Direito Agrário

As novas regras de aplicação de defensivos agrícolas no Rio Grande do Sul

Direito Agrário

por  Caroline Fensterseifer Mattioni.

 

O ano é 2018. O estado, Rio Grande do Sul. Produtores de culturas sensíveis – videiras, oliveiras, macieiras, nogueira-pecan, entre outras – denunciam prejuízos decorrentes da deriva de defensivos agrícolas aplicados por propriedades vizinhas. Amostras dessas culturas são coletadas e confirma-se a presença do ingrediente ativo 2,4-D. Inicia-se então uma campanha para redução/anulação da deriva dos produtos químicos no estado.

Resultado disso, no ano de 2019 a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) edita uma série de instruções normativas1 visando regular a aplicação de herbicidas hormonais e, na contramão da desburocratização do setor produtivo que – acreditávamos – iniciaria naquele ano, uma lista de novas obrigações é entregue ao produtor.

Receitas agronômicas necessitam da assinatura do produtor rural ou seu representante legal; a aplicação dos produtos deve observar condições do vento, umidade relativa do ar e temperatura; o equipamento deve ser tecnicamente adequado; os aplicadores devem realizar curso de boas práticas agrícolas, renovando-se a capacitação, no máximo, a cada 5 anos; a aplicação somente poderá ser realizada por aplicador cadastrado (Cadastro Estadual de Aplicadores de Agrotóxicos); deve-se informar os dados relativos à aplicação (produto aplicado, cultura tratada, data inicial e final de aplicação, coordenadas geográficas da sede da propriedade, número da receita agronômica e da respectiva ART, número e série da nota fiscal da compra do produto, nome e CPF do aplicador e do produtor rural), tudo no prazo máximo de 10 dias após o fim da aplicação; os mesmos dados também devem ser registrados em um documento físico (no “Caderno de Campo” ou documento equivalente), imediatamente após a aplicação, contendo a assinatura do aplicador e do produtor rural, bem como com a receita agronômica e a nota fiscal respectiva (original ou cópia) anexadas.

Agrônomos e empresas que contam com registro de produtos agrotóxicos hormonais para fins de comercialização também não ficaram de fora das exigências. Aos primeiros estabeleceu-se que, ao prescreverem a aplicação de produtos hormonais, as receitas deverão conter o Termo de Conhecimento de Risco e de Responsabilidade, com orientações técnicas de aplicação. Às empresas estipulou-se a Venda Orientada, a obrigação de desenvolver folhetos com indicação dos riscos e prejuízos da deriva para outras culturas, regras de aplicação, medidas de segurança para manipulação etc, além da determinação de organizar programas de educação e treinamento aos produtores.

Nos municípios com maior número de focos de deriva as novas normas começaram a valer imediatamente (junho de 2019). São eles: Alpestre, Bagé, Cacique Doble, Candiota, Dom Pedrito, Encruzilhada do Sul, Hulha Negra, Ipê, Jaguari, Jari, Lavras do Sul, Maçambara, Mata, Monte Alegre dos Campos, Piratini, Rosário do Sul, Santiago, São Borja, São João do Polêsine, São Lourenço do Sul, Santana do Livramento, Silveira Martins, Sobradinho, Vacaria.

Para os demais municípios as medidas passariam a valer a partir de 1º de julho de 2020. Devido a pandemia e a impossibilidade de realização das capacitações de aplicadores de defensivos agrícolas – para as quais a lei exige não apenas cursos com aulas teóricas, mas também práticas –, o prazo foi prorrogado por mais um ano (até 31 de maio de 2021). Registre-se, no entanto, que em razão do recente agravamento da crise de saúde, ao que tudo indica, o prazo deverá ser prorrogado mais uma vez.

Inobstante a isso, nos municípios em que as regras já estão sendo exigidas, Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Fepam, Patrulha Ambiental da Brigada Militar e Ministério Público Estadual estão a todo vapor na missão de detectar irregularidades e diversos autos de infração já foram distribuídos com base nas novas normas.

Na caça aos aplicadores de agroquímicos, entes públicos ainda contam com a ajuda de entidades ambientalistas. Estas, ao verem qualquer avião sobrevoando uma lavoura, prontamente propalam notícias de mau uso de “agrotóxicos”, mesmo que, em verdade, aquele avião estivesse apenas distribuindo sementes, adubo ou simplesmente fazendo fotos aéreas da propriedade. 2

Se no mundo dos fatos qualquer avião se transforma em pulverizador, no espectro jurídico as infrações administrativas estão virando crime. Exemplifico: produtores rurais que cumpriram todas as regras de aplicação de defensivos, mas deixaram de declarar os dados à SEAPDR, estão sendo notificados pelo Ministério Público por infringência ao artigo 15 da Lei 7.802/89. Isto é, a “falta de declaração de dados” (exigência constante no artigo 7º, da IN 06/2019) está sendo equiparada ao crime “produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, dar destinação a resíduos e afins”. As regras de interpretação da lei penal que proíbem a interpretação extensiva e a analogia de tipos penais incriminadores parecem não valer quando o assunto é “agrotóxicos”.

Por óbvio que uso irregular de defensivos agrícolas existe e deve ser contido. Conforme defendido por Albenir Querubini durante audiência pública sobre pulverização terrestre3, o uso desses produtos deve se dar de modo racional, com responsabilidade e seguindo as orientações técnicas, combatendo-se as ilegalidades.

Importa lembrar que antes da punição, deve haver a conscientização, a instrução e a capacitação. As denúncias por mau uso de defensivos agrícolas devem ser sérias, e não fantasiosas. A punição a quem desrespeitar as regras deve ser proporcional à conduta praticada, nos termos em que determina a legislação, e não fruto de contorcionismo jurídico, tentando fazer de infrações administrativas, crimes.

Notas:

[1] IN SEAPDR 05, 06, 07 e 09 de 2019. Disponíveis em: <https://www.agricultura.rs.gov.br/upload/arquivos/201910/03163018-instrucao-normativa-seapdr-5.pdf>

<https://www.agricultura.rs.gov.br/upload/arquivos/201910/03163115-instrucao-normativa-seapdr-6.pdf>

<https://www.agricultura.rs.gov.br/upload/arquivos/202006/04122055-instrucao-normativa-seapdr-n-7-de-2019.pdf>

<https://www.agricultura.rs.gov.br/upload/arquivos/201910/03164405-instrucao-normativa-seapdr-9-word-1.pdf>. Acesso em: 15 abr 2021.

[2] Conexão Rural. Deriva em assentamento de Nova Santa Rita: fantasia e realidade. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UyLXFAbfkbc>. Acesso em: 15 abr 2021. [3] Disponível em: <http://www.ubau.org.br/site/ubau-registra-presenca-em-audiencia-publica-sobre-pulverizacao-terrestre/>. Acesso em: 15 abr 2021.
Caroline Fensterseifer Mattioni – Advogada, Especialista em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio. Integrante da Comissão Nacional das Mulheres Agraristas da UBAU.

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