Direito Agrário

A importância da lista de espécies introduzidas no Brasil elaborada pelo Ministério da Agricultura

Direito Agrário

por João Emmanuel Cordeiro Lima e Gustavo Alvoreda.

No dia 22 de março do corrente ano, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou a Instrução Normativa nº 03 do MAPA, por meio da qual atualizou a lista de referência de espécies vegetais domesticadas ou cultivadas que foram introduzidas no território nacional, utilizadas nas atividades agrícolas. Essa lista foi o resultado de um processo de Consulta Pública conduzido no final de 2018, permitindo que o Ministério recebesse contribuições da sociedade para atualizar a relação anteriormente existente e que era sabidamente incompleta.

Apesar de não ter merecido grande destaque quando de sua publicação, a lista em questão tem um papel extremamente relevante para dar maior segurança jurídica às atividades de acesso[1] ao patrimônio genético da biodiversidade estrangeira (exótica) relacionadas ao setor agrícola, sendo que, para fins de aplicação da Lei Federal no 13.123/2015, inclui-se no conceito de atividade agrícola a produção, processamento e comercialização de alimentos, bebidas, fibras, energia e florestas plantadas.

Isso porque, quando envolvem o patrimônio genético nacional, essas atividades são reguladas pela referida lei, a qual estabelece uma série de obrigações a serem cumpridas pelos interessados em pesquisar e desenvolver produtos. Dentre essas podemos destacar o dever de cadastro no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético Nacional e do Conhecimento Tradicional Associado – SisGen – e de pagar repartição de benefícios em determinadas situações.

Não obstante a lei só regular essas atividades quando realizadas sobre o patrimônio genético nacional, não há um banco de dados oficial que possa ser consultado para verificar se uma espécie faz parte desse patrimônio. Menos ainda para verificar se a espécie, apesar de ter origem em outro país, foi aqui domesticada e cultivada e naturalmente desenvolveu características distintivas próprias. Isso é igualmente importante, uma vez que aquelas que preencham esses requisitos são igualmente consideradas nacionais para os fins de aplicação da legislação de acesso ao patrimônio genético, fazendo incidir todas as obrigações previstas na Lei 13.123/2015[2]. O quadro, portanto, é de incerteza, exigindo uma análise muitas vezes casuística para se saber o adequado enquadramento do material biológico que se quer pesquisar.

Ciente desse desafio e considerando que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento possui um amplo conhecimento sobre as espécies efetivamente utilizadas pelo setor agrícola brasileiro, o art. 113 do Decreto Federal 8.772/2016, que regulamentou a Lei 13.123/2015, atribuiu a essa pasta competência para elaborar, publicar e revisar lista de referência de espécies animais e vegetais domesticadas ou cultivadas que foram introduzidas no território nacional, utilizadas nas atividades agrícolas. Estipulou também que lista deve indicar as espécies que formam populações espontâneas e as variedades que tenham adquirido propriedades características distintivas no País. Ou seja, no fim do dia, restou ao MAPA a tarefa de esclarecer, com base no conhecimento técnico disponível, quando uma espécie usada pelo setor agrícola não estará sujeita à Lei 13.123/2015 por ter origem em outro país, ou quando, apesar dessa origem, estará sujeita a esse estatuto legal por ter adquirido características distintivas próprias no Brasil.

Isso não quer dizer que o fato de uma espécie estar fora da lista signifique que ela não possa ser considerada introduzida no território nacional. Na verdade, o próprio Decreto Federal 8.772/2016 reconheceu a incompletude e construção progressiva dessa base de dados ao estabelecer que a lista deve passar por revisões, o que indica o seu caráter eminentemente exemplificativo e não exaustivo. Contudo, apesar dessa limitação, trata-se de referência extremamente útil, pois forma uma base de dados oficial sobre um tema tão carente de informações e que servirá de referência segura para os usuários sobre aquilo que já foi analisado pelo Poder Público.

Assim, a atualização da lista recentemente feita pelo MAPA com a inclusão de várias espécies como introduzidas contribui para dar maior segurança àqueles que pretendem fazer pesquisa com milho, soja, algodão, cana-de-açúcar, tabaco, café, trigo, batata, aveia, babosa, palma, quinoa, eucalipto, amendoim, cebola e muitas outras, pois terão segurança de que elas não se sujeitarão à legislação brasileira sobre o tema. Por outro lado, estarão cientes de que a pesquisa com espécies que, apesar de exóticas, estejam indicadas como tendo desenvolvido propriedades características distintivas no País, se sujeitarão às normas nacionais.

Apesar de voltada para as atividades agrícolas, a lista em questão pode servir como referência também para outros setores, uma vez que uma espécie não pode fazer parte do patrimônio genético nacional para uma atividade e deixar de ser para outra. Assim, indústrias farmacêuticas, de cosméticos ou química que tenham interesse em realizar atividade de pesquisa e desenvolvimento com as espécies indicadas na lista do MAPA igualmente terão um porto seguro para consulta e tomada de decisão. Aliás, a experiência desenvolvida com construção dessa base de dados deveria ser aproveitada para que o Ministério do Meio Ambiente abrace uma iniciativa mais abrangente de classificar não apenas as espécies de interesse do setor agrícola, mas de todos os outros, medida fundamental para assegurar a implementação segura da Lei 13.123/2015 e equilibrar o incentivo à pesquisa e a conservação e uso sustentável da biodiversidade.

Notas:

[1] O art. 2º, VIII da Lei 13.123/2015 define como acesso ao patrimônio genético a pesquisa ou desenvolvimento tecnológico realizado sobre amostra de patrimônio genético.

[2] É o que se conclui da leitura conjunta dos arts. 1º, 2º, XXV e 17 da Lei Federal 13.123/2015.

Autores:

João Emmanuel Cordeiro Lima. Doutorando e Mestre em direitos difusos e coletivos pela PUC/SP. Professor de Direito Ambiental e Internacional da Universidade São Judas Tadeu. Professor assistente da PUC/SP – COGEAE. Sócio do Nascimento e Mourão Advogados. Membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

Gustavo Alvoreda. Graduado em Direito pela Fundação Getúlio Vargas/SP. Advogado do Nascimento e Mourão Advogados.