Direito Agrário

Lei municipal não pode proibir uso de agrotóxicos

Direito Agrário

Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP julgou procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 3.926, de 28 de julho de 2020, do Município de Mairiporã, que “institui e define como zona livre de agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo dos recursos naturais do Município de Mairiporã”.

Segundo o TJSP, “a infringência à competência concorrente já se revela suficiente para impor a decretação de inconstitucionalidade da norma em sua inteireza, uma vez que sua redação determina a supressão total do uso e armazenamento de agrotóxicos em inobservância aos limites da competência concorrente (art. 24, incisos VI e XII, da Constituição Federal, incidente por força do art. 144 da Constituição Estadual; e Tese firmada no Tema 145 pelo STF)“.

Vale lembrar que no sétimo episódio do Projeto “Direito Agrário Levado a Sério”, os professores Albenir Querubini e Francisco Torma trataram do tema ao analisar a competência legislativa em matéria agrária ressaltando que a matéria é agrária (envolvendo a noção de meio ambiente agrária) e de competência federal, confira:

(Fonte: Voto 38672 do TJSP, com informações de Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2021).

Confira a íntegra do julgado:

 

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO No: 38672

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE No: 2259396-89.2020.8.26.0000

COMARCA: São Paulo

AUTOR (S): Prefeito do Município de Mairiporã

RÉU (S): Presidente da Câmara Municipal de Mairiporã

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Pretensão em face da Lei no 3.926, de 28 de julho de 2020, do Município de Mairiporã, que “institui e define como zona livre de agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo dos recursos naturais do Município de Mairiporã”. Alegação de ofensa ao princípio federativo, por desatenção à competência concorrente, ausência de estudo e participação popular, além de vício de iniciativa por ser projeto de origem parlamentar.

Norma contestada veda no Município de Mairiporã o uso e armazenamento de quaisquer agrotóxicos. Matéria envolve direito ambiental e direito à saúde. Competência concorrente dos entes da federação. Existência de Lei Federal (Lei no 7.802/1989) e Lei Estadual (Lei no 17.054/2019) que admitem e normatizam o uso de agrotóxicos. Impossibilidade do Município tornar ilegal atividade lícita vinculada à utilização regulamentada de tais produtos. Competência municipal tão- somente supletiva. Violação ao art. 24, incisos VI e XII, da Constituição Federal, aplicável por força do art. 144 da Constituição Estadual. Contrariedade à Tese firmada pelo STF no Tema 145 de repercussão geral (O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB).

Prévio estudo e participação comunitária. Desnecessidade. Lei discutida não tem potencial de interferir negativamente no meio ambiente.
Alegação da matéria ser de iniciativa exclusiva da Administração. Insubsistência. Aplicação da Tese Firmada pelo STF no Tema 917 de repercussão geral (Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1o, II, “a”, “c” e “e”, da Constituição Federal).

Fixação de prazo de 180 dias para regulamentação da lei pelo Executivo (art. 11). Ofensa ao princípio da separação e harmonia dos poderes. Art. 5o, caput, da Constituição Estadual. Ação procedente.

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido liminar, proposta pelo Prefeito do Município de Mairiporã em face da Lei no 3.926, de 28 de julho de 2020, do Município de Mairiporã, que “institui e define como zona livre de agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo dos recursos naturais do Município de Mairiporã”.

Sustenta o autor: (i) norma impugnada, de autoria de vereador, invade competência privativa da União de legislar sobre direito agrário (art. 22, I, da CF); (ii) temas afetos à saúde e meio ambiente são de competência concorrente de todos os entes federativos (art. 24, VI, VII e XII da CF), mas a norma increpada ultrapassa o limite do interesse local (art. 30, I, da CF) e esbarra em norma federal (Lei no 7.802/89); (iii) tema já regulado no exercício da competência federal; (iv) ausência de prévio estudo e participação popular, em desatenção aos art. 180, I, II e V, e 191 da Constituição Estadual; (v) ingerência na administração local e imposição de obrigações e formas de custeio ao Executivo; (vi) violação aos art. 5o, 25, caput, 37, 47, II, XI, XIV e XIX, alínea “a”; e 144 da Constituição do Estado; (vii) ofensa ao princípio da separação dos poderes; (viii) requer liminarmente a suspensão dos efeitos da lei impugnada.

Determinado o processamento, com a concessão de liminar para suspender a eficácia da norma impugnada (Lei no 3.926, de 28 de julho de 2020, do Município de Mairiporã), até julgamento da ação (f. 30/33).

A Câmara Municipal prestou informações (f. 39/43), sustentando: (i) competência não privativa do Chefe do Executivo; (ii) Legisladores Municipais não podem alterar ou criar estrutura, ou dar atribuição aos órgãos da Administração Pública Municipal, bem como tratar do regime jurídico dos servidores públicos, conforme decidido pelo STF no RE 878911, com repercussão geral; (iii) lei em favor dos produtores rurais do Município.

Noticiado o falecimento do Prefeito Municipal, com pedido de intimação do substituto para assumir o polo ativo da demanda (f. 52/53 e 54).

A Procuradoria-Geral do Estado apresentou manifestação, sustentando: (i) usurpação de competência legislativa federal e estadual pelo ato normativo impugnado, a representar violação ao princípio federativo; (ii) competência concorrente da União, Estados e Municípios; (iii) incidência ao tema da Lei Federal no 7.802, de 11 de julho de 1989, e no exercício da competência legislativa concorrente, o Estado de São Paulo editou a Lei no 17.054, de 6 de maio de 2019; (iv) flagrante inconstitucionalidade da lei municipal que, em evidente dissonância com esses regramentos, veda o uso e o armazenamento de quaisquer agrotóxicos, sob qualquer tipo de mecanismo ou técnica de aplicação, considerando o grau de risco toxicológico dos produtos utilizados, na referida localidade; (v) aplicação da Tese firmada no Tema 145 pelo STF, com repercussão geral.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pela procedência do pedido (f. 67/82).

É o relatório.
A ação é procedente.
De início, a notícia de falecimento do Prefeito Municipal (f. 54), autor da presente ação, não interfere no julgamento, nem exige a intimação do seu substituto, porque inadmissível a desistência (art. 5o da Lei Federal no 9.868/19991), tampouco há necessidade de outro ato processual a ser praticado pelo demandante para a prolação do acórdão.

A norma objeto da arguição está assim redigida:

LEI MUNICIPAL No 3.926, DE 28 DE JULHO DE 2020

“Lei Ana Maria Primavesi”

Institui e define como zona livre de agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo dos recursos naturais no Município de Mairiporã. (Autor: Vereador Doriedson Antonio da Silva Freitas).

O presidente da Câmara Municipal de Mairiporã, Vereador Ricardo Messias Barbosa faço saber que a câmara municipal manteve e eu promulgo, nos termos do inciso IV do artigo 26 da Lei Orgânica do Município, o seguinte dispositivo da Lei nº 3.926, de 28 de julho de 2020:

Art. 1º. Fica instituída e definida como Zona Livre de Agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo dos recursos naturais no Município de Mairiporã.

Art. 2º. Fica vedado o uso e o armazenamento de quaisquer agrotóxicos, sob qualquer tipo de mecanismo ou técnico de aplicação, considerando o grau de risco toxicológico dos produtos utilizados, no Município de Mairiporã.

§ 1º Os insumos com uso regulamentado para a agricultura orgânica, considerados de baixo impacto ambiental e de baixa toxicidade serão autorizados, desde que tiverem em sua composição somente produtos permitidos na legislação e registrados com a denominação de produtos fitossanitários para a agricultura orgânica, com proibição para os insumos que apresentem propriedades mutagênicas ou carcinogênicas.

§ 2º Exclui-se ao definido no caput do art. 2o, o uso de agrotóxicos para a aplicação de medidas de prevenção, detecção precoce, controle e erradicação de espécies exóticas e espécies exóticas invasoras, assim como para fins de restauração ambiental, mediante aprovação do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente – COMDEMA e constante no plano de manejo da unidade de conservação.

Art. 3º. Para os efeitos desta lei, consideram-se:

I – agrotóxicos e afins:

a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; e

b) substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.

II – componentes: os princípios ativos, os produtos técnicos, suas matérias-primas, os ingredientes inertes e aditivos usados na fabricação de agrotóxicos e afins. Art. 4o. Esta lei tem como objetivo:

I – fomentar o desenvolvimento dos setores econômicos voltados para a produção, a comercialização e o uso de produtos fitossanitários, insumos de origens biológicas e naturais, reduzindo a dependência de insumos externos, apropriados para a produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para a segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada; e

II – implementar iniciativas no campo da educação formal e não formal para sensibilizar, capacitar, qualificar e divulgar quanto ao risco e impactos dos agrotóxicos na agricultura, na pecuária, na produção extrativista e nas práticas de manejo dos recursos naturais, promover a qualificação de extensionistas rurais, profissionais de saúde e do meio ambiente, agricultores, consumidores, estudantes e entidades da sociedade civil.

Art. 5º. As pessoas físicas e jurídicas, proprietárias ou possuidores que infringirem as proibições impostas pelo art. 2o desta lei, incorrerão nas seguintes penalidades:

I – advertência para cessar o uso e aplicação;

II – aplicação de multa, em caso de descumprimento da advertência; e

III – aplicação da multa em dobro, em caso de reincidência.

§ 1º Não se responsabilizará pelas penalidades previstas nesta lei o trabalhador empregado e subordinado que esteja cumprindo ordens de superior hierárquico, devendo este esclarecer as informações necessárias para lavratura do auto de infração.

§ 2º Toda infração deverá ser identificada mediante lavratura de auto de infração, nos moldes e parâmetros definidos pela lei municipal vigente.

Art. 6º. Na Zona Livre de Agrotóxicos, buscar-se-á:

I – desenvolver a produção rural orgânica, sustentável e de base agroecológica, com ampliação de tecnologias que permitam a produção primária e a atividade extrativa em equilíbrio ambiental;

II – incentivar o cooperativismo e o associativismo na produção e na comercialização dos produtos agroecológicos;

III – incentivar a prevenção e a recuperação dos recursos hídricos e dos solos; e

IV – criar incentivos fiscais para que os produtores rurais no município logrem, sem prejuízo, a transição para a produção orgânica ou de base agroecológica.

Art. 7º. Fica o Poder Executivo municipal responsável pela fiscalização e aplicação das penalidades e multas previstas nesta lei.

Art. 8º. Os recursos financeiros arrecadados com as multas previstas nesta lei serão destinados integralmente às pastas da saúde e do meio ambiente.

Art. 9º. Qualquer munícipe poderá denunciar as práticas vedadas nesta lei.

Art. 10. Para fins de cumprimento ao previsto nesta lei, será realizado pelo poder público municipal campanhas que visem informar e conscientizar a população em geral sobre o uso e os cuidados nas aplicações de qualquer tipo de produto agrotóxico.

Art. 11. O Poder Executivo municipal regulamentará esta lei no prazo de cento e oitenta dias, contados da data de sua publicação.

Art. 12. Esta lei entra em vigor um ano após a data de sua publicação.

Invoca o autor a ocorrência de vulneração ao princípio federativo, porque apenas a União seria competente para tratar de direito agrário, a teor do art. 22, I, da CF, enquanto os temas referentes à saúde e meio ambiente seriam de competência concorrente entre todos os entes da federação, por força do art. 24, incisos VI, VII e XII, da Constituição da República, disposições aplicáveis aos Municípios por força do disposto no art. 144 da Carta Paulista.

Os mandamentos constitucionais suscitados preconizam:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

XII – previdência social, proteção e defesa da saúde

Artigo 144 da Constituição Estadual – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

A despeito do pronunciamento deste Relator em sede de liminar, neste momento de cognição exaustiva, cabe reconhecer que a norma não atinge especificamente direito agrário, atinente à regulação das relações sociais no âmbito da propriedade rural. Apenas seria possível cogitar da incidência meramente indireta ou reflexa, insuscetível da pretensão declaratória de inconstitucionalidade.

Muito menos a norma em debate viola a competência concorrente para proteção de patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.

Na particularidade da lei contestada, vislumbra-se que se trata primordialmente de direito ambiental e direito à saúde, temáticas em que há competência concorrente dos entes federados, não tendo sido outorgado ao Município o poder de suprimir totalmente o uso de agrotóxicos, conduta legislativa que transforma o lícito em ilícito, como realçado pela Procuradoria Geral de Justiça (f. 74).

Com efeito, no âmbito da competência concorrente, a União estabeleceu normas gerais, conforme dita o § 1o do art. 24 da Constituição Federal, por meio da promulgação da Lei Federal no 7.802/1989 que “dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências”, ocasião em que estatui a competência dos demais entes federados:

Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.

Art. 11. Cabe ao Município legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins” (g.n.).

A Lei Estadual no 17.054, de 06 de maio de 2019, que “dispõe sobre o registro de empresas, o cadastro de produtos e a fiscalização do uso, do consumo, do comércio, do armazenamento, do transporte, da prestação de serviço na aplicação e da destinação de embalagens dos agrotóxicos e afins de uso fitossanitário em área agrícola, altera a Lei no 15.266, de 26 de dezembro de 2013, que dispõe sobre o tratamento tributário relativo às taxas no âmbito do Poder Executivo Estadual, e dá outras providências”, apresenta as seguintes disposições gerais:

Artigo 1º – O registro de empresas, o cadastro de produtos e a fiscalização do uso, do consumo, do comércio, do armazenamento, do transporte, da prestação de serviço na aplicação e da destinação de embalagens dos agrotóxicos e afins de uso fitossanitário em área agrícola serão regidos por esta lei, observando-se, adicionalmente, a legislação federal aplicável.

Artigo 2º – Para os efeitos desta lei, consideram-se:

I – agrotóxicos e afins de uso fitossanitário em área agrícola:

a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens e na proteção de florestas plantadas, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos;

b) as substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento; II – área agrícola: toda propriedade ou estabelecimento localizado na zona rural, bem como cinturões agrícolas, estufas e casas de vegetação de produção agrícola e locais destinados ao armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas e suas embalagens sujeitas a tratamentos de expurgo de pragas e tratamentos quarentenários. 

Artigo 3º -No tocante aos agrotóxicos e afins de uso fitossanitário em área agrícola, compete à Coordenadoria de Defesa Agropecuária efetuar:

I – o cadastro dos produtos para comercialização no Estado de São Paulo;

II – o registro de empresas de produção, formulação, importação, exportação, manipulação, comercialização, armazenamento, recebimento de embalagens vazias e de prestação de serviços na sua aplicação;

III – a fiscalização do uso, do comércio e do armazenamento;

IV – a fiscalização das empresas prestadoras de serviço de aplicação dos produtos;

V – a fiscalização da devolução e da destinação final de embalagens vazias;

VI – a fiscalização e o controle de resíduos nos vegetais e seus subprodutos;

VII – a fiscalização da garantia e validade dos produtos comercializados no Estado de São Paulo.

Parágrafo único -As atribuições definidas por este artigo deverão atender às diretrizes e exigências dos órgãos estaduais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura a partir de informações técnicas acerca do impacto do uso de agrotóxicos.

Artigo 4º – O registro de empresas dar-se-á pela emissão de certificado em modelo próprio, terá validade por 3 (três) anos e poderá ser revalidado por igual período.

§ 1º – Para obter o registro, as empresas deverão apresentar, quando cabível, licença ambiental obtida junto ao órgão estadual competente.

§ 2º – Para o registro de indústrias, postos e centrais de recebimento de embalagens usadas e depósitos de agrotóxicos a granel, será exigida a apresentação da Licença de Operação do empreendimento emitida pela CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo.

§ 3º – Fica dispensada de licenciamento ambiental a atividade de depósito operado por armazenador para uso em propriedade rural, outras modalidades de armazenamento não comercial e a atividade de comércio de agrotóxicos embalados, salvo se houver fracionamento no estabelecimento para comércio.

§ 4º – Qualquer alteração das informações fornecidas para a obtenção do registro de empresas deverá ser comunicada à Coordenadoria de Defesa Agropecuária, no prazo de 30 (trinta) dias.

§ 5º – Esgotado o prazo de validade e não havendo solicitação de revalidação, o registro da empresa será automaticamente cancelado.

Artigo 5º – Os agrotóxicos e afins de uso fitossanitário em área agrícola só poderão ser comercializados, utilizados, armazenados e transportados após obtenção do registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do cadastro na Coordenadoria de Defesa Agropecuária.

§ 1º – O cadastro dar-se-á pela emissão de certificado pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária.

§ 2º – Qualquer alteração no registro do produto nos órgãos federais deverá ser comunicada à Coordenadoria de Defesa Agropecuária, no prazo de 30 (trinta) dias após a sua aprovação.

§ 3º – Possuem legitimidade para solicitar o cancelamento ou a impugnação do cadastro, arguindo fundamentadamente prejuízo ao meio ambiente e à saúde humana e dos animais ou a ineficácia agronômica do produto, as pessoas jurídicas representativas de profissões ligadas ao setor, as Comissões de Saúde, de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Atividades Econômicas da Assembleia Legislativa, e entidades legalmente constituídas para defesa dos interesses relacionados à proteção do consumidor, da agricultura, da saúde, do meio ambiente e dos recursos naturais, cabendo à Secretaria de Agricultura e Abastecimento julgar o mérito da solicitação, ouvidas as Secretarias da Saúde e de Infraestrutura e Meio Ambiente.

§ 4º – Os produtos agrotóxicos e afins de uso permitido no Estado somente poderão ser entregues ao consumo para toda e qualquer forma de aplicação, mediante prescrição de receita agronômica emitida em, no mínimo, 2 (duas) vias, permanecendo uma delas em poder do estabelecimento comercial e à disposição dos órgãos fiscalizadores.

Artigo 6º – O condutor do veículo transportador de produtos agrotóxicos e afins de uso fitossanitário em área agrícola deverá portar e apresentar a nota fiscal ou documento equivalente legalmente admitido quando solicitado pela fiscalização, sem prejuízo das regras e dos procedimentos estabelecidos em legislação específica.

 

Como visto, não se afigura ter sido concedido ao Município o direito de impedir localmente o uso de agrotóxicos, mas sim de normatizar supletivamente sobre os limites de utilização, havendo disposições específicas tanto na lei federal, quanto na norma estadual, que autorizam o manejo e a comercialização dos aludidos produtos químicos.

Em relação à competência concorrente do Município para legislar sobre meio ambiente e controle da poluição, a teor do artigo 24, VI, da CF, firmou o Supremo Tribunal Federal a seguinte Tese no Tema 145 de Repercussão Geral: “O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB)” (RE 586.224, g.n.).

Repisa-se que a Carta Bandeirante impõe aos Municípios de forma abrangente que sejam observados os princípios constitucionais, de modo a autorizar o controle concentrado de constitucionalidade sob tal enfoque.

Pois bem. Sobre o princípio federativo, entalhado no art. 1o da CF2, preleciona Celso Bastos: “A Federação é a forma de Estado pela qual se objetiva distribuir o poder, preservando a autonomia dos entes políticos que a compõem… O acerto da Constituição, quando dispõe sobre a Federação, estará diretamente vinculado a uma racional divisão de competência entre, no caso brasileiro, União, Estados e Municípios (…) Portanto deve o princípio federativo informar o legislador infraconstitucional que está obrigado a acatar tal princípio na elaboração das leis ordinárias, bem como os intérpretes da Constituição, a começar pelos membros do Poder Judiciário” (Curso de Direito Constitucional, 14a edição, p. 145/146).

No mesmo sentir, precedentes deste Órgão Especial mencionados no parecer da Procuradoria Geral de Justiça:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei no 14.222, de 15.08.18, a qual “define as diretrizes para implementação e operacionalização da responsabilidade pós consumo no Município de Ribeirão Preto”. Criação e regulamentação do sistema de “logística reversa”, procedimento para viabilizar a coleta de resíduos sólidos oriundos do consumo de produtos potencialmente causadores de dano ao meio ambiente, para seu posterior reaproveitamento pelo setor empresarial ou destinação a local ambientalmente adequado. Competência legislativa. Norma versando sobre proteção ao meio ambiente. Violação à repartição constitucional de competências legislativas. Não observados os dois requisitos fixados pelo Eg. STF para a atuação legislativa do Município em questões ambientais (Tema no 145): (i) o interesse local e (ii) a harmonia entre a lei municipal e as regras editadas pelos demais entes federativos. A lei impugnada cria regras de nítido caráter geral, que não atendem a qualquer peculiaridade do Município de Ribeirão Preto. Usurpada competência da União para instituir regras gerais sobre a matéria (art. 24, VI e §1o da CF). Ademais, a norma está em manifesto desacordo com Lei Federal no 12.305/10 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos) e o Decreto Federal no 7.407/10, ampliando em exagero o rol de produtos sujeitos à logística reversa e alterando significativamente o rígido procedimento instituído pelas normas federais para ampliação desse rol. Não observados os requisitos para o exercício da competência legislativa suplementar do Município. Violação ao pacto federativo (art. 144 da CE). Causa petendi aberta. Possível análise de outros aspectos constitucionais da questão. Organização administrativa. Cabe ao Executivo a gestão administrativa. O sistema de logística reversa guarda estreita relação com questões de saneamento, limpeza e saúde pública, sendo típica matéria de natureza administrativa. Desrespeito ao princípio constitucional da ‘reserva de administração’ e separação dos poderes. Afronta a preceitos constitucionais (arts. 5o; 47, inciso XIV e 144 da Constituição Estadual). Ação procedente (ADI no 2216245-44.2018.8.26.0000, Rel. Des. EVARISTO DOS SANTOS, j. 20.02.2019).

Ação Direta de Inconstitucionalidade Impugnação da Lei Municipal no 4.838, de 12 de fevereiro de 2014, do Município de Taubaté Proibição do uso de herbicidas e agrotóxicos em geral para capina química Projeto de ordem parlamentar que invade a competência do chefe do Executivo Ingerência na administração local Vício de iniciativa Princípio da independência dos poderes afetado Inexistência de indicação dos recursos disponíveis Ofensa aos artigos 5o, 25 ‘caput’, 37, 47 e 144, da Constituição do Estado Inconstitucionalidade declarada Ação Direta de Inconstitucionalidade procedente (ADI no 2050858-16.2014.8.26.0000, Rel. Des. ADEMIR BENEDITO, j. 22.10.2014).

O autor suscita também falta de prévio estudo e participação popular, omissão que estaria em vilipêndio aos artigos 180, I, II, III e V, e 191 da Constituição Estadual, os quais estabelecem:

Artigo 180 – No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I – o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes

III – a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural;

Artigo 191 – O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Ocorre que a lei fustigada não tem o condão de contrariar a preservação e recuperação do meio ambiente, para que fosse necessária a instauração de prévio estudo técnico e debate comunitário sobre eventuais efeitos nocivos. Ou seja, afigura-se de plano que a forma como se deu a tramitação do projeto legislativo de que derivou a norma sub judice não implicou vulneração aos aludidos dispositivos da Constituição Estadual.

O autor ainda argumenta que a norma ostenta vício formal subjetivo, porque a iniciativa parlamentar representa ingerência indevida na administração local, ao impor obrigações e formas de custeio ao Executivo.

Com supedâneo em tal motivação, foram invocados os seguintes artigos da Constituição Estadual:

Artigo 5º – São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Artigo 25 – Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Artigo 37 – O Poder Executivo é exercido pelo Governador do Estado, eleito para um mandato de quatro anos, podendo ser reeleito para um único período subsequente, na forma estabelecida na Constituição Federal. (NR)

Artigo 47 -Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

XI -iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

XIX – dispor, mediante decreto, sobre: (NR)

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos; (NR)

 

Mesmo a ausência de indicação específica da fonte de custeio é insuscetível de macular, por si só, o art. 25 da Constituição Estadual3. Pode ocorrer apenas da norma se tornar inexequível no exercício em que se iniciou sua vigência. Nesse sentido, precedente deste Órgão Especial:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei no 4.126, de 10 de agosto de 2018, que “Institui o Plano Municipal para humanização do parto e dispõe sobre a administração de analgesia em partos naturais de gestantes da cidade de Mirassol e dá outras providências”. (…) FALTA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA ESPECÍFICA: Não verificação. Não é inconstitucional a lei que inclui gastos no orçamento municipal anual sem a indicação de fonte de custeio em contrapartida ou com seu apontamento genérico. Doutrina e jurisprudência, do STF e desta Corte. AÇÃO PROCEDENTE (ADI no 2001373-71.2019.8.26.0000, Rel. Des. BERETTA DA SILVEIRA, julgada em 22.05.2019, g.n.).

Sobre os limites para deflagração de projeto de lei, cabe trazer a lição de Hely Lopes Meirelles: “Leis de iniciativa exclusiva do Prefeito são aquelas em que só a ele cabe o envio do projeto à Câmara. Nessa categoria estão as que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entidades da Administração Pública Municipal; a criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica, fixação e aumento de sua remuneração; o regime jurídico dos servidores municipais; e o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, os orçamentos anuais, créditos suplementares e especiais” (Direito Municipal Brasileiro, 15a edição, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, p. 732-33).

O ensinamento está em consonância com a tese firmada pelo STF quando do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) no 878911 pela técnica da repercussão geral (Tema 917): “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1o, II, “a”, “c” e “e”, da Constituição Federal)”.

Diante desse cenário, a iniciativa parlamentar não viola a competência privativa da Administração. Apenas a fixação de prazo de 180 dias, contados da publicação, para a regulamentação da norma pelo Chefe do Executivo (art. 11 da norma contestada), ofende o princípio de independência e harmonia entre os Poderes na esfera municipal (art. 5o, caput, da Constituição Estadual), uma vez que não há hierarquia capaz de autorizar a imposição de prazo para regulamentação administrativa da lei.

Nesse sentido também precedente deste Órgão Especial mencionado pela Procuradoria Geral de Justiça:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR No 957/2014, DO MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ, DE INICIATIVA PARLAMENTAR – FIXAÇÃO DE PRAZO RÍGIDO PARA REGULAMENTAÇÃO PELO EXECUTIVO – INADMISSIBILIDADE – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – ENTENDIMENTO DESTE ÓRGÃO ESPECIAL – INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA APENAS DA EXPRESSÃO “NO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS, A CONTAR DA SUA PUBLICAÇÃO” CONTIDA NO ARTIGO 2o, DA LEI MUNICIPAL – AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE (ADI no 2178107-08.2019.8.26.0000, Rel. Des. FERRAZ DE ARRUDA, j. 07.11.2018).

De todo modo, a infringência à competência concorrente já se revela suficiente para impor a decretação de inconstitucionalidade da norma em sua inteireza, uma vez que sua redação determina a supressão total do uso e armazenamento de agrotóxicos em inobservância aos limites da competência concorrente (art. 24, incisos VI e XII, da Constituição Federal, incidente por força do art. 144 da Constituição Estadual; e Tese firmada no Tema 145 pelo STF).

Ante o exposto, julga-se procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei no 3.926, de 28 de julho de 2020, do Município de Mairiporã, que “institui e define como zona livre de agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo dos recursos naturais do Município de Mairiporã”.

 

JAMES SIANO

Relator

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade no 2259396-89.2020.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MAIRIPORÃ, é réu PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE MAIRIPORÃ.

ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (Presidente), CLAUDIO GODOY, SOARES LEVADA, MOREIRA VIEGAS, COSTABILE E SOLIMENE, CAMPOS PETRONI, CHRISTINE SANTINI, LUIS SOARES DE MELLO, RICARDO ANAFE, XAVIER DE AQUINO, DAMIÃO COGAN, MOACIR PERES, FERREIRA RODRIGUES, MÁRCIO BARTOLI, JOÃO CARLOS SALETTI, FRANCISCO CASCONI, RENATO SARTORELLI, CARLOS BUENO, FERRAZ DE ARRUDA, ADEMIR BENEDITO, ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ, ALEX ZILENOVSKI, CRISTINA ZUCCHI E JACOB VALENTE.

São Paulo, 23 de junho de 2021.

JAMES SIANO

RELATOR

Assinatura Eletrônica