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Direito dos trabalhadores rurais: condição de liberdade não desqualifica trabalho análogo a escravo

“A 3ª Turma do TRF da 1ª Região deu provimento parcial à apelação do Ministério Público Federal (MPF) de sentença que absolveu três acusados pela prática do delito de redução de pessoas à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal.

De acordo com a denúncia, a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) constatou que os acusados – proprietário de fazenda e empregados – mantiveram 29 empregados em situação análoga a de escravo. Os empregados eram submetidos à situação degradantes de trabalho, alimentares e sanitárias, além de ter direitos trabalhistas sonegados.

Além do mais, segundo o MTE, a mão de obra escrava foi empregada para o desmatamento ilegal da área, e com os denunciados foram apreendidas armas de fogo e diversas motosserras utilizadas na derrubada de florestas.

Em suas alegações recursais, o MPF sustenta que a submissão do trabalhador a condições degradantes não exige, para a sua caracterização, expedientes limitadores de sua liberdade, e que não se pode atribuir ausência do delito porque aparentemente o trabalhador é livre para abandonar o local e buscar melhores condições de trabalho.

Assevera o apelante que a liberdade dos trabalhadores era ‘cerceada por meio da intimidação moral em função dos débitos contraídos, conforme comprovam as cópias dos cadernos de anotação de dívida’. Requer, assim, a condenação dos réus.

Em seu voto, a relatora, desembargadora federal Mônica Sifuentes, assinala que a jurisprudência entende que a condição análoga à de escravo não se restringe exclusivamente às condutas que possam limitar a locomoção da vítima, mesmo a tempo da antiga redação do art. 149 do Código Penal.

Segundo a magistrada, ‘caracteriza-se o trabalho em condições degradantes quando não são respeitados minimamente os direitos fundamentais do trabalhador, tais como alimentação, moradia, higiene, saúde, proteção contra acidentes, além de respeito aos seus direitos previstos na legislação trabalhista. O crime fere a dignidade da pessoa humana, colocando em risco a manutenção da Previdência Social e as instituições trabalhistas’.

Assim, considerando a gravidade da conduta e o fato de o crime ter sido cometido contra trabalhadores rurais ‘extremamente vulneráveis e carentes de políticas públicas ou sociais de amparo, proteção e orientação’, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, nos termos do voto da relatora”.

Fonte: TRF1, 16/06/2016.

Direito Agrário

Confira a decisão:

APELAÇÃO CRIMINAL 2004.39.01.000442-2/PA

Processo na Origem: 4498520044013901

RELATOR(A) : DESEMBARGADORA FEDERAL MONICA SIFUENTES

APELANTE : JUSTICA PUBLICA

PROCURADOR : TIAGO MODESTO RABELO

APELADO : EUCLEBE ROBERTO VESSONI

APELADO : LUIZ CARLOS SILVA PARREIRA

APELADO : JOSE VALDIR RODE

ADVOGADO : SERGIO LUIZ DE ANDRADE E OUTRO(A)

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. OMITIR INFORMAÇÕES DE SEGURADO EM DOCUMENTO RELACIONADO COM AS OBRIGAÇÕES DA EMPRESA PERANTE A PREVIDÊNCIA SOCIAL.

1. A redação dada ao caput do art. 149 do Código Penal pela Lei 10.803, de 11/12/2003, apenas explicitou os elementos e as circunstâncias já consagradas pela jurisprudência pátria como inerentes ao conteúdo normativo do referido tipo penal.

2. Em recentes julgados, com suporte em conclusão do Supremo Tribunal Federal, esta Turma afastou a necessidade da prova da coação física ou cerceamento da liberdade de locomoção para a configuração do delito tipificado pelo art. 149 do CP. Bastando que verifique a submissão da vítima a serviços forçados ou jornada exaustiva, ou a condições de degradantes. Condutas, portanto, alternativas. (Precedentes da Turma).

3. O crime do art. 297, § 4º, do CP não exige dolo específico. Para sua configuração, basta que o empregador deixe de fazer as anotações na carteira de trabalho e previdência social (CTPS) do empregado. (Precedentes da Turma).

4. O delito do art. 297, § 4º, do CP não constitui meio para a prática do crime mais grave, e o do art. 149 do CP, pressuposto básico para se falar em absorção de um delito pelo outro. Na hipótese, não há que se falar em aplicação do princípio da consunção. (Precedente deste Tribunal).

5. Na hipótese, não ocorre absorção do crime do art. 297, § 4º, do CP (mais grave) pelo crime do art. 203, também do CP (frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação trabalhista), tendo em conta que tutelam bens jurídicos diversos (o primeiro, a fé pública, e o segundo, as leis trabalhistas). (Precedente deste Tribunal).

6. O sujeito ativo do crime do art. 297, § 4º, do CP é aquele que tem a obrigação legal de fazer inserir os dados do trabalhador em documentos trabalhistas e previdenciários, na hipótese, o proprietário da fazenda.

7. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, nos termos do voto da Relatora.

Brasília-DF, 19 de abril de 2016.

Desembargadora Federal MÔNICA SIFUENTES

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA SIFUENTES (RELATORA):

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença proferida pelo Juiz Federal João César Otoni de Matos, da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Marabá/PA, que julgou improcedente a denúncia para, nos termos do art. 386, VI e VII, do Código de Processo Penal, absolver os réus EUCLEBE ROBERTO VESSONI, LUIZ CARLOS SILVA PARREIRA e JOSÉ VALDIR RODE da acusação de cometimento dos crimes previstos nos arts. 132 (expor a vida e a saúde de outrem a perigo direto e iminente); 149 (redução à condição análoga à de escravo); 203 (frustrar direito trabalhista); 297, § 4º (omitir dados de segurados da previdência social); e 337-A do Código Penal (sonegação de contribuição previdenciária); art. 51 da Lei 9.605/1998 (usar motosserra sem autorização); e art. 10 da Lei 9.437/1997 (posse, sem autorização, de arma de fogo de uso permitido).

De acordo com a denúncia, fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), no período de 30/04 a 06/05/2003, na Fazenda Ponta da Pedra, no município de Marabá/PA, constatou que os acusados Euclebe Roberto (proprietário das terras), Luiz Carlos (gerente da propriedade), e José Valdir (auxiliar), de forma livre e consciente, reduziram 29 (vinte e nove) trabalhadores à condição análoga à de escravo.

A ação criminosa consistia na arregimentação de trabalhadores, pelos acusados Luiz Carlos e José Valdir, e posteriormente, na submissão das vítimas a situações degradantes de trabalho, alimentares e sanitárias, além de, mediante fraude, frustrar direitos trabalhistas e negar-lhes o fornecimento de equipamentos de proteção à saúde e segurança.

Os trabalhadores foram resgatados pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego.

Ainda conforme a inicial, a mão-de- obra escrava foi utilizada para o desmatamento ilegal da área, e com eles foram apreendidas armas de fogo e diversas motosserras utilizadas na derrubada e roço de florestas.

Foi também averiguada a exploração de trabalho infantil e de portadores de deficiência física.

Assim, o MPF imputou aos denunciados a prática dos crimes previstos nos arts. 132, 149, 203, 297, § 4º e 337-A, todos do CP, bem como dos art. 51 da Lei 9.605/1998 e art. 10 da Lei 9.437/1997 (fls. 03/10).

A denúncia foi recebida em 26/04/2004 à fl. 91.

Determinado o trancamento da ação quanto ao crime descrito no art. 337-A do CP (fl. 469), e declarada extinta a punibilidade quanto aos tipos penais dos arts. 132 e 203 do CP, art. 51 da Lei 9.605/1998 e art. 10 da Lei 9.437/1997 (fls. 523/524).

A sentença reconheceu a prescrição do delito do art. 203 do CP e absolveu os acusados quanto aos crimes dos arts. 207 (acolhendo manifestação ministerial), 149 e 297, § 4º, todos do Código Penal.

Para o magistrado de primeiro grau, embora constatadas algumas irregularidades trabalhistas na referida fazenda, estas não poderiam ser consideradas condições degradantes de trabalho para efeito do art. 149 do CP, ainda mais considerando sua redação original, pois não restou comprovada a privação de liberdade e o completo estado de sujeição das vítimas. Em relação ao crime do art. 297, § 4º, do CP, entendeu que não ficou demonstrada a intenção de fraudar a Previdência Social com a omissão dos registros dos contratos de trabalho (fls. 851/857).

Segundo o recorrente, a conduta praticada pelos réus já era típica ao tempo da antiga redação do art. 149 do CP, sendo que a nova redação do artigo, em verdade, explicita, exemplifica ou especifica elementos e circunstâncias já inerentes ao conteúdo normativo do tipo.

Assevera que a submissão do trabalhador a condições degradantes não exige, para sua caracterização, expedientes limitadores de sua liberdade.

Defende ser inadmissível que a submissão do trabalhador a condições indignas de trabalho, sem coerção aparente, possa resultar na atipicidade da conduta.

Alega que não se pode atribuir ausência de materialidade à conduta apenas porque o trabalhador aparentemente é livre para abandonar o local e buscar melhores condições de trabalho.

Para a acusação, o pernoite nos alojamentos não é condição necessária à configuração do tipo penal.

Considera as próprias condições sociais e econômicas de tais trabalhadores, por si sós, elementos a levá-los à submissão, sem que o empregador seja obrigado a empreender maiores esforços para subjugar seus empregados, na sua maioria, sem escolaridade e à margem da sociedade.

Assim, a liberdade dos trabalhadores era cerceada por meio da intimidação moral em função dos débitos contraídos, conforme comprovam as cópias dos cadernos de anotação de dívidas (apenso).

Sobre o crime do art. 297, § 4º, do CP, o apelante ressalta que o tipo penal não exige o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como fundamentou o magistrado.

Ainda que exigisse, haveria provas nos autos quanto a este fim, pois os administradores da fazenda contavam com um grande número de trabalhadores, todos sem qualquer anotação do vínculo empregatício; alguns, inclusive, com mais de 02 (dois) anos de trabalho prestado.

Requer a reforma da sentença com a condenação dos réus nas penas dos arts. 149, caput, e 297, § 4º, na forma do art. 69, todos do Código Penal.

Contrarrazões a fls. 869/881.

O Ministério Público Federal, em parecer da Procuradora Regional da República Andréa Bayão Pereira Freire, manifesta-se pelo provimento do recurso (fls. 885/897).

É o relatório.

Ao eminente Revisor.

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA SIFUENTES (RELATORA):

 

No presente recurso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL busca a condenação dos apelados EUCLEBE ROBERTO VESSONI, LUIZ CARLOS SILVA PARREIRA e JOSÉ VALDIR RODE nas sanções dos arts. 149, caput, e 297, § 4º, na forma do art. 69, todos do Código Penal.

Do crime do art. 149, caput, do Código Penal

 

A sentença absolveu os apelados Euclebe Roberto, Luiz Carlos e José Valdir da imputação de cometimento do crime do art. 149, caput, do CP (reduzir à condição análoga à de escravo), com fundamento no art. 386, VI e VII, do Código de Processo Penal.

Consoante a acusatória, foram encontrados 29 (vinte e nove) trabalhadores em situação irregular na Fazenda Ponta de Pedra, de propriedade do apelado Euclebe Roberto.

Os referidos trabalhadores foram contratados pelo acusado Luiz Carlos, com promessas de salários atrativos, e, posteriormente, mantidos na fazenda em condições de trabalho degradantes e desumanas, sob ameaça e fiscalização do corréu José Valdir.

A inicial também narra ausência ou falta de periodicidade do pagamento pelos serviços executados, além de acomodação dos trabalhadores em barracos sem as mínimas condições de habitação, pois eram insalubres e desprovidos de instalações sanitárias.

Acrescenta terem sido encontradas armas na propriedade, as quais eram utilizadas para intimidar os trabalhadores, que foram resgatados pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

A sentença absolveu os réus com base nas seguintes premissas:

  • embora as condições dos trabalhadores fossem precárias e houvesse irregularidades trabalhistas, de acordo com a prova produzida nos autos, não é possível concluir sequer ter havido prática de trabalho em condições degradantes na Fazenda Ponta de Pedra, quanto mais privação da liberdade das vítimas;

  • os fatos demonstrados não podem ser considerados condições degradantes de trabalho para efeito de incidência do art. 149 do CP, ainda mais levando-se em consideração sua redação original; e

  • não ficou plenamente comprovada a privação da liberdade e o completo estado de sujeição das vítimas.

Em suas razões de apelação, o MPF pugna pela condenação  nos seguintes comportamentos típicos já na redação anterior do referido dispositivo: submissão dos trabalhadores a condições degradantes e cerceamento da liberdade das vítimas por meio de intimidação moral, em razão dos débitos contraídos.

O tipo penal do art. 149, caput, do CP, na redação dada pela Lei 10.803, de 11/12/2003, pune com pena de reclusão de 02 (dois) a 08 (oito) anos e multa, além da sanção correspondente à violência, a conduta de:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Na redação vigente na época dos fatos descritos nestes autos (30/04 a 06/05/2003), embora as sanções fossem as mesmas, referia-se apenas à conduta de “redução à condição análoga à de escravo”.

Tem razão o MPF ao contestar a sentença no ponto em que conclui ser atípica a conduta praticada pelos réus ao tempo da antiga redação do art. 149 do Código Penal.

Conforme defende o apelante, a nova redação do caput do art. 149 do CP, em verdade, apenas explicitou os elementos e as circunstâncias já consagradas pela jurisprudência pátria como inerentes ao conteúdo normativo do referido tipo penal.

Nesse sentido decidiu esta Turma:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ARTS. 149 E 333 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E CORRUPÇÃO ATIVA. PROVA DIRETA ÚNICA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO DO RÉU, PELO DELITO DE CORRUPÇÃO ATIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. NOVA REDAÇÃO DA LEI 10.803/2003. CONDUTA PREEXISTENTE. SUJEIÇÃO DE EMPREGADOS A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE NOVATIO LEGIS IN PEJUS, NO PARTICULAR. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS PROVADAS. APELAÇÕES PROVIDAS.

[…]

IV – O Juízo a quo, na sentença, examinou detidamente a prova dos autos, concluiu que há provas de que os empregados do réu eram submetidos a condições degradantes de trabalho, mas absolveu-o, por entender que o art. 149 do Código Penal, com a redação da Lei 10.803, de 11/12/2003 – que explicitou os vários modos pelos quais o delito pode ser praticado, entre eles a sujeição de trabalhadores a condições degradantes de trabalho -, não poderia ser aplicado retroativamente, a fato ocorrido, in casu, em 2001.

V – De acordo com a jurisprudência pátria, o conceito de condição análoga à de escravo, à época dos fatos, em 2001, não se restringia exclusivamente às condutas que limitassem a liberdade de locomoção da vítima, mas já abarcava as condutas que foram apenas explicitadas, posteriormente, na nova redação, dada ao art. 149 do Código Penal, pela Lei 10.803/2003, não se configurando, portanto, no caso, indevida aplicação retroativa da mencionada Lei a fatos anteriores à sua vigência, eis que, no que tange às modalidades hoje descritas, taxativamente, no tipo penal, não se trata de lei nova, prejudicial ao agente (novatio legis in pejus), mas apenas de norma legal que explicitou o entendimento, consolidado na jurisprudência, acerca de tal conceito, o qual possuía como parâmetro analógico não somente a ideia de escravidão, gravada na história do Brasil  caracterizada, no essencial, pelo sequestro e cárcere privado da vítima, em face de uma relação de trabalho), mas também as condições ideais de trabalho, amplamente estabelecidas na legislação trabalhista (Decreto-Lei 5.452/43) e extensiva ao meio rural, notadamente com a promulgação, em 1973, da Lei 5.889 – ainda em vigor -, que revogou a Lei 4.214/63 e o Decreto-Lei 761/69. Precedentes jurisprudenciais.

VI – A aplicação mais gravosa do art. 149 do Código Penal somente poderia ser considerada no que concerne à forma qualificada do delito – prevista no § 2º do art. 149 do Código Penal -, bem como à fixação cumulativa de pena de multa e daquela relativa à violência, que foram as efetivas inovações, inseridas no mencionado tipo penal, pela Lei 10.803/2003. (ACR 00006085720064013901, Desembargadora Federal Assusete Magalhães, TRF1 – Terceira Turma, e-DJF1 Data: 27/04/2012 Página: 1023).

De todo modo, o caso destes autos configura hipótese de “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”, nos exatos termos da redação vigente à época dos fatos.

A jurisprudência de então, conforme visto no julgado acima, já entendia que o conceito de condição análoga à de escravo não se restringia exclusivamente às condutas que limitassem a  liberdade de locomoção da vítima, mas já abarcava, na época, as condutas posteriormente explicitadas pelo tipo penal agora vigente.

Também à luz da legislação da época e, conforme interpretação jurisprudencial que sedimentou a nova redação do art. 149 do CP, caracteriza-se o trabalho em condições degradantes quando não são respeitados minimamente os direitos fundamentais do trabalhador, tais como alimentação, moradia, higiene, saúde, proteção contra acidentes, além de respeito aos seus direitos previstos na legislação trabalhista. O crime fere a dignidade da pessoa humana, colocando em risco a manutenção da Previdência Social e as instituições trabalhistas.

Sobre a questão, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu pela desnecessidade da restrição da liberdade de ir e vir para a configuração do delito em comento, bastando condutas alternativas de submissão a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas, ou a condições degradantes de trabalho:

PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais. (Inq 3412, Relator(a):  Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2012, Acórdão Eletrônico DJe-222 DIVULG 09/11/2012 PUBLIC 12/11/2012).

Sobre condições degradantes de trabalho, em comentários ao delito do art. 149 do CP, cabe novamente o escólio de Guilherme

de Souza Nucci:

 

Condições degradantes de trabalho: Degradação significa rebaixamento, indignidade ou aviltamento de algo. No sentido do texto, é preciso que o trabalhador seja submetido a um cenário humilhante de trabalho, mais compatível a um escravo do que um ser humano livre e digno. Logo, apesar de se tratar de tipo aberto, dependente, pois, da interpretação do juiz, o bom senso está a indicar o caminho a ser percorrido, inclusive se valendo o magistrado da legislação trabalhista, que preserva as condições mínimas apropriadas do trabalho humano [1].

 

Em recentes julgados, com suporte em conclusão do Supremo Tribunal Federal, esta Turma afastou a necessidade da prova da

coação física ou cerceamento da liberdade de locomoção para a configuração do delito tipificado pelo art. 149 do CP. Basta que

se verifique a submissão da vítima a serviços forçados, ou à jornada exaustiva, ou a condições degradantes. Condutas, portanto,

alternativas:

PENAL E PROCESSO PENAL. PRESCRIÇÃO. ALICIAMENTO DE TRABALHADORES. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149 DO CP. EXPLORAÇÃO DE TRABALHADORES. SUBMISSÃO FÁTICA. CARACTERIZAÇAO DO DELITO. PENALIDADE. RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO.

1. Prescrição da pretensão punitiva estatal reconhecida em relação ao crime previsto no art. 207 do Código Penal, ocorrida entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia. Decretada extinta a punibilidade dos réus quanto ao crime do art. 207 do CP (arts. 107, IV; 109, V, c/c o art. 110, todos do CP, na forma do art. 61 do CPP). Recurso de apelação quanto ao referido crime prejudicado.

2. Configuração do delito consistente na redução a condição análoga à de escravo, na forma estabelecida no art. 149, do Código Penal, diante dos elementos de prova existentes nos autos, que demonstram a exposição de trabalhadores às condições  degradantes e apossamento dos documentos pessoais.

3. Em recentes julgados, com suporte em conclusão do Supremo Tribunal Federal, esta Turma afastou a necessidade da prova da coação física ou cerceamento da liberdade de locomoção para a configuração do delito tipificado pelo art. 149 do CP. Bastando que verifique a submissão da vítima a serviços forçados ou jornada exaustiva ou a condições de degradantes.  Condutas, portanto, alternativas. (Precedentes da Turma).

4. A exploração de um grupo de 88 (oitenta e oito) trabalhadores, com vistas à utilização mão-de- obra barata, aliada ao péssimo estado das acomodações, não lhes proporcionando o mínimo de higiene, com a retenção dos documentos e parte dos salários, acaba por agravar a culpabilidade, as circunstâncias e consequências do crime, a ensejar, assim, a majoração da pena-base.

5. Apelação do Ministério Público Federal provida. Sentença absolutória reformada. (ACR 0000462-19.2006.4.01.3803/MG, Rel. Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, Rel. Conv. Juiz Federal Renato Martins Prates (Conv.), Terceira Turma, e-DJF1 p. 4506 de 31/07/2015).

PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. DENÚNCIA. RECEBIMENTO.

1. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu pela desnecessidade da restrição da liberdade de ir e vir para a configuração do delito de redução a condição análoga à de escravo, bastando condutas alternativas de submissão a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho (INQ 3412).

2. Para a consumação da figura típica de submissão a condição aviltante de trabalho exige-se comprovação de um conjunto de fatores que, associados, demonstrem a degradação da relação trabalhista e a afronta à dignidade do indivíduo.

3. Condições degradantes de habitação, alimentação e sanitárias, além da ausência de equipamentos de proteção individual são circunstâncias que em princípio denotam o crime de redução de trabalhadores a condição análoga à de escravos e dão ensejo à admissão da denúncia.

4. Recurso em sentido estrito provido. (RSE 0002953- 79.2013.4.01.3600/MT, Rel. Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, Rel. Conv. Juiz Federal Renato Martins Prates (Conv.), Terceira Turma, e-DJF1 p. 281 de 01/08/2014).

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PERPETUATIO JURISDICTIONIS. LITISPENDÊNCIA. INEXISTÊNCIA. SUJEIÇÃO DA PESSOA QUE TENHA RELAÇÃO DE TRABALHO AO PODER DO SUJEITO ATIVO DO CRIME. DESNECESSIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE. PROVA. CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO.

[…]

4. O Supremo Tribunal Federal decidiu que, para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno (Inq 3412/AL).

5. Apelação não provida. (ACR 0004448- 75.2010.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, e-DJF1 p. 1166 de 20/02/2015).

PENAL E PROCESSO PENAL. ARTS. 149, CAPUT, E 297, § 4º, CP. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E OMISSÃO DE DADOS DO TRABALHADOR/SEGURADO EM DOCUMENTO PÚBLICO. MAJORAÇÃO DE PENA CONSIDERANDO A CONTINUIDADE DELITIVA.

1. Precárias condições de trabalho e isolamento físico dos trabalhadores no interior da Fazenda Córrego do Limão, diante do conjunto probatório coligido, comprovam o crime previsto no art. 149 do CP, sobretudo diante da decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal no Inq. 3412/AL.

2. No caso, o delito tipificado no art. 297, § 4º, do CP corresponde à omissão dolosa do réu relativa aos registros de contratos de trabalho e/ou prestação de serviços nas CTPS de trabalhadores, os quais deveriam produzir efeitos perante a Previdência Social.

3. Sendo 09 (nove) as vítimas identificadas do delito, cabível o aumento do percentual relativo à continuidade delitiva.

4. Apelações parcialmente providas. (ACR 0000040- 70.2008.4.01.3901/PA, Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, e-DJF1 p. 2572 de 13/03/2015).

PENAL. PROCESSUAL PENAL. REDUÇÃO DE TRABALHADOR À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA. ALICIAMENTO. OMISSÃO EM DOCUMENTO PÚBLICO OFICIAL DE INFORMAÇÕES E DADOS OBRIGATÓRIOS REFERENTES AOS EMPREGADOS. CONDUTAS CONFIGURADAS. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PROVA DA MATERIALIDADE. INDÍCIOS DE AUTORIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CONFIGURAÇÃO. RECEBIMENTO. RECURSO PROVIDO.

1. Não deve ser rejeitada a denúncia que, em princípio, preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e está acompanhada de prova da materialidade e de indícios de autoria quanto à prática dos delitos previstos no art. 149, caput, § 2º, I, art. 203, caput, art. 207, caput, e art. 297, § 4º, todos do Código Penal Brasileiro, ainda que submetidos a confirmação na instrução.

2. A submissão de trabalhadores a condições degradantes de trabalho, em precárias instalações, sem estrutura sanitária, água potável, ou mesmo local apropriado para armazenamento da comida, ainda que se considere a realidade do interior do país, configura, em tese, o delito de redução a condição análoga à de escravo.

[…]

4. Recurso em sentido estrito provido. (RSE 0005118- 64.2012.4.01.4302/TO, Rel. Desembargador Federal Mário César Ribeiro, Terceira Turma, e-DJF1 p. 5340 de 27/02/2015).

 

Na hipótese dos autos, em fiscalização feita pelo MTE, constatou-se a presença de trabalhadores em situação irregular na fazenda de propriedade do apelado Euclebe Roberto.

Eis o resultado da ação fiscal:

Número de empregados 45
Número de trabalhadores retirados 28
Número de trabalhadores registrados sob ação fiscal 45
Número de armas apreendidas 04
Número de motosserras apreendidas 06
Número de mulheres 03
Número de crianças/adolescentes com menos de 16 anos 01
Número de adolescentes em atividade proibida 01
Total de verbas pagas R$ 64.240,00
Número de autos de infração lavrados 13
Número de CTPS emitidas 40
Auto de apreensão e guarda 01

 

(fls. 16/17 do apenso)

Os autos de apresentação e apreensão dão conta que foram apreendidas em poder dos apelados: 02 (duas) espingardas, 04 (quatro) cartuchos recarregados e 01 (um) deflagrado (fl. 13), e 07 (sete) motosserras (fl. 14).

Sobre os fatos ocorridos em 2003, assim resumiu o relatório da autoridade policial (fls. 34/36):

Em 30/10/2003, foi realizada operação de repressão ao trabalho forçado e degradante por equipe do Departamento de Polícia Federal chefiado por mim, acompanhando os fiscais do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e do Emprego sob chefia da Dra. Marinalva Cardoso Dantas e contando também com a presença do representante do Ministério Público do Trabalho, Dr. Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé. Com base em informações, a equipe se dirigiu à FAZENDA PONTA DE PEDRA (também conhecida com FAZENDA TAPIRAPÉ), entre os Municípios de Marabá e Itupiranga/PA, […] de propriedade  EUCLEBE ROBERTO VESSONI.

Lá chegando, a equipe interministerial procedeu ao trabalho de campo, para localização e identificação dos trabalhadores braçais que laboravam no roçado (‘juquira’) e na aplicação de agrotóxico. Foram identificados no total vinte e nove trabalhadores (incluídas duas cozinheiras). O gerente da fazenda, responsável pela administração dos trabalhos e pela contratação e trato com os empregados foi identificado como sendo LUIZ CARLOS SILVA PARREIRA, residente no local junto com a família e presente durante todo o trabalho de fiscalização.

Entrevistas com os trabalhadores revelam que todos eles trabalhavam de sol a sol com total desrespeito aos mais básicos direitos trabalhistas, tais como folga semanal, jornada máxima, horas-extras etc. Não bastassem todas essas ilegalidades, constatou-se também que o próprio salário não estava sendo regularmente pago, e alguns dos peões trabalhavam já há vários meses sem nada receber – fato sanado apenas em razão da articulação do Grupo Móvel de Fiscalização.

[…]

O que se constatou foi a violência psicológica, consubstanciada na grave ameaça de não pagamento do salário devido. Ou seja, o fazendeiro, através do administrador da fazenda, impunha aos trabalhadores braçais carga excessiva de trabalho, além da  jornada legal, sem descanso semanal, em condições desumanas, com a ameaça de que não os pagaria em caso de desobediência.

Além disto, parte dos trabalhadores era alojada em barracas de lona absolutamente inadequadas, sem proteção contra intempéries climáticas ou animais bravios. A água consumida provinha de riachos infectados com fezes e urinas de animais, e era esta mesma água que servia para banho dos trabalhadores, também para cozinhar e para beber. Vários trabalhadores laboravam na aplicação de veneno herbicida sem a utilização de qualquer equipamento de proteção. Havia mesmo uma criança de 13 anos de idade que ali já trabalhava há mais de um ano, chegando mesmo a manejar motosserra (trata-se de Divonaldo, filho de Luiz Alves de Oliveira, cujas informações constam dos autos).

Todos estes fatos restam claros das declarações dos próprios trabalhadores, além do depoimento dos Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, Dr. Celso Roberto Cavalcanti e Dra. Elierci da Cunha Buzin, e ainda das diversas fotografias juntadas aos autos (fls. 34/35).

Em razão disso, foram lavrados 15 (quinze) autos de infração (fls. 89/111 do apenso).

Sobre as condições dos trabalhadores, assim fez constar o relatório de ação fiscal do MTE:

Aos poucos fomos recebendo notícias de barracos em condições sub-humanas, tendo nossa equipe visitado os mesmos (fotos a fls. 33 a 35 e 43 a 46).

[…]

A água era fornecida em condições inservíveis aos trabalhadores braçais, tiradas de córregos ou poças barrentas (fotos a fls. 34,38 e 47).

[…]

Nenhum trabalhador recebeu gratuitamente Equipamentos de Proteção Individual obrigatório para o desempenho de suas funções.

O cardápio era o invariável feijão-com- arroz, com alguma mistura de carne bovina ou caça, que era salgada e pendurada ao relento, sofrendo a ação das moscas e outros insetos (fotos a fls. 34 e 35).

Os vaqueiros, como de praxe, tinham sua alimentação de melhor qualidade, preparada em uma cozinha  privativa, com duas cozinheiras, constando do cardápio carne cozida e frita, arroz e feijão, servidos em duas grandes mesas do terraço da casa onde era o alojamento dos trabalhadores da sede, no qual residia também o gerente com sua família.

Havia uma garrafa térmica com café permanentemente reabastecida para uso dos empregados mencionados. (fls. 19/23 do apenso).

As condições degradantes e desumanas são evidenciadas pelas fotografias a fls. 28/33 e 49/66 do apenso e fls. 28/33 dos autos principais.

As provas documentais são corroboradas pelos depoimentos das testemunhas.

Em fase policial, as vítimas assim declararam:

[…] foi procurado por LUIZ CARLOS SILVA PARREIRA, em janeiro de 2003, o qual lhe propôs trabalhar na Fazenda Ponta de Pedra (Tapirapé), para fazer serviço de roçado e aplicação de herbicida para preparo de pastagem; QUE aceitou a proposta e começou a trabalhar em 20.01.2003, ao preço combinado de R$ 40,00 (quarenta reais) por alqueire roçado; QUE no tempo em que permaneceu na fazenda residiu em uma barraca de lona e palha, armada próxima ao local de trabalho e aonde antes havia um chiqueiro; QUE no dia em que chegou o próprio declarante retirou os porcos do local e limpou o terreno para armar a barraca. QUE dormia e fazia suas refeições sempre naquele local, lá permanecendo durante todo o dia; QUE a água que bebia era a de um córrego próximo, a qual geralmente estava suja de urina e fezes de gado; QUE trabalhava durante todo o dia, enquanto havia luz; QUE trabalhava durante toda a semana, inclusive aos domingos; QUE recebia ordens e orientações de LUIZ CARLOS, o qual reclamava quando via que o declarante e outros trabalhadores não estavam trabalhando, mesmo se fosse domingo; QUE durante todo o tempo que permaneceu na fazenda, até a presente data, não recebeu qualquer remuneração; QUE lidava com veneno herbicida sem qualquer equipamento de proteção, pois LUIZ CARLOS não o forneceu; QUE sabe que o referido  produto pode causar danos a sua saúde, mas ainda assim trabalhava sem a proteção, pois não havia outra opção; QUE LUIZ CARLOS mantinha consigo um caderno para anotar as dívidas dos trabalhadores; QUE eram cobradas as refeições consumidas e os instrumentos de trabalho; QUE foi cobrado inclusive uma bomba de jatear veneno, no valor de R$ 130,00 (cento e trinta reais), a qual após quitada, foi tomada de volta por LUIZ CARLOS; QUE LUIZ CARLOS informou que a dívida do declarante estava em R$ 600,00 (seiscentos reais); QUE LUIZ CARLOS disse também que não faria pagamento algum enquanto todo o serviço não estivesse completo; QUE apesar disso nunca foi impedido de sair da fazenda, lá permanecendo na esperança de receber o pagamento devido (José Adailton da Conceição à fl. 19).

[…] contratado pelo gerente LUIZ CARLOS SILVA PARREIRA, inicialmente para fazer uma cerca, ao preço combinado de R$ 10,00 (dez reais) por dia de trabalho; QUE ao final de dezessete dias e meio finalizou o trabalho da cerca, mas LUIZ CARLOS se recusou a pagar, alegando que EUCLEBE já havia sofrido prejuízo em razão de um empreiteiro de nome RAIMUNDO haver abandonado o trabalho antes do combinado; QUE RAIMUNDO era quem determinava os horários e condições de trabalho, durante a construção da cerca; QUE RAIMUNDO era muito rígido, sendo que o declarante chegou a trabalhar sob chuva e adoentado com febre; QUE apesar das insistências do declarante, LUIZ CARLOS não pagou pelo serviço contratado e realizado; QUE LUIZ CARLOS então propôs que o declarante passasse a trabalhar no serviço de roçado e aplicação de veneno para formação de pastagem, como condição para recebimento dos valores devidos; QUE LUIZ CARLOS disse pagaria o declarante aos poucos com dinheiro do próprio bolso, uma vez que EUCLEBE definitivamente não faria o pagamento; QUE o declarante aceitou trabalhar no roçado na esperança de assim receber o que lhe era devido; QUE combinou com LUIZ CARLOS o preço de R$ 70,00 (setenta reais) por alqueire roçado; QUE no tempo em que permaneceu na fazenda residiu em barracas de lona, sempre armadas próximas aos locais de trabalho; QUE dormia e fazia suas refeições sempre nas barracas de lona; QUE a água que bebia era a de um buraco cavado pelo próprio declarante, próximo ao “alojamento”; QUE trabalhava durante todo o dia, enquanto havia luz; QUE geralmente descansava aos domingos; QUE durante todo o tempo que permaneceu na fazenda, até a presente data, não recebeu qualquer remuneração; QUE lidava com o veneno herbicida sem qualquer equipamento de proteção, pois LUIZ CARLOS não o forneceu; QUE sabe que o referido produto pode causar danos à saúde, mas ainda assim trabalhava sem a proteção, pois não havia outra opção; QUE durante esse tempo o proprietário EUCLEBE ROBERTO VESSONI compareceu à fazenda apenas uma vez; QUE LUIZ CARLOS mantinha  consigo um caderno para anotar as dívidas dos trabalhadores; QUE eram cobradas as refeições consumidas e os instrumentos de trabalho (Pedro Gomes da Silva à fl. 20).

No mesmo sentido, declararam José Oliveira (fl. 21), Divonei Alves de Oliveira (fl. 22) e Luiz Alves de Oliveira (fl. 23). Este declarou trabalhar na fazenda, sem receber qualquer remuneração, há quase 02 (dois) anos.

O acusado Luiz Carlos assim declarou em fase policial:

Que quando chegou à fazenda havia poucos trabalhadores de roçado (juquira), um número aproximado de dez, os quais já estavam trabalhando; QUE os referidos trabalhadores apenas faziam roçado sem a utilização do veneno, mas já residiam em alojamento de lona, semelhantes àqueles encontrados pelo Grupo de Fiscalização do Ministério do Trabalho; […] QUE tem conhecimento de que os alojamentos dos trabalhadores são inadequados […] QUE EUCLEBE não costumava ir às pastagens aonde trabalhavam os peões encarregados da juquira; QUE apesar disso EUCLEBE tinha pleno conhecimento das condições de trabalho dos mesmos no que se refere às condições de alojamento, à água consumida, e ao fato de os trabalhadores que lidavam com herbicida o fazerem sem a devida proteção (Luiz Carlos Silva Pereira a fls. 38/39).

O acusado José Valdir declarou em Juízo: “[…] os trabalhadores ficavam alojados em barracas de lona, tais como aquelas retratadas à fl. 28 (fl. 432)”.

Marinalva Cardoso Dantas, auditora fiscal do trabalho, relatou em Juízo (fl. 586, áudio) que na fazenda havia 02 (dois) grupos de trabalhadores bem distintos:

  • o primeiro era composto por vaqueiros de confiança do acusado Luiz Carlos, vivia na sede da fazenda e tinha melhor tratamento; e
  • o segundo era formado pelos demais trabalhadores submetidos a condições desumanas de trabalho, habitando em alojamentos insalubres e recebendo alimentação precária.

Relatou terem sido encontrados vários cadernos com anotações de dívidas contraídas pelos trabalhadores, os quais, segundo a referida testemunha, só poderiam deixar a fazenda caso saldassem as dívidas. Afirmou ainda ter encontrado um menor de idade (mais ou menos treze anos) que trabalhava operando motosserra.

A testemunha Elierci da Cunha Magro, servidora pública federal e também participante da fiscalização empreendida na Fazenda Ponta de Pedra, no mesmo sentido da testemunha anterior, declarou em Juízo (fl. 620, áudio) ter encontrado um menor de idade trabalhando na propriedade em comento.

Acrescentou que os trabalhadores ficavam em alojamentos  de lona, nos quais, certamente, habitavam, pois a fiscalização encontrou vítimas em locais como este à noite, no meio da floresta.

Reitera terem sido encontradas com Luiz Carlos (gerente) várias cadernetas com anotações de dívidas dos trabalhadores, que relataram existirem capangas armados na fazenda.

Segundo relata, a propriedade fica em local de difícil acesso e os equipamentos de proteção eram vendidos aos trabalhadores.

Os depoimentos dos servidores públicos são corroborados pela vasta documentação acostada aos autos em apenso e pelo testemunho da vítima Rubens Pereira, que no áudio à fl. 610 declarou trabalhar na fazenda há pouco mais de 60 (sessenta) dias, quando a fiscalização compareceu ao local.

Alegou que a água consumida vinha do córrego, o pagamento era feito pelo gerente Luiz Carlos e, por vezes, via o proprietário Euclebe Roberto.

Nesse ponto, vale conferir cópias dos cadernos de anotações de dívidas dos trabalhadores a fls. 153, 155/166, 173, 177/188, 192, 221, 223, 252, 255/259, 262/263, 265, 298 e 300 do processo 2005.229-2, em apenso. Tais provas demonstram a existência de débitos contraídos junto ao empregador ou seus prepostos.

Também consta como prova da materialidade e autoria o relatório a fls. 15/81 do referido apenso.

As vítimas arroladas como testemunhas de defesa – Boaventura dos Santos Souza, Raimundo Cândido da Silva Filho, Raimundo Nonato Vieira Moraes e João Batista Pereira da Silva – em depoimentos praticamente idênticos (áudio à fl. 810), contradizem as provas documentais (em apenso) quando afirmam não existirem dívidas dos trabalhadores e nunca terem visto armas ou crianças na fazenda.

Assim, negaram os fatos descritos e comprovados pelos fiscais do MTE. Além disso, afirmaram residir em um projeto de assentamento próximo à fazenda e revelaram estar satisfeitos com as condições do trabalho.

Posteriormente, no mesmo depoimento, todas as testemunhas de defesa, à exceção da testemunha João Batista, em contradição ao afirmado anteriormente, disseram que estavam na fazenda no dia da fiscalização quando foram encontradas armas e uma criança no local.

A testemunha Raimundo Cândido afirmou que após a fiscalização voltou a trabalhar na fazenda como vaqueiro, passando, assim, a ser alojado na sede, em razoáveis condições de trabalho e moradia, diferente dos trabalhadores do roçado, e em outras atividades, a corroborar o depoimento da testemunha de acusação Marinalva Cardoso.

Sobre as armas encontradas na fazenda, muito bem conclui o MPF em seu parecer:

Também carece de qualquer credibilidade a alegação dos acusados de que as armas (04 espingardas) encontradas pela Fiscalização teriam sido deixadas na Fazenda por um grupo de garimpeiros. Ora, se isso é verdade, porque então os donos das armas não foram apontados pelos acusados? Porque não foram arrolados pelo menos como testemunhas? (fl. 893).

Da mesma forma, e na linha dos julgados já apresentados neste voto, corretamente conclui o MPF acerca da restrição da locomoção em razão das dívidas contraídas:

Ademais, além das condições degradantes de trabalho, também restou caracterizado o delito de plágio na modalidade restrição da locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Nesse ponto, transcrevem-se as abalizadas  ponderações apresentadas nas alegações finais pelo Ilustre Membro do Ministério Público Federal que oficiou na 1ª instância, Dr. Tiago Modesto Rabelo, in verbis:

[…]

2.1.2. Na segunda modalidade – restrição da locomoção por dívidas contraídas, a restrição, é certo, não decorre da vigilância ostensiva ou da supressão dos – meios regulares de transporte. Apesar de terem sido apreendidas armas, não se evidenciou nos autos que as mesmas eram utilizadas para impedir a saída dos trabalhadores.

Inobstante isso, o que restringe a liberdade desses trabalhadores é principalmente a intimidação moral em função das dívidas contraídas, que, uma vez exercida sobre indivíduos de pouca instrução, como é o caso desses trabalhadores, torna-se, intimidação plena e eficaz para, inelutavelmente, retê-los em seus locais de trabalho.

Com efeito, a forma de restrição da locomoção, albergada pelo tipo penal inserido no art. 149 do CP, não precisa se dar diretamente. O que basta a configurar o ilícito penal é a existência de dívida contraída junto ao empregador ou preposto, ocorrente no caso. Neste particular, válido conferir cópias dos cadernos de anotações de dívidas às fs. 153, 155/166, 173, 177/188, 192, 221, 223, 252, 255/259, 262/263, 265, 298 e 300 do processo nº 2005.229-2, em anexo.

Fato este, aliás, confirmado em juízo pelos fiscais do trabalho, MARINALVA CARDOSO e ELIERCI DA CUNHA (fls. 587 e 620).

Ademais, tem-se que a afirmação de que era disponibilizado transporte pelo empregador não se afigura apta a afastar, por si só, a configuração delitiva do plágio, haja vista que o delito restou consumado em ambas as modalidades descritas na exordial acusatória.

Além disso, ressalte-se que a fazenda era isolada e de difícil acesso.

Nesse sentido, é o depoimento das testemunhas MARINALVA CARDOSO. No ponto, vale ainda conferir as fotografias de fls. 42-45 do processo nº 2005.229-2 (fls. 893/894).

Os autos comprovam que o acusado Euclebe Roberto era o proprietário da fazenda. O apelado Luiz Carlos confessou ser o gerente e o corréu José Valdir, conforme demonstram notas e recibos com sua assinatura a fls. 198/259 do apenso, era o auxiliar da propriedade; além de, ao contrário das vítimas, morar na sede da fazenda. Tinham, pois, plena consciência das condições vividas pelos trabalhadores.

O acusado Euclebe Roberto apresentou (fls. 121/132) fotografias da sede da fazenda retratando as boas condições de habitação. Todavia, os trabalhadores habitavam alojamentos nas frentes de trabalho, conforme demonstrou o MTE em seu relatório.

Do crime do art. 297, § 4º, do Código Penal

A sentença também absolveu Euclebe Roberto, Luiz Carlos e José Valdir da imputação de cometimento do crime do art. 297, § 4º, do CP (omitir informações de segurados em documento relacionado com as obrigações da empresa perante a Previdência Social).

O magistrado sentenciante concluiu não ter ficado demonstrada a intenção dos apelados em fraudar a autarquia acima citada, com a omissão dos registros dos contratos de trabalho.

A acusação, por seu turno, alega que o tipo penal do art. 297, § 4º, do CP não exige o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como fundamentou o magistrado.

De todo modo, segundo defende, nos autos há provas quanto a este fim, pois os administradores da fazenda contavam com um grande número de trabalhadores, todos sem qualquer anotação do vínculo empregatício; alguns, inclusive, com mais de 02 (dois) anos de trabalho prestado.

Tem parcial razão a acusação.

Dispõe o art. 297, § 4º, do CP, que configura infração penal a conduta de quem “omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços”.

O delito em comento não exige dolo específico. Para sua configuração basta que o empregador deixe de fazer as anotações na carteira de trabalho e previdência social do empregado:

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTS. 149, CAPUT, E 297, § 4º, AMBOS DO CP. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E OMISSÃO DE DADOS DO TRABALHADOR/SEGURADO EM DOCUMENTO PÚBLICO.

I – Para que se configure o tipo penal descrito no art. 149 do CP, “é imprescindível a supressão da vontade da vítima”.

II – O delito tipificado no art. 297, § 4º, do CP não exige dolo específico, bastando para sua configuração que o empregador deixe de proceder às anotações na CTPS do empregado. Precedente da Turma.

III – Não ocorre a absorção do crime previsto pelo art. 297, 4º, pelo delito tipificado no art. 149, tampouco pelo delito descrito no art. 203, todos do CP, tendo em vista que o princípio da consunção só se aplica nos casos em que o crime menos grave serviu como meio necessário à consumação do crime mais grave, o que não ocorre na espécie.

IV – Apelação parcialmente provida. (ACR 0001483- 22.2009.4.01.3901/PA, Rel. Desembargador Federal Cândido Ribeiro, Rel. Conv. Juiz Federal Lino Osvaldo Serra Sousa Segundo (Conv.), Terceira Turma, e-DJF1 p. 835 de 04/04/2014).

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A LIBERDADE. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149, caput, c/c o art. 70, todos do CP). FALSIFICAÇAO DE DOCUMENTO PÚBLICO. OMISSÃO DE REGISTRO EM CTPS (§ 4° do art. 297 do CP). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO DO ART. 149 DO CP COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA.

1. Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento do crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149, caput, do CP), por enquadrar-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, praticadas no contexto de relações de trabalho.

2. Trabalhadores submetidos a condições de trabalho degradantes, num cenário humilhante de trabalho, havendo não apenas desrespeito a normas de proteção do trabalho, mas desprezo a condições mínimas de saúde, segurança, higiene, respeito e alimentação, além de laborarem expostos a calor excessivo dos fornos, sem equipamentos de proteção individual, submetidos, também, a jornadas excessivas, eis que trabalhavam por mais de 08 (oito) horas diárias, comprovam a autoria do crime previsto no art. 149, caput, do CP pelo acusado.

3. O crime do § 4° do art. 297 do Código Penal consiste em deixar de inserir na CTPS o nome do segurado, seus dados pessoais, a remuneração e a vigência do contrato, aumentando indevidamente seus lucros. Esse tipo não exige dolo específico para sua caracterização, na medida em que basta para que incida que o réu não anote a CTPS dos trabalhadores, para que fique demonstrada sua vontade de não arcar com as incidências trabalhistas e previdenciárias inerentes ao contrato de trabalho.

4. Não restou demonstrado o dolo do réu em não pagar contribuições previdenciárias aos empregados, até em razão do pouco tempo em que ele havia adquirido a fazenda.

5. Materialidade e autoria do delito do art. 149, caput, do Código Penal comprovadas pelos documentos acostados e provas testemunhais produzidas.

6. Verifica-se o aumento do concurso formal entre os crimes da mesma espécie em 1/6 (um meio), em virtude de 24 (vinte e quatro) trabalhadores terem sido reduzidos à condição análoga à de escravo.

7. Recurso do MPF não provido e do réu parcialmente provido. (ACR 0000816-07.2007.4.01.3901/PA, Rel. Juiz Tourinho Neto, Terceira Turma, e-DJF1 p. 26 de 30/07/2010).

Sobre o tema, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 229 DO CP. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA MEDIANTE OMISSÃO DE REGISTROS EM CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. CTPS. INDÍCIOS DE DOLO E DE MATERIALIDADE DO CRIME. ADOÇÃO DO PARECER MINISTERIAL COMO RAZÃO DE DECIDIR. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF. SUSTENTAÇÃO ORAL EM AGRAVO REGIMENTAL. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO NO RI-STJ.

[…]

3. O agente que omite dados ou faz declarações falsas na Carteira de Trabalho e Previdência Social atenta contra interesse da autarquia previdenciária e estará incurso nas mesmas sanções do crime de falsificação de documento público, nos termos dos § 3º, II, e § 4º do art. 297 do Código Penal. (AgRg nos EDcl no REsp 1351592/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/06/2014, DJe 05/08/2014).

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. 1. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ACÓRDÃO PARADIGMA PROFERIDO EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SEARA PROCESSUAL EM QUE SE ANALISA A CONDUTA SUPERFICIALMENTE. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE DE SOLUÇÕES SEMELHANTES. NÃO OBSERVÂNCIA DO ART. 255 DO RI-STJ. 2. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 297, § 4º, DO CP. NÃO OCORRÊNCIA. OMISSÃO DE ANOTAÇÃO EM CARTEIRA DE TRABALHO. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DA TIPICIDADE MATERIAL. 3. TUTELA DA FÉ PÚBLICA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO DOLO. MERO ILÍCITO TRABALHISTA. ART. 47 DA CLT. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA POR OUTRO RAMO DO DIREITO. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. 4. FALSO QUE DEVE SER APTO A ILUDIR A PERCEPÇÃO DE OUTREM. CONDUTA QUE NÃO DESNATURA A AUTENTICIDADE CTPS. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE DENOTEM O DOLO DE ALTERAR IDEOLOGICAMENTE A REALIDADE. 5. TIPO PENAL QUE DEPENDE DA EFETIVA INSERÇÃO DE DADOS COM OMISSÃO DE INFORMAÇÃO JURIDICAMENTE RELEVANTE. 6. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

[…]

2. Prevalece no STJ que a simples omissão de anotação de contrato na CTPS já preenche o tipo penal descrito no § 4º do art. 297 do Código Penal. Contudo, é imprescindível que a conduta preencha não apenas a tipicidade formal, mas antes e principalmente a tipicidade material. Indispensável, portanto, a demonstração do dolo de falso e da efetiva possibilidade de vulneração à fé pública.

[…]

6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1252635/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 24/04/2014, DJe 02/05/2014).

O sujeito ativo do delito em comento é aquele que tem a obrigação legal de fazer inserir os dados do trabalhador em documentos trabalhistas e previdenciários.

Na hipótese, tal obrigação incumbia ao proprietário da Fazenda Ponta de Pedra, Euclebe Roberto. Configurada sua responsabilidade pela omissão quanto à anotação dos vínculos empregatícios daqueles trabalhadores, razão pela qual deve ser condenado pela prática do delito previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal.

Quanto aos acusados José Valdir e Luiz Carlos, que atuaram tão somente como gerentes da fazenda, não tendo a obrigação legal de registrar vínculo empregatício e previdenciário daqueles trabalhadores, a manutenção da absolvição pela prática do delito previsto no art. 297, § 4º, do CP, é medida que se impõe.

Contudo, em relação a Euclebe Roberto não há como afastar a autoria do delito, tendo em vista estar comprovado nos autos que o acusado mantinha os empregados sem as devidas anotações nas respectivas carteiras de trabalho.

A materialidade e a autoria do delito em comento podem ser verificadas pelo exame dos documentos constantes destes autos, principalmente do relatório de ação fiscal na Fazenda Ponta de Pedra (fls. 15/36 do apenso), que assim fez constar:

[…] nenhum dos trabalhadores era registrado em Livro, Ficha ou Sistema Eletrônico. O gerente admitiu prontamente que 100% (cem por cento) dos trabalhadores não possuíam registro de empregado, inclusive ele próprio. Todos trabalhavam em total informalidade, o que ensejou a lavratura do auto respectivo por infração ao art. 41 da CLT (fl. 72).

[…]

Em relação à CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social, nenhum trabalhador tinha o seu contrato de trabalho anotado no referido documento. Foi lavrado o auto de infração por descumprimento do artigo 29 da CLT (fl. 78).

[…]

Quarenta trabalhadores sequer a possuíam (fl. 18).

Presente também na conduta do acusado o dolo de exonerar-se do pagamento dos encargos sociais e previdenciários decorrentes.

Registre-se que, conforme relatório do grupo de fiscalização móvel (fl. 103 do apenso), havia trabalhadores prestando serviços há mais de 02 (dois) anos, sem qualquer anotação.

  • relatório de fiscalização do MTE;
  • autos de infração (fl. 96 do processo 2005.229-2);
  • depoimento das testemunhas de acusação Marinalva Cardoso e Elierci da Cunha (fls. 587 e 620); e
  • a vítima Celso Desuriano Rodrigues Barros confirmou que Luiz Carlos era o gerente da fazenda; Euclebe Roberto, o proprietário, e que os trabalhadores não tinham carteira assinada (fls. 575/576).

Na hipótese, não há que se falar em aplicação do princípio da consunção. O delito do art. 297, § 4º, do CP não constitui meio para a prática do crime mais grave, o do art. 149 do CP, pressuposto básico para se falar em absorção de um delito pelo outro.

Nesse sentido, decisão proferida pela Ministra Laurita Vaz, em 25/06/2012, no Aresp 041921:

Incabível a adoção do princípio da consunção para efeito de absorção dos crimes previstos nos artigos 203 e 297, § 4º, pelo delito do art. 149, todos do Código Penal, uma vez que referido princípio só é aplicável nos casos em que exista uma sucessão de fatos, a indicar que o crime menos grave serviu como meio necessário à consumação do crime mais grave.

Na hipótese em exame, as condutas praticadas pelo acusado são distintas e, por possuírem potencial lesivo, caracterizam, cada uma delas, um tipo penal autônomo, não estando agasalhadas pela aplicação do princípio da consunção.

Também julgados desta Corte Regional:

PROCESSO PENAL. PRESCRIÇÃO QUANTO AOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 132, DO CP E 51, DA LEI N. 9.605/98. NULIDADES DO PROCESSO. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA QUANTO AOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 38, DA LEI 9.605/98 E ARTS. 132, 149, 203, E 297, § 4º C/C 69, DO CÓDIGO PENAL PLENAMENTE DEMONSTRADAS NOS AUTOS.

[…]

12. Incabível a adoção do princípio da consunção para efeito de absorção dos crimes previstos nos artigos 203 e 297, § 4º, pelo delito do art. 149, todos do Código Penal, uma vez que referido princípio só é aplicável nos casos em que exista uma sucessão de fatos, a indicar que o crime menos grave serviu como meio necessário à consumação do crime mais grave.

13. Na hipótese em exame, as condutas praticadas pelo acusado são distintas e, por possuírem potencial lesivo, caracterizam, cada uma delas, um tipo penal autônomo, não estando agasalhadas pela aplicação do princípio da consunção. (ACR 0001182-85.2003.4.01.3901/PA, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, Rel. Acor. Juíza Federal Rosimayre Goncalves de Carvalho, Quarta Turma, e-DJF1 p. 50 de 05/12/2008).

Na hipótese destes autos, tal qual nos julgados acima, as condutas praticadas pelo acusado são distintas e possuem seu próprio potencial lesivo, configurando, pois, tipos penais autônomos.

Da mesma forma, na hipótese não há que se falar em absorção do crime do art. 297, § 4º, do CP pelo crime do art. 203, também do CP, e já prescrito:

Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:

Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Conforme bem colocou o MPF em seu parecer:

Por outro lado, não prospera a tese desenvolvida pela defesa, em sede de contrarrazões recursais, no sentido de que se aplicaria o princípio da consunção, ao argumento de que o delito do art. 297, § 4º, do CP teria sido absorvido pelo delito do art. 203 também do CP, o qual já está prescrito.

Isso porque, sendo o crime do art. 297, § 4º, do CP (reclusão de 2 a 6 anos) mais grave que o do art. 203 do CP (detenção de 1 a 2 anos), ainda que se reconhecesse a relação de crime meio e crime fim – o que não é o caso, tendo em conta que tutelam bens jurídicos diversos (o primeiro, a fé pública e o segundo, as leis trabalhistas), não seria possível a aplicação do princípio da consunção na hipótese vertente (fl. 895).

Nesse sentido, entendimento desta Corte Regional:

PROCESSO PENAL. PRESCRIÇÃO QUANTO AOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 132, DO CP, E 51, DA LEI N. 9.605/98. NULIDADES DO PROCESSO. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA QUANTO AOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 38, DA LEI 9.605/98 E ARTS. 132, 149, 203, E 297, § 4º C/C 69, DO CÓDIGO PENAL PLENAMENTE DEMONSTRADAS NOS AUTOS.

[…]

12. Incabível a adoção do princípio da consunção para efeito de absorção dos crimes previstos nos artigos 203 e 297, § 4º, pelo delito do art. 149, todos do Código Penal, uma vez que referido princípio só é aplicável nos casos em que exista uma sucessão de fatos, a indicar que o crime menos grave serviu como meio necessário à consumação do crime mais grave.

13. Na hipótese em exame, as condutas praticadas pelo acusado são distintas e, por possuírem potencial lesivo, caracterizam, cada uma delas, um tipo penal autônomo, não estando agasalhadas pela aplicação do princípio da consunção. (ACR 0001182-85.2003.4.01.3901/PA, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, Rel. Acor. Juíza Federal Rosimayre Goncalves de Carvalho, Quarta Turma, e-DJF1 p. 50 de 05/12/2008).

Conforme se conclui das provas dos autos, o proprietário Euclebe Roberto tinha plena consciência das condições vividas pelos trabalhadores da fazenda.

Tal contexto é justificativa suficiente para fundamentar a condenação do acusado Euclebe Roberto nas penas dos arts. 149, caput, e 297, § 4º, na forma do art. 69, todos do Código Penal e dos acusados José Valdir e Luiz Carlos nas sanções do art. 149, caput, do Código Penal.

Dosimetria da pena

O tipo penal do art. 149 do CP, tanto na redação vigente à época dos fatos quanto na atual (Lei 10.902, de 11/12/2003), comina pena de 02 (dois) a 08 (oito) anos de reclusão.

O delito do art. 297, § 4º, do CP, por seu turno, prevê pena de reclusão de 02 (dois) a 06 (seis) anos e multa.

Acusado Euclebe Roberto Vessoni

Do crime do art. 149 do Código Penal

Na primeira fase de aplicação da pena constato que a culpabilidade ou reprovabilidade da conduta é grave, pois o delito foi cometido contra trabalhadores rurais extremamente vulneráveis e carentes de políticas públicas ou sociais de amparo, proteção e orientação.

Sem notícias de maus antecedentes ou conduta social inadequada.

À míngua de provas, não há elementos que indiquem sua personalidade como negativa, malgrado os relatos de presença de arma de fogo na fazenda.

Os motivos são expressivamente reprováveis, tendo em vista que a conduta foi praticada com o fim de maximizar o lucro do acusado, em detrimento da própria condição humana das vítimas.

As circunstâncias do cometimento do delito são negativas, pois de acordo com as provas contidas nos autos, os trabalhadores ficavam meses sem receber salários, situação que os impedia de deixar a fazenda. Além disso, o crime foi praticado contra pessoas de pouca instrução, no exercício de uma atividade que, por si só, exige muito da capacidade física e mental de quem a desempenha, tornando-a, pois, cruel quando são desprezados direitos trabalhistas mínimos de segurança, saúde, salário e jornada de trabalho.

Embora as condições degradantes de trabalho sejam inerentes ao tipo penal do art. 149 do CP, as consequências para a saúde, bem-estar e sobrevivência econômica das vítimas são irreversíveis.

Além disso, há que se registrar o grande número de vítimas/trabalhadores (vinte e nove) (fl. 05).

O comportamento das vítimas não contribuiu para o crime.

Assim, considerando a presença de 04 (quatro) circunstâncias desfavoráveis ao réu (art. 59 do CP), quais sejam, culpabilidade, motivos, circunstâncias e consequências, fixo a pena-base acima do mínimo legal, ou seja, 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, que torno definitiva à míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes, tampouco causa de diminuição ou de aumento.

Do crime do art. 297, § 4º, do Código Penal

Na primeira fase de aplicação da pena constato que a culpabilidade ou reprovabilidade da conduta é grave, considerando ter sido o crime praticado contra trabalhadores rurais extremamente vulneráveis e carentes de políticas públicas ou sociais de amparo, proteção e orientação.

Sem notícias de maus antecedentes ou conduta social inadequada.

À míngua de provas, não há elementos que indiquem sua personalidade como negativa, malgrado os relatos de presença de arma de fogo na fazenda.

Os motivos são os normais à espécie.

As circunstâncias do cometimento do delito são negativas, pois de acordo com as provas contidas nos autos, os trabalhadores

eram pessoas analfabetas, as quais, na sua maioria, sequer possuíam carteiras de trabalho ou quaisquer documentos.

As consequências são graves, pois o delito foi cometido contra um grupo de 45 (quarenta e cinco) trabalhadores (fls. 16/17

do apenso).

O comportamento das vítimas não contribuiu para o crime.

Assim, considerando a presença de 03 (três) circunstâncias desfavoráveis ao réu (art. 59 do CP), quais sejam, culpabilidade, circunstâncias e consequências, fixo a pena-base acima do mínimo legal, ou seja, 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, e 36 (trinta e seis) dias-multa, que torno definitiva à míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes, tampouco causa de diminuição ou de aumento.

Fixo o valor do dia-multa em 02 (dois) salários mínimos, considerando a situação econômica do réu (proprietário da fazenda), vigente na data do fato, corrigido monetariamente até a data do efetivo pagamento.

Do concurso material

A hipótese é de concurso material (art. 69 do CP) e, portanto, a pena do acusado resulta em 07 (sete) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime semiaberto (art. 32, § 2º, “b”, do CP) e 36 (trinta e seis) dias-multa, à razão diária de 02 (dois) salários mínimos vigente na data do fato, corrigido monetariamente até a data do efetivo pagamento.

Sem substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em razão do quantitativo da pena ultrapassar o previsto pelo art. 44, I, do Código Penal.

Acusado Luiz Carlos Silva Parreira

Do crime do art. 149 do Código Penal

Na primeira fase de aplicação da pena constato que a culpabilidade ou reprovabilidade da conduta é grave, considerando ter sido o crime praticado contra trabalhadores rurais extremamente vulneráveis e carentes de políticas públicas ou sociais de amparo, proteção e orientação.

Sem notícias de maus antecedentes ou conduta social inadequada.

À míngua de provas, não há elementos que indiquem sua personalidade como negativa, malgrado os relatos de presença de arma de fogo na fazenda, bem como de o acusado ser muito rígido e de reclamar com os trabalhadores que descansavam no domingo.

Os motivos são os normais à espécie.

As circunstâncias do cometimento do delito são negativas, pois de acordo com as provas contidas nos autos, os trabalhadores ficavam meses sem receber salários, situação que os impedia de deixar a fazenda. Além disso, o crime foi praticado contra pessoas de pouca instrução, no exercício de uma atividade que, por si só, exige muito da capacidade física e mental de quem a desempenha, tornando-a, pois, cruel quando são desprezados direitos trabalhistas mínimos de segurança, saúde, salário e jornada de trabalho.

Embora as condições degradantes de trabalho sejam inerentes ao tipo penal do art. 149 do CP, as consequências para a saúde, bem-estar e sobrevivência econômica das vítimas são irreversíveis. Não fora isso, o delito foi cometido contra um grupo de 29 (vinte e nove) trabalhadores (fl. 05).

O comportamento das vítimas não contribuiu para o crime.

Assim, considerando a presença de 03 (três) circunstâncias desfavoráveis ao réu (art. 59 do CP), fixo a pena- base acima do mínimo legal, ou seja, 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, que torno definitiva à míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes, tampouco causa de diminuição ou de aumento.

A pena deverá ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal.

Tendo em vista o quantum da pena privativa de liberdade aplicada (inferior a quatro anos), substituo a pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos, nos termos do art. 44, do CP, a serem fixadas pelo Juízo da execução.

Acusado José Valdir Rode

Do crime do art. 149 do Código Penal

Na primeira fase de aplicação da pena constato que a culpabilidade ou reprovabilidade da conduta é grave, considerando ter sido o crime praticado contra trabalhadores rurais extremamente vulneráveis e carentes de políticas públicas ou sociais de amparo, proteção e orientação.

Sem notícias de maus antecedentes ou conduta social inadequada.

À míngua de provas, não há elementos que indiquem sua personalidade como negativa, malgrado os relatos de presença de arma de fogo na fazenda, bem como de o acusado ser muito rígido e de reclamar com os trabalhadores que descansavam no domingo.

Os motivos são os normais à espécie.

As circunstâncias do cometimento do delito são negativas, pois de acordo com as provas contidas nos autos, os trabalhadores ficavam meses sem receber salários, situação que os impedia de deixar a fazenda.  Além disso, o crime foi praticado contra pessoas de pouca instrução, no exercício de uma atividade que, por si só, exige muito da capacidade física e mental de quem a desempenha, tornando-a, pois, cruel quando são desprezados direitos trabalhistas mínimos de segurança, saúde, salário e jornada de trabalho.

Embora as condições degradantes de trabalho sejam inerentes ao tipo penal do art. 149 do CP, as consequências para a saúde, bem-estar e sobrevivência econômica das vítimas são irreversíveis. Não fora isso, o delito foi cometido contra um grupo de 29 (vinte e nove) trabalhadores (fl. 05).

O comportamento das vítimas não contribuiu para o crime.

Assim, considerando a presença de 03 (três) circunstâncias desfavoráveis ao réu (art. 59 do CP), fixo a pena- base acima do mínimo legal, ou seja, 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, que torno definitiva à míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes, tampouco causa de diminuição ou de aumento.

A pena deverá ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal.

Tendo em vista o quantum da pena privativa de liberdade aplicada (inferior a quatro anos), substituo a pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos, nos termos do art. 44, do CP, a serem fixadas pelo Juízo da execução.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para:

  • CONDENAR o acusado Euclebe Roberto Vessoni à pena de 07 (sete) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 36 (trinta e seis) dias-multa, à razão de 02 (dois) salários mínimos vigentes à época dos fatos, corrigido monetariamente até a data do efetivo pagamento, pela prática dos delitos previstos nos arts. 149 e 297, § 4º, ambos do Código Penal, em concurso material;
  • CONDENAR o acusado Luiz Carlos Silva Parreira à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão pela prática do delito previsto no art. 149 do Código Penal; e
  • CONDENAR o acusado José Valdir Rode à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão pela prática do delito previsto no art. 149 do Código Penal.

É como voto.

 

 

Notas:

[1] Nucci, Guilherme de Souza. Código penal comentado – obra citada 2012 (fls. 744/746).

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