por Roberto Bastos Fagundes Ghigino.
“A agricultura é a arte de saber esperar.
(Riccardo Bacchelli).[1]”
Todos sabem da arte desenvolvida na espera por parte do produtor rural brasileiro. Seja no aguardo de melhores condições nos preços, nas expectativas com o clima ou na explícita esperança de melhores vias para o escoamento das safras, diante das enormes dificuldades vivenciadas no Brasil inteiro, bem como com o descaso por parte do poder público com a situação.
E, no mesmo sentido, outro enorme transtorno causado pelas más condições das estradas é a visível dificuldade na permanência de colaboradores rurais nas propriedades que ficam distantes dos centros urbanos, em vista da necessidade de seus filhos frequentarem a escola.
Desta forma, atendendo solicitação de entidades classistas, em especial a Associação dos Arrozeiros e o Sindicato Rural, o Município de Uruguaiana, exercendo a faculdade prevista na Constituição[2] e, tendo em vista, ser titular da integralidade da receita oriunda do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), nos termos do disposto no inciso II, do artigo 158[3] da Constituição Federal -, com o intuito de manter, recuperar e melhorar as estradas vicinais editou a Lei n.º 4.665/2016, de julho de 2016, na qual criou o Fundo Municipal de Apoio às Estradas Rurais do Município (FUNDESTRADAS), dispondo em seu artigo 2º, o que segue:
Art. 2º. Constituem recursos do Fundo:
I – todo o valor recebido anualmente pelo Município relativo ao ITR – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural;
II – os auxílios e subvenções específicos concedidos por órgãos ou entidades federais e estaduais;
III – os recebidos de entidades, ONGs internacionais, pessoas físicas e jurídicas em doação; e
V – os recursos oriundos de emendas parlamentares destinadas a este fim.
A referida Lei Municipal também estabeleceu a forma de administração do fundo, criando para tanto, no artigo 4º[4], um Conselho Diretor -, encarregado de elaborar um regimento interno fins de assentar as atribuições obrigatórias do fundo, vejamos:
Art. 7º. O Conselho Diretor elaborará seu regimento interno, o qual consignará, entre outros, as atribuições seguintes, todas obrigatórias:
a) receber, estudar e, se for de seu entendimento, homologar os pedidos de melhorias e/ou manutenção de estradas vicinais;
b) receber, estudar e, se for de seu entendimento, homologar os pedidos de autorização de financiamentos encaminhados pelo Executivo Municipal, especificamente quando os recursos serão destinados à recuperação e/ou manutenção de estradas vicinais;
c) controlar e fiscalizar a aplicação dos recursos financiados;
d) administrar os recursos do Fundo;
e) fornecer todos os dados e documentos necessários para o efetivo controle contábil e financeiro, que ficará a cargo da Secretaria Municipal da Fazenda.
Ainda, em atenção ao disposto no aludido artigo 4º da mencionada Lei Municipal, foi editado o Decreto n.º 570/2017 nomeando o Conselho Diretor do Fundo (FUNDESTRADAS). Assim, uma vez criado o Conselho, a Prefeitura Municipal aprovou através do Decreto n.º 020/2018, o Regimento Interno, exigência da Lei matriz do Fundo (FUNDESTRADAS).
Do mesmo modo, em manifesta consideração a norma insculpida no mandamento constitucional (Art. 165, §5º), a citada Lei Municipal deixou claro, no disposto no §1º, inciso I, alínea “b”, do artigo 4º[5], a exigência de elaboração (pelo Conselho Diretor) de plano de ação, a ser aprovado pelo Legislativo Municipal.
Contudo, apesar de todas as precauções tomadas pelo ente público municipal, a mencionada Lei foi objeto de ação de inconstitucionalidade[6], movida por sindicato local. O qual sustentou que a inclusão nos recursos do fundo de todo o valor recebido anualmente pelo município alusivo ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) afronta a norma constitucional, uma vez que vincula receita de imposto a um fundo, o que é categoricamente vedado pelo inciso IV do artigo 167 da Carta Federativa.
Entretanto, tal pretensão restou claramente rechaçada por decisão unânime, exarada pelo pleno do Tribunal de Justiça Gaúcho, nos termos da seguinte ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE URUGUAIANA. LEI MUNICIPAL N.º 4.665/2016 QUE CRIA FUNDO DE APOIO ÀS ESTRADAS RURAIS. RECURSOS ORIUNDOS DA TOTALIDADE DA ARRECADAÇÃO DO ITR COBRADO PELO MUNICÍPIO, ANTE PERMISSIVO CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 153, §4º. RESSALVA DO ARTIGO 167, INCISO VI, DA CF E DO ARTIGO 154, INCISO VI, DA CE À NÃO VINCULAÇÃO DE IMPOSTOS. REPARTIÇÃO DE RECEITA DE PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS DA UNIÃO, DESTINADO AO MUNICÍPIO (ARTIGO 158, INCISO ii, DA CF). PERTINÊNCIA TEMÁTICA, JÁ QUE O PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DO ITR SERÁ DESTINADO À MELHORIA DAS ESTRADAS RURAIS PARA FACILITAÇÃO DO TRÂNSITO E ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. unânime. (ADI 70071250385 – Tribunal Pleno. Relator Des. Marcelo Bandeira Pereira. Julgado em 20/02/2017). – Grifou-se.
Por conseguinte, como se pode extrair dos fundamentos exarados no acórdão supramencionado, a própria Constituição Federal, no inciso IV, do artigo 167, quando veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ao mesmo tempo, ressalva a repartição do produto da arrecadação dos impostos referidos nos artigo 158 e 159.
Consequentemente, uma vez que o ITR é imposto de competência da União e não dos Municípios, eventual transferência, mesmo que integral, da arrecadação oriunda do imposto aos municípios que exercem a opção prevista no inciso III, do §4º, do artigo 153, estará albergada pela ressalva estabelecida no inciso IV, do artigo 167 da Carta Federativa, uma vez que o montante arrecadado não é considerado como imposto direto, mas receita municipal.
Diante de todo o exposto, tendo em vista as mazelas enfrentadas no país inteiro e as dificuldades sofridas por todos aqueles que fazem uso das estradas, fica a alternativa aos municípios, seguindo o caso de sucesso vivenciado no Município de Uruguaiana, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, inclusive com a chancela do Poder Judiciário, como acima demonstrado.
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Notas:
[1] Riccardo Bacchelli (Bolonha, 19 de abril de 1891 – Monza, 8 de outubro de 1985), escritor e crítico italiano.
[2] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(…)
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 42, de 19.12.2003)
(…)
III – será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 42, de 19.12.2003) (Regulamento) – Grifou-se.
[3] Art. 158. Pertencem aos Municípios:
(…)
II – cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 42, de 19.12.2003) – Grifou-se.
[4] Art. 4º – O Fundo será administrado por um Conselho Diretor composto por 7 (sete) membros, sendo 2 (dois) representantes do Poder Executivo: 1 (um) indicado pelo Prefeito Municipal, sendo integrante da Secretaria Municipal da Fazenda e o outro representando a Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos; 1 (um) representante do IRGA – Instituto Riograndense do Arroz; 1 (um) representante da Associação e do Sindicato Rural de Uruguaiana; 1 (um) representante da EMATER/Unidade Municipal; 1 (um) representante da Associação dos Arrozeiros de Uruguaiana e 1 (um) representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uruguaiana.
[5] I – o Conselho Diretor terá as seguintes atribuições:
(…)
b) elaborar Plano de Ação e de Aplicação dos recursos do Fundo, que deverá ser submetido à apreciação do Legislativo, conforme a Constituição Federal, artigo 165, § 5º; – Grifou-se.
[6] Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 70071250358.