Direito Agrário

Importação de produtos agropecuários e vigilância agropecuária: prazo de licença de importação deve ser contado a partir do embarque do produto

“O prazo da licença de importação só passa a ser contado a partir da data de embarque do produto no país de origem. Com esse entendimento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou, na última semana, a legalidade da decisão da Justiça Federal de Santiago (RS) que determinou à Vigilância Agropecuária (Viagro) de São Borja (RS) a liberação de mais de 1.200 caixas de peras importadas da Argentina pela empresa Rubifrut Agroindustrial, em junho de 2015.

A mercadoria foi retido porque a licença de importação estaria vencida, o que levou a empresa a ajuizar mandado de segurança contra a Chefe da Unidade de Vigilância Agropecuária de São Borja.

A defesa alegou que a autoridade alfandegária não estaria contando o prazo adequadamente, pois os 120 dias estipulados em lei deveriam começar a ser contados apenas na data de emissão do conhecimento de carga, ou seja, no embarque da mercadoria, e não na data do requerimento de fiscalização e desembaraço aduaneiro junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).  No caso, teriam passado apenas 15 dias até a chegada da carga à fronteira.

O pedido foi julgado procedente pela Justiça Federal de Santiago e, após a sentença, foi remetido ao TRF4 para reexame.

A decisão de primeiro grau foi mantida pela 3ª Turma por unanimidade. Segundo o relator do processo, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, ‘o prazo de validade não se encontrava vencido no caso dos autos, resultando insubsistente o indeferimento da fiscalização agropecuária requerida pela empresa autora’”.

Fonte: TRF4, 18/05/2016.

Confira a íntegra da decisão:

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5000326-33.2015.4.04.7134/RS
RELATOR
:
FERNANDO QUADROS DA SILVA
PARTE AUTORA
:
RUBIFRUT AGROINDUSTRIAL LTDA
ADVOGADO
:
PAULO CESAR GNOATTO
PARTE RÉ
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por RUBIFRUT AGROINDUSTRIAL LTDA. contra ato do Chefe da Unidade de Vigilância Agropecuária de São Borja/RS – UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, em que postula a concessão de ordem liminar para a suspensão dos efeitos do ato de indeferimento da fiscalização agropecuária, com a retomada e conclusão do despacho aduaneiro.
Sustenta o impetrante, que o indeferimento teria como fundamento o suposto vencimento do prazo de validade da licença de importação, que seria de 120 dias. Argumenta, contudo, que o referido prazo seria para o embarque da mercadoria, no exterior, e não para o requerimento de fiscalização e desembaraço aduaneiro.
Sentenciando o feito, o Juízo a quo concedeu a segurança.
Sem recurso, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal apresentou parecer, opinando pelo desprovimento da remessa oficial.
É o relatório.
Dispensada a revisão (art. 37, IX, do RITRF-4ªR).
VOTO
Tratando-se de mandado de segurança, a remessa oficial é devida quando concedida a ordem, ainda que parcialmente, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009. Assim, no caso em tela, há fundamento para o recurso de ofício.
No mérito, certo que o Juízo a quo deslindou com precisão a lide, merecendo ser mantida a sentença prolatada por seus próprios fundamentos, verbis:
I – RELATÓRIO
RUBIFRUT AGROINDUSTRIAL LTDA., já qualificada, impetrou o presente mandado de segurança contra ato do Chefe da Unidade de Vigilância Agropecuária de São Borja/RS – UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, igualmente qualificado, pleiteando, em síntese, a concessão de ordem liminar para a suspensão dos efeitos do ato de indeferimento da fiscalização agropecuária, com a retomada e conclusão do despacho aduaneiro. O indeferimento teria como fundamento o suposto vencimento do prazo de validade da licença de importação, que seria de 120 dias. Argumentou, contudo, que o referido prazo seria para o embarque da mercadoria, no exterior, e não para o requerimento de fiscalização e desembaraço aduaneiro. Nesses termos, pediu o deferimento da liminar e, ao final, a concessão da segurança.
Determinada a emenda da inicial (evento 08), a impetrante corrigiu o valor da causa, atendendo àquela decisão, e emitiu nova GRU, efetuando o pagamento de custas complementares (evento 11).
Ao evento 13 foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela, cujo cumprimento foi noticiado ao evento 18.
Intimada, a União pediu a intervenção no feito (evento 20).
Informações prestadas aos eventos 23 e 32.
O MPF alegou não ter interesse em intervir no processo (evento 30).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o breve relatório. Decido.
II – FUNDAMENTAÇÃO
MÉRITO
O mandado de segurança consiste em instituto de direito processual constitucional que visa garantir a recomposição imediata do direito individual ou coletivo, lesado por ato ilegal ou abusivo de autoridade.
Além disso, objetiva a prestação jurisdicional em observância ao grau máximo do princípio da celeridade. Com efeito, para viabilizar o seu processamento exige-se prova pré-constituída das situações e dos fatos que amparam o direito violado.
Segundo Hely Lopes Meirelles (mandado de segurança, 23ª edição, p. 36), quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para o seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo ‘é direito comprovado de plano’. Se depender de comprovação posterior, não é líquido e certo, para fins de segurança.
Sob tal contexto, observo que os fundamentos vertidos na decisão do evento 13, que deferiu a tutela de urgência, permanecem hígidos. Assim transcrevo a referida decisão, cujos fundamentos adoto na presente sentença in verbis:
(…)
A concessão de tutela de urgência nesse remédio constitucional pressupõe o preenchimento de dois requisitos, sem os quais é vedado, em sede de cognição sumária, o provimento postulado.
Ambos os pressupostos estão consubstanciados na Lei n.° 12.016/09 (art. 7º, inciso III), que autoriza a concessão da ordem quando restar demonstrada a relevância do fundamento alegado (fumus boni juris) e a possibilidade de ineficácia da medida (periculum in mora), in verbis:
Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
(…)
III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
No caso dos autos, o segundo requisito encontra-se, evidentemente, preenchido, na medida em que se trata de carga de frutas frescas, mercadoria perecível. Há, portanto, o risco de perda da carga, cujo valor é elevado.
Logo, pode ser ineficaz a medida caso seja apreciada apenas em sede de cognição exauriente, de forma que se encontra preenchido um dos requisitos da tutela de urgência.
Por outro lado, antecipo que a relevância do fundamento, da mesma forma, encontra-se presente.
Verifico, pelo termo de ocorrência juntado ao evento 01 (OUT7, Página 01), que em procedimento de fiscalização agropecuária restou determinado o retorno da carga à origem porque o licenciamento de importação n° 15/0358411-3 teria excedido o prazo de validade de 120 dias.
Sob tal perspectiva, a solução do litígio pressupõe interpretação do disposto na Instrução Normativa MAPA n° 51/2011, a qual regula a importação de animais, vegetais, seus produtos, derivados e partes, subprodutos, resíduos de valor econômico e dos insumos agropecuários, prevendo, em seu art. 3°, § 2º, in verbis:
§ 2º A autorização eletrônica de embarque, de que trata este artigo, terá validade de 120 (cento e vinte) dias; findo esse prazo, a LI não mais estará sujeita a tratamento administrativo pelo MAPA, devendo ser indeferida.
A interpretação jurídica consiste em atividade do operador do direito tendente à extração da norma do respectivo texto normativo. Noutras palavras, a norma (alcançável por meio da interpretação) difere-se do texto (em que ela se encontra contida).
Nessa senda, não obstante a relevância das interpretações lógica, teleológica, sistemática e histórica, não se pode olvidar que elas são limitadas pela interpretação literal ou gramatical. Isso significa que a interpretação é limitada pelo texto normativo, com o qual deve ser compatível.
No caso dos autos, entendo, a partir da redação do dispositivo supracitado, em análise superficial, que a única conclusão possível é a de que o prazo de 120 dias foi estabelecido para o embarque da mercadoria, haja vista se tratar de prazo de validade da autorização eletrônica de embarque, sob pena de restar configurada flagrante insegurança das relações jurídicas.
Outrossim, nos termos do art. 708 do Regulamento Aduaneiro, o embarque ocorre na data da emissão do conhecimento de carga.
A impetrante comprova que a Licença de Importação n° 15/0358411-3 teve seu registro efetuado em 28/01/2015, com autorização eletrônica de embarque em 06/02/2015, constando a ressalva de que se trata de licença com restrição de data de embarque (evento 01, OUT9, Página 01).
Assim, tendo ocorrido a autorização eletrônica de embarque em 06/02/2015, é nessa data que começou a fluir o prazo de 120 (cento e vinte) dias, tendo expirado, portanto, em 05/06/2015.
Ocorre que antes disso, em 03/06/2015, a impetrante embarcou a mercadoria, conforme comprovam os documentos juntados ao evento 01 (FATURA5, OUT10 e OUT11).
Destarte, constata-se, repita-se, em análise perfunctória, que o prazo de validade previsto no art. 3º, § 2º, da IN 51/2011 não se encontrava vencido no caso dos autos, resultando insubsistente o indeferimento da fiscalização agropecuária requerida em 08/06/2015 (evento 01, OUT6, Página 01).
Demonstrada, portanto, a relevância do fundamento.
Ante o exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela, ao efeito de suspender o ato de indeferimento e determinar ao Chefe da Unidade do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional – VIGIAGRO de São Borja/RS que proceda à fiscalização dos produtos objeto da Licença de Importação n° 15/0358411-3, dando prosseguimento ao desembaraço aduaneiro daquela mercadoria se não houver outro motivo impeditivo.
(…)
Após o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, mesmo com o aprofundamento da cognição acerca da matéria controvertida nos autos, não vislumbro qualquer notícia de situação fática diversa daquela alegada na inicial e comprovada com os documentos que a acompanharam.
Portanto, não havendo novas razões a acrescentar, adoto os fundamentos acima transcritos para confirmar a antecipação de tutela deferida e julgar procedente o pedido.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA, ratificando a decisão que antecipou os efeitos da tutela (evento 13), para, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC, determinar ao Chefe da Unidade do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional – VIGIAGRO de São Borja/RS que proceda à fiscalização dos produtos objeto da Licença de Importação n° 15/0358411-3, dando prosseguimento ao desembaraço aduaneiro daquela mercadoria se não houver outro motivo impeditivo.
Face à sucumbência, condeno a União a arcar com as despesas processuais.
Sem condenação em honorários, nos termos do art. 25 da Lei n.º 12.061/09 e das Súmulas nº 105 do STJ e nº 512 do STF.
Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 14, § 1º, da Lei n.º 12.016/2009).
Após o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, arquivem-se com baixa.
Publicação automática.
Sem necessidade de registro.
Intimem-se.’
Assim, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à remessa oficial.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5000326-33.2015.4.04.7134/RS
RELATOR
:
FERNANDO QUADROS DA SILVA
PARTE AUTORA
:
RUBIFRUT AGROINDUSTRIAL LTDA
ADVOGADO
:
PAULO CESAR GNOATTO
PARTE RÉ
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICENÇA DE IMPORTAÇÃO. PRAZO. 120 DIAS A CONTAR DA AUTORIZAÇÃO ELETRÔNICA DE EMBARQUE DA MERCADORIA.
1. O prazo de 120 (cento e vinte) dias de validade da licença de importação previsto na Instrução Normativa MAPA nº 51/2011 (art. 3º, § 2º), deve começar a fluir na data da autorização eletrônica de embarque da mercadoria.
2. Mantida a determinação ao Chefe da Unidade do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional – VIGIAGRO de São Borja/RS para que proceda à fiscalização dos produtos objeto da Licença de Importação, dando prosseguimento ao desembaraço aduaneiro daquela mercadoria se não houver outro motivo impeditivo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de maio de 2016.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator

Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8267101v3 e, se solicitado, do código CRC E58C33BE.
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Signatário (a): Fernando Quadros da Silva
Data e Hora: 11/05/2016 09:38