Direito Agrário

Inflação Assola o Produtor de Orgânico

por Décio Michellis Jr.

 

 

“Sempre achei que um dos mais graves problemas dos subdesenvolvidos é a sua incompetência na descoberta dos verdadeiros inimigos. Assim, por exemplo os responsáveis pela nossa pobreza não são o liberalismo, nem o capitalismo, em que somos noviços destreinados, e sim a inflação, a falta de educação básica e um assistencialismo governamental incompetente, que faz com que os assistentes passem melhor que os assistidos. Os inimigos do desenvolvimento não são os entreguistas, que, aliás, só poderiam entregar miséria e subdesenvolvimento, e sim os monopolistas, que cultivam ineficiências e criaram uma nova classe de privilegiados – os burgueses do Estado. Os promotores da inflação não são a ganância dos empresários ou a predação das multinacionais, e sim esse velho safado, que conosco convive desde o albor da República – o déficit do setor público.

A doença brasileira não é do setor privado, é do setor público. E essa doença se revela através do déficit fiscal”

(Roberto Campos)

 

O Dilema da Produção de Orgânicos no Brasil

A Deutsche Welle (DW) publicou um artigo muito interessante de autoria de Kathrin Wesolowski com o título “O dilema da produção de orgânicos no Brasil”, disponível clique aqui. Leitura recomendada.

Apresenta o dilema dos pequenos produtores rurais de orgânicos no interior da Bahia que apesar de venderem com certificado de comércio justo (Fairtrade), não recebem o suficiente para cobrir despesas e se sustentar.

“Com a guerra na Ucrânia e a inflação, a taxa de câmbio do dólar caiu significativamente. As despesas com as quais os agricultores devem arcar antes da produção efetiva aumentaram em até 80%” (Aldo Souza)

Inflação

A inflação é um aumento geral nos preços de bens e serviços em uma economia. Quando os preços aumentam, cada unidade de moeda compra menos bens e serviços, ou seja, a inflação corresponde a uma redução do poder de compra do dinheiro.

Possíveis Causas da Inflação

Quem Ganha

Quem Perde

O dinheiro perde valor com o aumento da inflação. O aumento da renda não acompanha as variações então as pessoas perdem o chamado poder de compra. O aumento dos preços aumenta as incertezas econômicas disparando efeitos negativos:

Agricultura Orgânica

O sistema agroecológico determina uma produtividade que mantenha e conserve o solo explorado, as interações ecológicas naturais, mesclando o crescimento econômico com a qualidade de vida, proporcionando menor uso de agroquímicos.

“Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente.” (Art. 1º da Lei Nº 10.831 de 23 de Dezembro de 2003 “Dispõe sobre a agricultura orgânica e dá outras providências.”)

O conceito de alimentos orgânicos se estende também à pecuária (em que o gado deve ser criado sem remédios alopáticos ou hormônios), bem como ao processamento de todos os seus produtos: alimentos orgânicos industrializados também devem ser produzidos sem produtos químicos artificiais, como os corantes e aromatizantes artificiais.

Mercado

Brasil

Global

2022: U$ 199,2 bilhões (estimado).

2030: U$ 497,3 bilhões (estimado).

Vantagens

Os defensores da agricultura orgânica reivindicam vantagens em sustentabilidade:

Desvantagens

Preços Mais Elevados

Mais dispendiosa e demorada. Produtos com maior valor repassado/mais caros que os convencionais. Para explicar de forma resumida, apresentamos os principais fatores que geram essa diferença nos preços:

Certificação

A Certificação de Produtos Orgânicos é o procedimento em que uma certificadora credenciada pelo MAPA e acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), assegura por escrito que determinado produto, processo ou serviço obedece aos requisitos da produção orgânica, através da emissão de um certificado.

A certificação geralmente é apresentada com um selo no rótulo ou embalagem do produto, assegurando assim que os produtos rotulados foram produzidos de acordo com as normas e práticas da agricultura orgânica.

A certificação é obtida através de uma certificadora credenciada no MAPA, que fará visitas periódicas ao produtor e sua produção.

Legislação Nacional Aplicável

O Sri Lanka e Suas Prioridades Utópicas

Na campanha eleitoral presidencial de 2019, o presidente Gotabaya Rajapaksa propôs uma transição nacional de 10 anos para a agricultura orgânica para declarar o Sri Lanka como a primeira nação a ser conhecida por seus produtos orgânicos.

Em 27 de abril de 2021, o país emitiu uma ordem proibindo a importação de quaisquer pesticidas ou fertilizantes inorgânicos, criando caos entre os agricultores. A decisão precipitada foi recebida com críticas da indústria agrícola, prejudicando os rendimentos das principais culturas. O país não teve capacidade de produzir fertilizante orgânico suficiente internamente e a agricultura orgânica era mais cara e complexa do que a agricultura convencional. 7,4% do PIB do Sri Lanka depende da agricultura e 30% dos cidadãos trabalham neste setor. Mais de 90 por cento dos agricultores do Sri Lanka usavam fertilizantes químicos antes de serem proibidos. Depois que eles foram banidos, 85% sofreram perdas nas colheitas.

A produção de arroz caiu 20% nos primeiros seis meses da proibição e os preços aumentaram cerca de 50%. O país teve que importar US$ 450 milhões em arroz para atender à demanda doméstica. A proibição criou uma dependência crítica de suprimentos de fertilizantes orgânicos importados, mas os preços dos alimentos já haviam dobrado em alguns casos. Em setembro de 2021, o governo declarou estado de emergência econômica, citando o impacto da proibição nos preços dos alimentos, bem como a inflação da desvalorização da moeda do Sri Lanka devido à queda da indústria do chá e à falta de turismo induzida pelas restrições do COVID-19.

Em novembro de 2021, o país suspendeu parcialmente a proibição da agricultura inorgânica para certas culturas importantes, como borracha e chá, e começou a oferecer compensações e subsídios a agricultores e produtores de arroz na tentativa de cobrir as perdas.

As consequências foram catastróficas. Tornar-se orgânico desencadeou a devastação da economia do Sri Lanka, mergulhando grande parte de sua população de 22 milhões de pessoas em uma situação desesperadora. O caos tomou conta do país – incluindo pobreza crescente, longas filas para o essencial, batalhas de rua letais e ataques às casas de líderes do governo.

“A nação do Sri Lanka teve uma classificação ESG quase perfeita de 98,1 em uma escala de 100” (David Blackmon, Forbes), e “o governo que forçou a nação a atingir essa meta de sinalização de virtude nos últimos anos como resultado entrou em colapso”. O Sri Lanka, em outras palavras, oferece uma prévia sombria do que pode resultar da distorção dos mercados em nome de prioridades utópicas.

A pressa da proibição e pela dificuldade de obter alternativas orgânicas suficientes foram desastrosas. A ideia de que a agricultura orgânica pode produzir comida suficiente para o mundo é uma fantasia inalcançável baseada na falácia naturalista – a noção infundada de que qualquer coisa moderna, como a agricultura incorporando componentes não naturais produzidos pela engenhosidade do homem, deve ser inferior ao precursor totalmente natural. “Não há literalmente nenhum exemplo de uma grande nação produtora de agricultura fazendo uma transição bem-sucedida para uma produção totalmente orgânica ou agroecológica” (Ted Nordhaus e Saloni Shah)

Segurança Alimentar

“Estado existente quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico e econômico a uma alimentação que seja suficiente, segura, nutritiva e que atenda às necessidades nutricionais e preferências alimentares, de modo a propiciar vida ativa e saudável.” (FAO – Organização das nações Unidas para Agricultura e Alimentação)

A produção agrícola é uma das atividades econômicas de maior risco. Existem diversos fatores que podem influenciar no preço de um produto, dependendo de cada região, que são difíceis de controlar.

Riscos Financeiros: baixa repentina nos preços, problemas de fluxo de caixa, crédito rural, aumento na taxa de juros, alterações de requisitos e garantias para acessar financiamentos, redução da oferta de crédito aos agricultores e outros fatores do custo de produção. Quando o custo aumenta pelo incremento dos preços dos insumos e serviços para produzir algo, a margem de lucro do agricultor reduz.

Riscos Laborais e Humanos: (in)disponibilidade de mão de obra, lesões nos olhos, queimaduras, cortes nas mãos, intoxicações por agroquímicos, doenças ocupacionais relacionadas ao trabalho, acidentes, contaminações e até mortes relacionadas ao processo produtivo aos quais estão expostos os agricultores e seus funcionários.

Riscos Climáticos: seca inesperada, inundações, uma geada forte, ondas de calor, uma quebra de safra e incêndios.

Riscos Institucionais: mudanças inesperadas nos governos e em suas políticas, alterações na legislação, acordos comerciais públicos, relações exteriores e outras ações relacionadas a diferentes instituições, que podem afetar o desempenho do setor agrícola.

Riscos Biológicos: pragas, doenças e os vetores contaminantes de alimentos – são os microrganismos (protozoários, fungos, bactérias e vírus), principais causas de contaminação de alimentos e causadores de toxi-infecções alimentares.

Riscos Físicos: corpos estranhos como pedaços de metal, pedaços de borracha, pedaços de plástico, areia, parafusos, pedaços de madeira, cacos de vidro ou pedras pode ocorrer uma contaminação física no produto.

Riscos Químicos: compostos químicos tóxicos, irritantes ou que não. Podem ser: agroquímicos, rodenticidas, hormônios (sintéticos), antibióticos, detergentes, metais pesados, óleos lubrificantes, inseticidas, herbicidas, dentre outros agentes para controles de pragas na agricultura. Desde o momento da produção até o consumo, os alimentos estão sujeitos à contaminação química. A contaminação pode ser ocasionada também pela contaminação do solo com metais pesados ou por dioxinas e alguns poluentes orgânicos persistentes, que são capazes de serem levados pelo ar.

ESG e Agricultura Orgânica

“A governança ambiental, social e corporativa (ESG – do inglês Environmental, Social, and Corporate Governance) é uma estrutura projetada para ser incorporada à estratégia de uma organização que considera as necessidades e formas de gerar valor para todas as partes interessadas da organização (como funcionários, clientes e fornecedores e financiadores)” (Wikipedia). Em tese permitiria avaliar os riscos e oportunidades materiais (avaliação de valor) relacionados à sustentabilidade (em relação a todas as partes interessadas) relevantes para uma empresa ou organização com maiores retornos ajustados ao risco de longo prazo. Inclui entre outras, as seguintes dimensões:

Os profissionais de sustentabilidade e ESG acreditam no trabalho que realizam e procuram fazer deste mundo um lugar melhor para se viver. As estruturas ESG/Sustentabilidade podem ajudar as empresas a evitar vários riscos reputacionais, políticos e até financeiros, impulsionando valores de longo prazo para o acionista. “Qualquer um que deseja que o mundo seja um lugar melhor, deve conseguir pensar como um economista” (Diane Coyle).

Um número crescente de empresas (inclusive no Brasil) está se libertando dos benefícios irrelevantes e inoportunos das práticas do:

O produtor de orgânico é o elo mais frágil na cadeia produtiva: geralmente faz uso de mão de obra familiar/poucos funcionários e com mecanização baixa ou inexistente.

Cooperativas, distribuidores, atacadistas e comercializadores tem um papel fundamental na valorização e na inserção no comercio justo e aplicação dos princípios ESG.

Cadeia Produtiva

Cadeia produtiva é um conjunto de etapas consecutivas, ao longo das quais os diversos insumos sofrem algum tipo de transformação, até a constituição de um produto final (bem ou serviço). Trata-se, portanto, de uma sucessão de operações de produção, transporte, comercialização e armazenem de produtos orgânicos integradas.

O Agronegócio é uma das cadeias produtivas mais relevantes para a economia brasileira. As operações e componentes mais visíveis são:

Mas incluem também:

Comércio Justo

Comércio justo (fair trade) é um movimento social e uma modalidade de comércio internacional que busca o estabelecimento de preços justos, bem como de padrões sociais e ambientais equilibrados nas cadeias produtivas, promovendo o encontro de produtores responsáveis com consumidores éticos. É um dos pilares da sustentabilidade econômica e ecológica ou econológica.

Este comércio onde o produtor recebe remuneração justa por seu trabalho dá especial atenção às exportações de países em desenvolvimento (Brasil incluso) para países desenvolvidos, como produtos agrícolas. São consumidores preocupados com a sustentabilidade e que optam por comprar produtos vendidos através do comércio justo. Para pequenos produtores permite viverem com dignidade (criando os meios e oportunidades para melhorar as condições de vida e de trabalho) ao optarem pela agroecologia, como a agricultura orgânica.

“Todas as organizações envolvidas no circuito do Comércio Justo devem obedecer aos seguintes princípios (Wikipédia):

Porém, grandes varejistas optaram por buscar sempre preços mais baixos, abrindo espaço para rótulos que não são orgânicos, mas que passam uma mensagem semelhante.

E o desafio está cada vez maior considerando que a oferta atual de produtos orgânicos superou a demanda.

Sustentabilidade da Produção Orgânica

Com tripé da sustentabilidade (social, ambiental e econômico) em desequilíbrio, o aspecto social está se transformando apenas num discurso enquanto as famílias produtoras de orgânico empobrecem.

A produção orgânica sem geração de renda líquida positiva – a conta não fecha se o produtor não cobrir seus custos de produção – não é sustentável. A defesa da sustentabilidade exige ações reais na defesa da recomposição da atratividade da atividade e de melhor qualidade de vida.

Fatores Críticos de Sucesso

Conclusões

“O inferno são os Outros” (Jean-Paul Charles Aymard Sartre). Muito do que padecemos é o resultado do nosso encontro com a alteridade – todo o ser humano social interage e é interdependente do outro, o seu próximo – processo nem sempre tranquilo e harmonioso.

A vitimização do produtor de orgânico (o processo de ser vitimizado ou se tornar uma vítima): aquele que sofre impactos negativos, físicos, emocionais ou financeiros diretos ou ameaças como resultado de um ato de outras pessoas, não parece ser um bom caminho. Buscar produtividade e lucratividade maiores é um dos principais objetivos do produtor de orgânico.

O agricultor deve estar sempre atento aos novos parâmetros e métodos que vão surgindo com as novas pesquisas e tecnologias, como a análise da atividade biológica do solo. Deve gerenciar os diferentes custos envolvidos com: Adubação; Alternativas com potencial para gerar a redução de custos ou ainda aumentar a rentabilidade do seu negócio; Defensivos; Financeiros e Administrativos; Inoculação direta dos microrganismos – os biofertilizantes podem ser uma importante ferramenta para alcançar o aumento da atividade biológica do solo; e suas Operações.

Mais do que parecer, é importante ser sustentável e socioambientalmente responsável, tendo por objetivo iniciativas cuja efetividade sejam inquestionáveis, mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV). As empresas que usam termos como ‘verde’, ‘amiga do meio ambiente’ ou ‘sustentável’ devem apoiá-los com relatórios científicos, endossos ecologicamente corretos, informações transparentes da cadeia de suprimento e certificação respeitável de terceiros ou outras formas de evidência.

Exige um comprometimento cada vez maior com a inovação e a competitividade não só econômica, mas também socioambiental. Precisamos de mais tecnologia (muito mais mesmo, um choque tecnológico), de novos modos de geração e distribuição de conhecimento, de regulação flexível, diversidade tecnológica, e aumento da capacidade de observação e aprendizado sobre impactos socioambientais das novas tecnologias de produção orgânica e da economia circular.

Invente, tente, faça diferente… A tecnologia é o instrumento mais democratizante no mundo!

Decio Michellis Jr. – Licenciado em Eletrotécnica, com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura, extensão em Gestão de Recursos de Defesa e extensão em Direito da Energia Elétrica, é Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.