Direito Agrário

Rotulagem dos produtos alimentares e informação aos consumidores: teor de lactose pode ser informado na parte frontal do rótulo

Direito Agrário

“As indústrias de laticínios poderão seguir informando sobre a ausência ou baixo teor de lactose na parte frontal dos rótulos dos produtos comercializados. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve revogada a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proibia as empresas de trazerem as informações fora da tabela nutricional. A decisão foi proferida na última semana.

De acordo com a Resolução nº 54, publicada em novembro de 2012, os produtos só poderiam inserir informações sobre a quantidade ou a falta dos nutrientes junto à tabela nutricional, que fica na parte lateral das embalagens.

Cerca de um mês após a determinação entrar em vigor, a empresa Frimesa Cooperativa Central ajuizou ação solicitando a sua suspensão. A indústria paranaense afirmou que os produtos são dirigidos a uma categoria especial de consumidores, aqueles que possuem intolerância à lactose, e que a norma os privaria de obter uma informação que é primordial à sua saúde, pois a visualização estaria dificultada.

A Anvisa alegou que a resolução obedeceu a uma norma do Mercosul, e que uma eventual revogação iria prejudicar as relações comerciais com os países membros. A Agência ressaltou, também, que as regras estão em consonância com o tratamento internacionalmente utilizado, inclusive na União Européia.

A Justiça Federal de Curitiba julgou a ação procedente por entender que a medida viola o Código de Defesa do Consumidor, que garante à população o direito básico à informação adequada e clara sobre os produtos comercializados.

A Anvisa recorreu contra a decisão apontando que as informações expostas na tabela nutricional já permitem a adequada identificação por parte dos consumidores.

Em decisão unânime, a 4ª Turma manteve a sentença de primeiro grau. A relatora do processo, desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, destacou que, ‘embora não haja norma regulamentadora que estabeleça a inserção das informações nutricionais complementares nos painéis frontais das embalagens dos produtos lácteos especiais, a tutela e promoção da defesa do consumidor impõem ao Estado o dever de garantir a máxima efetividade e concretude dos direitos básicos elencados na legislação’”.

Fonte: TRF4, 28/06/2016.

Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004535-59.2015.4.04.7000/PR
RELATORA
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE
:
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA
APELADO
:
FRIMESA COOPERATIVA CENTRAL
ADVOGADO
:
RENATO SERPA SILVÉRIO

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente a ação ajuizada por Frimesa Cooperativa Central em face da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, objetivando sejam afastadas as regras contidas na RDC n.º 54/12, expedida pela ANVISA, especialmente no que diz respeito à norma que vedaria a informação nutricional complementar, no painel frontal das embalagens e produtos lácteos, de ausência, baixo ou reduzido teor de lactose, nos seguintes termos:
Ante o exposto, confirmo a decisão liminar e julgo parcialmente procedente o pedido para condenar a Anvisa a se abster de exigir a regra que proíbe a inclusão de INC no painel frontal dos rótulos das embalagens dos produtos da autora, contida na RDC 54/2012. Dessa forma a autora poderá utilizar as expressões ‘zero lactose’, ‘baixo/reduzido teor de lactose’ no rótulo frontal de seus produtos, desde que acompanhadas, também no rótulo frontal, da quantidade exata de lactose que o produto contém, na forma da fundamentação.
Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor da causa, nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.
Submeto a sentença ao reexame necessário.
Em suas razões, a ANVISA alegou que a RDC 54 incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro a Resolução GMC Mercosul n.º 01/2012, a qual foi discutida e elaborada por países membros do Mercosul, a qual estaria em consonância com o tratamento internacionalmente utilizado, especialmente o Codex Alimentarius, do Canadá e União Européia. Sustentou que a designação/nome do produto já permite a adequada identificação por parte dos consumidores com intolerância à lactose e a empresa autora pode indicar o nível ou ausência de lactose na tabela de informação nutricional. Argumentou que Tal tabela poderia, caso a empresa autora assim queira, constar na painel principal do alimento embalado. Sucessivamente, pugnou pela redução dos honorários advocatícios para valor máximo de R$ 1.000,00 (mil reais). Nesses termos, requereu o provimento do recurso.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.

VOTO

Ao analisar o pleito deduzido na inicial, o magistrado a quo assim decidiu:
Trata-se de ação ordinária na qual a parte autora, FRIMESA COOPERATIVA CENTRAL, pretende que sejam afastadas as regras contidas na RDC n.º 54/12, expedida pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA, especialmente no que diz respeito à norma que vedaria a informação nutricional complementar, no painel frontal das embalagens e produtos lácteos, de ausência, baixo ou reduzido teor de lactose.
Formula pedido liminar para que seja determinada a suspensão da referida vedação.
Para tanto, relata que se trata de cooperativa que fabrica e comercializa leite e seus derivados. Ela fabrica também produtos isentos de lactose. A autora diz ser necessário fazer constar nos rótulos de seus produtos a Informação Nutricional Complementar (INC) de que eles são isentos de lactose.
Segundo a parte autora, a ANVISA teria editado a RDC n.º 54/2012 por meio da qual teria sido determinado que as informações nutricionais constassem apenas na pequena tabela de informações nutricionais no verso das embalagens. Tal disposição estaria contida nos itens ‘3.2.1’ a ‘3.2.4’ da RDC n.º 54/2012. Dessa forma, a agência reguladora demandada não permitiria que se colocasse informações como ‘zero lactose’, ‘lactose reduzida’ ou ‘baixa lactose’, em outro local, especialmente na frente da embalagem.
A Frimesa pondera que a vedação dificulta ao consumidor obter a informação nutricional. Ela defende que, por se tratar de produtos dirigidos a uma categoria especial de consumidor, aqueles que possuem intolerância à lactose, não se pode impedir a veiculação dessa informação na frente da embalagem do produto.
Aduz que a ANVISA reconhece o direito e a necessidade de se dar tratamento diferenciado para alguns alimentos, na forma preconizada pelas Portarias n.º 29/1998 e n.º 27/1998.
A norma disposta na RDC n.º 54 privaria o consumidor especial de informação primordial à sua saúde pois a sua visualização estaria dificultada.
Evoca a incidência do disposto no artigo 6.º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 170, inciso IV da Constituição da República. Colaciona doutrina e jurisprudência que reputa relevantes ao caso.
O receio de dano irreparável estaria evidenciadona medida em que a autora estaria excluída da livre concorrência do mercado, notadamente porque alguns de seus concorrentes já teriam decisões liminares favoráveis.
Detalha seus pedidos, junta documentos e atribui à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Determinei intimação da demandada para que se manifestasse sobre o pedido de comando antecipado (evento 3).
A FRIMESA emendou a inicial e requereu a retificação do pólo passivo da lide.
A Anvisa apresentou sua manifestação no evento 10. Aduz que a RDC n.º 54/2012 revogou a Portaria SVS/MS n.º 27/1998 e foi objeto da consulta pública da ANVISA n.º 21/2011. Afirmou que a RDC 54 incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro a Resolução GMC Mercosul n.º 01/2012, a qual foi discutida e elaborada por países membros do Mercosul. Disse que o objeto da Resolução do Mercosul são alimentos embalados, produzidos e comercializados no território dos países que integram o Mercosul. Discorreu sobre a elaboração da Resolução GMC Mercosul n.º 01/2012. Defendeu que a norma está em consonância com o tratamento internacionalmente utilizado, especialmente o Codex Alimentarius, Canadá e União Européia. Afirmou, ainda, que a designação/nome do produto já permite a adequada identificação por parte dos consumidores com intolerância à lactose e a empresa autora pode indicar o nível ou ausência de lactose na tabela de informação nutricional. Tal tabela poderia, caso a a empresa autora assim queira, constar na painel principal do alimento embalado.
A Anvisa ressaltou que eventual concessão da liminar prejudicará as relações comerciais do Mercosul.
A demandada asseverou que o registro de leites e derivados é de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O MAPA teria autorizado anteriormente o uso de alegações complementares referentes à lactose em produtos lácteos quando da avaliação do registro e do rótulo desses alimentos, mesmo sem sua previsão de uso como INC na Portaria SVS/MS n.º 27/1998, revogada pela Resolução RDC n.º 54/2012. Dessa forma, o Ministério deveria ser consultado sobre a pertinência de se manter ou não a autorização com a publicação da RDC n.º 54/2012. Informa que já houve decisões favoráveis a outras associações de empresas.
O pedido de comando antecipado foi deferido em parte (evento 12).
Citada, a Anvisa trouxe sua resposta. Discorreu sobre sua competência e sobre seus deveres. Refutou o mérito da pretensão da parte autora, protestando pela improcedência dos pedidos.
A parte autora deixou de impugnar a contestação (evento 25).
Não foram formulados pedidos de provas (eventos 31 e 34).
Os autos vieram conclusos para sentença.
Relatei. Decido.
2. Fundamentação
A decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela (evento 104) foi assim fundamentada:
‘(…)
2. Para a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil, mister se faz prova inequívoca, que convença sobre a verossimilhança da argumentação, devendo referido pressuposto estar combinado com: a) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou b) a caracterização de abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da requerida.
No caso dos autos, restaram demonstrados referidos pressupostos.
A Frimesa Cooperativa Central pretende afastar os efeitos da RDC n.º 54/2012 de modo que seja possível veicular no painel frontal de seus produtos informações como ‘zero lactose’, ‘lactose reduzida’ ou ‘baixa lactose’ e não apenas na pequena tabela de informações nutricionais no/a verso/lateral das embalagens. Isso tornaria as informações nutricionais mais fáceis, transparentes e acessíveis, ao consumidor desses gêneros alimentícios especiais.
A Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – RDC n.º 54/2012 determina que tais informações constem apenas da tabela de informação nutricional, excluindo-as do rótulo frontal, nos seguintes termos:
‘3.2.1. A quantidade de qualquer nutriente sobre o qual se faça uma INC deve ser obrigatoriamente declarada na tabela de informação nutricional.
3.2.2. Os valores estabelecidos para o atributo ‘não contém’ são considerados não significativos e devem ser declarados na tabela de informação nutricional como ‘zero’, ‘0’ ou ‘não contém’.
3.2.3. Quando for realizada uma INC sobre a quantidade de açúcares, deve ser indicada na tabela de informação nutricional a quantidade de açúcares abaixo dos carboidratos.
3.2.4. Quando for realizada uma INC sobre o tipo e/ou a quantidade de gorduras e/ou ácidos graxos e/ou colesterol, deve ser indicada na tabela de informação nutricional a quantidade de gorduras saturadas, trans, monoinsaturadas, poliinsaturadas e colesterol’.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária promove a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos submetidos à vigilância sanitária (artigo 6.º da lei n.º 9.782/1999). Dentre os produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária estão os alimentos e suas embalagens (artigo 8.º, §1.º, inciso II da lei n.º 9.782/1999):
‘Art. 6º  A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.
(…)
Art. 8º  Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.
§ 1º  Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:
(…)
II – alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários;
(…)’
Dessa forma, é atribuição da Agência demandada editar regulamento sobre a forma de exposição das informações nutricionais complementares nas embalagens dos alimentos.
Sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio. A discricionariedade administrativa deve estar dentro dos parâmetros estabelecidos pelas normas (Constituição, leis e atos normativos).
É assente o entendimento de não ser autorizado ao Poder Judiciário indevida interferência no mérito administrativo.
Não obstante, é certo que os atos administrativos estão sujeitos ao controle jurisdicional. Assim, se por um lado o Poder Judiciário não pode proceder ao reexame dos parâmetros que nortearam a decisão da Administração, isto é, o mérito administrativo, ao juiz é possível analisar os demais elementos dos atos administrativos, em especial a legalidade.
A despeito da informação de que a norma estaria em consonância com decisão proferida no âmbito dos países do Mercosul, tenho que a vedação trazida pela RDC n.º 54/2012 viola o Código de Defesa do Consumidor. O CDC garante ao consumidor o direito básico a informação adequada e clara sobre o produto, nos seguintes termos:
‘Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
(…)’
A informação no rótulo frontal da embalagem é mais destacada do que a que consta pequena tabela lateral. Uma informação com visualização facilitada é mais adequada. No entanto, a informação deve ser clara, ou seja, deve indicar a quantidade exata da lactose que o produto contém.
Expressões como ‘baixa lactose’ e ‘lactose reduzida’ podem ser utilizadas desde que acompanhadas da especificação da quantidade precisa de lactose que o produto contém, também no rótulo frontal da embalagem, de modo que o consumidor não seja levado em erro.
A expressão ‘zero lactose’ indica de forma adequada e clara a quantidade de lactose que o produto contém, na forma preconizada pelo CDC. Assim, está em consonância com o direito básico do consumidor.
O periculum in mora  também resta configurado porque a autora está obrigada a se adequar a RDC 54/2012 em prejuízo do direito dos consumidores à informação clara e adequada de produtos alimentícios.
3. Ante o exposto, antecipo, em termos, os efeitos da tutela para suspender as exigências da RDC 54/2012 no tocante à regra que proíbe a inclusão de INC no painel frontal dos rótulos das embalagens dos produtos da autora. Dessa forma a autora poderá utilizar as expressões ‘zero lactose’, ‘baixo/reduzido teor de lactose’ no rótulo frontal de seus produtos, desde que acompanhadas, também no rótulo frontal, da quantidade exata de lactose que o produto contém, na forma da fundamentação.
(…)’.
Neste diapasão, inexistindo elementos para alterar o entendimento acima exposto, a parcial procedência do pedido é medida de direito que se impõe.
(…)
Em que pesem ponderáveis os argumentos expendidos pela apelante, não há reparos à sentença, cujos fundamentos adoto como razões de decidir.
Ilustram tal entendimento:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. PRODUTOS SEM LACTOSE. RÓTULOS DOS PRODUTOS. Embora não haja norma regulamentadora que estabeleça a inserção de INC/claims nos painéis frontais das embalagens dos produtos lácteos especiais (ausência ou baixo/reduzido teor lactose), a tutela e promoção da defesa do consumidor impõem ao Estado, por seus órgãos e entidades, o dever de garantir a máxima efetividade e concretude dos direitos básicos elencados no art. 6º do CDC (RESP 201200371061). (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5005533-75.2015.404.0000, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 10/04/2015)
ADMINISTRATIVO. ANVISA. RDC Nº 54/2012. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONFORME PADRÃO DA TURMA. CONSECTÁRIOS LEGAIS POSTERGADOS PARA A FASE DE EXECUÇÃO. 1. A RDC nº 54/2012 vai de encontro ao Código de Defesa do Consumidor e com ele deve ser compatibilizada. 2. Honorários advocatícios arbitrados conforme artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC. 3. Os índices de juros e correção monetária ficam postergados para o processo de execução. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5021219-75.2014.404.7200, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 02/12/2015)
Do último precedente citado, trago à colação o excerto que segue:
No caso ora em exame, a empresa autora, SINDICATO DAS INDÚSTRIAS DE LATICÍNIOS busca o direito de veicular as Informações Nutricionais Complementares – INC de produtos lácteos ‘sem lactose’ ou ‘baixa/reduzida lactose’ na forma de claims no painel frontal do rótulo do alimento, com o objetivo de tornar mais fácil e acessível ao consumidor a identificação do produto.
Com efeito, penso que a Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA – RDC nº 54, de 12 de outubro, que determina que as informações nutricionais constem apenas na tabela de informações nutricionais nos versos das embalagens, vai de encontro ao Código de Defesa do Consumidor, especificamente no seu artigo 6º, verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Considerando que a temática do direito dos consumidores integra o rol dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro na Constituição Federal de 1988, elevando estes ao posto de receptores das liberdades públicas (artigo 5º, XXXII), o caminho não pode ser outro do que a compatibilização da RDC nº 54 ao Código de Defesa do Consumidor.
Como o representante do Ministério Público nesta Corte, Dr. Fábio Nesi Venzon, abordou com precisão o mérito da controvérsia, transcrevo o seu parecer, que adoto como fundamento de decidir, a fim de prestigiar o trabalho realizado pelo parquet:
( )
Pretende a parte autora afastar os efeitos da RDC n.º 54/2012 de modo que seja possível veicular no painel frontal de seus produtos informações como ‘zero lactose’, ‘lactose reduzida’ ou ‘baixa lactose’ e não apenas na pequena tabela nutricional no/averso/lateral das embalagens, para que tais informações fiquem mais fáceis, transparentes e acessíveis ao consumidor desses gêneros alimentícios especiais.
Dispõe o art. 6º do CDC, in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
(…)’
De fato, a informação no rótulo frontal da embalagem é mais destacada do que a que consta na tabela nutricional, de forma que a visualização é facilitada e, consequentemente, mais adequada para esclarecer sobre uma qualidade específica do produto.
Por outro lado, a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 54, de 12 de novembro de 2012, determina que as informações em questão constem na tabela de informação nutricional, excluindo-as do rótulo frontal. Vejamos:
3.2.1. A quantidade de qualquer nutriente sobre o qual se faça uma
INC deve ser obrigatoriamente declarada na tabela de informação
nutricional.
3.2.2. Os valores estabelecidos para o atributo ‘não contém’ são
considerados não significativos e devem ser declarados na tabela de
informação nutricional como ‘zero’, ‘0’ ou ‘não contém’.
3.2.3. Quando for realizada uma INC sobre a quantidade de açúcares, deve ser indicada na tabela de informação nutricional a quantidade de açúcares abaixo dos carboidratos.
3.2.4. Quando for realizada uma INC sobre o tipo e/ou a
quantidade de gorduras e/ou ácidos graxos e/ou colesterol, deve ser
indicada na tabela de informação nutricional a quantidade de
gorduras saturadas, trans, monoinsaturadas, poliinsaturadas e
colesterol.
Tratando-se de uma restrição administrativa à livre iniciativa e, em princípio, ao direito à informação aos consumidores, era necessário que houvesse uma justificativa plausível para tal, até mesmo para se aferir a proporcionalidade da medida sob sua tripla dimensão (adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu).
Pois bem, a ANVISA publicou um conjunto de perguntas e respostas sobre Informação Nutricional Complementar (INC)1, exatamente em virtude da edição da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 54, de 12 de novembro de 2012. Sendo que a questão da ausência de informações sobre lactose na INC foi objeto de duas respostas, que trazem as justificativas da ANVISA para tanto. Vejamos:
49. Nas condições para uso de INC sobre açúcares fica estabelecido que não são permitidas alegações sobre açúcares específicos. Isso quer dizer que não posso utilizar a alegação de que meu alimento é isento de lactose?
Resposta ANVISA:
Inicialmente, esclarecemos que a alegação sem lactose nunca foi permitida para uso em alimentos pela regulamentação de INC.
A Portaria SVS/MS n. 27/98 permitia apenas o uso de INC para açúcares, que segundo a legislação vigente de rotulagem nutricional são os açúcares totais do produto. A RDC n. 360/2003 define açúcares como: ‘todos os monossacarídeos e dissacarídeos presentes em um alimento que são digeridos, absorvidos e metabolizados pelo ser humano. Não incluem os polióis’.
Tal situação foi mantida com a publicação da RDC n. 54/2012, pois todos os membros do MERCOSUL entenderam que alegações para açúcares específicos, incluindo sem lactose, são relevantes apenas para indivíduos que apresentam doenças ou alterações metabólicas e fisiológicas, como a intolerância à lactose e a galactosemia e, portanto, deveriam ser regulamentadas no contexto dos alimentos para fins especiais e não como INC.
Além de respaldada cientificamente, essa abordagem está alinhada com a forma como o assunto é tratado no âmbito internacional, segundo o Codex Alimentarius.
Portanto, o uso de alegações de conteúdo de lactose em alimentos para fins especiais ou em alimentos de consumo regular que por natureza sejam isentos de lactose deve ser tratada por meio da regulamentação de alimentos para fins especiais, ou seja, a partir da revisão da Portaria SVS/MS n. 29/98.
50. Essa situação não coloca em risco os consumidores com intolerância à lactose ou galactosemia? Como o consumidor pode ser informado do conteúdo de lactose nos alimentos?
Resposta ANVISA:
O uso de alegações de conteúdo de lactose em alimentos não é considerado imprescindível para que os consumidores com intolerância à lactose ou galactosemia identifiquem os alimentos mais adequados para compor sua alimentação, pois existe uma categoria específica de alimentos para fins especiais para dietas com restrição de lactose.
Além disso, a regulamentação da rotulagem de alimentos exige que os rótulos dos produtos tragam a lista de ingredientes, o que permite aos consumidores identificar se existe a adição de lactose e derivados lácteos.
As empresas também podem declarar a quantidade de lactose presente no produto na tabela de informação nutricional, abaixo da declaração dos carboidratos e dos açúcares, conforme autorizado pela RDC n. 360/2003. Tal atitude permite que os consumidores tenham acesso ao conteúdo de lactose no produto.
Como se verifica das respostas da ANVISA, a impossibilidade de utilizar informações sobre ausência ou reduzida quantidade de lactose na INC não decorre de equívoco desse tipo de informação, mas sim do fato da mesma se destinar a um público consumidor específico (indivíduos que apresentam doenças ou alterações metabólicas e fisiológicas) e, para tais situações, a mesma não deve ser regulamentada no âmbito da INC (RDC nº 54/2012), mas sim no contexto de alimentos para fins especiais, objeto da Portaria SVS/MS n. 29/98.
Conforme esclareceu a ANVISA em seu apelo, para os produtos enquadrados como alimentos para dietas com restrição de lactose, a denominação do produto já informa sua finalidade. No entanto, as alegações de conteúdo de lactose não são permitidas em função da ausência de critérios na Portaria SVS/MS n. 29/1998 para esse tipo de declaração.
Ocorre que o consumidor não pode ser prejudicado pela mora da agência na regulamentação da matéria.
Neste sentido foi a sentença do juízo de primeiro grau, que, inclusive, cita decisão dessa Relatoria em sede de agravo de instrumento, in verbis:
‘Em outras palavras, as alegações de conteúdo de lactose só não são atualmente admitidas por falta de regulamentação, o que é inaceitável, sobretudo em face do evidente prejuízo ao consumidor e à liberdade de mercado, conforma acima esgrimido.
A esse propósito, oportuno trazer a lume as judiciosas ponderações do Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, relator do AI nº 50179040820144040000, no qual restou confirmada a decisão liminar:
Considerando que a Portaria nº 29, foi editada em 13 de janeiro de 1998 (regulamento técnico de alimentos para fins especiais), que o processo de elaboração da Portaria RDC 54/2012, conforme afirma a agravante, durou 4 (quatro) anos, bem como a necessidade de revisão da Portaria 29/98 para regulamentar a inserção de INC/claims nos painéis frontais das embalagens dos produtos lácteos especiais (ausência ou baixo/reduzido teor lactose), não estando nem marcada na Agenda Regulatória da ANVISA consoante informa a agravante, não se mostra razoável o consumidor ser prejudicado por ausência de norma regulamentadora a ser elaborada pela própria agravante.’
Ademais, conforme resposta da própria ANVISA transcrita acima, a impossibilidade da utilização da INC para informações sobre ausência ou reduzida quantidade de lactose, termina fazendo com o que o consumidor tenha que obter a referida informação através da lista de ingredientes ou na tabela de informação nutricional existente, o que nos parece termina por dificultar o acesso do consumidor a um dado nutricional, cujo conhecimento é imprescindível para aquela parcela de consumidores que possuem intolerância à lactose.
Não nos parece, portanto, razoável/proporcional a restrição à informação estabelecida pela ANVISA no presente caso, devendo prevalecer a regra do art. 6º, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor em vigor, isso porque a ANVISA não traz justificativa plausível para impor a restrição ao uso da embalagem pelas empresas que exploram o ramo de laticínios.
(…)
Destarte, diante desses fundamentos, não há reparos à sentença.
Relativamente aos honorários advocatícios, de igual forma não merece guarida o recurso. A autora atribuiu à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), e a condenação da ANVISA na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) atende ao disposto no artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC, e está em conformidade com o padrão desta Turma, porquanto condizente com o grau do zelo do advogado, a natureza e a relevância da causa, bem como com tempo de tramitação do feito.
Do prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa necessária.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004535-59.2015.4.04.7000/PR
RELATORA
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE
:
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA
APELADO
:
FRIMESA COOPERATIVA CENTRAL
ADVOGADO
:
RENATO SERPA SILVÉRIO

EMENTA

ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. PRODUTOS SEM LACTOSE. RÓTULOS DOS PRODUTOS.
Embora não haja norma regulamentadora que estabeleça a inserção de INC/claims nos painéis frontais das embalagens dos produtos lácteos especiais (ausência ou baixo/reduzido teor lactose), a tutela e promoção da defesa do consumidor impõem ao Estado, por seus órgãos e entidades, o dever de garantir a máxima efetividade e concretude dos direitos básicos elencados no art. 6º do CDC (RESP 201200371061).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de junho de 2016.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora

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