“O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou parcialmente procedente a Ação Cível Originária (ACO) 847 para determinar o restabelecimento, em nome da União, das matrículas de 11 imóveis situados no Estado do Tocantins em faixa de terra anteriormente declarada como indispensável à segurança e ao desenvolvimento nacional. Com a decisão, é declarada a nulidade de todas as arrecadações, títulos definitivos e demais documentos expedidos pelo estado referentes a estes imóveis.
A ação foi ajuizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contra o Instituto de Terras do Estado do Tocantins (Intertins). De acordo com o Incra, entre 1982 e 1984, as áreas foram matriculadas em nome da União, por meio do Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT), segundo as normas do Decreto-Lei 1.164/1971, que declarou indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais as terras devolutas situadas na faixa de 100 quilômetros de largura em cada lado do eixo de rodovias na Amazônia Legal.
Em 1987, o Decreto-Lei 2.375/87 revogou o anterior, e, com base nele, o Intertins requereu o cancelamento das matrículas efetuadas em nome da União, e seu consequente registro em favor do Estado do Tocantins. Ainda segundo o Incra, a solicitação foi acolhida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Araguatins sem observância da ressalva contida no parágrafo 1º do artigo 2º da norma, que preservava a situação jurídica das terras públicas não devolutas da União existentes nas faixas anteriormente consideradas indispensáveis à segurança nacional.
Decisão
O ministro Teori observou que as Certidões de Cadeia Dominial juntadas aos autos comprovam que, com base no decreto de 1971, a União detinha a titularidade das terras, e que, em atendimento a ordem do juízo da Comarca de Araguatins, as matrículas foram canceladas e as terras registradas em nome do Tocantins. A ordem teve amparo na decisão do STF no Recurso Extraordinário (RE) 79828, interposto em ação discriminatória que tinha por objeto identificação das terras devolutas no Município de Araguatins. Contudo, ele explicou que, naquela decisão, o Plenário do STF não determinou o cancelamento das matrículas inscritas em nome da União.
O relatou constatou que a alteração do domínio das 11 áreas foi efetivada sem respaldo na decisão judicial proferida na ação discriminatória. ‘Neste cenário, constata-se que houve equívoco na execução do julgado no momento de sua averbação’, destacou. Segundo o ministro, o fato de, naquela ação, ter sido afastado o reconhecimento da posse de particulares das glebas não implica a identificação automática dessas terras como de domínio do estado, devendo ser observadas as prescrições contidas nos Decretos-Leis 1.164/71 e 2.375/87, que asseguram a propriedade da União.
O ministro observou que o STF, em diversos precedentes, assentou que Decreto-Lei 2.375/87, ao deixar de considerar indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais as terras públicas a que se refere o Decreto-Lei de 1971, preservou a situação consolidada anteriormente, uma vez que estabeleceu, em seu parágrafo 1º, que a situação jurídica das terras públicas não devolutas da União ‘permanecerá inalterada’. ‘Portanto, ainda que se entenda que as alterações de domínio das matrículas em favor do Estado do Tocantins ocorreram com fundamento no artigo 2º do Decreto-Lei 2.375/1987, tal entendimento não prospera, nos termos dos precedentes já citados’, concluiu”.
Fonte: STF, 29/04/2016.
Confira a íntegra da decisão:
ACO 847 / TO – TOCANTINS
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA
Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI
Julgamento: 20/04/2016
Publicação
DJe-080 DIVULG 25/04/2016 PUBLIC 26/04/2016
Partes
AUTOR(A/S)(ES) : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL RÉU(É)(S) : INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DO TOCANTINS - INTERTINS PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE TOCANTINS
Decisão
Decisão: 1. Trata-se de requerimento formulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, com base no art. 8°B, § 1º, da Lei 6.739/1979, visando ao restabelecimento das matrículas dos imóveis de números 34, 35, 36, 73, 80, 531, 532, 533, 534, 535 e 536 do Cartório Registros de Imóveis de Araguatins/TO em nome da União, com o consequente cancelamento de todos os títulos definitivos e documentos expedidos pelo Estado do Tocantins, por meio do Instituto de Terras do Estado do Tocantins – ITERTINS, que estejam aplicadas às referidas matrículas. A Autarquia Federal argumenta que, nos anos de 1982 a 1984, as áreas descritas foram arrecadadas e matriculadas em nome da União, por meio do Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins – GETAT, consoante as prescrições contidas nos arts. 1º, XII, e 28, I e II, do Decreto-Lei 1.164, de 1° de abril de 1971. Posteriormente, segundo o autor, o Estado de Tocantins, a partir de uma equivocada interpretação do art. 2º do Decreto-Lei 2.375/87, que revogou o DL 1.164/71, bem como do julgado proferido em ação discriminatória ajuizada pelo Estado de Goiás, no ano de 1959, requereu o cancelamento das matrículas efetuadas anteriormente em nome da União, com o concomitante registro dessas em favor do Estado do Tocantins. Tal solicitação foi acolhida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Araguatins com base no Mandado de Notificação de fls. 378, sem que fosse observada a ressalva contida no § 1º, do art. 2º do DL 2.375/87, que determinava a imutabilidade da situação jurídica das terras públicas, não devolutas, da União, existentes nas faixas a que alude o artigo 1º, caput, do referido decreto. A Justiça Federal de 1ª instância ordenou a emenda da inicial para especificação da parte demandada, adequação do pedido de citação e indicação do valor da causa. Atendidas as prescrições requeridas (fls. 394/395), a ré foi devidamente citada, sem apresentar resposta no prazo legal (fl. 402). O Juízo da 2ª Vara Federal do Estado do Tocantins declinou da competência e determinou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, com base no art. 102, I, f, da Constituição Federal, por vislumbrar a existência de litígio potencialmente ofensivo à estabilidade federativa. Distribuída a presente ação ao Exmo. Min. Ayres Britto, foi acatado o parecer da Procuradoria-Geral da República indicando a incompetência desta Corte, uma vez que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA não provocou a jurisdição, limitando-se a requerer, administrativamente, o cancelamento de títulos por suposta apropriação indevida de terras públicas, nos termos da Lei 6.739/79 (fls. 440/446). Contra essa decisão, foi interposto agravo regimental, cujas razões recursais se lastrearam no fato de que o Juízo de Primeiro Grau recebeu o processo como ação ordinária reivindicatória com cancelamento de matrícula, conforme se observa da leitura de trechos da decisão declinatória de competência às fls. 404/409, de modo que, no caso, deve prevalecer o princípio da economia processual, por tratar-se de questão de grave conflito fundiário, de potencial judicialização e embate federativo, a provocar o retorno da ação ao STF (fls. 451/458). As razões expostas no agravo regimental foram por mim acolhidas para manter a competência desta Corte para processamento e julgamento da presente ação, nos termos da decisão de fls. 461/470. As partes foram instadas a se manifestar, e o Instituto de Terras do Estado do Tocantins – ITERTINS requereu o regular processamento da ação, reiterando todas as manifestações já realizadas pela Autarquia Estadual (fl. 474). O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária apresentou razões finais reforçando a propriedade da União sobre as matrículas referidas na exordial, defendendo que tais áreas foram arrecadadas e matriculadas conforme as determinações contidas no art. 1º, inciso XII do Decreto-Lei 1.164/71, combinado com o art. 28, incisos I e II. A Procuradoria-Geral da República se manifestou favorável à procedência do pedido formulado pelo INCRA. 2. A pretensão contida na exordial busca, em síntese, o restabelecimento de onze matrículas em nome da União, com a consequente declaração de nulidade de todas as arrecadações, títulos definitivos e demais documentos que desses se originaram expedidos pelo Estado do Tocantins, por intermédio do seu Instituto de Terras (ITERTINS). As Certidões de Cadeia Dominial juntadas aos autos às fls. 15/23 comprovam a anterior titularidade da União das referidas matrículas amparadas no Decreto-Lei 1.164, de 1° de abril de 1971, e leis de regência. Da mesma forma, certificam a averbação, realizada em 14 de outubro de 1996, em atendimento ao Mandado de Notificação, datado de 11/10/1996, de ordem da Juíza de Direito, Drª Nely Alves da Cruz, atestando o cancelamento das referidas matrículas, com o retorno da área ao domínio do Estado do Tocantins. O citado Mandado de Notificação expedido pela Juíza de Direito da Comarca de Araguatins, constante à fl. 378, se assentou em julgado proferido no RE 79.828/GO, interposto em ação discriminatória ajuizada pelo Estado de Goiás, em 1959, tendo por objeto a identificação das terras devolutas em área abrangendo a totalidade do Município de Araguatins. Ocorre que, conforme sustentado na inicial, o aresto proferido pelo Supremo Tribunal Federal não determinou o cancelamento das matrículas arrecadadas e inscritas em nome da União. Neste ponto, faz-se necessário explicitar que, no RE 79.828/GO, foram julgados três recursos extraordinários interpostos por particulares tendo como recorrida a União, cujo acórdão foi assim ementado: “Recurso extraordinário. Ação discriminatória. Registro paroquial. Não induz propriedade. É meio probante do fato da posse. Hipótese em que há obstáculo à accessio possesionis. Não há negativa de vigência dos arts. 859 e 860, do Código Civil.Sentença anterior ao Decreto-lei n° 1.164/1971. Sua validade. Competência do Tribunal de Justiça para julgar a apelação. Decisão com base na prova. Súmula 279. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Súmula 291. Transação homologada, quanto a um dos recorrentes, julgando-se, em consequência, prejudicado o recurso extraordinário. Não conhecimento dos demais recursos extraordinários. (fls. 282) Neste cenário, constata-se que houve equívoco na execução do julgado proferido na ação discriminatória no momento de sua averbação junto ao 1º Cartório de Notas, Registro de Imóveis e Tabelionato do Município de Araguatins/TO, uma vez que a alteração do domínio das áreas correspondentes às matrículas 34, 35, 36, 73, 80, 531, 532, 533, 534, 535 e 536, foi efetivada sem respaldo na decisão judicial referida no citado Mandado de Notificação, constante às fls. 378. Essa é a conclusão que se depreende da análise das Certidões de Cadeia Dominial colacionadas aos autos (fls. 15/25). Com efeito, afastar o reconhecimento da posse de particulares das glebas objeto da referida discriminatória não enseja a automática identificação dessas terras como de domínio do ente estatal, devendo ser observadas as prescrições legais contidas no DL 1.164/71 e DL 2.375/87, que asseguram a propriedade da União, conforme se demonstrará adiante. 3. Esta Corte já enfrentou esta matéria, referente às disposições contidas no Decreto-Lei 1.164/71, posteriormente revogado pelo Decreto-Lei 2.375, de 24 de novembro de 1987, concluindo no sentido de que o DL 2.375/87, ao deixar de considerar indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais as atuais terras públicas devolutas situadas nas faixas, de cem quilômetros de largura, em cada lado do eixo das rodovias, já construídas, em construção ou projetadas, a que se refere o DL 1.164/71, preservou a situação consolidada anteriormente, ao estabelecer em seu § 1º que “Permanecerá inalterada a situação jurídica das terras públicas, não devolutas, da União, existentes nas faixas a que alude o artigo 1º, caput “. Nesse sentido, os seguintes precedentes: Ementa: Ação cível originária. Terras devolutas arrecadas pela União, com fundamento no Decreto-lei nº 1.164/71, revogado posteriormente pelo Decreto-lei nº 2.375/87. Ressalva às situações jurídicas já consolidadas sob a normatização anterior. Arrecadação, incorporação e registro imobiliário definitivo das terras devolutas ao patrimônio da União antes da revogação do Decreto-lei nº 1.164/71. Certificação pelo oficial do registro de imóveis competente da inexistência de registro imobiliário versado sobre as respectivas glebas. Ausência de reclamações administrativas manejadas por terceiros proprietários ou possuidores certificada pela Delegacia do Serviço de Patrimônio da União no Estado de Goiás e pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (IDAGO). Não comprovação pelos réus de propriedade ou posse das terras em momento anterior ao levantamento. Precedentes. Nulidade de título translativo de domínio emitido pelo Estado do Tocantins, que, em nenhum momento, gozava da condição de proprietário do imóvel rústico. Ação julgada procedente. (ACO 478, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Plenário, Dje 1º/2/2016). Ementa: Ação Cível Originária. - São da União as glebas que, anteriormente à edição do Decreto-Lei nº 2375/87, tinham sido incorporadas ao patrimônio dela pelo Decreto-Lei nº 1164/71 (cuja constitucionalidade se reconhece), e que foram excepcionadas por ele de seu âmbito de aplicação por estarem registradas, na forma da lei, em nome de pessoa jurídica pública e por configurarem objeto de situação jurídica, já constituída ou em processo de formação, a favor de alguém. Ação julgada procedente, sendo a reconvenção julgada improcedente. (ACO 477, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno, Dje 1°/8/2003). TERRAS DEVOLUTAS - UNIÃO VERSUS ESTADO-MEMBRO. Não são passíveis de enquadramento como terras devolutas, para o efeito previsto no caput do artigo 2º do Decreto-Lei nº 2.375/87, as glebas que tiveram situação jurídica devidamente constituída ou em processo de formação. Tal é o caso de imóvel matriculado no registro de imóveis em nome da União, ao tempo em que ocorre a tramitação de processos objetivando a titulação por posseiros via o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). (ACO 481, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Plenário, Dje 23/2/2001). Portanto, ainda que se entenda que as alterações de domínio das descritas matrículas em favor do Estado do Tocantis ocorreram com fundamento no art. 2º do Decreto-Lei 2.375, de 24 de novembro de 1987, tal entendimento não prospera, nos termos dos precedentes já citados. 4. Diante do exposto, nos termos do art. 21, § 1º, do RISTF, julgo parcialmente procedente a presente ação cível originária para determinar o restabelecimento das matrículas de números 34, 35, 36, 73, 80, 531, 532, 533, 534, 535 e 536 em nome da União, com a consequente declaração de nulidade de todas as arrecadações, títulos definitivos e demais documentos que desses se originaram, expedidos pelo Estado do Tocantins; ressaltando que, caso o INCRA entenda que outras matrículas foram canceladas pelas mesmas razões, a Autarquia Federal deverá buscar os meios hábeis para o seu reconhecimento. Publique-se. Intime-se. Brasília, 20 de abril de 2016. Ministro Teori Zavascki Relator Documento assinado digitalmente