por Evaldo Martins.
Inicialmente, é bom dizer que todos os conflitos sociais derivam de uma divergência de interesses. Isso porque há uma crença enraizada entre as partes em litígio de que para satisfazerem suas necessidades, devem ser sacrificados os interesses do oponente. Nesse sentido, a comunicação ainda é via necessária para que se chegue a um denominador comum, principalmente no que tange as questões relacionadas ao direito de propriedade.
No caso do Piauí e Ceará, o conflito territorial originou-se após a publicação do Decreto Imperial 2012 em 22 de outubro de 1880, que alterou a linha divisória das então duas províncias. A partir desse documento, foi firmado um acordo entre os dois estados em que o Ceará concederia uma parcela do seu litoral para o Piauí, que atualmente representa os municípios de Parnaíba e Luís Correia e como compensação, o Piauí entregaria ao Ceará o território que hoje corresponde o munícipio de Crateús.
Contudo, é imperioso explicar que, de acordo com Barbosa Lima Sobrinho (1946), registros datados desde 1514 apontam que a descoberta do Piauí é mais antiga que esse acordo firmado em 1880, de forma que englobaria inclusive a área litorânea que o Ceará alegava ser sua e foi “trocada” com o Piauí.
Assim, percebeu-se que na divisão realizada não foi feita uma demarcação de forma precisa, o que vem ocasionando indefinições geradoras de litígios entre os dois entes federados.
Diante desse imbróglio, em agosto de 2011, Wilson Martins (PSB), governador do Piauí à época, levou a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF) e através da Ação Civil Ordinária (ACO), o estado solicitou o resgate de uma área de aproximadamente 3.000 km2, que corresponde aos municípios de Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga, Crateús, Luís Correia, Cocal, Cocal dos Alves, São João da Fronteira, Domingos Mourão, Pedro II e Buriti dos Montes. Caso seja acatado o pedido do governo piauiense, o estado do Ceará perderia 66% do município de Poranga, 32% de Croatá, 21% de Guaraciaba do Norte, 18% de Carnaubal, 8% de Crateús, além de 7% de Ipaporanga.
Atualmente, o caso que tem a ministra Cármen Lúcia como relatora, parece estar perto de ser resolvido, haja vista que, foi determinada a realização de análise territorial das áreas em litígio pelo Exército brasileiro, com um custo de R$ 6,9 milhões de reais aos cofres dos Estados envolvidos. O principal recurso técnico utilizado para a perícia será o aerolevantamento da região em conjunto com a medição de pontos em campo.
Segundo o STF, o Piauí já havia efetuado o depósito de metade do valor total da perícia e em petição, solicitou que os custos fossem rateados, já que o resultado beneficiará ambos os estados. Mas o Ceará alegou que o ônus deveria ser somente do Piauí, que requereu a perícia e também, por já ter realizado anteriormente (2011) estudo sobre o mesmo tema pelo IBGE. Para que fosse solucionado de forma imediata o impasse, o estado piauiense depositou o restante do valor, e a ministra determinou o início dos trabalhos.
Embora haja evidente desinteresse do Ceará na realização da perícia, é de suma importância para os dois estados à resolução desse litígio secular. São vários os problemas desencadeados por essa desídia. O primeiro deles é a situação da população da área em litígio, que sofre pela falta de serviços básicos de saúde e de educação, sendo obrigada a procurar assistência do governo cearense. O segundo ponto é a cobrança de impostos estaduais, já que não há segurança jurídica sobre a titularidade de tais áreas, como poderia haver uma cobrança de tais tributos? Qualquer resposta a essa pergunta sem a certeza jurídica da titularidade dessas áreas levaria a violação do principio da legalidade.
Por fim, toda essa situação também compromete o desenvolvimento do agronegócio na região, bem como a geração de empregos e renda que essa extensão territorial poderia trazer para a população local. Frise-se que, mesmo diante do grande potencial energético, das riquezas minerais e dos solos propícios para a agricultura dessa área, ainda existe certo receio por parte dos produtores de realizar investimentos devido às questões fundiárias envolvendo os dois estados do nordeste.
Em vista disso, o que se espera é que a Corte Constitucional decida com a maior brevidade possível a quem pertencem às áreas de litígio para que seja proporcionado o mínimo de dignidade humana a população local e haja uma melhoria socioeconômica na região a parir do desenvolvimento do agronegócio.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
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G1 PI. Portal. Ministra determina que Exército inicie perícia técnica em áreas de litígio entre Piauí e Ceará. Disponível em: < https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2019/05/28/ministra-determina-que-exercito-inicie-pericia-tecnica-em-areas-de-litigio-entre-piaui-e-ceara.ghtml>.
NOTÍCIAS. STF. Ministra determina que Exército inicie perícia em áreas objeto de litígio entre Piauí e Ceará. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=412237>.
ROCHA. Fenelon. STF intima PGE e Exército sobre litígio entre Piauí e Ceará. Disponível em: <https://cidadeverde.com/fenelonrocha/99118/stf-intima-pge-e-exercito-sobre-litigio-entre-piaui-e-ceara>.
SOBRINHO. Barbosa Lima. O devassamento do Piauí. 1946.
Thomaz, Paula. «A Faixa de Gaza do Nordeste». Carta Capital. Disponível em: < https://envolverde.cartacapital.com.br/a-faixa-de-gaza-do-nordeste>.
Vargas. Larissa. 360 anos de naturalidade duvidosa: a disputa secular por terras entre o estado do Ceará e Piauí, seus impasses jurídicos e efeitos sociais. Disponível em : < http://www.lumosjuridico.com.br/2019/06/28/360-anos-de-naturalidade-duvidosa-a-disputa-secular-por-terras-entre-o-estado-do-ceara-e-piaui-seus-impasses-juridicos-e-efeitos-sociais/>.