Direito Agrário

Crédito rural: STJ mantém ação penal contra fazendeiro acusado de fraudar financiamento agrícola

Direito Agrário

“A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de habeas corpus para suspender ação penal contra fazendeiro acusado de fraudar contrato de financiamento agrícola com o Banco da Amazônia.

O acusado foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) com base no artigo 171, § 2º, inciso III, do Código Penal por ter vendido, sem autorização do banco, cabeças de gado dadas em garantia do financiamento agrícola.

A defesa do fazendeiro da cidade de Altamira (PA) alegou que o resultado da venda do gado foi utilizado no pagamento do empréstimo e que não houve dolo nem prejuízo ao banco, razão pela qual pediu a suspensão da ação penal.

No STJ, a relatoria do caso coube ao ministro Reynaldo Soares da Fonseca, da Quinta Turma, especializada em direito penal. Na decisão, o ministro sublinhou os argumentos do juiz de primeiro grau para negar o pedido da defesa.

Crime formal

‘Verifico, portanto, que, embora sucinta, a decisão analisou de forma fundamentada a resposta à acusação apresentada pelo recorrente (fazendeiro), afirmando não ser o caso de absolvição sumária, haja vista se tratar de crime formal’, afirmou o ministro.

Segundo Reynaldo Soares da Fonseca, para a absolvição sumária, ‘é necessário juízo de certeza e, caso o magistrado não se convença acerca da viabilidade das teses levantadas na resposta da defesa, o processo seguirá seu curso regular, com a designação da audiência de instrução e julgamento’.

Na decisão que negou o pedido de habeas corpus, o ministro salientou ainda que, segundo entendimento do STJ, ‘não sendo caso de absolvição sumária, a motivação acerca das teses defensivas no bojo da resposta à acusação deve ser sucinta, de forma a não se traduzir em indevido julgamento prematuro da causa’”.

Fonte: STJ, 06/06/2016.

Confira a íntegra da decisão:

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 69.733 – PA (2016/0098084-7)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

RECORRENTE : JOSÉ SOARES SOBRINHO

ADVOGADO : RONALDO FERREIRA MARINHO

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por JOSÉ SOARES SOBRINHO, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que denegou a ordem em prévio mandamus , nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 69):

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DECISÃO JUDICIAL. FUNDAMENTAÇÃO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. Não há que se falar na ausência de fundamentação da decisão judicial que, após a apresentação de resposta à acusação, vislumbrou que, “(…) no caso dos autos, por se tratar de crime formal, não se verifica a existência de quaisquer das hipóteses de absolvição sumária previstas no referido art. 397 do CPP” (fl. 40). 2. Assim, não há que se cogitar, no caso em comento, na ausência de fundamentação da decisão proferida pelo MM. Juízo Federal impetrado que, após a apresentação da defesa preliminar, entendeu, não haver “(…) razões para absolvição sumária” (fl. 40), mormente quando se verifica que o MM. Juízo Federal impetrado expôs, ainda que de forma sucinta, as razões da formação do seu convencimento. 3. A circunstância de o MM. Juízo Federal impetrado haver, ainda que de modo sucinto, decidido a matéria que lhe foi submetida afasta eventual posicionamento no sentido de ter ocorrido in casu ofensa aos princípios constitucionais do contraditório, do devido processo legal e da motivação das decisões judiciais. 4. Não é de se ter como absolutamente necessária a existência de fundamentação complexa e exaustiva, por parte do magistrado processante, nos atos de recebimento da denúncia e de negativa da absolvição sumária, sob pena de antecipação do juízo meritório, que deve ser realizado ao encerramento da instrução criminal. Assim, tendo sido proferida, na hipótese em discussão, decisão suficientemente fundamentada, não se apresenta como juridicamente admissível o reconhecimento de nulidade da ação penal. 5. Habeas corpus denegado.

Consta os autos que o recorrente foi denunciado como incurso no art. 171, § 2º, inciso III, do Código Penal. Em resposta à acusação, afirmou ser atípica a conduta, por ausência de dolo e de prejuízo ao credor. Contudo, o Magistrado de origem apenas afirmou não estarem presentes as hipóteses de absolvição sumária. Dessarte, entende o recorrente ter sido violado o dever de fundamentação das decisões judiciais.

Pede, liminarmente, a suspensão da Ação Penal n. 1593-39.2014.4.01.3909/PA. No mérito, pugna pela anulação da decisão que analisou a resposta à acusação e dos atos subsequentes do processo.

A liminar foi indeferida, às e-STJ fls. 134/135 e o Ministério Público Federal manifestou-se, às e-STJ fls. 142/145, pelo improvimento do recurso, nos seguintes termos:

PENAL E PROCESSO PENAL. ESTELIONATO NA MODALIDADE DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. AFASTADA A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA/ PROSSEGUIMENTO DO FEITO. HABEAS CORPUS. ALEGADA NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM DENEGADA. RECURSO ORDINÁRIO. DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO COMPLEXA. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. “A MOTIVAÇÃO ACERCA DAS TESES DEFENSIVAS APRESENTADAS POR OCASIÃO DA RESPOSTA ESCRITA DEVE SER SUCINTA, LIMITANDO-SE À ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO FORMULADA PELO ÓRGÃO MINISTERIAL, EVITANDO-SE, ASSIM, O PREJULGAMENTO DA DEMANDA” – PRECEDENTE DA CORTE. MANIFESTAÇÃO PELO CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):

A insurgência não merece prosperar.

Com efeito, o recorrente apresentou resposta à acusação alegando, em síntese, ser atípica a conduta imputada, haja vista a ausência de dolo e de prejuízo. Ao analisar a petição da defesa, manifestou-se o Magistrado de origem, nos seguintes termos (e-STJ fl. 40):

Trata-se de resposta do acusado JOSE SOARES SOBRINHO (fls. 91/102) à acusação de prática dos crimes descritos nos arts. 171, § 2º, III, c/c § 3º, do Código Penal. O defendente aduz, em síntese, que o fato narrado é atípico, tendo em vista que a ausência de dolo, uma vez que a venda dos semoventes decorreu de necessidades justificadas ao credor. Ademais, as dívidas foram quitadas (fls. 111/114) não havendo prejuízo à instituição financeira, faltando, pois, elementar do crime de estelionato. Passo à análise da mencionada resposta, nos termos do art. 397 do Código de Processo Penal (CPP). O acusado deverá ser sumariamente absolvido quando verificada a existência manifesta de causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, quando o fato narrado evidentemente não constituir crime ou quando estiver extinta a punibilidade. Todavia, no caso dos autos, por se tratar de crime formal, não se verifica a existência de quaisquer das hipóteses de absolvição sumária previstas no referido art. 397 do CPP. Ante o exposto, não havendo razões para absolvição sumária, intime-se o MPF para informar o endereço completo da testemunha REGINALDO JUSTO R. DE MORAES. Após, providencie-se a inquirição da testemunha arrolada pela acusação e interrogatório do denunciado.

Verifico, portanto, que, embora sucinta, a decisão analisou de forma fundamentada a resposta à acusação apresentada pelo recorrente, afirmando não ser o caso de absolvição sumária, haja vista se tratar de crime formal. Como é cediço, referido momento processual não demanda extensa fundamentação pelo Juízo de origem, sob pena de se invadir o próprio mérito da ação penal, que possui momento oportuno para ser analisado, após a devida instrução processual.

De fato, as teses apresentadas na defesa preliminar só darão ensejo à absolvição sumária se for possível constatar de plano, ou seja, sem a necessidade de se proceder à instrução probatória, que é manifesta a presença de causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, salvo inimputabilidade, ou que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou que a punibilidade já está extinta, nos termos do que disciplina o art. 397 do Código de Processo Penal.

Portanto, para a absolvição sumária, que abrevia sobremodo o rito processual penal, é necessário juízo de certeza e, caso o magistrado não se convença acerca da viabilidade das teses levantadas na resposta da defesa, o processo seguirá seu curso regular, com a designação da audiência de instrução e julgamento.

Diante dessa nova sistemática processual, o Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que, não sendo caso de absolvição sumária, a motivação acerca das teses defensivas formuladas no bojo da resposta à acusação deve ser sucinta, de forma a não se traduzir em indevido julgamento prematuro da causa.

Nesse sentido:

(…). FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE DEU PROSSEGUIMENTO À AÇÃO PENAL, AFASTANDO AS HIPÓTESES DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DO ARTIGO 397 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO EXTENSA. POSSIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO JUDICIAL SUCINTA. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. 1. Após a reforma legislativa operada pela Lei 11.719/2008, o momento do recebimento da denúncia se dá, nos termos do artigo 396 do Código de Processo Penal, após o oferecimento da acusação e antes da apresentação de resposta à acusação, seguindo-se o juízo de absolvição sumária do acusado, tal como disposto no artigo 397 do aludido diploma legal. 2. A alteração criou para o magistrado a possibilidade, em observância ao princípio da duração razoável do processo e do devido processo legal, de absolver sumariamente o acusado ao vislumbrar hipótese de evidente atipicidade da conduta, a ocorrência de causas excludentes da ilicitude ou culpabilidade, ou ainda a extinção da punibilidade, situação em que deverá, por imposição do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, motivadamente fazê-lo, como assim deve ser feito, em regra, em todas as suas decisões. 3. Esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que a motivação acerca das teses defensivas apresentadas por ocasião da resposta escrita deve ser sucinta, limitando-se à admissibilidade da acusação formulada pelo órgão ministerial, evitando-se, assim, o prejulgamento da demanda. Precedentes. 4. Tendo o togado singular, no caso em apreço, afastado a possibilidade de absolvição sumária do acusado e exposto suas razões de decidir que, inclusive, permitiram o controle pelo Tribunal de origem, afasta-se a eiva articulada na irresignação. 5. Recurso desprovido. (RHC 65.879/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2016, DJe 13/04/2016).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO CULPOSO E LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. REEXAME DE ADMISSIBILIDADE DA DENÚNCIA. RATIFICAÇÃO DO RECEBIMENTO. NULIDADE EM RAZÃO DE AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO CONCISA. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I – A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário. As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado. II – Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício. III – Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos do CPP “o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salva inimputabilidade; III) que o fato narrado evidentemente não constitui crime, ou IV) extinta a punibilidade do agente”. IV – Não há nulidade na fundamentação concisa sobre as teses apresentadas na resposta à acusação. Nessa fase, a fundamentação pode limitar-se à demonstração da admissibilidade da demanda instaurada, o que ocorreu de modo suficiente no caso. Habeas corpus não conhecido. (HC 323.419/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 03/12/2015)

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE INDEFERE MEDIDA LIMINAR EM HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. SÚMULA 691/STF. APLICABILIDADE. TERATOLOGIA CAPAZ DE JUSTIFICAR O ABRANDAMENTO DO ÓBICE. INEXISTÊNCIA. REPOSTA À ACUSAÇÃO. ANÁLISE. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. DECISÃO INDEFERITÓRIA DA INICIAL QUE DEVE SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. As Turmas integrantes da Terceira Seção desta Corte, na esteira do preceituado na Súmula 691/STF, têm entendimento pacificado no sentido de não ser cabível a impetração de habeas corpus contra decisão de relator indeferindo medida liminar, em ação de igual natureza, ajuizada perante os Tribunais de segundo grau, salvo a hipótese de inquestionável teratologia ou ilegalidade manifesta. 2. Não se pode falar em constrangimento ilegal quando o Juiz, ao analisar a defesa preliminar, fundamenta sua decisão de forma sucinta, entendendo que estão ausentes as causas de absolvição sumária previstas no art. 387 do Código de Processo Penal e, ainda, manifesta-se no sentido de que a tese da defesa implicaria dilação probatória. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 327.743/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2015, DJe 22/09/2015)

Ante o exposto, nego provimento ao recurso em habeas corpus.

É como voto.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator