Direito Agrário

O trabalho rural no Brasil e no Amapá

Direito Agrário - foto: Débora Minuzzi.

por Paulo Sérgio Sampaio Figueira.

A luta do homem do campo é fruto de intensas e profundas transformações das relações sociais, econômicas e políticas pelas quais passou o mundo no último século. Estas transformações foram importantes para serem desenvolvidas novas concepções a respeito das relações de trabalho entre empregado e empregador.

A história do trabalho rural no Brasil está sempre marcada por lutas e desrespeito ao empregado rural. Os colonizadores chegaram nas Américas com o objetivo primordial de enriquecimento rápido baseado na exploração dos recursos e do trabalho servil, indígena num primeiro momento e escravo de origem africana, num segundo período.

Nesse processo histórico, três componentes fundamentais marcaram as estratégias de organização agrária, fundiária e socioeconômica entre o Brasil e a Colonização do Brasil: 1) a implantação da grande propriedade fundiária: latifúndios herdados das capitanias hereditárias e das sesmarias; 2) a monocultura de exportação: voltada ao atendimento de requisitos econômicos da Metrópole portuguesa; e 3) o trabalho escravo.

Outras formas de exploração da natureza, como a pecuária extensiva nas regiões não muito distantes da costa marítima ou as pequenas lavouras de subsistência nas áreas de interstícios das grandes lavouras, constituíram-se como atividades marginais e subordinadas à economia colonial, exercendo a função primordial da produção de gêneros complementares às culturas de exportação, fundamentalmente alimentos como mandioca, milho e arroz para consumo interno.

No entanto, nessas relações sociais havia os proprietários das terras, que não trabalhavam diretamente nela, mas assumiam normalmente funções gerenciais, e, os que trabalhavam diretamente com sua própria força de trabalho, sem receberem nenhuma remuneração pela atividade que as exerciam. Nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), estes familiares recebiam o nome de “membros não remunerados da família”, que não eram mão-de-obra escrava, e sim homens livres, porém despossuídos.

Existiam, ainda, àqueles que não eram proprietários de terra, cujas relações de trabalho podem ser enquadradas nas seguintes categorias: a) posseiros/Ocupantes, b) parceiros, c) pequenos proprietários, d) arrendatários, e) assalariados.

Os Posseiros e os Ocupantes são trabalhadores rurais que detém, de fato, a posse e a ocupação legítima de uma terra, mas não são donos de direito de direito, são meros detentores e não possuem documentação, nem registro em cartório, passando a viver em um contexto de invisibilidade fundiária no país encontrando, ainda hoje, grande dificuldades para realizar atividades produtivas na terra, o que dificulta a concessão da licença ambiental e outras garantias voltadas a produção, como crédito agrícola, serviços de Assistência Técnica e de Extensão Rural (ATER), participação em mercados institucionais, dentre outros elementos complicadores de desenvolvimento econômico e social estagnador.

Os parceiros são trabalhadores que empregam/utilizam como pagamento pelo uso da terra uma parte da produção obtida. Essa parcela varia de acordo com o produto cultivado e com determinados serviços e insumos oferecidos pelo proprietário da terra.

Quanto aos Pequenos Proprietários, como o nome retrata, são pequenos produtores que atuam em sua terra, na maior parte das vezes, com mão-de-obra familiar, e produção voltada, geralmente, para a autossubsistência, com comercialização do excedente da produção agrícola, quando isso for possível.

Por sua vez, os Arrendatários têm acesso à terra mediante o pagamento de um aluguel, normalmente em dinheiro, ao proprietário. Os lucros e os riscos de produção devem ser assumidos pelo Arrendatário.

Os Assalariados caracterizam-se pela venda de sua força de trabalho em troca de uma remuneração em dinheiro e a sua exclusão na participação da produção/recebimento de margens de lucro gerados na comercialização da produção. Diferenciam-se em relação à forma de pagamento (podem ser mensalistas, diaristas, tarefeiros) e ao tempo de contrato (podem ser permanentes e temporários).

Os Assalariados permanentes mantêm vínculo trabalhista mais longo com o empregador e os temporários (volantes ou “boias-frias”) trabalham nas propriedades agrícolas como diaristas por curtos períodos, especialmente nas épocas de plantio e colheita.

O contexto relatado depende da forma de uso da terra, do tipo de cultivo agrícola, das particularidades das safras, das especificidades de manejo da terra em regiões e biomas das diferentes regiões do País.

Em alguma dessas categorias há ainda os trabalhadores não-remunerados, que muitas vezes estão inseridos em um grupo familiar, como os filhos, as esposas, dentre outros, e trabalham sem que haja pagamento de salário.

Vale destacar que a regulamentação do trabalho rural somente aconteceu com a aprovação do Estatuto do Empregado Rural (Lei nº. 4.214, de 2 de março de 1963), o qual estabeleceu algumas relações de empregado e empregador, bem como traçou norma para a carreira sindical, introduziu e efetivou direitos como salário-mínimo, férias, descanso semanal, indenização, aviso prévio, garantias institucionais até então, ainda distantes para a grande maioria dos homens e das mulheres no campo no Brasil.

Com esse Estatuto, pode-se dizer que o empregado rural começa a sentir-se cidadão, haja vista que ele começa a ter deveres, e, também, direitos. Esses direitos também foram ampliados com a aprovação Lei nº. 5.889/73, regulamentado pelo Decreto nº. 73.626/1974, que foi revogado pelo Decreto n.º 10.854, de 2021, e pelo artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil.

Nas últimas décadas, o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) nº. 410/2007, no dia 29 de dezembro de 2007, e criou a figura do Contrato de Empregado Rural por pequeno prazo a qual foi convertida em Lei Federal nº. 11.718, de 20 de junho de 2008.

As novas regras da reforma trabalhista que entraram em vigor em novembro de 2017 por meio da Lei nº. 13.467, de 13 de julho de 2017, que alterou o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, apesar de o trabalho rural ser regulamentado por uma legislação específica, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) também se aplica ao empregado rural.

Dentre essas alterações da reforma trabalhistas, podem-se destacar as horas in itinere que é o tempo gasto no transporte entre a casa e o trabalho, que agora, o tempo de deslocamento não é mais contabilizado como hora de trabalho (art. 58, § 2º, da CLT).

Outra alteração importante é em relação aos Acordos e Convenções Coletivas que passaram a prevalecer sobre a legislação, em que a reforma altera esse quadro, dando maior força a acordos coletivos e convenções da categoria em relação à jornada de horas (limite de 12 horas/dia e 220/mensais); regime de sobreaviso; trabalho intermitente; troca do dia do feriado; e da participação nos lucros.

Vale ressaltar, entretanto, que a reforma manteve direitos importantes e inegociáveis, como, FGTS; 13º salário; e licença-maternidade de 120 dias.

Com relação às Férias, agora podem ser parceladas em até três vezes, sendo que, pelo menos, um dos períodos precisa ter ao menos 14 dias corridos, e os demais não sejam inferiores a 5 dias corridos cada. Além disso, o período não pode iniciar nos 2 dias que antecedem um feriado ou em um dia do que já seria um repouso semanal remunerado.

Em relação ao Imposto Sindical na lei anterior todo trabalhador tinha obrigação de pagar o equivalente a um dia de trabalho como imposto sindical (artigos 578 a 591, da CLT), com a reforma trabalhista (Lei nº. 13.467/2017), essa cobrança não é mais obrigatória, sendo descontado apenas com a clara autorização do empregado rural (voluntária).

É importante abordar ainda o Trabalho Intermitente, que não havia na CLT essa previsão de modalidade de contratação. Desta maneira, é salutar esta reforma para o empregado rural, visto que o empregador rural utiliza essa mão-de-obra rural temporária durante o período de safra, em que o valor da hora trabalhada não pode ser menor que o salário-mínimo dos outros empregados rurais e urbanos contratados.

A outra novidade desta modalidade de contratação é que no período em que o empregado rural não é chamado, não é remunerado. No fim da contratação, o empregado recebe: remuneração; férias proporcionais mais um terço; 13º proporcional; repouso semanal remunerado; e demais adicionais legais (§ 6o, art. 452-A, da CLT).

Vale destacar, ainda, o artigo 66 da CLT, que assegura um intervalo interjornada de, no mínimo, 11 horas consecutivas, que se aplica também ao empregado rural (art. 5º, da Lei nº. 5.889/1973), sem olvidar do adicional noturno de 25%, hora noturna 60 minutos, sendo que para o trabalho na produção Pecuária, o horário noturno é de 20 às 04 horas, e para o trabalho na produção Agricultura, o horário noturno é das 21h às 05h.

No âmbito desse arcabouço jurídico o empregado rural passa ser inserido no contexto da legalidade trabalhista, que até então era lhe negado. Considera-se um avanço significativo ao homem do campo esses instrumentos jurídicos, porém ainda faltam algumas implementações contratuais para a efetividade e a plenitude do direito à vida com dignidade ao homem do campo, principalmente quando da regularização fundiária rural e a obtenção do título da terra, especialmente aos posseiros e aos ocupantes de terra pública que vivem uma eterna invisibilidade fundiária.

No Estado do Amapá, o setor agropecuário é constituído basicamente pela agricultura familiar, assim como possui grande potencial extrativista, alicerçado principalmente na exploração da castanha-do-brasil e do açaí. A produção agrícola é formada principalmente pelo cultivo da mandioca, arroz, milho, feijão e frutas regionais, como o cupuaçu, graviola, pupunha, abacaxi, e a acerola.

 Entretanto, essa produção não tem sido regular em decorrência de adoções de práticas de cultivo que vão desde o uso inadequado dos recursos naturais, provocando ao longo dos anos a baixa fertilidade do solo e o aumento de áreas remanescentes de roçados (capoeiras), desorganização da produção, pouca disponibilidade de sementes adequadas, ausência de extensão rural, falta de pesquisa agropecuária, falta de políticas públicas incentivadoras, ausência de regularização fundiária rural, acesso ao licenciamento ambiental, créditos financeiros, dentre outras.

A única legislação a tratar de maneira mais abrangente a Política Agrária, Fundiária, Agrícola e Extrativista Vegetal para o Estado do Amapá é a Lei nº. 0051, de 28 de dezembro de 1992, de autoria do Poder Executivo e ainda em vigência, com praticamente poucos dispositivos em execução.

No Estado do Amapá a estrutura produtiva ainda é incipiente e pouco diversificada, dificultando a escolha de atividades que tenham um máximo de efeitos positivos a curto, médio e longo prazo. Tanto a agricultura quanto a criação de animais (pecuária), apresentam baixa produtividade devido ao baixo nível técnico e tecnológico em que operam.

Por conseguinte, persiste a ausência ou a limitada oferta de frutas, verduras e legumes, cuja demanda é suprida com a importação de tais produtos das demais regiões do país.

A pecuária bubalina e a bovina foram amplamente difundidas e financiadas para os pequenos criadores dos Municípios de Amapá e Tartarugalzinho (Aporema), com o objetivo de promover a melhoria do rebanho existente. Contudo, os resultados observados não foram promissores, haja vista o tipo extensivo com que à pecuária é então realizada. Os produtores financiados não conseguiram saldar suas dívidas com as instituições de crédito, como por exemplo o Banco da Amazônia.

Neste artigo, não foi possível detectar a relação de trabalho que existe no Estado do Amapá e as questões trabalhista por falta de dados nos órgãos que tratam da matéria. Não existe cadastro em nenhum local específico para que se possa tratar da questão do empregador e do empregado rural de forma mais direta e estatística confiáveis, assim como não existe uma lei de política agrícola.

Os dados e amostras, em sua absoluta maioria, são de órgãos federais, como o IBGE, do Ministério da Justiça e de outros órgãos federais.

Dados produzidos pelo Estado do Amapá são praticamente inexistentes, apesar da importância de números que indiquem como está configurada a atividade referente ao trabalho do homem do campo amapaense, e essa situação representa uma lacuna técnica e institucional que carece ser urgentemente revista e sanado pelos próximos governos.

Percebe-se ainda que no Estado do Amapá as informações sobre atividades do Trabalho Rural, em caso de existirem, estão pulverizadas e não são registradas de maneira adequada, pelas diversas instituições que atuam no setor primário, como o Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá (RURAP), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural (SDR), nas 16 Secretarias Municipais de Agricultura e até por Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STTR’s) vinculados a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura do Estado do Amapá (FETTAGRAP).

Depreende-se, portanto, que não ocorrem atividades integradas e planejadas para o médio e longo prazo na agricultura e pecuária do Amapá, apesar do fator de produção “trabalho rural” ser abundante e fundamental na agricultura de baixa intensidade tecnológica.

Por essa razão, faltam informações qualificadas sobre as particularidades das políticas públicas e projetos executados que envolvam a dinâmica do trabalho temporário ou permanente na agricultura comercial, familiar, agroextrativista e demais segmentos do setor primário no Estado do Amapá, fato que provoca uma escassez de base de dados, que possivelmente afeta iniciativas de projetos de investimentos privados e mesmo de políticas públicas mais consistente e eficazes.

Paulo Sérgio Sampaio Figueira.
Advogado com atuação em Direito Ambiental, Agrário e Administrativo. Professor Universitário de Direito Ambiental. Especialização em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental, Mestre em Direito Ambiental; Técnico em Agropecuária em que atuou em extensão rural, graduado em Administração de Empresas, Arquivologia, Ciências Agrícolas. Foi duas vezes Secretário de Estado de Meio Ambiente, sendo Presidente da ABEMA Região Norte e Consultor da Anamma. É membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU, ocupando a função de Vice-Presidente da Comissão Nacional de Regularização Fundiária da UBAU.

 

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