Contratos agrários: julgado da 3ª Turma do STJ diz que as normas protetivas do contrato de arrendamento rural não se aplicam ao arrendatário empresa rural de grande porte
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NOTA TÉCNICA DO PORTAL DIREITOAGRÁRIO.COM:
O julgamento do REsp nº 1.447.082 – TO pela 3ª Turma do STJ é uma demonstração daquilo que vulgarmente se conhece por “ativismo judicial” ou por “direito alternativo”, uma vez que a 3ª Turma afastou a norma jurídica agrária específica prevista no art. 95 do Estatuto da Terra e criou regra até então jamais vista na Doutrina de Direito Agrário.
A problemática surge com a inovação de dizer que as normas protetivas previstas pela legislação agrária não se aplicariam aos arrendatários quando esses fossem “empresas de grande porte”, reinterpretando as disposições contidas no Regulamento dos contratos agrários (Decreto nº 59.666/1966), invocando a chamada teoria civilista dos microssistemas. É importante destacar que o julgado traz nítida insegurança jurídica e não é científico, pois em nenhum momento define o que seria “empresa de grande porte”.
A 3ª Turma do STJ errou ao dizer que as normas protetivas seriam aplicáveis apenas ao arrendatários agricultores familiares, criando uma discriminação indevida e inconstitucional entre produtores rurais familiares e os demais produtores rurais (pequenos não familiares, médios e grandes), ignorando que a classificação dos produtores rurais em familiares tem justificativa científica apenas para fins de políticas agrícolas, a exemplo da destinação de crédito rural para o PRONAF. Vele lembrar que a única distinção técnica que a lei agrária faz dos contratos firmados com arrendatários qualificados como agricultores familiares diz respeito à regra contida no parágrafo único do art. 26 do Decreto nº 59.566/1966, ao dispor que “nos casos em que o arrendatário é o conjunto familiar, a morte do seu chefe não é causa de extinção do contrato, havendo naquele conjunto outra pessoa devidamente qualificada que prossiga na execução do mesmo“.
Nesse sentido, vale lembrar que as normas de Direito Agrário protegem quem exerce a atividade agrária frente ao proprietário da terra, ou seja, proteje o produtor rural, sem fazer distinção de ser ele pessoa física ou jurídica. Inclusive, essas circunstâncias são levadas em consideração inclusive pela doutrina comercialista, a exemplo da lição de Tulio Ascarelli, que, ao explicar a orientação do Código Civil italiano de 1942 sobre a noção de empresário rural (o qual serviu de inspiração para o Estatuto da Terra e o Código Civil brasileiro de 2002), destaca que não pode haver uma separação entre agricultura praticada pelos pequenos produtores a agricultura empresarial/comercial, em face das características do setor agrícola, ressaltando que a norma (agrária) “leva a tutelar a quem exerce a atividade frente ao proprietário da terra” (vide a obra “Iniciação do estudo do Direito Mercantil“, Ed. Minelli, 2007, p. 165).
Ademais, o julgamento falhou ao deixar de analisar a recepção do Decreto nº 59.566/1966 pela Constituição de 1988, bem como deixou de enfrentar se os dispositivos invocados no voto do relator ainda seriam válidos em face da edição da Lei nº 11.443/2007, que deu nova redação aos artigos 95 e 96 do Estatuto da Terra. Ainda, o voto condutor utilizou na sua fundamentação dispositivos do PLS do Código Comercial que acabaram por ser retirados do texto pela Comissão Especial do Senado, no dia 11/12/2018 (saiba mais aqui).
Além disso, trata-se de julgamento isolado, que somente acabou prevalecendo diante do fato de acordo firmado nos autos antes do julgamento de Embargos de Divergência interposto. Portanto, por se tratar de julgado isolado, jamais como precedente vinculante. Ainda, ressalta-se que REsp nº 1.447.082 – TO contraria frontalmente o entendimento consagrado pelo STJ firmado a partir do REsp nº 112.144/SP, de relatoria do eminente Min. Menezes Direito, também prolatado pela 3ª Turma, no ao de 1997, cuja ementa transcreve-se:
DIREITO AGRÁRIO. ARRENDAMENTO RURAL. INCIDÊNCIA DO ESTATUTO DA TERRA.
1. NÃO TEM APOIO A TESE SUSTENTADA PELO ACORDÃO RECORRIDO SOBRE A EXCLUSÃO DO ARRENDAMENTO RURAL DO ESTATUTO DA TERRA QUANDO AS PARTES ENVOLVIDAS DESFRUTAREM DE BOA SITUAÇÃO ECONÔMICA, A DISPENSAR TRATAMENTO LEGAL FAVORÁVEL. A DISCIPLINA LEGAL AGASALHA A DISCRIMINAÇÃO, COM O QUE E INAPLICÁVEL AOS CONTRATOS AGRÁRIOS O ART. 1197 DO CÓDIGO CIVIL.
2. A ALIENAÇÃO OU A IMPOSIÇÃO DE ÔNUS REAL, NA FORMA DO PARAGRAFO 5 DO ART. 92 DO ESTATUTO DA TERRA, NÃO INTERROMPE A VIGÊNCIA DOS CONTRATOS AGRÁRIOS, FICANDO O ADQUIRENTE, OU O TITULAR DO DIREITO REAL, SUB-ROGADO NOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO PROPRIETÁRIO.
3. RECURSOS ESPECIAIS CONHECIDOS E PROVIDOS. (STJ, REsp nº 112.144/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, julgamento 24/11/1997)
Por fim, para uma análise do julgado, recomendamos a obra “Contrato de arrendamento rural“, de Manoel Martins Parreira Neto, publicado pela Editora Visão, 2019.
Abaixo, transcrevemos a notícia publicada à época no site do STJ acerca do julgamento do REsp nº 1.447.082 – TO:
“A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que as normas protetivas do Estatuto da Terra não valem para grandes empresas rurais, já que sua aplicação se restringe exclusivamente a quem explora a terra pessoal e diretamente, como típico homem do campo.
Portanto, não cabe direito de preferência quando o arrendatário rural é empresa de grande porte, pois a incidência de normativos do estatuto violaria os princípios da função social da propriedade e da justiça social.
A controvérsia em torno do exercício do direito de preferência por arrendatário rural de grande porte foi apresentada em recurso especial envolvendo proprietários de terra e a SPI Agropecuária, que arrendou uma propriedade para pastagem de gado de corte.
O contrato
De acordo com os autos, a SPI Agropecuária firmou contrato com o espólio do proprietário de uma fazenda no Tocantins pelo prazo de um ano. O contrato também previa que em caso de venda da propriedade, o arrendatário desocuparia o imóvel no prazo de 30 dias.
Antes do término do contrato, o imóvel foi alienado à empresa Bunge Fertilizantes. A SPI Agropecuária apresentou proposta para a aquisição do imóvel, mas a oferta foi recusada e a fazenda acabou sendo vendida para terceiros que ofereceram um valor mais alto.
A agropecuária ajuizou ação de preferência com base no Estatuto da Terra. O Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) acolheu o pedido por entender que o direito de preferência não está condicionado exclusivamente à exploração pessoal e direta da propriedade, mas também à promoção da reforma agrária, à política agrícola estatal e ao uso econômico da terra explorada. Assim, a limitação prevista na lei não teria validade.
Justiça social
Para o relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o entendimento do TJTO não é o mais adequado ao princípio normativo e ao caráter social do Estatuto da Terra, que deve ser interpretado à luz da função social da propriedade e da justiça social.
Em seu voto, o ministro reconheceu que nem sempre esses dois princípios andam juntos, já que o princípio da justiça social preconiza a desconcentração da propriedade das mãos de grandes grupos econômicos e de grandes proprietários rurais, para que o homem do campo e sua família tenham acesso à terra e o trabalhador rural seja protegido nas relações jurídicas do direito agrário.
Citando várias doutrinas, Paulo de Tarso Sanseverino concluiu que o direito de preferência atende ao princípio da justiça social quando o arrendatário é homem do campo, pois possibilita sua permanência na terra na condição de proprietário.
Porém, quando o arrendatário é uma grande empresa do chamado agronegócio, esse princípio deixa de ter aplicabilidade diante da ausência de vulnerabilidade social. Ou seja, ‘embora o princípio da função social seja aplicável, o da justiça social não o é’, afirmou o relator.
Para Sanseverino, nesses casos, ocorre a incidência do Código Civil, que não prevê direito de preferência, cabendo às partes pactuarem cláusula específica com esse teor, o que não foi feito no caso julgado.
O ministro enfatizou que entendimento contrário possibilitaria que grandes empresas rurais exercessem seu direito de preferência contra terceiros adquirentes, ainda que estes sejam homens do campo, ‘invertendo-se a lógica do microssistema normativo do Estatuto da Terra’.
A decisão que acolheu o recurso e julgou o pedido de preferência improcedente foi unânime”.
Para o advogado agroambiental, Marcelo Feitosa, “essa é uma decisão que vai de encontro com os princípios brasileiros do estatuto e que coloca em xeque a igualdade estabelecida pela Lei de Terras”.
Assista a análise realizada por Samanta Pineda e Marcelo Feitosa no Programa Direito & Certo, de 06/07/2016, disponível em: http://tv.uol/14nQR .
Veja a íntegra da decisão:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.447.082 – TO (2014⁄0078043-1)
RELATOR
:
MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE
:
JOSÉ EDUARDO SENISE
RECORRENTE
:
HAYDEE MARIA PENNACHIN SENISE
ADVOGADO
:
DENISE ROSA SANTANA FONSECA E OUTRO(S)
RECORRENTE
:
BUNGE FERTILIZANTES S⁄A
ADVOGADO
:
IRAZON CARLOS AIRES JUNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO
:
SPI AGROPECUÁRIA – SISTEMA DE PRODUÇÃO INTEGRADA AGROPECUÁRIA DO TOCANTINS LTDA
ADVOGADO
:
JOAQUIM PEREIRA DA COSTA JUNIOR E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Versam os autos acerca de dois recursos especiais, um interposto por JOSÉ EDUARDO SENISE em conjunto com HAYDÉE MARIA PENNANCHI SENISE, e outro por BUNGE FERTILIZANTES S. A., em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, assim ementado:
EMBARGOS INFRINGENTES. PEDIDO DE PREFERÊNCIA PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL CELEBRADO COM PESSOA JURÍDICA DE CONSIDERÁVEL PORTE ECONÔMICO. POSSIBILIDADE DE COMPRA DO BEM EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES COM TERCEIROS. DIREITO REAL CONCEDIDO AO ARRENDATÁRIO PELO ESTATUTO DA TERRA (ART. 92, §§ 3º e 4º, DA LEI N. 4.504⁄64). PRESERVAÇÃO DO DIREITO DE PERMANÊNCIA DO ARRENDATÁRIO NO EXERCÍCIO DO USO ECONÔMICO DA TERRA EXPLORADA. PREVALÊNCIA DA FINALIDADE DO REGRAMENTO ESTATUTÁRIO DA TERRA DE PROMOVER A REFORMA AGRÁRIA E A POLÍTICA AGRÍCOLA PARA FINS DE ATRIBUIR EFETIVIDADE À FUNÇÃO SOCIAL. IMPROVIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES.
I – Por conter o Estatuto da Terra teor social muito acentuado, fora concebido objetivando expressamente promover a Reforma Agrária e a Política Agrícola estatal (art. 1º), mantendo, em toda a regulamentação do uso da terra, a direção voltada para as peculiaridades inerentes ao meio rural, especialmente quanto à sua função social, constitucionalmente prevista (arts. 5º, inciso XXIII, 170, inciso III e art. 186, da Constituição Federal).
II – O enunciado normativo do art. 92, do Estatuto da Terra, cuida, de modo particular, da preservação do direito de permanência do arrendatário no exercício do uso econômico da terra explorada, a fim de lhe garantir o direito de obter o domínio do imóvel objeto do arrendamento, caso a ele não tenha sido ofertado o bem à aquisição, antes de se operar a transmissão da propriedade à terceira pessoa.
III – Nos termos do art. 4º, VI, Lei 4.504⁄64, a “empresa rural” compreende também a pessoa jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condições de rendimento econômico. Existindo previsão legal de que pessoas jurídicas estão albergadas pelo Estatuto da Terra, incoerente seria exigir que, para o direito de preferência constante no mesmo estatuto, a terra fosse usada exclusivamente por entidade familiar posto que se excluiriam as pessoas jurídicas de exercer o direito em questão, positivado em seu art. 92, § 3º.
IV – Voto vencedor que apreciou com acuidade as apelações interpostas e, com propriedade e extensa fundamentação deliberou pelo reconhecimento do direito de preferência conferido à 1ª embargada (SPI), com o devido respeito ao voto divergente vencido. A ‘quaestio meritis’ foi, desse modo, exaurida e, as razões dos presentes embargos são pautadas nos mesmos argumentos desenvolvidos naqueles recursos.
Destarte, deve ser mantido o r. Acórdão, por não merecer qualquer reparo, razão pela qual ratifico ‘in totum’ o r. decisum, por comungar dos mesmos fundamentos nele esposados, a seguir colacionados – motivação ‘per relatione’ (Precedente: STJ – EDcl no AgRg no Ag 1218725⁄RS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS –, SEXTA TURMA, julgado em 15⁄05⁄2012, DJe 13⁄06⁄2012) –, em prestígio aos princípios da celeridade processual, economia e segurança jurídica, à luz do artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal, cujo conteúdo está assim redigido:
“ (…)1. Para garantir o direito de preferência ao arrendatário (Art. 92, § 3º, da Lei 4.505⁄64), exige-se apenas situação de fato – existência do arrendamento – independentemente de qualquer formalidade.
2. O decreto, como norma secundária – que tem função eminentemente regulamentar, quer dizer, de explicitar o modo de execução da lei, conforme o art. 84, inc. IV, da Constituição Federal -, não pode contrariar ou extrapolar a lei, norma primária. Não pode restringir os direitos nela preconizados. Isso porque tão-somente a lei, em caráter inicial, tem o poder de inovar no ordenamento jurídico.
3. A proteção ao menos favorecido, que se encontra explicitada no Decreto n. 59.566⁄66, não tem o condão de desqualificar o arrendamento entre pessoas jurídicas, para efeito da incidência da Lei n. 4.504⁄64.
4. Não apoio a tese sobre a exclusão do arrendamento rural do Estatuto da Terra quando as partes envolvidas desfrutarem de boa situação econômica, a dispensar tratamento legal favorável (Precedente STJ).
5. Ambos os recursos conhecidos, para no mérito dar provimento à apelação manejada pelo Sistema de Produção Integrada Agropecuária do Tocantins – SPI, reformando a sentença de primeiro grau, concedendo à empresa apelante o direito de preferência, nos termos da legislação em regência (Lei 4.505⁄64), julgando prejudicada a apelação de José Eduardo Senise e Haydée Maria Pennanchi Senise, visto que versa sobre o prazo de desocupação do imóvel. Diante da reforma da sentença e do julgamento dos recursos, inverta-se o ônus da sucumbência”.
V – Juízo de prelibação positivo. Embargos Infringentes improvidos. (fls. 1472 s., com grifos no original)
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fls. 1515 s.).
Em suas razões, os recorrentes JOSÉ EDUARDO SENISE e HAYDÉE MARIA PENNANCHI SENISE alegaram violação dos arts. 422 do Código Civil, art. 92 da Lei 4.504⁄64, arts. 8º, 12, inciso IV, e 38 do Decreto 59.566⁄66, art. 13, inciso V, da Lei 4.947⁄66, sob os argumentos de: (a) violação ao princípio da boa-fé objetiva (venire contra factum proprium); (b) recusa de aceitação do preço proposto pela vendedora; (c) inaplicabilidade do Estatuto da Terra ao caso, uma vez que a arrendatária é uma empresa de sólido porte econômico; (d) necessidade de repartição proporcional dos honorários de sucumbência entre os litisconsortes vencidos. Aduz, também, dissídio pretoriano.
Por sua vez, BUNGE FERTILIZANTES S⁄A sustenta contrariedade aos arts. 113, 422 e 425, do Código Civil, sob os argumentos de: (a) inexistência de arrendamento rural, mas de locação de pastagens; (b) exclusão expressa das aplicabilidade da legislação agrária por expressa manifestação de vontade das partes; (c) violação à boa-fé objetiva; (d) inaplicabilidade do Estatuto da Terra ao caso.
Contrarrazões ao recurso especial às fls. 1633⁄1663 e 1664⁄1691.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.447.082 – TO (2014⁄0078043-1)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Eminentes colegas, analiso conjuntamente os dois recursos especiais tendo em vista a convergência de interesses dos recorrentes.
Relatam os autos que a empresa Sistema de Produção Integrada Agropecuária de Tocantins LTDA – SPI AGROPECUÁRIA celebrou, em 26⁄03⁄2007, um contrato de “locação de área para pastagem” (fls. 80⁄82) pelo prazo de um ano com o espólio de TADASHI MINE, então proprietário da terra (Fazenda Estância Vale do Sol).
As partes pactuaram expressamente que o contrato seria regido pelo Código Civil, “não se confundindo com quaisquer espécies de contratos agrários” (Cláusula 15).
Também pactuaram que, em caso de alienação da propriedade, o locatário desocuparia o imóvel no prazo de 30 dias, conforme previsto na cláusula 10ª, p. u., abaixo transcrita:
Cláusula 10ª. Se o LOCATÁRIO deixar de cumprir qualquer cláusula ou condição do presente contrato, dará lugar à rescisão do mesmo, ficando obrigado a ressarcir as PERDAS E DANOS, devendo ainda desocupar incontinenti a área locada, independente de qualquer aviso ou notificação, ficando o locador autorizado a requerer quaisquer medidas judiciais, inclusive cautelares, que visem a imediata recuperação da posse da área, sem prejuízo do que está estabelecido neste instrumento.
Parágrafo Único: Neste ato fica combinado entre as partes, no caso de alienação ou seja a venda do imóvel o locador comunicara o fato ao locatário o qual se compromete a retirar os animais dentro de 30 dias não havendo multa e nenhuma penalidade para o locador e fica rescindido o presente contrato automaticamente após a comunicação da alienação se vier acontecer. (fl. 81, sem grifos no original)
A alienação da propriedade veio a ocorrer antes do término do contrato, sob a forma de uma dação em pagamento à empresa BUNGE FERTILIZANTES S⁄A, em 26⁄10⁄2007.
No mês seguinte, a empresa SPI AGROPECUÁRIA apresentou proposta à BUNGE de aquisição da propriedade pelo valor de R$ 1.549.586,25 (fl. 505).
Em janeiro de 2008, a BUNGE rejeitou a proposta, informando que teria conseguido alienar a propriedade a terceiros por um valor maior do que o ofertado (cf. fl. 126), com uma diferença a mais no preço de cerca de R$ 10.000,00 (fl. 506).
Em abril de 25⁄04⁄2008, a SPI ajuizou a “ação de preferência” contra a BUNGE e contra os herdeiros do antigo proprietário.
Os terceiros adquirentes, ora recorrentes, foram admitidos posteriormente na lide, na condição de litisconsortes necessários (cf. fl. 596).
Os pedidos foram julgados improcedentes pelo juízo de origem, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal a quo, para se reconhecer o direito de preferência da SPI na aquisição da propriedade.
Daí a interposição dos recursos especiais pela BUNGE e pelos terceiros adquirentes, que passo a analisar conjuntamente.
De início, relembre-se o conceito de arrendamento rural, previsto no Decreto nº 59.566⁄66 (regulamento do Estatuto da Terra) nos seguintes termos, litteris:
Art. 3º– Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.
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Em regra, o contrato de arrendamento é celebrado por longo prazo, de modo a permanecer vigente até o fim do ciclo produtivo da atividade explorada pelo arrendatário, havendo prazos mínimos estabelecidos no decreto regulamentar, de acordo com o tipo de atividade, iniciando-se pelo prazo de 3 (três) anos para lavoura temporária (cf. art. 13, inciso II, alínea a, do Decreto n. 59.566⁄66).
A par do arrendamento rural, o uso da terra pode se dar por meio de contratos atípicos, não regidos pelo Estatuto da Terra, como o de locação de pastagem, destinado ao atendimento de necessidades temporárias do pecuarista.
Sobre esse contrato atípico, merece referência a doutrina de OSWALDO OPITZ em conjunto com SILVIA C. B. OPITZ, abaixo transcrita:
No contrato de invernagem ou de pastagem o proprietário ou arrendatário recebe gado para pastar, mediante o pagamento por cabeça introduzida no campo, sob a responsabilidade e cuidados do dono do campo ou arrendatário deste. Não há posse do imóvel, como se vê, por parte do tomador de pastagem. Não é o contrato de pastoreio, como já demonstramos linhas acima. Embora seja um contrato agrário, não é de arrendamento, mas pode ser de parceria. É um contrato agrário em que um sujeito convenciona com outro o direito de fazer pastar seu gado ou animais num imóvel ou fundo rural de outrem por um prazo de dias, meses ou anos mediante o pagamento de um preço estipulado por animal […]. Neste contrato não se cede a posse do imóvel; o fim principal é fazer pastar os animais, onerosamente. O fato de alguns empregados do dono dos animais penetrarem no campo, para vistoria-los, não descaracteriza o contrato.
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O arrendamento de pastagem ou invernagem não tem o amparo do ET, porque não há aí o uso e posse da terra por parte do tomador de pastagem. Regulam-se pelas regras da locação comum do CC. Não há limite de prazo nem de aluguel. Não cria, como no pastoreio, o direito à renovação ou preferência, porque continua destinado a solver situações transitórias.
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O arrendamento de pastagem ou invernagem não tem amparo no Estatuto da Terra, porque não há aí o uso e posse da terra por parte do tomador da pastagem. Regula-se pelas regras da locação comum do CC. Não há limite de prazo nem de aluguel. Não cria, como no pastoreio, o direito à renovação ou preferência, porque continua destinado a solver situações transitórias […]. (Curso completo de direito agrário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, pp. 470⁄473)
No caso do contrato sub examine, é possível encontrar traços de uma locação de pastagem, como o curto prazo, a cláusula resilição unilateral, o preço por cabeça, a periodicidade mensal dos pagamentos e a destinação a uma atividade transitória (apascentamento de reses).
Porém, o Tribunal de origem, em juízo de cognição plena, analisando o conteúdo das cláusulas contratuais e os elementos fático-probatórios, concluiu que a espécie diria respeito a um arrendamento rural, levando em conta, principalmente, a efetiva transmissão da posse.
Sobre esse ponto, transcreve-se o seguinte trecho do acórdão recorrido:
[…], de tudo o que foi apurado pela análise soberana das provas existentes nos autos, constata-se que o ajuste celebrado entre a 1ª embargada SPI e o Espólio da Família Mine, ora 3ª embargado, preenche todos os requisitos que o caracterizam como arrendamento rural, haja vista ter ocorrido a transmissão temporária da posse do imóvel litigioso a permitir que a contratante (SPI) explorasse a terra, pessoal e diretamente, para suporte das atividades agrícolas por ela desenvolvidas(apascentamento de reses bovina de sua exclusiva propriedade), mediante contraprestação pecuniária. (fl. 1477, com grifos no original)
Essa conclusão do Tribunal de origem é incontrastável no âmbito desta Corte Superior, em razão do óbice das Súmulas 5 e 7⁄STJ.
Fica assentado, portanto, que a natureza do contrato é de arrendamento rural.
O passo seguinte consiste em analisar se a empresa arrendatária teria direito de preferência na aquisição da propriedade.
Esse direito está previsto no Estatuto da Terra no dispositivo abaixo transcrito:
Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.
……………………………………………….
§ 3º No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo.
§ 4° O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis.
……………………………………………
Como se verifica nesse dispositivo, o Estatuto da Terra não impôs nenhuma restrição quanto à pessoa do arrendatário, para o exercício do direito de preferência, de modo que, ao menos numa interpretação literal, nada obstaria a que uma grande empresa rural viesse a exercer o direito de preempção.
Porém, o decreto que regulamentou o Estatuto da Terra (Dec. 59.566⁄66) estabeleceu que os benefícios nele previstos seriam restritos àqueles que explorem atividade rural direta e pessoalmente (como o típico homem do campo), fazendo uso eficiente e correto da terra.
É o que dispõe textualmente o seguinte dispositivo do referido decreto:
Art 38. A exploração da terra, nas formas e tipos regulamentados por êste Decreto, somente é considerada como adequada a permitir ao arrendatário e ao parceiro-outorgado gozar dos benefícios aqui estabelecidos, quando fôr realizada de maneira:
I – eficiente, quando satisfizer as seguintes condições, especificadas no art. 25 do Decreto nº 55.891, de 1965 e as contidas nos parágrafos daquele artigo:
a) que a área utilizada nas várias explotações represente porcentagem igual ou superior a 50% (cinqüenta por cento) de sua área agricultável, equiparando-se, para êsse fim, as áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificias e as áreas ocupadas com benfeitorias;
b) que obtenha rendimento médio, nas várias atividades de explotação, igual ou superior aos mínimos fixados em tabela própria, periódicamente.
II – Direta e pessoal, nos têrmos do art. 8º dêste Regulamento estendido o conceito ao parceiro-outorgado;
III – correta , quando atender às seguintes disposições estaduais no mencionado art. 25 do Decreto número 55.891, de 1965:
a) adote práticas conservacionistas e empregue no mínimo, a tecnologia de uso corrente nas zonas em que se situe;
b) mantenha as condições de administração e as formas de exploração social estabelecidas como mínimas para cada região.
(sem grifos no original)
A incidência do microssistema normativo consubstanciado no Estatuto da Terra deve seguir a linha hermenêutica traçada no enunciado do art. 38 do decreto regulamentar acima transcrito, restringindo o âmbito de proteção aos arrendatários e parceiros-outorgados que explorem direta e pessoalmente o imóvel rural.
Por exploração direta, entende-se aquela em que o número de trabalhadores assalariados não ultrapasse o número de membros do conjunto familiar (cf. art. 8º do Dec. 59.566⁄66).
Discute-se, no presente recurso especial, se essa limitação imposta pelo decreto regulamentar teria extrapolado as balizas da lei.
Em sentido afirmativo, o Tribunal de origem entendeu que o decreto não poderia ter restringido onde a lei não restringiu.
A empresa demandante, portanto, faria jus ao direito de preferência, pois limitação imposta no decreto seria inválida.
Sobre esse ponto, confira-se o seguinte trecho do acórdão dos embargos infringentes:
Por outro lado, em que pese a alegação dos embargantes sobre a inaplicabilidade da regra do direito de preempção quando figurar como parte arrendatária empresas de grande porte econômico, s. m. j., compartilho do mesmo entendimento perfilhado pela douta Juíza Convocada Adelina Gurak, em seu bem lançado voto vista (“evento 1”, VOTO116, páginas 2⁄3), a seguir transcrito, in verbis:
“O direito de preferência de compra de área arrendada consubstanciada no Estatuto da Terra (Lei 4.504⁄64) aplica-se não só a pequenos e médios produtores, mas a todos os produtores indistintamente, observados os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola (art. 1º da Lei 4.504⁄64), entendendo-se por Política Agrícola (§2º, art. 1º da Lei 4.504⁄64), o “conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhe o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país”, devendo seu uso estar atrelado à função social da propriedade.
(…)
No presente caso não há prova de que a empresa arrendatária não esteja usando a terra consoante a legislação acima citada, e o arrendamento da área é fato inconteste.
O Estatuto da Terra e seu regulamento estão sendo aplicados in totum no presente caso. Há que se ressaltar que não há proibição legal para que um imóvel rural seja arrendado para pessoa jurídica que efetivamente está lá exercendo seu papel de produtor direto.
A “empresa rural” compreende também a pessoa jurídica (art. 4º, VI, Lei 4.504⁄64), pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condições de rendimento econômico.
…………………………………………………………………….
Como há previsão legal de que pessoas jurídicas estão albergadas pelo Estatuto da Terra, incoerente seria exigir que, para o direito de preferência constante no mesmo estatuto, que a terra fosse usada exclusivamente por entidade familiar posto que se excluiriam as pessoas jurídicas de ter o direito de preferência positivado em seu art. 92, § 3º, e tal exigência não está prevista na referida lei, isto é, a lei não excepciona as pessoas jurídicas. (fl. 1311)
Assim, se a Lei, que objetiva proteger quem explora a terra rural (pessoa física ou jurídica) confere a estas pessoas o direito de preferência nas alienações (referidas em termos gerais), inexiste motivação para que se dê ao dispositivo uma interpretação que, em lugar de ampliar seus direitos, restrinja-os. Dizer que na omissão, ou na dúvida, a intenção do legislador seria restritiva ao direito do arrendatário, implicaria uma contradição equivalente a dizer que eventual omissão do Código Consumerista deva ser interpretada em prejuízo do consumidor, o que não faria sentido. (fl. 1477 s., com grifos no original)
Corroborando o entendimento pela aplicabilidade irrestrita do direito de preferência, constou no acórdão da apelação o seguinte julgado desta Corte Superior, litteris:
Direito agrário. Arrendamento rural. Incidência do Estatuto da Terra.
1. Não tem apoio a tese sustentada pelo acórdão recorrido sobre a exclusão do arrendamento rural do estatuto da terra quando as partes envolvidas desfrutarem de boa situação econômica, a dispensar tratamento legal favorável. A disciplina legal agasalha a discriminação, com o que e inaplicável aos contratos agrários o art. 1.197 do Código Civil.
2. A alienação ou a imposição de ônus real, na forma do § 5º do art. 92 do Estatuto da Terra, não interrompe a vigência dos contratos agrários, ficando o adquirente, ou o titular do direito real, sub-rogado nos direitos e obrigações do proprietário.
3. Recursos especiais conhecidos e providos.
(REsp 112.144⁄SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ 19⁄12⁄1997)
Sob a ótica do Tribunal a quo, portanto, o direito de preferência não estaria condicionado à exploração pessoal e direta da propriedade, sendo inválida a limitação prevista no decreto regulamentar.
Esse entendimento, contudo, não parece ser o mais adequado à principiologia do microssistema normativo do Estatuto da Terra, bem como a evolução das formas de exploração da terra no Brasil nos últimos cinquenta anos.
Sobre os microssistemas normativos, tive oportunidade de dissertar, em âmbito doutrinário, acerca de sua origem histórica e dos critérios hermenêuticos a serem utilizados na interpretação de suas normas.
Especialmente quanto à hermenêutica, manifestei o entendimento de que a interpretação deve valer-se dos princípios inerentes ao próprio microssistema, recorrendo-se aos princípios do sistema geral apenas em caráter subsidiário.
Peço licença para transcrever o seguinte trecho da obra “Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor”:
A ideia de codificação única e centralizadora, abarcando a totalidade do direito civil, entra definitivamente em crise. Em vez de códigos, passam a ser editadas leis especiais para regulamentação de relações jurídicas de interesse de grupos econômicos determinados, retirando-se os institutos pertinentes do Código Civil e lhes conferindo uma regulamentação especial com autonomia. Essas leis especiais apresentam principiologia própria, adequada às necessidades peculiares de cada setor. Surgem, assim, os microssistemas normativos.
Um dos primeiros exemplos e, por isso, bastante característico, ocorreu com os contratos de locação. A locação de serviços, na parte referente ao trabalho subordinado, é retirada do Código Civil e regulamentada por um novo setor do direito: o direito do trabalho. A locação de imóveis urbanos é, também, extraída do Código Civil e conduzida para leis especiais.
Os microssistemas normativos, ao regularem relações jurídicas setorizadas de forma autônoma, formam verdadeiras ‘ilhas legislativas’, rompendo a ideia de unidade e estabilidade do ordenamento jurídico. Surgem leis dotadas de elevado grau deespecialidade e marcadas pelo signo da transitoriedade, uma vez que apresentam vigência temporal significativamente menor do que a do Código Civil. É a ‘era da incerteza, da instabilidade, da insegurança’.
Rediscute-se a posição do Código Civil no ordenamento jurídico, afirmando Natalino Irti que teria sido deslocado do eixo central pela Constituição. Passa-se do monossistema oitocentista para um polissistema. A Constituição estaria no seu centro, e os demais microssistemas, inclusive o próprio Código Civil, gravitariam em sua volta.
A interpretação dessas leis especiais apresenta, também, características próprias. O próprio reconhecimento do atributo de especialidade de uma norma já é fruto de um juízo de comparação entre duas regras jurídicas, exigindo a interpretação das duas normas para estabelecer-se qual delas é a regra geral e qual é a especial.
O principal método de interpretação a ser utilizado é o lógico-sistemático, valorizando-se a ‘ratio legis specialis’ e os princípios que são, normalmente, indicados pelo próprio legislador no memento da elaboração da lei especial. Deve-se, assim, dar prevalência, na interpretação das normas constantes da lei especial, aos princípios orientadores do microssistema normativo. Porém, nas lacunas da lei especial, a integração do microssistema deverá ser realizada com a adoção dos métodos tradicionais, inclusive a utilização da analogia e dos princípios gerias do direito.
A tendência natural dos juristas, ao aplicarem as leis especiais, é a adoção de métodos restritivos de interpretação, evitando a sua absorção pelo sistema jurídico tradicional. Essa forma restritiva de interpretar as leis especiais aproxima esses juristas dos exegetas do século XIX.
É importante destacar que a interpretação das leis especiais segue os mesmos métodos das demais regras jurídicas. Deve-se apenas ter o cuidado de respeitar os princípios peculiares do novo microssistema normativo.
Karl Larenz, por exemplo, admite a utilização da interpretação extensiva e da aplicação analógica até mesmo para as regras excepcionais. Essas ideias mostram-se corretas, já que se deve considerar que os microssistemas normativos, editados por leis especiais, não perdem a sua característica de sistema relativamente aberto. De um lado, preservam a sua referência ao sistema geral de direito privado. De outro lado, como sistemas relativamente abertos, devem também ser interpretados de acordo com os métodos modernos de interpretação das normas jurídicas, inclusive para sua complementação e permanente atualização.
Naturalmente, deve ser dada prevalência aos princípios orientadores do próprio microssistema normativo, mas sem o seu fechamento às influências de outros princípios e normas do sistema geral que não se mostram incompatíveis com a sua principiologia. O grande risco ensejado pela multiplicação dessas leis especiais, além da inflação legislativa e da impossibilidade de conhecimento de todas elas, mesmo pelo jurista mais atento e atualizado, é o retorno ao particularismo jurídico, com quebra do princípio da igualdade.
Assim, os microssistemas normativos conferiram, efetivamente, uma nova conformação ao ordenamento jurídico, mas não quebraram a ideia de existência de um sistema de direito privado. Para tal, é necessário reconhecer o Código Civil como eixo central e aberto do sistema de direito privado e, em sua volta, gravitando como satélites, os microssistemas normativos instituídos por leis especiais, gozando de autonomia, mas não de independência absoluta.
(Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 84⁄86)
Já no âmbito desta Corte Superior, tive oportunidade de ressaltar o caráter social do microssistema normativo Estatuto da Terra, em acórdão sintetizado com a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PREFERÊNCIA. ARRENDAMENTO RURAL. ALIENAÇÃO JUDICIAL DO IMÓVEL. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 92, §§ 3º E 4º, DO ESTATUTO DA TERRA EM CONSONÂNCIA COM OS SEUS PRINCÍPIOS.SOBRELEVO DO CARÁTER SOCIAL DA RELAÇÃO PROPRIETÁRIO-TERRA-TRABALHADOR. PROTEÇÃO DO ARRENDATÁRIO RURAL. POSSIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA INCLUSIVE QUANDO AALIENAÇÃO É JUDICIAL. DESNECESSIDADE DO REGISTRO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO.
1. Consoante o pacificado entendimento desta Corte, não se faz necessário o registro do contrato de arrendamento na matrícula do imóvel arrendado para o exercício do direito de preferência.
Precedentes.
2. As normas trazidas à interpretação, buscando a preservação da situação do trabalhador do campo por intermédio do direito de preferência, estão insertas em estatuto de remarcada densidade social, superior, inclusive, àquele próprio da lei de locações de imóveis urbanos (Lei nº 8245⁄91).
3. Interpretação de seus enunciados normativos, seja gramatical, seja sistemático-teleológica, direcionada à máxima proteção e preservação do trabalhador do campo, não se podendo, por uma interpretação extensiva, restringir a eficácia do direito de preferência do arrendatário rural.
4. Sem ter o legislador restringido as formas de alienação das quais exsurgiria o direito de preferência, inviável excluir do seu alcance a alienação coativa ou judicial.
5. Reconhecimento da incidência da regra do art. 92 da Lei 4.505⁄64 a qualquer das espécies de alienação, desde que onerosa, tendo em vista inserir-se, dentre os seus requisitos, o adimplemento do preço pago pelos terceiros.
6. Razoabilidade da interpretação alcançada pelo acórdão recorrido.
7. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(REsp 1.148.153⁄MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20⁄03⁄2012, DJe 12⁄04⁄2012)
Nessa esteira, analisando-se o Estatuto da Terra como um microssistema normativo, percebe-se que seus princípios orientadores são, essencialmente, a função social da propriedade e a justiça social (cf. arts. 1º e 2º, da Lei 4.504⁄64).
Cabe, portanto, interpretar do direito de preferência à luz desses dois princípios.
Sob o prisma da função social da propriedade, a terra é vista como um meio de produção que deve ser mantido em grau satisfatório de produtividade, observadas as normas ambientais e trabalhistas (cf. art. 2º, § 1º, da Lei 4.504⁄64).
No caso do arrendamento, o arrendatário tem total interesse em manter a terra produtiva, pois seria antieconômico pagar aluguel e deixar a terra ociosa.
Desse modo, o exercício do direito de preferência pelo arrendatário possibilitaria a continuidade da atividade produtiva, atendendo-se, assim, ao princípio da função social da propriedade.
Observe-se que essa conclusão independe do porte econômico do arrendatário, pois o foco é produtividade da terra, respeitadas as normas ambientais e trabalhistas.
No caso dos autos, inclusive, o Tribunal de origem entendeu que a função social da propriedade estava sendo cumprida, por meio da atividade de apascentamento de gado de corte (cf. fl. 1477).
Porém, os princípios da função social da propriedade e da justiça social nem sempre andam juntos.
O princípio da justiça social preconiza a desconcentração da propriedade das mãos dos grandes grupos econômicos e dos grandes proprietários, para que seja dado acesso à terra ao homem do campo e à sua família. Preconiza, também, a proteção do homem do campo nas relações jurídicas de direito agrário.
A fixação do homem do campo à terra e sua proteção jurídica é medida de extrema importância social.
A falta ou a ineficiência de uma política agrária faz com que rurícolas migrem para as grandes cidades, onde, não raras vezes, são submetidos a condições de vida degradantes, como temos testemunhado em nosso país, ao longo de décadas de êxodo rural contínuo.
Não é por outra razão que o Estatuto Terra assegura a todo agricultor o direito de “permanecer na terra que cultive”, bem como estabelece que é dever do Poder Público “promover e criar condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra” (cf. art. 2º, §§ 2º e 3º).
Sobre a vulnerabilidade do homem do campo nas relações jurídicas de direito agrário, Giselda Maria Fernandes Hironaka (Contratos Agrários.Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário, Empresarial. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, Ano 14, julho-setembro de 1990, p. 100), lecionando acerca dos contratos agrários sob a égide da Lei 4.504⁄66, reconhece a tentativa, latente nas regras que a integram, de se dar solução a um dos mais graves problemas da questão agrária: a desigualdade de condições entre o proprietário e o trabalhador rural, traduzindo uma evidente exploração daquele, economicamente mais forte, sobre este, economicamente mais fraco”.
Nessa ordem de ideias, o direito de preferência previsto no Estatuto da Terra atende ao princípio da justiça social quando o arrendatário é um homem do campo, pois possibilita que este permaneça na terra, passando à condição de proprietário.
Porém, quando o arrendatário é uma grande empresa, desenvolvendo o chamado agronegócio, o princípio da justiça social deixa de ter aplicabilidade, pois ausente a vulnerabilidade social que lhe é pressuposto.
Tem-se no caso dos autos, portanto, uma situação em que, embora o princípio da função social seja aplicável, não o é o princípio da justiça social.
Resta saber se o direito de preferência, assim como os demais direitos previstos no Estatuto da Terra, podem ser extraídos apenas do princípio da função social da propriedade.
A meu juízo, a resposta é negativa.
Deveras, o cumprimento da função social da propriedade não parece ser fundamento suficiente para que as normas do direito privado, fundadas na autonomia da vontade, sejam substituídas pelas regras do Estatuto da Terra, marcadas por um acentuado dirigismo contratual.
Ademais, a função social da propriedade é princípio do qual emanam, principalmente, deveres, não direitos, de modo que esse princípio não parece ser fonte do direito de preferência.
Portanto, andou bem o regulamento do Estatuto da Terra ao limitar os benefícios nele previstos a quem explore a terra direta e pessoalmente, como verdadeiro homem do campo, contando essencialmente com a força de trabalho de sua família (cf. art. 8º c⁄c art. 38 do Decreto n. 59.566⁄66).
O decreto, portanto, não extrapolou os limites da lei, como havia entendido o Tribunal a quo.
Há, inclusive, julgados desta TURMA nesse sentido, confira-se:
Civil. Direito Agrário. Recurso especial. Arrendamento rural. Direito de preferência para aquisição do imóvel. Notificação que não guardou estrita similitude com a proposta de compra formulada por terceiros, no tocante ao prazo de pagamento. Reconhecimento de ilegalidade. Ineficácia da venda aos arrendatários, com reabertura de prazo para que estes manifestem seu interesse em adquirir a área rural. Estatuto da Terra. Função social da terra.
– Precedentes do STJ admitem que a preferência para a compra do imóvel rural, conforme prevista no Estatuto da Terra, é direito concedido ao agricultor familiar, sob a ótica da proteção à parte menos favorecida e da justiça social.
– O acórdão consignou que o arrendatário não se enquadra no perfil de agricultor familiar traçado pelo Estatuto. Excepcionalmente, porém, tal circunstância não é suficiente para provocar a revisão do julgado, pois, na hipótese, o próprio contrato de arrendamento possuía cláusula expressa concedendo ao arrendatário o direito de preferência em caso de venda do imóvel. As razões de especial se ressentem de melhor adequação quanto à correta delimitação da controvérsia, pois não abordam a questão na perspectiva contratual.
– A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial. Súmula 13⁄STJ.
– A notificação para exercício de direito de preferência sobre a área integral do imóvel, e não apenas sobre a parcela arrendada, é faculdade dos arrendantes. Os terceiros, pretensos compradores, não podem se insurgir contra o arrendatário em face de tal opção, pois este não tem ingerência quanto à abrangência da notificação no tocante à área a ser negociada.
Recurso especial ao qual se nega provimento.
(REsp 1.103.241⁄RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 16⁄10⁄2009, sem grifos no original)
– ESTATUTO DA TERRA. ARRENDATÁRIO RURAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA NO CASO DE ALIENAÇÃO DO IMÓVEL (LEI N. 4. 504⁄64, ART. 92, PARAGRÁFOS 3. E 4.).
– A FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA NÃO ESTARÁ SENDO CUMPRIDA, CONSOANTE OS FINS VISADOS PELA LEI N. 4.504⁄64, EM SEU ART. 92, SE O ARRENDATÁRIO NÃO TIRA O SEU SUSTENTO DA GLEBA ARRENDADA, EXPLORANDO-ADIRETAMENTE COM O SEU GRUPO FAMILIAR.
– ACÓRDÃO QUE SE FUNDOU SOBRETUDO NO EXAME DA PROVA PRODUZIDA NO PROCESSO.
– RECURSO NÃO CONHECIDO.
(REsp 36.227⁄MG, Rel. MIN. ANTÔNIO TORREÃO BRAZ, QUARTA TURMA, DJ 13⁄12⁄1993)
No caso dos autos, a arrendatária é uma grande empresa do ramo pecuário.
Logo, não lhe é aplicável o Estatuto da Terra, incidindo o Código Civil, que não prevê direito de preferência no contrato de locação de coisas, cabendo às partes pactuarem uma cláusula com esse teor, se assim entenderem.
No caso dos autos, contudo, as partes não estabeleceram um pacto de preferência.
Conclui-se, portanto, que a empresa demandante não possui direito de preferência na aquisição da propriedade.
Observe-se que o entendimento contrário, pelo reconhecimento do direito de preferência, permitiria que grandes empresas rurais exercessem seu direito contra terceiros adquirentes, ainda que estes sejam homens do campo, invertendo-se, assim, a lógica do microssistema normativo do Estatuto da Terra.
Sob outro ângulo, ao se afastar a aplicabilidade do Estatuto da Terra, prestigia-se o princípio da autonomia privada, que, embora mitigado pela expansão do dirigismo contratual, ainda é o princípio basilar do direito privado, não podendo ser desconsiderado pelo intérprete.
Em sede doutrinária, já tive oportunidade de discorrer acerca do princípio da autonomia privada (Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 33).
O princípio da autonomia privadacorresponde ao poder reconhecido pela ordem jurídica aos particulares para dispor acerca dos seus interesses, notadamente os econômicos (autonomia negocial), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos (PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada.Coimbra: Almedina, 1982, p. 11).
Miguel Reale, em sua obra O projeto de código civil (São Paulo: Saraiva, 1986.p. 9), esclarece textualmente o seguinte:
“É que se chama autonomia da vontade, e que, na minha concepção filosófica-jurídica, denomino poder negocial”.
A autonomia privada, embora modernamente tenha cedido espaço para outros princípios (como a boa-fé e a função social do contrato), apresenta-se, ainda, como a pedra angular do sistema de direito privado, especialmente no plano do Direito Empresarial.
O pressuposto imediato da autonomia privada é a liberdade como valor jurídico. Mediatamente, o personalismo ético aparece também como fundamento, com a concepção de que o indivíduo é o centro do ordenamento jurídico e de que sua vontade, livremente manifestada, deve ser resguardada como instrumento de realização de justiça (AMARAL NETO, op. cit.p. 17).
Na sua dimensão moderna, o princípio da autonomia privada passou a ter sede constitucional, não apenas quando se protege a livre iniciativa econômica (art. 170 da Constituição Federal), como também quando se confere proteção à liberdade individual (art. 5º da Constituição Federal). Liga-se, assim, a autonomia privada ao próprio desenvolvimento da dignidade humana, embora não atue, naturalmente, de forma absoluta, sofrendo limitações de outros princípios (boa-fé, função social, ordem pública).
O princípio da autonomia privada concretiza-se, fundamentalmente, no direito contratual, através de uma tríplice dimensão: a liberdade contratual, a força obrigatória dos pactos e a relatividade dos contratos.
A liberdade contratual representa o poder conferido às partes de escolher o negócio a ser celebrado, com quem contratar e o conteúdo das cláusulas contratuais. É a ampla faixa de autonomia conferida pelo ordenamento jurídico à manifestação de vontade dos contratantes.
O princípio da relatividade dos contratos expressa, em síntese, que a força obrigatória desse negócio jurídico é restrita às partes contratantes (res inter alios acta). Apenas os contratantes vinculam-se entre si. O contrato é lei entre as partes, mas apenas entre as partes. Os direitos e as obrigações nascidos de um contrato não atingem terceiros, cuja manifestação de vontade não teve participação na formação desse negócio jurídico. De outro lado, nenhum terceiro pode intervir no contrato regularmente celebrado. Limita-se, assim, até mesmo, a atuação legislativa do próprio Estado, em face da impossibilidade de uma lei nova incidir retroativamente sobre contrato regularmente celebrado por constituir ato jurídico perfeito. Admite-se apenas a revisão administrativa e judicial dos contratos nos casos expressamente autorizados pelo ordenamento jurídico (SILVA,Luiz Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do código civil ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 24).
Já a força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contratual. Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da vida civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda). A necessidade de efetiva segurança jurídica na circulação de bens impele a idéia de responsabilidade contratual, mas de forma restrita aos limites do contrato.
O exercício da liberdade contratual exige responsabilidade quanto aos efeitos dos pactos celebrados.
Assim, a autonomia privada, como bem delineado no Código Civil de 2002 (arts. 421 e 422) e já reconhecido na vigência do Código Civil de 1916, não constitui um princípio absoluto em nosso ordenamento jurídico, sendo relativizada, entre outros, pelos princípios da função social, da boa-fé objetiva e da prevalência do interesse público.
Essa relativização resulta, nas palavras do Min. Eros Grau (A ordem econômica na Constituição de 1988, 13ª Edição, rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 92), o reconhecimento de que os contratos, além do interesse das partes contratantes, devem atender também aos “fins últimos da ordem econômica”.
Neste contexto, visando à promoção destes fins, admite o Direito brasileiro, expressamente, a revisão contratual, diante da alteração superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico (teoria da imprevisão, teoria da base objetiva etc.).
Nada obstante, a par de não se ter reconhecido, no caso dos autos, qualquer destas alterações, não previstas, deve ser mínima, em respeito à vontade manifestada de forma efetivamente livre pelas partes.
Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho (O futuro do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 166) chega a reconhecer a vigência, neste campo do direito, do princípio da “plena vinculação dos contratantes ao contrato”, ou seja uma especial força obrigatória dos efeitos do contrato (pacta sunt servanda), em grau superior ao do Direito Civil, cujo afastamento somente poderia ocorrer em hipóteses excepcionais.
Efetivamente, no Direito Empresarial, regido por princípios peculiares, como a livre iniciativa, a liberdade de concorrência e a função social da empresa, a presença do princípio da autonomia privada é mais saliente do que em outros setores do Direito Privado.
O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia.
No caso dos autos, embora não se trate propriamente de um contrato empresarial, tem-se uma grande empresa pretendendo se valer de um microssistema protetivo para furtar-se à força obrigatória do contrato ao qual se obrigou (lembre-se que a empresa se comprometeu a desocupar o imóvel no caso de alienação).
É perfeitamente cabível, portanto, a aplicação do princípio da autonomia privada ao caso na perspectiva do seu consectário lógico que a força obrigatória dos contratos (“pacta sunt servanda”).
Consigne-se, finalmente, que o Projeto de Código Comercial dedica um capítulo aos empresários rurais, solucionando o paradoxo estampado no presente processo em que se busca a incidência do Estatuto da Terra para tutela dos direitos de uma grande empresa rural.
A propósito, confira-se o seguinte dispositivo do Projeto de Lei do Senado n. 487⁄2013:
Art. 30. Os participantes da rede do agronegócio são profissionais e possuem condição econômica e técnica suficiente para negociar e assumir obrigações relativas às atividades que exercem.
Destarte, o provimento dos recursos especiais é medida que se impõe para julgar improcedente o pedido de preferência.
Ante o exposto, dou provimento aos recursos especiais para julgar improcedentes os pedidos formulados na ação de preferência, restando prejudicadas as demais questões suscitadas.
Custas e honorários pela parte demandante, ora recorrida, estes arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, divididos à proporção de 50% para cada litisconsorte (cf. art. 87, § 1º, do CPC⁄2015).
É o voto.
ECURSO ESPECIAL Nº 1.447.082 – TO (2014⁄0078043-1)
RELATOR
:
MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE
:
JOSÉ EDUARDO SENISE
RECORRENTE
:
HAYDEE MARIA PENNACHIN SENISE
ADVOGADO
:
DENISE ROSA SANTANA FONSECA E OUTRO(S)
RECORRENTE
:
BUNGE FERTILIZANTES S⁄A
ADVOGADO
:
IRAZON CARLOS AIRES JUNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO
:
SPI AGROPECUÁRIA – SISTEMA DE PRODUÇÃO INTEGRADA AGROPECUÁRIA DO TOCANTINS LTDA
ADVOGADO
:
JOAQUIM PEREIRA DA COSTA JUNIOR E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSOS ESPECIAIS. CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. LOCAÇÃO DE PASTAGEM. CARACTERIZAÇÃO COMO ARRENDAMENTO RURAL. INVERSÃO DO JULGADO. ÓBICE DAS SÚMULAS 5 E 7⁄STJ. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIROS. DIREITO DE PREFERÊNCIA. APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA TERRA EM FAVOR DE EMPRESA RURAL DE GRANDE PORTE. DESCABIMENTO. LIMITAÇÃO PREVISTA NO ART. 38 DO DECRETO 59.566⁄66. HARMONIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA JUSTIÇA SOCIAL. SOBRELEVO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL NO MICROSSISTEMA NORMATIVO DO ESTATUTO DA TERRA. APLICABILIDADE DAS NORMAS PROTETIVASEXCLUSIVAMENTE AO HOMEM DO CAMPO. INAPLICABILIDADE A GRANDES EMPRESAS RURAIS. INEXISTÊNCIA DE PACTO DE PREFERÊNCIA. DIREITO DE PREFERÊNCIA INEXISTENTE.
1. Controvérsia acerca do exercício do direito de preferência por arrendatário que é empresa rural de grande porte.
2.Interpretação do direito de preferência em sintonia com os princípios que estruturam o microssistema normativo do Estatuto da Terra, especialmente os princípios da função social da propriedade e da justiça social.
4.Proeminência do princípio da justiça social no microssistema normativo do Estatuto da Terra.
5. Plena eficácia do enunciado normativo do art. 38 do Decreto 59.566⁄66, que restringiu a aplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra exclusivamente a quem explore a terra pessoal e diretamente, como típico homem do campo.
6.Inaplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra à grande empresa rural.
7.Previsão expressa no contrato de que o locatário⁄arrendatário desocuparia o imóvel no prazo de 30 dias em caso de alienação.
8.Prevalência do princípio da autonomia privada, concretizada em seu consectário lógico consistente na força obrigatória dos contratos (“pacta sunt servanda”).
9. Improcedência do pedido de preferência, na espécie.
10. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). JOAQUIM PEREIRA DA COSTA JUNIOR, pela parte RECORRIDA: SPI AGROPECUÁRIA – SISTEMA DE PRODUÇÃO INTEGRADA AGROPECUÁRIA DO TOCANTINS LTDA
Brasília, 10 de maio de 2016. (Data de Julgamento)