Direito Agrário

Breves considerações sobre a CPR Verde

Direito Agrário

por José Carlos Vaz

Em 1º de outubro passado foi editado o Decreto 10.828, regulamentando a emissão de CPR “relacionada às atividades de conservação e recuperação de florestas nativas e de seus biomas, de que trata o inciso II do § 2º do art. 1º da Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994”.

Desde já destacando ser uma importante medida a intentada com a edição daquela norma, remetemos o leitor aos comentários(*) feitos no nosso Linkedin um mês atrás, quando nos referimos ao Projeto de Lei 5173/2019, que propõe tratamento similar para a CPR:

“A iniciativa é muito criativa, e relativamente simples, tanto para regulamentar quanto para operacionalizar, e poderá trazer resultados significativos em curto prazo, não só com a captação de recursos e a preservação de áreas ambientais, mas também por dar instrumento para que os críticos do agronegócio brasileiro, quanto à sua sustentabilidade, possam sair do ‘discurso de boas intenções’ e evidenciar a sua disposição mediante desembolso financeiro. Se não o fizerem, é porque o discurso é hipócrita e/ou lastreado em ideologia ou interesse comercial”.

Parece-nos, contudo, que um decreto não foi o melhor meio para tratar dos procedimentos a serem regulados, pelo menos não com a redação que foi publicada, que conflita, a nosso ver, com os artigos 4º e 15 da Lei 8.929/1994, e talvez até com o Artigo 889 do Código Civil.

Assim, nada obstante a grande aprovação à finalidade que se pretendeu regulamentar por meio do Decreto 10.828/2021, talvez a forma tenha que ser aprimorada.

A Cédula de Produto Rural é um título para entrega de coisa líquida e certa, exigível pela quantidade e qualidade de produto estipuladas no corpo do título, ou, no caso da CPR financeira, para pagamento de preço calculado sobre o produto.

A Lei que trata daquele título (8.929/1994) não prevê a possibilidade do emitente assumir por meio da Cédula uma obrigação de fazer ou não fazer algo, mas só as de entregar algo (produto rural, no caso), ou pagar algo (o valor apurado com base em produto rural).

O Poder Executivo, no Decreto, deixou de “relacionar os produtos passíveis de emissão de CPR”, como estabelecido no § 3ª do artigo 1º da Lei 8.929/1994, optando por fazer menção a “produtos rurais obtidos por meio das atividades relacionadas à conservação e à recuperação de florestas nativa e de seus biomas que resultem“ na obtenção de determinados “resultados” especificados nos incisos daquele parágrafo. Mas como se conseguirá definir a quantidade e qualidade daqueles “produtos” a serem entregues?

Seria conveniente a reedição do Decreto, alterando a redação do artigo 2º para ”fica autorizada a emissão de CPR para os seguintes produtos rurais obtidos por meio das atividades relacionadas à conservação e à recuperação de florestas nativa e de seus biomas: I – volume de gases de efeito estufa cujas emissões serão reduzidas; II – estoque de carbono florestal a ser mantido ou aumentado”.

Para os demais incisos do artigo 2º do Decreto 10.828/2021, seria editada uma Medida Provisória, ou encaminhado um Projeto de Lei, incluindo na Lei 8.929/1994 a possibilidade de emissão de uma CPR representativa de uma obrigação de: I) reduzir (por quanto tempo?) o desmatamento ou a degradação (como seria aferido?) da vegetação nativa de determinada área; e II) dar conservação (como aferir?) à biodiversidade, a recursos hídricos ou ao solo de uma determinada área. Também deveria constar uma melhor especificação do que seriam os tais “outros benefícios ecossistêmicos” mencionados no Decreto.

Veja-se que, por ser título executivo, e, em boa parte de sua existência, ativo financeiro, a CPR tem que ser representativa da transação de um bem (produto rural ou seu preço), e não de uma “intenção”, mas nada impede que a “intenção” seja declarada e definida, e que a entrega do “produto resultante”, conforme especificado na cédula, da efetivação daquela “intenção” (de fazer algo em favor da sustentabilidade, ou de deixar de fazer algo que afeta a sustentabilidade) seja remunerada pelos investidores (no caso, interessados em viabilizar a conservação de recursos naturais).

E se a “intenção” não se realizar, a entrega de seu “produto” não terá ocorrido, configurando inadimplemento e ensejando a implementação das penalidades estabelecidas cedularmente.

(*) https://lnkd.in/eVs4kSvM

José Carlos Vaz
(www.jcvaz.adv.br). Mestre em Direito Constitucional (Idp-DF) e especialista em Direito Empresarial e Contratos (Uniceub-DF). Tem MBA Altos Executivos (Fia-SP) e de Governança Corporativa (Fipecafi-SP). Membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU e da Comissão de Direito do Agronegócio da OAB-DF.