Grandes, médios e pequenos agricultores de diversos países se associam e desenvolvem certificado para a produção ambientalmente correta.
Preocupados com o impacto ambiental do cultivo de soja no Brasil e no mundo, produtores membros da Round Table Responsible Soy Association ( RTRS) criaram um protocolo para a produção responsável de soja. Em linhas gerais, os associados da RTRS, que em português significa Associação Internacional de Soja Responsável, devem seguir normas de cultivo que incluem boas práticas agrícolas e respeito às leis ambientais e trabalhistas de cada país produtor. Ao todo, os 140 membros da RTRS, que respondem atualmente por cerca de 40% da produção mundial de soja, ou 100 milhões de toneladas, discutem a certificação da produção como maneira de garantir que o cultivo de soja crescerá nas próximas décadas sem prejudicar o meio ambiente.
“Se conseguirmos nos próximos cinco anos certificar 10% da safra de nossos associados, estaremos bastante satisfeitos”, diz Jeroen Douglas, presidente da RTRS. No longo prazo, os planos da associação são certificar metade de sua produção nos próximos 15 anos. “Acreditamos que em dez anos a certificação da soja será requisito primordial para estar no mercado”, diz Miguel Hernández, secretário executivo da RTRS.
Os produtores que adotarem as regras da associação serão certificados já na safra 2010/2011. Entre as exigências ambientais, destaca-se a de que a soja não seja cultivada em área desmatada após maio de 2009. No caso do Brasil, a data de maio de 2009 facilita a inclusão de Mato Grosso, maior produtor do país e onde os fazendeiros iniciaram o avanço sobre a floresta décadas atrás, mas impede a expansão da soja para novas fronteiras, como Maranhão e Bahia. Os princípios e critérios da RTRS determinam também que os produtores trabalhem em conformidade legal, adotem boas práticas de negócio, ofereçam condições de trabalho adequadas aos seus funcionários, dialoguem com comunidades, tenham responsabilidade ambiental e adotem boas práticas agrícolas. A soja transgênica será certificada com um selo distinto do designado para o grão convencional.
O protocolo da RTRS conseguiu um feito inédito no Brasil. Uniu ambientalistas e agricultores numa mesma mesa de negociação. “Contamos com a participação de ambientalistas para nos ajudar a formar um conjunto de regras que, de fato, respeite o meio ambiente”, diz Douglas. Entre as entidades envolvidas com o novo protocolo, está a World Wide Found for Nature (WWF), uma das maiores e mais responsáveis organizações de conservação ambiental do mundo.
O grupo argentino Los Grobo, que atua no Brasil por meio da empresa Ceagro, é um dos sócios mais entusiasmados da RTRS. “Na próxima safra, vamos certificar parte da produção argentina, mas nossa ideia é ampliar gradualmente a certificação para toda nossa produção”, diz Gustavo Grobocopatel, presidente do grupo que certificará 30 mil toneladas de soja em 2010/2011. Com uma área de cultivo estimada em 300 mil hectares para a próxima safra, o grupo, que atua em diversos países do Mercosul, planeja produzir 3 milhões de toneladas de grãos no período 2010/2011. Desse total, 800 mil toneladas virão do Brasil, onde a Ceagro planta em terras arrendadas do Maranhão, Piauí, Tocantins, Goiás, Bahia e Minas Gerais. “Neste ano, vamos ampliar a área de cultivo no Brasil em 60%, para 80 mil hectares”, diz Grobocopatel.
De acordo com o execultivo, o Grupo Los Grobo não teve de fazer nenhum tipo de ajuste na maneira como produz soja na Argentina para atender às especificações da RTRS. “Nossa empresa já estava em linha com as exigências da associação”, conta.
O empresário implantou um novo modelo de produção agrícola no Brasil, em que terceiriza as etapas do processo produtivo. “Arrendo terras para cultivo próprio e também realizo o plantio em parceria com produtores. Eles transferem o risco para nossa companhia”, diz o executivo, que não descarta ampliar sua atuação no Brasil também por meio de aquisições. “Estamos sempre estudando negócios em todos os lugares, especialmente no Brasil, que hoje é nosso foco principal para o crescimento da companhia”, diz. No ano passado, o país respondeu por 50% do faturamento do grupo, de 700 milhões de dólares; a Argentina respondeu por 45%; e o Uruguai por 5%. Segundo ele, “o Brasil vai produzir o dobro de grãos nos próximos 30 anos, e, para ser competitivo, é preciso estar bem organizado. O modelo de terceirização traz maior especialização nas atividades e ganho de eficiência”, afirma.
>>> Responsabilidade com a comunidade: oferecer oportunidade justa de emprego à população local >>> Cumprimento legal: ter consciência e estar em conformidade com leis locais e nacionais >>> Boas práticas agrícolas: a aplicação de agroquímicos deve ser documentada, assim como o uso de agentes de controle biológico >>> Responsabilidade ambiental: poluição minimizada da produção, resíduos manejados de forma responsável, restauração de vegetação nativa e plantio de florestas >>> Responsabilidade trabalhista: ausência de trabalho infantil ou forçado. Treinar trabalhadores e conscientizá-los sobre seus deveres e direitos |
O Grupo Los Grobo foi um dos cinco produtores argentinos que participaram dos testes de campo da RTRS para verificar a aplicação das regras ao cotidiano das fazendas. Foram 12 meses de testes com produtores pequenos, médios e grandes de Brasil, Argentina, Paraguai e Índia. Ao todo, foram avaliados 224 mil hectares e uma safra de 650 mil toneladas. De acordo com Hernandéz, os resultados do período de provas de campo foram excelentes. “O objetivo desse processo foi permitir aos produtores de diferentes escalas e tamanhos, tecnologias, operações (mecanizadas e manuais) e diferentes localizações geográficas experimentar a implementação dos requisitos e comentar acerca de seus achados”, diz. Na Argentina, cinco produtores de diferentes portes, regiões geográficas e modelos de produção participaram das provas de campo. No Brasil, dois dos maiores produtores de soja e um produtor que trabalha com a agricultura familiar implementaram com sucesso os princípios e critérios da RTRS. Na Índia, os critérios foram experimentados por mais de 7 mil pequenos produtores reunidos em diversas cooperativas. Enquanto no Paraguai, dois produtores testaram com sucesso as normas da associação para a produção responsável.
Entre os brasileiros, prevaleceu a posição de que as regras ambientais e sociais são viáveis na propriedade rural, mas os agricultores, sobretudo os de pequeno porte, defendem a necessidade de uma remuneração extra para que entrem em conformidade com a RTRS. De fato, não há, ao menos por enquanto, expectativa de que o mercado remunere melhor o produto certificado. Apesar disso, os agricultores envolvidos na iniciativa acreditam que podem se beneficiar de mecanismos de reserva de mercado. Além disso, há debates sobre como favorecer sojicultores com o mercado de créditos de carbono e sobre a criação e ampliação de fundos que banquem a adequação. No Brasil, o fundo BACP, do Banco Mundial, já contribui com 1,5 milhão de dólares para três projetos conduzidos pelo Grupo André Maggi e pela SLC Agrícola. Todas essas alternativas estão sendo discutidas por um grupo de trabalho formado por membros da mesa redonda da associação.
“Produzir de maneira responsável garante acesso a crédito mais barato e mais fácil, com menos imposição e menos restrição”, garante Álvaro Dilli, executivo da SLC Agrícola.
A companhia – membra da RTRS há dois anos – vai produzir 300 mil toneladas de soja certificada, já no próximo ano, nas dez fazendas que mantém nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Bahia e Maranhão. O volume responde por 75% da produção total da SLC prevista para o período 2010/2011. “Buscamos a associação porque acreditamos em seu protocolo de produção e temos grande interesse em ingressar no mercado europeu, onde sabemos que existe entre 15% e 25% de um mercado disposto a pagar por uma soja certificada. E também queríamos a melhoria de nossos processos internos”, conta Dilli. Para ele, a adesão aos critérios da RTRS foi facilitada, uma vez que a companhia brasileira está implantando um sistema de gestão integrada de três normas: ISO 14000, 16000 e 18000. “Apesar disso, tivemos duas normas de não conformidade”, conta. As não conformidades ocorreram nos princípios legal e trabalhista. “Em um dos casos, um operador de pulverizador agrícola tinha entrado na propriedade há três meses e ainda não tinha passado por um curso específico para a função, o que é obrigatório”, conta Dilli. Na avaliação do executivo, diante de cinco princípios, 90 indicadores e 27 critérios, uma ou duas não conformidades são algo pequeno e fácil de ser resolvido. “Ao atender os protocolos da RTRS, estamos ganhando no aprimoramento de nossa gestão”, diz Dilli. Ele alerta, no entanto, para que a RTRS divulgue seu protocolo em etapas, para incluir, e não excluir, o pequeno produtor. “Aconselhamos também para a criação de um programa de educação e conscientização do produtor para a soja responsável”, avalia.
1º EUA >>> 90 2º Brasil >>> 65 3º Argentina >>> 50 4º China >>> 14,6 5º Índia >>> 10*Fonte: Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda); projeção 2010/2011 |
Fonte: Revista Globo Rural, edição 297 – jul/2010, Texto Luciana Franco | Fotos José Medeiros.
Saiba mais sobre o assunto:
– Bayer e RTRS unem esforços para promover a certificação da soja no Brasil (Jornal Dia de Campo, 22/09/2015)
– RTRS – Round Table on Responsible Soy (Cert Id)
– Certificado de soja aumenta rentabilidade por tonelada (Canal Rural, 02/06/2014)
Veja o vídeo institucional da RTRS: