Direito Agrário

Ajuizamento de ação anulatória de arrematação de imóvel em hasta pública submete-se ao prazo decadencial de 4 anos

Direito Agrário - Foto de Augusto Andrade

“A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a decadência alegada em uma ação anulatória de arrematação de imóvel por entender que o prazo decadencial somente se inicia com a expedição da respectiva carta, e não com a assinatura do auto.

A decisão possibilitará que o juízo de primeiro grau verifique se houve nulidade na praça pública, já que um dos recorrentes alegou que o imóvel em questão foi arrematado por valor inferior a 50% do preço de mercado.

A relatora do recurso do STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou que não há muitos precedentes sobre o assunto no tribunal, e que não faria sentido contar o prazo decadencial antes da expedição da carta, já que até esse momento existem outros caminhos para desconstituir a alienação judicial.

“Entende-se inconcebível eleger a lavratura do auto como termo a quo do prazo da ação anulatória, em detrimento da data de expedição da carta de arrematação, haja vista que, antes de constituída a carta, sequer é possível aos legitimados manejarem a ação autônoma de anulação, diante da previsão de outros instrumentos para a dissolução da arrematação”, explicou a magistrada.

Dessa forma, segundo a ministra, não é viável cogitar a anulação de um ato que ainda é passível de discussão por outros instrumentos processuais (petição nos autos ou embargos), de modo que não há que se falar em fluência do prazo decadencial da ação anulatória antes da expedição da carta.

Antes do prazo

No caso analisado, a ação anulatória foi proposta em setembro de 2009, menos de três anos após a expedição da carta de arrematação, em dezembro de 2006. O tribunal de origem decidiu pela decadência, por contar o prazo de quatro anos de proposição da ação anulatória (artigo 178, parágrafo 9º, do Código Civil de 1916, aplicável ao caso) a partir da data da assinatura do auto de arrematação, em maio de 2004.

Para a relatora, é evidente que o ato de arrematação de um bem só pode ser considerado concluído para fins de contagem de prazo decadencial com a expedição da carta.

‘Mesmo que considerada perfeita, acabada e irretratável a arrematação a partir da assinatura do auto, é a expedição da respectiva carta que definitivamente encerra o ato da alienação judicial, quando, então, se constituirá título formal em favor do arrematante, que o habilita a promover o registro da propriedade adquirida’, disse ela.

Afastada a prejudicial da decadência, o juízo competente da causa analisará se houve ou não nulidade no processo de arrematação do imóvel”.

Fonte: STJ, 27/06/2017.

Confira a íntegra do julgado:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.655.729 – PR (2015/0142017-2)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : ROSANGELA DAS GRACA ISAAC

RECORRENTE : NORIVAL DE OLIVEIRA BOTELHO

ADVOGADOS : JOÃO BATISTA DOS ANJOS E OUTRO(S) – PR007917

DENISE BENETOR GIESELER – PR038548

RECORRIDO : ANDREA MASLOWSKY

RECORRIDO : GEORGE MASLOWSKY

RECORRIDO : VIVIAN CORA PRANDI MASLOWSKY

RECORRIDO : ANGELA MASLOWSKY

RECORRIDO : SERGIO OBA MASLOWSKY

ADVOGADO : ADYR SEBASTIÃO FERREIRA – PR004854

RECORRIDO : LUIZ AUGUSTO CICCARINO

RECORRIDO : VIVIANE MASLOWSKY

RECORRIDO : MILENA MASLOWSKY CICCARINO

ADVOGADO : MILENA MASLOWSKY (EM CAUSA PRÓPRIA) – PR025996

RECORRIDO : OSMIR VIEIRA

RECORRIDO : JANETE JASTROMBEK

ADVOGADO : ANA PAULO LARA E OUTRO(S) – PR028373

 

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por ROSANGELA DAS GRACA ISAAC e NORIVAL DE OLIVEIRA BOTELHO, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Ação: anulatória c/c pedido de indenização por danos materiais, ajuizada pelos recorrentes, em face de ANDREA MASLOWSKY E OUTROS (9), na qual requerem a anulação de arrematação de imóvel, devido a irregularidades no processo de execução no qual se realizou a alienação (em favor dos próprios exequentes), além de indenização pelo tempo de ocupação do bem (e-STJ fls. 3/28).

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para o fim de anular a arrematação e a posterior alienação do bem arrematado, declarando a nulidade do processo executivo a partir da penhora (fls. 480/499 e 536/539).

Acórdão: por maioria, deu provimento às apelações interpostas pelos réus, para reconhecer o implemento da prescrição e, por consequência, julgar improcedentes os pedidos iniciais, nos termos da seguinte ementa (fl. 733):

ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO. CONFIGURADA. PRAZO PRESCRICIONAL DE QUATRO ANOS INICIADO APÓS A ARREMATAÇÃO PERFEITA, ACABADA E IRRETRATÁVEL (ART. 694 CPC). EXTINÇÃO DA DEMANDA E INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. APELOS 1, 2 E3 PROVIDOS.

Embargos infringentes: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados, nos termos da seguinte ementa (fl. 810):

EMBARGOS INFRINGENTES CÍVEIS. AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO – PRESCRIÇÃO DA AÇÃO – ART. 178, § 9º, V, DO CC/16 – RECONHECIMENTO – PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE TRIBUNAL ESTADUAL – DEMANDA AJUIZADA APÓS O DECURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL – EMBARGOS INFRINGENTES CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

Recurso especial: alega violação do art. 178, § 9º, V, do CC/16, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta que o prazo prescricional da pretensão de anulação da arrematação apenas se inicia quando expedida a respectiva carta, e não quando lavrado o auto de arrematação (fls. 822/839).

Prévio exame de admissibilidade: o TJ/PR não admitiu o recurso especial (e-STJ fls. 881/882), o que ensejou a interposição de agravo em recurso especial (fls. 886/895), que fora provido para melhor exame da matéria em debate (fl. 962).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

O propósito recursal consiste em definir o termo inicial do prazo decadencial da ação anulatória de arrematação de imóvel em hasta pública.

Aplicação do CPC/73, nos termos do Enunciado Administrativo n. 2/STJ.

I – Do procedimento da arrematação

1. A arrematação constitui o ato final do procedimento da hasta pública, por meio do qual o bem objeto do pregão é adjudicado ao licitante que formulou o melhor lanço.

2. De acordo com o disposto no art. 693 do CPC/73, a formalização da arrematação ocorre com a lavratura, de imediato, do respectivo auto, no qual são mencionadas as condições pelas quais o bem foi alienado, a exemplo do preço, do eventual parcelamento, da qualificação do arrematante, etc.

3. Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação é considerada perfeita , acabada e irretratável , nos termos do art. 694, caput, do CPC.

4. Como leciona ARAKEN DE ASSIS, se diz perfeita a arrematação porque obtido consenso quanto aos termos do negócio, tendo o juiz aceito o lanço; acabada porque ultimado o procedimento licitatório e irretratável porque o arrematante não pode mais eficazmente se arrepender¹ (salvo na hipótese de oposição de embargos, consoante previsto no art. 746, § 1º do Codex ).

5. O art. 694, caput, estabelece ainda que eventual acolhimento dos embargos do executado, após a assinatura do auto, não compromete a eficácia da alienação judicial, do que se extrai a nítida intenção do legislador de conferir estabilidade à arrematação, não só impondo obrigação ao arrematante, mas também o protegendo, reduzindo os riscos do negócio jurídico e, desse modo, “propiciando efetivas condições para que os bens levados à hasta pública recebam melhores ofertas, em benefício das partes do feito executivo e da atividade jurisdicional na execução” (REsp 1.313.053/DF, 4ª Turma, DJe de 15/03/2013).

II – Da impugnação à arrematação

6. Apesar da estabilidade outorgada à arrematação, o CPC, no parágrafo primeiro do art. 694, enumera hipóteses em que a alienação judicial pode ser “tornada sem efeito”, seja no interesse do arrematante ou das próprias partes.

7. Quanto à forma de se pleitear a desconstituição da arrematação, tem-se entendido que esta pode ocorrer, pelo executado, mediante a oposição, no prazo de 5 dias, dos embargos de segunda fase previstos no art. 746 do CPC, ou, ainda, por iniciativa de qualquer dos interessados (partes, arrematante ou terceiro prejudicado na forma do art. 698), mediante simples petição nos autos da execução, desde que não tenha sido expedida, ainda, a carta de arrematação.

8. Com efeito, mesmo que considerada perfeita , acabada e irretratável a arrematação a partir da assinatura do auto, é a expedição da respectiva carta que definitivamente encerra o ato da alienação judicial, quando, então, se constituirá título formal em favor do arrematante, que o habilita a promover o registro da propriedade adquirida. Desse modo, até que seja expedida a carta, é possível aos legitimados discutir eventual causa de ineficácia da arrematação de forma incidental na execução.

9. A partir desse momento, somente caberá ao interessado em desconstituir a arrematação o manejo da ação anulatória genérica, prevista no art. 486 do CPC/73².

10. Esse entendimento encontra amparo na jurisprudência desta Corte, como se observa dos seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. PRINCÍPIO DA DEVOLUTIVIDADE E JULGAMENTO ULTRA PETITA. NULIDADES NÃO CONFIGURADAS. LIVRE CONVENCIMENTO. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA N. 7/STJ. EMBARGOS DE TERCEIRO. RECEBIMENTO DA APELAÇÃO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. DECISÃO NÃO IMPUGNADA. PRECLUSÃO TEMPORAL. BEM ARREMATADO. AÇÃO ANULATÓRIA. PRECEDENTES.

[…]

8. Após expedida a carta de arrematação do bem penhorado, nos termos dos arts. 694 e 486 do CPC, somente pode haver a desconstituição por meio da ação anulatória (AgRg no REsp n. 1.328.153/SP e REsp n.1.219.329/RJ), não sendo os embargos de terceiro o instrumento processual cabível.

9. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (REsp 1.287.458/SP, 3ª Turma, DJe de 19/05/2016)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. AFASTAMENTO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE DA ARREMATAÇÃO. CARTA DE ARREMATAÇÃO EXPEDIDA E REGISTRADA NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA. ART. 486 DO CPC. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL HIPOTECADO EM EXECUÇÃO APARELHADA POR CREDOR QUIROGRAFÁRIO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO CREDOR HIPOTECÁRIO. ART. 698 DO CPC. INEFICÁCIA DA ARREMATAÇÃO EM RELAÇÃO AO CREDOR HIPOTECÁRIO (ART. 619 DO CPC), E NÃO SUA NULIDADE.

[…]

4. Uma vez expedida a carta de arrematação e transferida a propriedade com o registro no cartório imobiliário, não é possível a desconstituição do ato nos próprios autos da execução, sendo necessário o ajuizamento da ação anulatória (art. 486 do CPC).

[…]

7. Recursos especiais parcialmente providos. (REsp 1.219.329/RJ, 3ª Turma, DJe de 29/04/2014)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 545 DO CPC. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO VERIFICADA. ALEGAÇÃO DE DESCRIÇÃO GEODÉSICA INCOMPLETA. REVISÃO DO JULGADO QUE IMPORTARIA EM REAPRECIAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. NULIDADE DA ARREMATAÇÃO. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA, ANULATÓRIA. ARTIGO 486 DO CPC. PRECEDENTES.

[…]

3. A desconstituição da arrematação, após a expedição da respectiva carta de arrematação e transferência da propriedade, deve ser deduzida em ação própria, anulatória, prevista no art. 486 do Código de Processo Civil. Precedentes.

4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 94.259/SP, 4ª Turma, DJe de 10/09/2012)

11. Confira-se, ainda: REsp 859.614/RS, 1ª Turma, DJe de 17/12/2008; REsp 577.363/SC, 1ª Turma, DJ de 27/03/2006; REsp 788.873/PR, 1ª Turma, DJ 06/03/2006; REsp 1.006.875/RS, 2ª Turma, DJe de 04/08/2008; REsp 761.294/DF, 2ª Turma, DJ de 03/08/2007; REsp 855.863/RS, 2ª Turma, DJ de 04/10/2006; AgRg no REsp 165.228/SP, 2ª Turma, DJ de 25/09/2000; AgRg no CC 116.338/SE, 1ª Seção, DJe de 15/02/2012; REsp 1.219.093/PR, 3ª Turma, DJe de 10/04/2012; REsp 1.031.037/RS, 3ª Turma, DJe de 14/12/2009; RMS 22.286/PR, 3ª Turma, DJ de 04/06/2007; AgRg no REsp 1.328.153/SP, 4ª Turma, DJe de 02/12/2014; AgRg no REsp 1.137.761/CE, 4ª Turma, DJe de 07/12/2011 e REsp 36.397/CE, 4ª Turma, DJ de 29/11/1993.

12. Na doutrina, este também é o entendimento predominante. Veja-se, a propósito, o que leciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

“Somente depois de expedida a carta de arrematação e operado o seu registro no Cartório Imobiliário, é que se poderá pensar em exigir o recurso a uma ação de anulação fora do processo executivo” (Curso de Direito Processual Civil, vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 387).

13. Assim, em síntese, a desconstituição da arrematação antes da expedição da carta pode ocorrer mediante simples petição incidental ou embargos à arrematação (observado o prazo legal para a oposição destes) e, após aquele momento, apenas por meio de ação anulatória.

III – Do prazo decadencial para o ajuizamento da ação anulatória

14. É antigo o entendimento desta Terceira Turma no sentido de que o direito de pleitear a anulação da arrematação de bem em hasta pública está submetido ao prazo decadencial de 4 (quatro) anos previsto no art. 178, § 9º, V, “b”, do CC/16 (embora com equivocada referência a prescrição), com correspondência no art. 178, II, do CC/02.

15. Observe-se os seguintes precedentes, ambos de Relatoria do Min. Carlos Alberto MENEZES DIREITO:

Arrematação. Ação anulatória. Prazo. Artigos 486 do Código de Processo Civil e 178, § 9º, V, do Código Civil.

1. Não havendo embargos à arrematação aplica-se o art. 486 do Código de Processo Civil, sendo de quatro anos o prazo para o ajuizamento da ação anulatória, nos termos do art. 178, 9º, V, do Código Civil.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 150.115/DF, 3ª Turma, DJ de 22/02/1999)

Arrematação. Ação anulatória. Art. 178, § 9º, V, do Código Civil. Precedente da Terceira Turma.

1. Precedente da Terceira Turma assentou que a incidência do art. 468 do Código de Processo Civil, ausentes os embargos à arrematação, submete a ação anulatória ao prazo de quatro anos, a teor do art. 178, § 9°, V, do Código Civil (REsp nº 150.115/DF, da minha relatoria, DJ de 22/02/99).

2. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 442.238/PR, 3ª Turma, DJ 25/08/2003)

16. Mais recentemente, esta Turma enfrentou novamente a questão, por ocasião do julgamento do EDcl no REsp 1.447.756/PB, assim ementado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL DE 4 ANOS.

1. Em autos de execução entre particulares, se a parte não oferecer os embargos à arrematação no prazo legal, pode propor ação anulatória para impugná-la, com fundamento no art. 486 do Código de Processo Civil, submetendo-se, nesse caso, ao prazo decadencial de 4 (quatro) anos, nos termos dos arts. 178, § 9º, V, “b”, do Código Civil de 1916 ou 178, II, do Código Civil de 2002. Precedentes do STJ.

2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental.

3. Agravo regimental não provido. (EDcl no REsp 1.447.756/PB, 3ª Turma, DJe 24/04/2015)

17. De outro turno, a questão referente ao termo inicial de fluência do mencionado prazo ainda não foi objeto de apreciação pelas Turmas de Direito Privado deste Tribunal, existindo nesta Corte tão somente 2 (dois) julgados, ambos da 2ª Turma, no sentido de que o prazo para o ajuizamento da ação anulatória contar-se-ia a partir da lavratura do auto de arrematação, na execução fiscal (REsp 1.399.916/RS, DJe 06/05/2015, e REsp 1.254.590/RN, DJe de 14/08/2012).

18. Todavia, consoante as ponderações tecidas anteriormente, entende-se inconcebível eleger a lavratura do auto como termo a quo do prazo da ação anulatória, em detrimento da data de expedição da carta de arrematação, haja vista que, antes de constituída a carta, sequer é possível aos legitimados manejarem a ação autônoma de anulação, diante da previsão de outros instrumentos para a dissolução da arrematação. Em outras palavras, não se podendo cogitar da anulação de um ato que ainda é passível de discussão nas vias de impugnação ordinárias (simples petição ou embargos), não há que se falar em fluência do prazo da ação anulatória.

19. Relembre-se que, segundo o princípio da actio nata, “inicia o prazo de prescrição, como de decadência, ao mesmo tempo que nasce para alguém pretensão acionável (Anspruch), ou seja, no momento em que o sujeito pode, pela ação, exercer o direito contra quem assuma situação contrária (…)” (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 483).

20. Cabe destacar, ainda, que a orientação que ora se propõe proporciona uma transição mais suave e estável com o regramento do Novo Código de Processo Civil, no qual o legislador expressamente dispôs que a “invalidação da arrematação” somente poderá ser pleiteada por ação autônoma após a expedição da carta, pois, antes desse momento, cabe ao juiz decidir, incidentalmente, sobre possíveis vícios ou irregularidades do ato, se provocado em até 10 (dez) dias (sem previsão de embargos à arrematação).

21. Veja-se, in litteris, a redação do art. 903, §§ 2º, 3º e 4º, do CPC/2015:

Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.

§ 1o Ressalvadas outras situações previstas neste Código, a arrematação poderá, no entanto, ser:

I – invalidada, quando realizada por preço vil ou com outro vício;

II – considerada ineficaz, se não observado o disposto no art. 804;

III – resolvida, se não for pago o preço ou se não for prestada a caução.

§ 2º O juiz decidirá acerca das situações referidas no § 1o, se for provocado em até 10 (dez) dias após o aperfeiçoamento da arrematação.

§ 3º Passado o prazo previsto no § 2o sem que tenha havido alegação de qualquer das situações previstas no § 1o, será expedida a carta de arrematação e, conforme o caso, a ordem de entrega ou mandado de imissão na posse.

§ 4º Após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário.

22. À luz dessas premissas, conclui-se que o prazo decadencial da ação anulatória de arrematação apenas tem início com a expedição da respectiva carta.

23. Na hipótese dos autos, como se extrai da sentença (e-STJ fls. 487/488), a carta de arrematação foi expedida em 06/12/2006, ao passo em que a ação anulatória foi proposta em 12/09/2009, ou seja, antes de implementado o prazo decadencial.

Forte nestas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para afastar a prejudicial de decadência da ação anulatória e, desse modo, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que prossiga no julgamento das apelações interpostas pelas partes.

EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC DE 1973. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL EM HASTA PÚBLICA. DECADÊNCIA. PRAZO. TERMO INICIAL. DATA DA EXPEDIÇÃO DA CARTA DE ARREMATAÇÃO.

1. Ação ajuizada em 12/01/2009. Recurso especial interposto em 13/11/2012. Autos atribuídos a esta Relatora em 25/08/2016.

2. Aplicação do CPC/1973, nos termos do Enunciado Administrativo n. 2/STJ.

3. O ajuizamento de ação anulatória de arrematação de imóvel em hasta pública submete-se ao prazo decadencial de 4 (quatro) anos – previsto no art. 178, § 9º, V, “b”, do CC/16, com correspondência no art. 178, II, do CC/02 -, contado a partir da data de expedição da carta de arrematação.

4. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Brasília (DF), 16 de maio de 2017(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora