equipamentos […] nesse caso, tal qual o voluntário, a impenhorabilidade limitar-se-á à sede da moradia, com os respectivos bens móveis e equipamentos necessários à manutenção digna da família, o restante fica sujeito à constrição judicial. […]

Aliás, a expressa referência da Lei n. 8.009/90 à extensão da impenhorabilidade do bem de família sobre a área limitada como pequena propriedade rural vem em consonância com a interpretação proposta de que, havendo imóvel rural, que sirva de residência da família, com elevada área de extensão, a impenhorabilidade deve limitar-se ao que se compreende como pequena propriedade ou módulo rural. (SANTOS, Marcione Pereira dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 207-209)

Anoto que os requisitos exigidos pela lei para comprovação da propriedade rural, para efeito da proteção legal, continuam hígidos, a demonstração de se tratar: i) de uma pequena propriedade rural; e ii) de área trabalhada pela família. No entanto, o ônus do executado é apenas quanto ao primeiro elemento, presumindo-se com relação ao segundo (admitindo-se, por conseguinte, prova em contrário).

Transfere-se, desta feita, ao exequente o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural, que afasta, v.g, eventual hipoteca relacionada ao bem (REsp 684.648/RS, Rel. Min. Raul Araújo) e que muitos defendem ser hipótese de impenhorabilidade absoluta.

Aliás, não se pode olvidar que a impenhorabilidade em questão, conforme assinalou o il. Min. Ruy Rosado, “é uma proteção que a lei estende ao produtor rural, para garantir ao pequeno proprietário a manutenção da condições mínimas de sobrevivência e oportunidade para o trabalho produtivo” e, por isso, a norma protetiva deve ser interpretada sem seu favor.

O acórdão foi assim ementado:

MODULO RURAL. IMPENHORABILIDADE. EXECUÇÃO. O IMÓVEL RURAL IMPENHORÁVEL, DE ATE UM MODULO, A QUE SE REFERE O ARTIGO 649, X, DO CPC, E O QUE TEM AS DIMENSÕES MÍNIMAS QUE ASSEGUREM AO PEQUENO AGRICULTOR E A SUA FAMÍLIA CONDIÇÕES DE SOBREVIVÊNCIA, NÃO SE CONFUNDINDO COM O CONCEITO DE FRAÇÃO MÍNIMA DE PARCELAMENTO. TRATANDO-SE DE NORMA PROTETIVA DO PEQUENO PRODUTOR, DEVE SER INTERPRETADA EM FAVOR DELE. (REsp 66.672/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/1995, DJ 30/10/1995, p. 36774)

Por fim e não menos importante, o Supremo Tribunal Federal, visando conferir a maior efetividade possível à proteção do imóvel rural – desapropriação de média propriedade rural -, reconheceu ser ônus do exequente a comprovação de que o produtor rural teria outro domínio rural, haja vista que os executados já haviam demonstrado que as dimensões do imóvel eram reduzidas a ponto de impossibilitar a expropriação:

E M E N T A – REFORMA AGRÁRIA – DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184) – MÉDIA PROPRIEDADE RURAL (CF, ART. 185, I) – LEI Nº 8.629/93 – ÁREA RESULTANTE DE DIVISÃO AMIGÁVEL – INEXPROPRIABILIDADE – IRRELEVÂNCIA DE SER, OU NÃO, IMPRODUTIVO O IMÓVEL RURAL – PROVA NEGATIVA DE OUTRO DOMÍNIO RURAL – ÔNUS QUE INCUMBE AO PODER EXPROPRIANTE – SISTEMA NACIONAL DE CADASTRO RURAL – DIVISÃO DO BEM COMUM – DIREITO DO CONDÔMINO – POSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DESSE DIREITO A QUALQUER TEMPO (CC, ART. 629) – ALEGAÇÃO DE FRAUDE OU DE SIMULAÇÃO DEDUZIDA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA – NECESSIDADE DE SUA COMPROVAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA EM PROCESSO DE MANDADO DE SEGURANÇA – EFICÁCIA DO REGISTRO IMOBILIÁRIO (LRP, ART. 252) – PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DO ATO REGISTRAL QUE MILITA EM FAVOR DO DOMINUS – DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA QUE OFENDE A ORDEM JURÍDICO- CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.

– A pequena e a média propriedades rurais, ainda que improdutivas, não estão sujeitas ao poder expropriatório da União Federal, em tema de reforma agrária, em face da cláusula de inexpropriabilidade que deriva do art. 185, I, da Constituição da República. A incidência dessa norma constitucional não depende, para efeito de sua aplicabilidade, da cumulativa satisfação dos pressupostos nela referidos (dimensão territorial do imóvel ou grau adequado de produtividade fundiária). Basta que qualquer desses requisitos se verifique para que a imunidade objetiva prevista no art. 185 da Constituição atue plenamente, em ordem a pré-excluir a possibilidade jurídica de a União Federal valer-se do instrumento extraordinário da desapropriação-sanção.

– A prova negativa do domínio a que se refere a cláusula final do inciso I do art. 185 da Constituição não incumbe ao proprietário que sofre a ação expropriatória da União Federal. O onus probandi, em tal situação, compete ao poder expropriante, que dispõe, para esse efeito, de amplo acervo informativo ministrado pelos dados constantes do Sistema Nacional de Cadastro Rural mantido pelo INCRA.

– A divisão do imóvel rural, por constituir direito assegurado ao condômino pelo ordenamento positivo, pode ocorrer mesmo quando já iniciada a fase administrativa do procedimento expropriatório instaurado para fins de reforma agrária. Se, da divisão do imóvel, resultarem glebas que, objeto de matrícula e registro próprios, venham a qualificar-se como médias propriedades rurais, tornar-se-á impossível a desapropriação-sanção prevista no art. 184 da Carta Política. Sendo assim, não se reveste de legitimidade jurídico-constitucional a declaração expropriatória do Presidente da República veiculada em decreto publicado em momento posterior ao do registro do título consubstanciador do ato de divisão do imóvel rural.

– A alegação governamental de que essa divisão do imóvel rural, por frustrar a execução do projeto de reforma agrária, qualificar-se-ia como ato caracterizador de fraude ou de simulação – que constituem vícios jurídicos que não se presumem – reclama dilação probatória incomportável na via sumaríssima do mandado de segurança. O argumento que imputa conduta maliciosa ao particular que sofre a expropriação-sanção não pode prevalecer contra a eficácia jurídico-real que deriva da norma inscrita no art. 252 da Lei dos Registros Públicos. Doutrina e jurisprudência. (MS 21919, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/09/1994, DJ 06-06-1997 PP-24872 EMENT VOL-01872-02 PP-00321)

Em seu voto, o il. Min. Relator destacou que:

É certo que o requisito da qualificação do imóvel como pequena ou média propriedade rural não basta, por si só, para atuar como fator de pré-exclusão do poder expropriatório da União Federal no campo da reforma agrária, eis que a norma inscrita no art. 185, I, da Carta Política impõe, para efeito de sua plena incidência, que o titular do domínio não seja proprietário de outro imóvel rural. Bem por isso, assinala o em. Professor e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO, que “Se o proprietãrio não possuir outra propriedade rural”, tornam-se insuscetíveis de expropriação, para efeito de reforma agrária, tanto a pequena quanto a média propriedades rurais (“A Ordem Econômica e Financeira e a Nova Constituição, p. 117, 1989, AIDE).

A prova negativa do domínio – que reclamaria a constatação, em todas as circunscrições imobiliárias do País, da inexistência registral de outro imóvel rural em nome daquele que sofre a ação expropriatória – constitui, por sua própria natureza, ato de difícil, senão impossível, execução material.

Tenho para mim que a prova em questão deverá reputar-se produzida sempre que o titular do domínio, em declaração formal, tenha afirmado a inexistência, em seu nome, de outra propriedade imobiliária rural e essa manifestação não venha a ser contestada, de modo idôneo, pelo poder expropriante.

[…]

Essa afirmação não foi contestada pela autoridade apontada como coatora, que se limitou, tão-somente, a alegar que os impetrantes “não trouxeram provas da inexistência de outras propriedades … ” (fls. 142), sem, no entanto, produzir qualquer elemento documental idôneo que evidenciasse a multi-titularidade dominial por parte dos autores do presente writ mandamental.

[…]

Considero, pois, que a conjugação, no caso presente, dos requisitos pertinentes à titularidade dominial dos impetrantes sobre um único imóvel rural e à qualificação, como média propriedade rural, do imóvel que cada um possui torna oponível à ação expropriatória da União Federal, em tema de reforma agrária, a cláusula constitucional de proteção inscrita no art. 185, I, da Carta Politica e justifica, em conseqüência, o reconhecimento de que a autoridade apontada como coatora excedeu, indevidamente, os limites que deveriam pautar a sua atividade jurídica.

9. Ante o exposto,nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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