Devido processo legal e fiscalização sanitária: TRF4 cancela multa aplicada a empresa acusada de fraudar leite pois a coleta da amostra não observou o prazo do manual de procedimentos do Ministério da Agricultura
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O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) cancelou uma multa de R$ 31 mil aplicada pelo Ministério da Agricultura à indústria de laticínios LTV, que tem sede no município de Guaporé (RS). A empresa foi autuada por suspeita de alteração no leite comercializado. A 3ª Turma entendeu que a análise que apontou a fraude foi realizada fora do prazo legal e, portanto, não pode ser considerada como prova. A decisão foi proferida na última semana e reformou sentença de primeiro grau.
Em junho de 2013, a LTV foi multada em virtude do resultado de uma análise laboratorial realizada dois meses antes. Na ocasião, o leite coletado foi considerado fora dos padrões legais em relação à densidade e ao extrato seco desengordurado.
Na inspeção de densidade, foi encontrado o resultado de 1,026 g/mc³, quando o admitido pela legislação é de 1,028 g/cm³. Em relação ao extrato seco desengordurado, a análise apontou 8,3%, quando o aceito é 8,5%. Devido às diferenças, a sanção foi aplicada.
A LTV ajuizou ação solicitando o cancelamento da multa. A empresa alegou que a análise das amostras só foi realizada 26 dias após a coleta, o que contraria as regras previstas no manual de procedimentos do Ministério da Agricultura, que estipula um prazo máximo de 15 dias.
A Justiça Federal de Porto Alegre julgou a ação improcedente e manteve a sanção. A empresa autora recorreu contra a sentença.
Por unanimidade, a 3ª Turma reformou a decisão de primeira instância e cancelou a multa. Para a relatora do processo, desembargadora federal Marga Inge Barth Tesslet, ‘o laboratório fez a análise fora do prazo regulamentar e em nenhum momento a LTV autorizou esta flexibilização’”.
LTV INDUSTRIA, TRANSPORTE E COMERCIO DE LATICINIOS EIRELI
ADVOGADO
:
Jader da Silveira Marques
APELADO
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ajuizada por LTV IND. TRANSP. COM. LATICÍNIOS LTDA. contra a UNIÃO, objetivando a declaração de nulidade do Auto de Infração nº 147/SELEI/2013. De acordo com o narrado na inicial, em junho de 2013, a autora foi autuada em virtude de resultado de análise laboratorial de amostra de leite cru refrigerado coletada em abril do referido ano, que foi considerada fora dos padrões legais em relação aos níveis de Densidade e Extrato Seco Desengordurado. Constou da análise que, em relação à densidade, foi encontrado o resultado de 1,026 g/cm3 quando o admitido pela legislação seria de 1,028 g/cm3 (diferença de 0,02 g/cm3 do permitido). Em relação ao extrato seco desengordurado, foi encontrado o índice de 8,3% quando o admitido pela legislação seria 8,5% (diferença de 0,2% do permitido). Por conta disso, foram aplicadas duas multas à parte autora que somam o montante de R$ 31.297,04.
Processado o feito, sobreveio sentença que julgou o pedido improcedente. Condenou a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 15% sobre o valor da causa, atualizável pela TR desde a data do ajuizamento da ação.
A parte autora apelou. Preliminarmente pugna pelo julgamento do agravo retido interposto, alegando a necessidade de prova testemunhal e esclarecimento do perito. No mérito, defende que as multas aplicadas são nulas por não ter sido oportunizada a contraprova, exemplificando com o julgado pelo TRF4 no AI 5017844-35.2014.404.0000. Alega também nulidade da penalidade por incompetência do agente de inspeção (desvio de poder), uma vez que as coletas foram todas realizadas por agente de inspeção e não fiscal fazendário agropecuário. Sustenta ser imprestável a análise laboratorial realizada fora do prazo, sendo que foi feita a coleta do leite em 04/04/2013 e, somente em 30/4/2013, o leite foi submetido à análise. Assim, no próprio campo 27 (observações) consta a observação de que ‘devido a grande demanda não foi possível realizar ensaio dentro do prazo de validade‘. Alega ainda nulidade do processo administrativo porque não foi observado o rito previsto no art. 22 da Lei nº 6.437/1977, segundo o qual, antes do julgamento da impugnação do infrator deverá a autoridade julgadora ouvir o servidor autuante, que terá o prazo de dez dias para se pronunciar a respeito.
Com contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
Agravo retido
Alega o agravante a necessidade de prova testemunhal, com esclarecimento do perito quanto aos termos da perícia e necessidade de oitiva do agente autuante, mostrando-se ambas imprescindíveis ao deslinde da causa.
Na decisão do evento 33, o juízo recorrido postergou a análise quanto ao pedido de prova oral para após a realização da perícia. E, após a apresentação do laudo pericial, em decisão do evento 81, o juízo indeferiu o pedido de prova oral formulado no evento 27, ‘tendo em vista que o deslinde da demanda prescinde de realização de prova oral (…) a prova técnica já produzida basta para o julgamento do feito‘.
Incumbe ao magistrado aferir, motivadamente, a necessidade ou não de produção de prova, sendo do livre convencimento do Juiz o deferimento de pedido para a produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide. Ademais, não há que se falar em necessidade de produção de provas quando o conjunto probatório dos autos é suficiente à valoração e formação da convicção do magistrado, nos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil.
De acordo com reiterada jurisprudência do STJ, ‘a tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões determinantes de decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese em que não há que se falar cerceamento de defesa.’ (STJ – AGRESP – 839217, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, DJ 02/10/2006), e ‘Sendo o juiz o destinatário final da prova, cabe a ele, em sintonia com o sistema de persuasão racional adotado pelo CPC, dirigir a instrução probatória e determinar a produção das provas que considerar necessárias à formação do seu convencimento.’ (STJ – RESP – 844778, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 26/03/2007).
Do exposto, nego provimento ao agravo retido.
Mérito
Por ocasião do agravo de instrumento nº 5017844-35.2014.404.0000/RS, interposto em face de decisão que indeferiu o pedido de tutela antecipada nos presentes autos, assim me manifestei em decisão monocrática, posteriormente confirmada pela Turma em julgamento, no sentido de deferir a antecipação de tutela recursal, a fim de suspender a multa aplicada:
‘(…)
É o relatório. Decido.
Para a antecipação dos efeitos da tutela, o artigo 273 do Código de Processo Civil exige a concorrência de dois pressupostos – a verossimilhança das alegações que fundamentam o pedido e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Primeiramente, quanto à verossimilhança das alegações:
O Decreto nº 30.691/1952 aprova o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal.
Quanto à inspeção industrial e sanitária de leite e derivados, referido decreto, em seu artigo 536, determina que ‘dada a imprecisão das provas de rotina, só poderá ser considerado anormal, e desse modo condenado por fraude, o leite que se apresente fora do padrão no mínimo em 3 (três) provas de rotina ou em 1 (uma) de rotina e 1 (uma) de precisão’.
O artigo 848, §2º, do mesmo Decreto n.º 30.691/1952, estatui que, sempre que o interessado desejar, a amostra pode ser coletada em triplicata, com os mesmos cuidados de identificação, ‘representando uma delas a contra prova que permanecerá em poder do interessado, lavrando-se um termo de coleta em duas vias, uma das quais será entregue ao interessado’.
Disposição semelhante se encontra no artigo 27 da Lei nº 6.437/1977 (Configura infrações à legislação sanitária federal, estabelece as sanções respectivas, e dá outras providências.), cujo parágrafo quarto estabelece que ‘o infrator, discordando do resultado condenatório da análise, poderá, em separado ou juntamente com o pedido de revisão da decisão recorrida, requerer perícia de contraprova, apresentando a amostra em seu poder e indicando seu próprio perito’.
Alega a agravante que é evidente a regra da contraprova e aplicação dos dispositivos legais (536 do Decreto 30.691/52 – RISPOA, e 27 da Lei 64377/77).
Entendeu a decisão ora recorrida que ‘(…) apesar destas previsões, a parte autora não demonstrou ter efetivado requerimento a respeito da contraprova nos termos em que lhe faculta o regulamento, nem ter requerido, no prazo de 48 horas, a análise da contraprova…’
Sobre a inexistência de requerimento, entendo plausível que pareça evidente que o pedido de contraprova nasce da coleta em triplicata. Não há como requerer contraprova se, desde o início, a Solicitação Oficial da Análise já informa que não foram colhidas amostras suficientes para permitir a contraprova.
Além disso, alega o agravante que é imprestável a análise feita acerca do leite coletado em 04/04/2013, pois somente em 30/04/2013 o leite foi submetido à análise.
O Manual de Procedimentos do Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC), em sua página 18, é claro, quanto aos prazos de Análises, que o laboratório tem prazo máximo de 15 dias úteis, a contar da data de cadastro da amostra pela recepção do laboratório para emitir e expedir o COA – Certificado Oficial de Análise.
Assim, o exame de laboratório excedeu o prazo fixado em Lei (15 dias), o que por si só macula todo o procedimento.
Não se está a examinar outras ocorrências, que são independentes e não estão em causa.
Quanto à urgência da antecipação, parece claro, também, ante a iminência da cobrança das multas aplicadas.
Destarte, defiro a antecipação de tutela recursal para suspender a multa.’
No referido agravo de instrumento, em uma análise liminar demandada por tal fase processual, ative-me às alegações quanto ao pedido de contraprova (e a relação com a triplicata, prevista no Decreto 30.691/52), bem como quanto ao excesso de prazo para análise da amostra, salientando, quanto a esse último aspecto, que macularia todo o procedimento.
Revejo, em parte, meu posicionamento.
Realização de contraprova
No tocante à questão da contraprova, em uma análise mais detida dos autos, verifico que o Decreto 5.741/2006, instrumento legal posterior ao Decreto 30.691/52 (que dispõe sobre a triplicata e a contraprova da amostra), dispõe, em seu artigo 91, que é afastada a necessidade de realização de contraprova quando se tratar de riscos associados a animais, vegetais e produtos agropecuários perecíveis, no que se enquadra o leite. É do teor do referido artigo 91:
Art. 91. As autoridades competentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como Instância Central e Superior, regulamentarão os procedimentos de contraprovas e estabelecerão procedimentos adequados para garantir o direito de os produtores de animais, vegetais, insumos, inclusive alimentos para animais, produtos de origem animal e vegetal, cujos produtos sejam sujeitos à amostragem e à análise, solicitarem o parecer de outro perito credenciado, na forma regulamentada, sem prejuízo da obrigação das autoridades competentes tomarem medidas rápidas, em caso de emergência.
Parágrafo único. Não se aplicam os procedimentos de contraprova e parecer de outro perito, quando se tratar de riscos associados a animais, vegetais e produtos agropecuários perecíveis.
Assim, as alegações do apelante, no tocante à necessidade de contraprova, não subsistem, face à disposição específica operada por Decreto posterior.
Prazo máximo para as análises
O Manual de Procedimentos do Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC), em sua página 18, dispunha, quanto aos prazos para análises, que o laboratório tem prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis, a contar da data de cadastro da amostra pela recepção no laboratório, para emitir e expedir o COA – Certificado Oficial de Análise.
O fato de as amostras terem sido refrigeradas não tem o condão de legitimar o desrespeito aos regramentos para proceder às análises, justamente porque o artigo 91, parágrafo único, os excepciona da segurança da contraprova.
Ademais, o fato de ter sido autorizado o congelamento pelo cliente, conforme observação constante do COA, não faz inferir que tenha sido autorizada a flexibilização do prazo de 15 dias, que no caso funciona como garantia do administrado.
Não se quer dizer com a afirmativa que se desconsidera a presunção de legitimidade dos atos dos agentes públicos, pois disso não se trata. O laboratório, que fez a análise do material, fê-lo fora do prazo regulamentar, e, embora prestigiado, não integra o serviço público federal.
Não se pode dizer que a higidez de procedimento deveria ter sido desconstituída pela parte, pois foi indeferida a prova oral requerida, de molde que agora não se pode alegar que deveria ter feito a prova, que antes foi inadmitida.
Por fim, a desconformidade foi mínima, e pode ser creditada ao possível exame feito com o material fora da temperatura ideal, conforme sugere a perícia.
Com a reforma da sentença, restam invertidos os ônus de sucumbência.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido interposto e dar provimento à apelação, invertida a sucumbência.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5028266-12.2014.4.04.7100/RS
RELATOR
:
MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE
:
LTV INDUSTRIA, TRANSPORTE E COMERCIO DE LATICINIOS EIRELI
ADVOGADO
:
Jader da Silveira Marques
APELADO
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO (MAPA). AUTO DE INFRAÇÃO. AMOSTRA DE LEITE CRU REFRIGERADO FORA DOS PADRÕES LEGAIS. NÍVEIS DE DENSIDADE E EXTRATO SECO DESENGORDURADO. NECESSIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE DE CONTRAPROVA. PRAZO MÁXIMO PARA ANÁLISES NÃO OBSERVADO.
1. Trata-se de ação ordinária, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ajuizada por LTV IND. TRANSP. COM. LATICÍNIOS LTDA. contra a UNIÃO, objetivando a declaração de nulidade do Auto de Infração nº 147/SELEI/2013. De acordo com o narrado na inicial, em junho de 2013, a autora foi autuada em virtude de resultado de análise laboratorial de amostra de leite cru refrigerado coletada em abril do referido ano, que foi considerada fora dos padrões legais em relação aos níveis de Densidade e Extrato Seco Desengordurado. Constou da análise que, em relação à densidade, foi encontrado o resultado de 1,026 g/cm3 quando o admitido pela legislação seria de 1,028 g/cm3 (diferença de 0,02 g/cm3 do permitido). Em relação ao extrato seco desengordurado, foi encontrado o índice de 8,3% quando o admitido pela legislação seria 8,5% (diferença de 0,2% do permitido). Por conta disso, foram aplicadas duas multas à parte autora que somam o montante de R$ 31.297,04.
2. Incumbe ao magistrado aferir, motivadamente, a necessidade ou não de produção de prova, sendo do livre convencimento do Juiz o deferimento de pedido para a produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide. Ademais, não há que se falar em necessidade de produção de provas quando o conjunto probatório dos autos é suficiente à valoração e formação da convicção do magistrado, nos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil.
3. O Decreto 5.741/2006, instrumento legal posterior ao Decreto 30.691/52 (que dispõe sobre a triplicata e a contraprova da amostra), dispõe, em seu artigo 91, que é afastada a necessidade de realização de contraprova quando se tratar de riscos associados a animais, vegetais e produtos agropecuários perecíveis, no que se enquadra o leite.
4. No que toca ao prazo máximo para análise das amostras, o Manual de Procedimentos do Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC), em sua página 18, dispunha, quanto aos prazos para análises, que o laboratório tem prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis, a contar da data de cadastro da amostra pela recepção no laboratório, para emitir e expedir o COA – Certificado Oficial de Análise.
5. No caso dos autos, o fato de as amostras terem sido refrigeradas não tem o condão de legitimar o desrespeito aos regramentos para proceder às análises, justamente porque o artigo 91, parágrafo único, os excepciona da segurança da contraprova. Ademais, o fato de ter sido autorizado o congelamento pelo cliente, conforme observação constante do COA, não faz inferir que tenha sido autorizada a flexibilização do prazo de 15 dias, que no caso funciona como garantia do administrado. Não se quer dizer com a afirmativa que se desconsidera a presunção de legitimidade dos atos dos agentes públicos, pois disso não se trata. O laboratório, que fez a análise do material, fê-lo fora do prazo regulamentar, e, embora prestigiado, não integra o serviço público federal. Não se pode ainda dizer que a higidez de procedimento deveria ter sido desconstituída pela parte, pois foi indeferida a prova oral requerida, de molde que agora não se pode alegar que deveria ter feito a prova, que antes foi inadmitida. Por fim, a desconformidade foi mínima, e pode ser creditada ao possível exame feito com o material fora da temperatura ideal, conforme sugere a perícia.
6. Provimento do apelo, para desconstituir a sentença que havia julgado improcedente o pedido da parte autora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido interposto e dar provimento à apelação, invertida a sucumbência, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.