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Direito Agrário

Contratos de compra e venda: STJ nega recurso que discutia restituição por diferença no tamanho de imóvel

“A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso de promotor de justiça aposentado que buscava a restituição de valores após descobrir que o imóvel adquirido tinha tamanho menor do que o informado na escritura. Por unanimidade, os ministros entenderam que o processo alegando enriquecimento sem causa, proposto pelo autor, não era o meio adequado para discutir eventual ressarcimento.

Na ação original, o promotor narrou que, em 2006, celebrou contrato para compra de propriedade rural de 100 hectares, pelo valor de R$ 300 mil. Todavia, depois de estudo técnico realizado em 2008, o novo proprietário descobriu que a área tinha apenas 81 hectares.

Sob o argumento de que teria havido enriquecimento sem causa do vendedor do imóvel, o promotor aposentado pediu judicialmente a restituição de R$ 87 mil, valor correspondente à diferença entre a quantia paga pela área indicada na escritura pública e a metragem real da propriedade.

Caráter subsidiário

Em primeira instância, o juiz julgou extinta a ação de ressarcimento, por entender que o processo alegando enriquecimento sem causa não é a via adequada para obtenção da medida judicial. A sentença registrou a previsão legal, nesses casos, de ingresso com a ação ex empto (ação de complemento da área), consoante o Código Civil de 2002.

A decisão de primeiro grau foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Os desembargadores apontaram que a legislação civil confere caráter subsidiário à ação de restituição por enriquecimento sem causa. Ou seja, esse tipo de processo só é cabível nos casos em que o lesado não possua outros meios judiciais para ressarcir o prejuízo sofrido.

Insatisfeito com as decisões da Justiça do Rio Grande do Norte, o promotor aposentado recorreu ao STJ. Alegou que não havia outro meio jurídico para garantir o seu direito ao ressarcimento, em face de o negócio jurídico de compra e venda do imóvel estar consumado, não haver área remanescente a ser discutida e ser impossível o pedido de abatimento do preço pago na negociação.

Dissonância

De acordo com o ministro relator, Luis Felipe Salomão, o caráter subsidiário dos processos de enriquecimento sem causa tem o objetivo principal de proteger o sistema jurídico, de forma que a lei não seja contornada ou fraudada com a utilização dessas ações.

O ministro Salomão também destacou que, no caso concreto, a propriedade objeto do contrato foi definida como um corpo certo e determinado, sendo irrelevante para o negócio a determinação exata de sua área, pois o preço não foi estabelecido com bases nas informações de metragem, mas determinado como um todo.

Dessa forma, o relator entendeu que a dissonância alegada entre a área descrita na escritura e a encontrada na medição não induz a nenhuma irregularidade, tendo em vista o caráter meramente enunciativo dos valores escriturais.

‘O demandante busca, por meio da ação de enriquecimento, resultado que não alcançaria se fosse utilizada a ação apropriada, principal, escolhida pelo ordenamento para solucionar os casos de compra e venda de imóveis, mormente rurais. Nessa ordem de raciocínio, a pretensão não pode ser acolhida porque busca socorrer-se da ação de enriquecimento para produzir o efeito que não alcançaria com o manejo da ação de complemento’, sublinhou o ministro Salomão ao negar o recurso”.

Fonte: STJ, 09/08/2016

Direito Agrário

Confira a íntegra da decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.497.769 – RN (2012/0142083-0) 

RECORRENTE : KERUBINO PROCÓPIO LÉLIO DE MOURA

ADVOGADOS : CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA

                               JOSÉ AUGUSTO DELGADO E OUTRO(S)

RECORRIDO : JOVENTINA SIMOES OLIVEIRA

ADVOGADO : ARMANDO ROBERTO HOLANDA LEITE E OUTRO(S)

 

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

1. Kerubino Procópio Lélio de Moura ajuizou ação de indenização objetivando a condenação de Joventina Simoes Oliveira à devolução de quantia referente à diferença paga por imóvel adquirido, cuja área indicada na escritura de compra e venda seria superior a sua área real. Narrou o autor que, em 17.4.2006, firmou com a ré contrato de compromisso de compra e venda para aquisição de propriedade rural, conforme as especificações descritas em instrumento particular. Afirmou que a área vendida era de 100 (cem) hectares, de acordo com as informações do corretor responsável pela intermediação do negócio, confirmadas pela ré, e o preço acertado teria sido R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), acrescido da comissão de corretagem, de responsabilidade do comprador. A assinatura da escritura aconteceu em dezembro de 2006. Ocorre que, em julho de 2008, realizou levantamento planimétrico na área objeto do negócio realizado entre as partes e constatou, na ocasião, que ela contava com apenas 81,0017 hectares. Pleiteou a condenação da ré ao pagamento da restituição devida, referente ao valor correspondente à diferença encontrada no levantamento planimétrico.

A sentença de piso entendeu ser o demandante carecedor de ação, já que postulava, por meio de procedimento de restituição por enriquecimento sem causa, direito que encontra meio próprio de defesa, nos termos do Código Civil, qual seja, a ação ex empto, prevista no art. 500 do CC/2002. Extinguiu o processo sem resolução do mérito (e-fls. 124-126).

Interposta apelação pelo autor (fls. 144-156), negou-se provimento ao recurso, nos termos da ementa que abaixo vai transcrita (fl. 222):

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO POR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CARÁTER SUBSIDIÁRIO. EXISTÊNCIA DE MEIO PRÓPRIO PARA DEFENDER O DIREITO. AÇÃO EX EMPTO . IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO Documento: 59900613 – RELATÓRIO, EMENTA E VOTO – Site certificado Página 1 de 13 Superior Tribunal de Justiça PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. CARÊNCIA DE AÇÃO PELA AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. INADEQUAÇÃO ENTRE A VIA ELEITA E O PROVIMENTO JURISDICIONAL PRETENDIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Opostos embargos de declaração pela apelante (fls. 229-232), foram rejeitados (fls. 234-238).

Sobreveio recurso especial (fls. 245-286), interposto com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, sob a alegação de violação aos arts. 535, II; 267, VI; 295, III, todos do Código de Processo Civil e 884 e 886 do Código Civil.

O recorrente afirma que a legislação e a doutrina indicam os critérios de avaliação da lisura, legalidade, ação e omissão, causadores dos efeitos contratuais e que a ausência de qualquer dos pré-requisitos básicos do equilíbrio contratual, responsáveis pelo enriquecimento sem causa, confirma a expectativa da reparação através da Ação “in Rem Verso”.

Assevera que a doutrina contemporânea, ao interpretar o art. 886 co Código Civil de 2002, entende que ele não exclui o direito à restituição do que foi objeto de enriquecimento sem causa.

Aduz que se utilizou do único meio ao seu dispor para corrigir o desfalque em seu patrimônio, o seu empobrecimento sem causa provocado pela recorrida.

Conclui que o que se pede na ação, com base no artigo 884 do CC, é a devolução do valor que alguém, indevidamente, recebeu de outrem por negócio jurídico celebrado e que o art. 886 somente será aplicado em situações em que a subsidiariedade é possível, uma vez que a finalidade da norma é apenas a de evitar o uso desenfreado e descabido da ação.

Afirma que, no caso dos autos, “em face da consumação do negócio jurídico entre o recorrente e a recorrida, da inexistência de área remanescente, da impossibilidade jurídica de o contrato ser resolvido e de se pedir o abatimento do pagamento do preço, por tal já ter se concretizado, o recorrente não tinha outro meio jurídico a fazer valer o seu direito” (fl. 281).

Contrarrazões apresentadas às fls. 338-345.

O recurso especial recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem (e-fl. 354-358), ascendendo a este Tribunal com a interposição de agravo, provido nos termos da decisão de fls. 458-459.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.497.769 – RN (2012/0142083-0)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : KERUBINO PROCÓPIO LÉLIO DE MOURA

ADVOGADOS : CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA

                              JOSÉ AUGUSTO DELGADO E OUTRO(S)

RECORRIDO : JOVENTINA SIMOES OLIVEIRA

ADVOGADO : ARMANDO ROBERTO HOLANDA LEITE E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO ART. 535 DO CPC. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO POR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CARÁTER SUBSIDIÁRIO. EXISTÊNCIA DE MEIO PRÓPRIO PARA DEFENDER O DIREITO.

1. Não há violação ao artigo 535, II, do CPC, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

2. A configuração do enriquecimento sem causa requer a conjugação de quatro elementos: a) o enriquecimento em sentido estrito de uma parte; b) o empobrecimento da outra parte; c) o nexo de causalidade entre um e outro; d) a ausência de justa causa.

3. Quanto à ação in re verso, o art. 886 do Código Civil preceitua não ser cabível nos casos em que existir na lei outros meios de pleitear a recomposição do patrimônio desfalcado.

4. É função da subsidiariedade, prevista na lei a proteção do sistema jurídico, para que, mediante a ação de enriquecimento, a lei não seja contornada ou fraudada, evitando-se que o autor consiga, por meio da ação de enriquecimento, o que lhe é vedado pelo ordenamento.

5. Nos casos em que ocorrida a prescrição de ação específica, não pode o prejudicado valer-se da ação de enriquecimento, sob pena de violação da finalidade da lei.

6. Recurso especial não provido.

 VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Primeiramente, afasta-se a violação ao art. 535, II, do CPC. O recorrente fundamenta a ofensa na falta de pronunciamento do acórdão acerca do art. 244 do CPC, que considera válido todo ato processual quando realizado de outro modo, alcance sua finalidade. Consigna, ainda, que a Corte de origem não se manifestou sobre a alegação de ter sido dada interpretação diversa ao art. 886 do CC; não ter se manifestado sobre o art. 5º, XXXV da CF/1998.

Contudo, da leitura do acórdão recorrido, o que se percebe é que, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

De fato, a Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas. O teor do acórdão recorrido resulta de exercício lógico, ficando mantida a pertinência entre os fundamentos e a conclusão.

3. No que diz respeito ao mérito, a questão principal consiste em determinar o alcance da ação de enriquecimento sem causa, e na definição de seu caráter subsidiário.

Ao examinar a questão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte assim decidiu:

A ação que objetiva evitar ou desfazer o enriquecimento sem causa denomina-se actio in rem verso, e, para o seu cabimento, na lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolgo Pamplona Filho, cinco requisitos simultâneos, devem se conjugar;. a) enriquecimento do réu; b) empobrecimento do autor; c) relação de causalidade; d) inexistência de causa jurídica para o enriquecimento: e, e) inexistência de ação especifica.

(…)

Todavia, como visto acima, para que possa ser proposta este tipo de ação não poderá haver outro meio processual pertinente, consoante norma contida no artigo 886 do Código Civil “Não caberá a restituição por enriquecimento se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido”. Portanto, é possível se extrair que a lei conferiu caráter subsidiário para a propositura desta demanda no ordenamento jurídico brasileiro, restando se socorrer a ela somente na inexistência de outra ação cabível.

(…)

Nessa linha, analisando o caso concreto, constata-se que a ação ex empto, prevista no art. 500 do Código Civil, é o instrumento adequado para se pleitear a complementação da área ou a redução do preço do imóvel, quando se constatar que a área adquirida é menor que a constante do título aquisitivo desde que a venda tenha sido ad mensuram (conforme a medida). Impossível aplicar ao caso, como pretende o recorrente, o princípio da instrumentalidade das formas, pois o problema não é de procedimento, até porque tanto a ação ex empto e a in rem verso são ordinárias. Trata-se, na realidade, de propositura de ação errada, em desacordo com norma contida no nosso ordenamento jurídico, pois, se há ação especifica, esta é que deveria ter sido utilizada.

Por fim, aceitar a utilização da ação de enriquecimento sem causa, diante da ocorrência do prazo decadencial previsto no artigo 301 do Código Civil, seria beneficiar a inércia do jurisdicionado que deixou de ajuizar a ação específica no prazo legal, e, mais do que isso, tornar sem eficácia a norma contida no artigo 886 do Código Civil, pois bastaria esperar o transcurso do prazo decadência para afastar o caráter residual da ação de restituição por enriquecimento. Certamente não foi essa a intenção do legislador.

4. No ponto, anota-se que o enriquecimento sem causa consiste no indevido deslocamento patrimonial, sem correspondente causa jurídica, norma ou contrato que justifique o deslocamento positivo ou negativo. (MOSCON, Cledi de Fátima Manica. O enriquecimento sem causa e o novo código civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 10)

Na lição de Acquaviva, enriquecimento sem causa é o “aumento de patrimônio de alguém, pelo empobrecimento injusto de outrem. Consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a ação de in rem verso”. E quanto à denominação ilícito muitas vezes utilizada, esclarece: “É o proveito que, embora não necessariamente ilegal, configura o abuso de direito, ensejando uma reparação”. (ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro. 9. ed., rev., atual e ampl. São Paulo : Jurídica Brasileira, 1998).

A ação de enriquecimento é subsidiária, por intermédio da qual se refaz o equilíbrio patrimonial daquele que sofreu, por parte de outrem, ato voluntário ou não de locupletamento injusto ou sem causa. (Ação de in rem verso. In: Revista forense, v. 81, n. 289, p. 435-441, jan./mar. 1985)

Nessa mesma linha, a jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. OPERAÇÃO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA COMO INSUMO. AUSÊNCIA DO REPASSE, PELA SUBSTITUTA TRIBUTÁRIA À CONTRIBUINTE, DO ÔNUS ECONÔMICO DECORRENTE DA ELEVAÇÃO DA ALÍQUOTA DO ICMS. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA.

(…)

3. Competência das Turmas de Direito Privado para o julgamento da causa.

4. Inaplicabilidade do óbice da Súmula 07 do STJ por versar o recurso especial acerca de questão de direito (termo inicial do prazo prescricional da pretensão de ressarcimento decorrente do enriquecimento sem causa).

5. A configuração do enriquecimento sem causa requer a conjugação de quatro elementos: a) o enriquecimento em sentido estrito de uma parte; b) o empobrecimento da outra parte; c) o nexo de causalidade entre um e outro; d) a ausência de justa causa.

6. No caso, embora a vantagem da Petrobras (enriquecimento) tenha ocorrido em 2001, o ônus apenas foi suportado pela Chesf (emprobrecimento) em 2003, perfectibilizando-se o enriquecimento sem causa.

7. Em suma, tendo o efetivo pagamento do tributo pela substituta tributária ocorrido em 10/10/2003, não se pode reconhecer, antes dessa data, o direito ao ressarcimento pelo enriquecimento sem causa e muito menos a existência de pretensão resistida, com a deflagração do prazo prescricional.

8. Ajuizada a ação em 06/10/2006, fica afastada a prescrição trienal (art. 206, §3º, IV, do CC/02).

9. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.

10. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1139893/SE, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 31/10/2014)

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ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. OBRA PÚBLICA. RECAPEAMENTO ASFÁLTICO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. REQUISITOS. EXAME. SÚMULA 7/STJ. PREQUESTIONAMENTO.

(…)

8. Elementos caracterizadores do enriquecimento sem causa e conhecimento do recurso especial. Com relação à violação dos artigos 884 e 885 do Código Civil e demais paradigmas indicados na divergência jurisprudencial, o exame dos pressupostos de conhecimento depende de breve estudo acerca dos elementos caracterizadores do enriquecimento sem causa.

8.1. Na seara do Direito Privado, o saudoso Orlando Gomes identifica alguns requisitos para que se configure o enriquecimento sem causa: a) o enriquecimento de alguém; b) o empobrecimento de outrem; c) o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; e d) a falta de causa ou causa injusta (Obrigações. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 250).

8.2. No âmbito do Direito Público, Marçal Justen Filho alerta-nos, contudo, sobre a necessidade de verificar a boa-fé do particular, “na medida em que sua participação na consumação do resultado danoso pode afetar a extensão de seus direitos” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª ed., São Paulo: Dialética, 2005, pág. 520). Em outras palavras, se houver concorrência do particular na prática do ato ilícito, deve haver redução da indenização correspondente às perdas e danos sofridos, tendo em vista a ocorrência de culpa concorrente.

(…)

9. Recurso especial não conhecido. (REsp 1165987/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 08/03/2010)

Na sistemática civil inaugurada em 2003, o enriquecimento sem causa foi incluído, de forma expressa e inovadora, entre os atos unilaterais e como fonte de obrigação, por meio dos arts. 884 e 886 do Código Civil. Confira-se o teor dos dispositivos:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

Na linha do raciocínio que afirma o enriquecimento sem causa como fonte autônoma das obrigações, o escólio de Orlando Gomes, nos seguintes termos:

Não é a lei que, direta ou indiretamente, faz surgir a obrigação de restituir. Não é a vontade do enriquecido que a produz. O fato condicionante é o locupletamento injusto. Evidentemente, o locupletamento dá lugar ao dever de restituir, porque a lei assegura ao prejudicado o direito de exigir a restituição, sendo, portanto, a causa eficiente da obrigação do enriquecimento, mas assim é para todas as obrigações que se dizem legais.

É sabido que a norma de vedação ao enriquecimento sem causa já se fazia presente no ordenamento, mesmo antes do diploma civil de 2002, como princípio orientador da interpretação e aplicação de inúmeros institutos do direito privado, sobretudo no direito obrigacional. Não havia, por certo, nessa circunstância, a previsão de uma ação judicial contra o enriquecimento. A existência se limitava a princípio base para outros remédios disponíveis no ordenamento capazes de coibir abusos.

Giovanni Ettore Nanni, em prestigiosa obra dedicada ao tema, salienta ambas as vertentes do enriquecimento, em precisa assertiva. Confira-se:

A forma usual de tipificação do enriquecimento sem causa é como um ato unilateral, que gera uma fonte obrigacional, consubstanciada na ação de enriquecimento, destinada a outorgar ao empobrecido a compensação financeira oriunda do desequilíbrio patrimonial sofrido.

É o âmbito de atuação típico do instituto, em que se vislumbra a carga histórica oriunda da condictiones, embora com feição diferente nos dias de hoje.

Visualizado o enriquecimento sem causa como princípio, denota-se uma variada esfera de ação, em que um grande número de situações podem dele socorrer-se, tornando-o um remédio fundamental no direito obrigacional. (Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 198)

O primeiro e indispensável pressuposto, o enriquecimento , configura-se a partir de qualquer circunstância de proveito obtido, aumento patrimonial ou diminuição de passivo, consistindo, nas palavras de Agostinho Alvim, na “deslocação de um valor, de um para outro patrimônio; num dano evitado; na inutilização da coisa própria; numa diminuição de despesa; na transmissão da posse (condictio possessionis); numa remissão de dívida; em serviços prestados; em algum benefício moral com valor pecuniário; enfim, na incorporação ao patrimônio de um elemento material ou imaterial” (Do enriquecimento sem causa. In: Revista forense, v. 54, n. 173, p. 47-67, set./out. 1957)

Inversamente ao enriquecimento , tem-se o empobrecimento, consistente na diminuição do patrimônio ou no impedimento de seu aumento, de maneira simétrica ao enriquecimento. Esse pressuposto, ao contrário do primeiro destacado, pode vir a faltar, sem que seja descaracterizado o instituto, como nos casos, lembrado pelo autor citado acima, de serviços prestados.

A dispensabilidade do empobrecimento é confirmada, inclusive, pelo art. 884 do CC, de onde se verifica que o enriquecimento suscetível de restituição é aquele operado à custa de outrem , sem qualquer referência ao empobrecimento.

Na mesma linha de entendimento, o Enunciado n. 35 do Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal, que orienta: A expressão se enriquecer à custa de outrem do art. 884 do Código Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento.

Noutro ponto, o terceiro pressuposto do enriquecimento sem causa, nexo causal, é exigência do Código Civil, que estabelece a necessidade de o enriquecimento se dar à custa de outrem. De modo preciso e rigoroso, uma vez mais Agostinho Alvim, é quem esclarece que a correlação há de se considerar entre o enriquecimento e um fato que se ligue à outra parte. E conclui:

O indispensável é que exista uma interdependência. Se o enriquecimento de alguém não se relacionar com o empobrecimento de outra pessoa, nem com fato seu, nem com alguma circunstância que de qualquer modo lhe diga respeito, ainda que negativamente, o requisito do nexo terá falhado. Será então um caso de enriquecimento originário.

Na lição de Giovanni Ettore, o quarto requisito do instituto, a ausência de justa causa, é o mais tormentoso e indeterminado e o primeiro aspecto a ser abordado, nesse ponto, diz o doutrinador, “é a característica de que se cuida de um requisito definido pela sua essência negativa, ou seja, o enriquecimento que possibilita o exercício da pretensão que decorre do instituto é, usando-se a própria expressão do art. 884 do Código Civil de 2002, aquele sem justa causa“.

Para definir a justa causa que fundamenta a relação jurídica e impede a caracterização do enriquecimento sem causa, segundo Alberto Trabucchi, não se requer sempre uma justificação econômica ou ética, como idealmente seria auspicioso, bastando um meio válido, um adequado título jurídico, legal ou convencional. (Op. Cit. p. 288-289)

5. No tocante a subsidiariedade da demanda, mister realçar que é requisito próprio e exclusivo do enriquecimento sem causa quando este é fonte autônoma obrigacional. Dito de outro modo, o enriquecimento enquanto princípio não estará nunca sujeito à essa limitação.

Na trilha do entendimento externado na legislação estrangeira, o art. 886 do CC prevê o não cabimento da ação de restituição por enriquecimento nos casos em que existe na lei outros meios de pleitear a recomposição do patrimônio.

A subsidiariedade, hoje adotada pelo ordenamento nacional como pressuposto da ação de enriquecimento tem origem no direito francês. Estudiosos do tema esclarecem que, por muito tempo, a subsidiariedade não era condição para o exercício da ação de in rem verso, sendo fruto do pensamento dos juristas Charles Aubry e Rau Charles, segundo os quais, aquela ação não poderia ser exercida quando o demandante desfrutasse de uma outra ação contratual, quase contratual, delitual ou quase delitual. “Essa ideia teve êxito. Pressentida em alguns julgados, foi admitida pela Corte de Cassação em 1915, sendo precisada em decisões posteriores. Designou-se, então, essa quarta condição sob o nome de caráter subsidiário” (ETTORE, Giovanni. Op. cit. p. 295)

A doutrina brasileira, por sua vez, faz elogios à subsidiariedade da ação de enriquecimento, salientando-a como forma de evitar que todas as outras ações sejam absorvidas pela ação de in rem verso e que o instituto se transforme em remédio para todos os males, em panaceia , nas palavras de Orlando Gomes (Obrigações. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 252).

Os estudiosos da subsidiariedade da ação de enriquecimento, dentre eles o professor Diogo José Paredes Leite, alertam para o fato de que ela não deve ser analisada de maneira abstrata, mas, ao revés, verificada em concreto, conforme as particularidades da questão submetida a julgamento, momento em que será apurado se existem outros meios aptos à recomposição da perda reclamada (A subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento. Coleção teses. Coimbra: Almedina, 2003)

Nessa linha de ideias, Giovanni Ettore orienta que, além da verificação da possibilidade de a ação de enriquecimento poder ser exercida em concorrência com outra, “o que deve predominar é o impedimento de obter-se a violação ou fraude da lei. Isto é, a pretensão que decorre do locupletamento injustificado não deve servir de instrumento para atingir, por via oblíqua aquilo que a lei proíbe”. (Op. Cit. p. 298).

O mesmo autor confere alguns exemplos:

Se a lei estabelece que o gerente ou usufrutuário não tem direito a indenização pelas despesas ou pelos melhoramentos efetuados na constância da relação, não é possível esquivar-se de tal disciplina por meio da ação de enriquecimento. Se existem disposições que não permitem remeter a discussão a juízo, não é lícito tentar driblá-las pelo exercício da ação em tela.

O civilista italiano e estudioso do direito comparado, Paolo Gallo, em uma de suas inúmeras obras sobre o tema, conclui no exato sentido proposto acima, de que toda ação de enriquecimento deve ser excluída, quando sua função seja enganar ou de algum modo evitar o emprego de normas imperativas. Esclarece Gallo que chega à essa conclusão com base na combinação de artigos do Código Civil italiano que instituem a subsidiariedade (art. 2042), mas, antes, afirmam a ilicitude da causa quando o contrato constitui um meio para evitar a aplicação de uma norma imperativa (art. 1344).

É que o problema não é evitar a cumulação, em si, de ações concorrentes. A questão maior, a função real da subsidiariedade, deve ser a proteção do sistema jurídico, para que mediante a ação de enriquecimento, a lei não seja contornada ou fraudada. É a partir dessa perspectiva que deve ser interpretada a subsidiariedade da ação e essa, exatamente, a posição do Código Civil de 2002, segundo o entendimento de Giovanni Ettore.

6. No caso dos autos, o recorrente alega que pretendeu, por meio da ação de enriquecimento sem causa, ressarcir-se do empobrecimento causado pela compra de imóvel com área menor que a pactuada.

Na análise da ação, sentença e acórdão julgaram-na extinta, tendo em vista a previsão do art. 886 do CC, invocando a natureza subsidiária da ação utilizada pelo autor/recorrente. Asseveraram os julgadores a quo que a ação adequada à discussão da pretensão do autor era a regulada pelo art. 500 do CC/2002, qual seja, a ação de complemento de área.

Nesse passo, a ação de complemento de área é disciplinada pelo Código Civil nos artigos que seguem:

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus .

Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.

Ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que “a venda ad mensuram é aquela na qual as medidas do imóvel são precisas e determinantes para a realização do negócio jurídico”. Se a venda é feita sem que as partes tivessem em conta o valor de cada alqueire, mas somente o da totalidade, ela não pode ter sido ad mensuram .

Por outro lado, a venda ad corpus seria aquela “na qual as medidas do imóvel são imprecisas e meramente enunciativas, sendo que o corpo do imóvel é o elemento determinante para a realização do negócio jurídico (exemplo: vendo a fazenda x, com mais ou menos 2 alqueires). Quando a venda tiver sido feita ad corpus, não tem lugar nem a pretensão real (ação ex empto), nem as pretensões pessoais (ação redibitória e/ou ação de abatimento proporcional do preço), já que nessa venda a menção à medida é apenas enunciativa. (In: Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora RT, 2013. p. 704-706).

No caso ora em julgamento, apesar de a sentença e o acórdão não indicarem a natureza jurídica da venda praticada pelas partes, é possível extrair da leitura do documento firmado entre comprador e vendedor a natureza ad corpus do negócio realizado.

Com efeito, a modalidade a que se submeteu o negócio jurídico da compra e venda foi a que se refere a um corpo certo, definido, conhecido e bem caracterizado, o contrato não teve como parâmetro a dimensão territorial, como na espécie de venda ad mensuram .

Confira-se (e-fls. 13-14):

DO OBJETO DA COMPRA E VENDA

02.1. – Uma propriedade rural denominada “Fazenda Renascer”, localizada no município de Ceará-Mirim, deste Estado, na localidade da “Santinha”, conforme descrição e caracterização contida na Escritura Pública de Compra e Venda lavrada no Primeiro Ofício de Notas da Comarca de Ceará-Mirim – RN, no livro 100, às fls. 188/190v, em data de 05/10/1998, devidamente registrada no competente registro Imobiliário daquela Comarca, no Livro número 2 – Registro Geral, sob o número R – 9 – 1.020, à margem da matrícula 1.020, em data de 05 de outubro de 1998.

DO VALOR DA TRANSAÇÃO E FORMA DE PAGAMENTO

03. 1. – A compra e venda, que ora é comprometida, tem o valor, certo e pactuado entre as partes de R$300.000,00 (trezentos mil reais), a serem pagos da seguinte forma:

– a) A quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), à vista, quando da assinatura deste contrato,

– b) A quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), no dia dezoito de julho do corrente ano (…)

– c) A quantia restante, de R$ 230.000,00 (duzentos e trinta mil reais), serão pagos (sic) até o dia dezoito do mês de dezembro do corrente ano (…)

Destarte, como se vê, o objeto da alienação foi um corpo certo e determinado, identificado como Fazenda Renascer, tendo sido irrelevante para o negócio a determinação exata de sua área, porque o preço, como visto acima, não foi estabelecido com base nessas informações, mas determinado como um todo. A fazenda seria vendida pelos R$ 300.000,00 pactuados.

Nesses termos, a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

Diante da lei (Código Civil, art. 1136), a solução do problema variará em razão da caracterização da venda em função do que o título revela. Na venda ad mensuram, que é aquela em que as dimensões são tomadas em consideração preponderante, o comprador tem direito à complementação da área, e, não sendo possível, abre-se-lhe uma opção entre a rescisão do contrato e o abatimento proporcional do preço.

(…)

A doutrina é pacífica: na venda ad corpus, que é aquela em que o imóvel é transferido como coisa certa e discriminada, ou o terreno bem delimitado, o comprador nada pode reclamar porque não foi uma área o objeto do contrato, porém uma gleba caracterizada por suas confrontações, caracteres de individuação, tapumes etc. Não importando para o contrato se em maior ou menor número de hectares. (Instituições de direito civil. v. III. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 118)

Merece referência, ainda, pela clareza de sua colocação, a doutrina de Orlando Gomes, já referido neste voto:

A venda ad corpus é a que se faz sem determinação da área, do imóvel, ou estipulação do preço por medida de extensão. O bem é vendido como corpo certo, individualizado por suas características e confrontações, e, também por sua denominação, quando rural. Note-se que a referência a dimensões não descaracteriza a venda ad corpus, se não tem função de condicionar o preço. Na venda ad mensuram a determinação da área do imóvel constituiu elemento determinante na fixação do preço, explícita ou implicitamente.

(Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 235)

Visto desse modo, o que se percebe é que a dissonância alegada entre a área descrita na escritura de compra e venda e a área encontrada na medição realizada pelo recorrente, não induz a qualquer irregularidade do negócio entre as partes, tendo em vista o caráter meramente enunciativo dos valores escriturais, emergindo dessa constatação a inexistência de pagamento indevido por parte do recorrente e apropriação de valores pela recorrida que não lhe cabiam.

Nessa toada, considerando a ideia de subsidiariedade quanto a ação de enriquecimento adotada pelo ordenamento civil pátrio, e seu propósito de evitar que o autor consiga por meio da ação de enriquecimento o que lhe é vedado, penso que agiu com acerto o acórdão recorrido, devendo ser confirmado.

O demandante busca por meio da ação de enriquecimento, resultado que não alcançaria se fosse utilizada a ação apropriada, principal, escolhida pelo ordenamento para solucionar os casos de compra e venda de imóveis, mormente rurais.

Nessa ordem de raciocínio, a pretensão não pode ser acolhida porque busca socorrer-se da ação de enriquecimento para produzir o efeito que não alcançaria com o manejo da ação de complemento de área prevista no art. 500 do CC/2002, tendo em vista o disposto em seu parágrafo 3º, reproduzido alhures:

§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus .

Na verdade, nem mesmo em caso de prescrição da ação específica, pode o autor se valer da ação em comento.

Quanto ao ponto, asseverou o acórdão:

Por fim, aceitar a utilização da ação de enriquecimento sem causa, diante da ocorrência do prazo decadencial previsto no artigo 301 do Código Civil, seria beneficiar a inércia do jurisdicionado que deixou de ajuizar a ação específica no prazo legal, e, mais do que isso, tornar sem eficácia a norma contida no artigo 886 do Código Civil, pois bastaria esperar o transcurso do prazo decadência para afastar o caráter residual da ação de restituição por enriquecimento. Certamente não foi essa a intenção do legislador.

Com efeito, a doutrina esclarece que se o autor da ação de enriquecimento possuía uma outra ação cabível que restou prescrita, não poderá se valer da primeira, para que seja impedida, numa acepção ampla e finalística, a violação da lei.

Por todos, na obra citada, Giovanni Ettore Nanni:

Nessa hipótese, o interessado dispunha de outro meio, que não foi exercitado pela sua inércia, razão pela qual não poderá valer-se da ação de enriquecimento para fraudar o instituto da prescrição consumado na questão. É nesse instante que a subsidiariedade ganha corpo e impede que seja vilipendiada outra regra de direito.

7. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.497.769 – RN (2012/0142083-0)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : KERUBINO PROCÓPIO LÉLIO DE MOURA

ADVOGADOS : CARLOS ALBERTO FERREIRA DE ALMEIDA

                              JOSÉ AUGUSTO DELGADO E OUTRO(S)

RECORRIDO : JOVENTINA SIMOES OLIVEIRA

ADVOGADO : ARMANDO ROBERTO HOLANDA LEITE E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO ART. 535 DO CPC. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO POR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CARÁTER SUBSIDIÁRIO. EXISTÊNCIA DE MEIO PRÓPRIO PARA DEFENDER O DIREITO.

1. Não há violação ao artigo 535, II, do CPC, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

2. A configuração do enriquecimento sem causa requer a conjugação de quatro elementos: a) o enriquecimento em sentido estrito de uma parte; b) o empobrecimento da outra parte; c) o nexo de causalidade entre um e outro; d) a ausência de justa causa.

3. Quanto à ação in re verso, o art. 886 do Código Civil preceitua não ser cabível nos casos em que existir na lei outros meios de pleitear a recomposição do patrimônio desfalcado.

4. É função da subsidiariedade, prevista na lei a proteção do sistema jurídico, para que, mediante a ação de enriquecimento, a lei não seja contornada ou fraudada, evitando-se que o autor consiga, por meio da ação de enriquecimento, o que lhe é vedado pelo ordenamento.

5. Nos casos em que ocorrida a prescrição de ação específica, não pode o prejudicado valer-se da ação de enriquecimento, sob pena de violação da finalidade da lei.

6. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

 Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.

Brasília (DF), 05 de maio de 2016(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

 

 

 

 

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